segunda-feira, 30 de agosto de 2010

As aventuras do sapo Kambo - terceira parte

A revolta das formigas


Entretanto, nem tudo era paz e tranqüilidade na Floresta Encantada. A violência covarde dos predadores finais da cadeia alimentar, as injustiças territoriais impostas pela força e, sobretudo, as diferenças raciais entre as espécies criavam conflitos constantes e acabavam com o descanso do rei Mapinguari I. A Anta, primeira-ministra do governo da mata, corria para um lado, corria para o outro; enquanto o rei permanecia sempre acima dos conflitos e das partes envolvidas. E assim os dois juntos iam administrando os conflitos cotidianos da floresta – até o dia da greve geral das formigas.

- Companheiras, é chegada à hora de dar um basta nessa luta de classes, nessa exploração de nosso trabalho pelas cigarras, que passam o verão cantando e, no inverno, querem parte de nosso alimento – discursava uma formiga operária, acrescentando – basta de desigualdade, basta de injusta, basta de mentira!

As cigarras, por sua vez, se defendiam como artistas-celebridades, cantando músicas sobre como a inveja do belo cria o despeito da crítica. Tinha até um rap que cigarras entoavam enquanto as formigas trabalhavam que dizia que cantar a verdade era seu trabalho. Algumas cigarras chegaram até a defender a sindicalização da categoria para proteger sua atividade artística. Mas, a verdadeira causa da revolta não foi a luta de classe com as cigarras. As formigas sabiam que assim como a comida alimenta o corpo, a arte alimenta para o espírito – e que elas precisavam das cigarras para ser felizes.

A verdadeira causa da revolta das formigas foi a invenção da rodinha.

Tudo começou quando se percebeu que as formigas amazônicas são menos produtivas que as formigas de outros países, uma vez que o custo/tempo/esforço do transporte alimentar parecia ser muito maior aqui que no exterior. Após mandar um espião para realizar uma pesquisa sigilosa no estrangeiro, chegou-se a conclusão de que a grande diferença era tecnológica: ao invés de carregar um único pedaço de comida na cabeça, as formigas estrangeiras estavam usando um carrinho de uma roda, capaz de carregar três pedaços de comida de uma vez só. Para usar o carrinho, as formigas brasileiras teriam que pagar um royaltie às estrangeiras em comida, o que criaria uma dívida externa. Em contrapartida, além de diminuir o tempo de transporte, a invenção prometia diminuir também o custo com mão-de-obra, uma vez que se poderia demitir duas formigas e manter apenas uma fazendo o trabalho das três.

Nunca havia tido desemprego entre as formigas. E pior: o fato de duas formigas ficarem sem trabalho diminuía a remuneração dada àquela que trabalhava - que se via obrigada a se esforçar mais (e ganhar menos) para não ser substituída.

- A greve tem que ser geral porque se apenas demitidas trabalharem, morrerão de fome - dizia uma das formigas revoltadas.

- E as outras vão morrer depois de tanto trabalhar – completava outra.

- Abaixo a tecnologia! Abaixo a mudança! Abaixo a roda! – protestavam e em seguida gritavam palavras de ordem ensandecidas: “Formigas, unidas, jamais serão vencidas; formigas, unidas, jamais serão vencidas”.

A situação era realmente muito difícil, pois se as formigas parassem haveria conseqüências ambientais para toda floresta. Consultado, o rei Mapinguari I declarou do alto de sua árvore não entender porque as formigas queriam tanto trabalhar e porque todo mundo temia que elas parassem de trabalhar. “A sabedoria vem da ociosidade” – filosofou lá do seu galho, sugerindo que as duas formigas restantes poderiam cantar como as cigarras. E voltou a dormir, buscando uma solução para o conflito em seus sonhos profundos.

Quando a comadre Anta já estava perto de dar um treco, de tanta preocupação com problema, apareceu Kambô.

- Vamos abrir uma escola: a Escola da Floresta – sugeriu o sapo – nela, não apenas as formigas, mas todos os animais que estiverem livres da obrigação do trabalho poderão se aperfeiçoar e aprenderem novas coisas.

- E poderemos ter nossos próprios inventos sem ter que pagar por isso – acrescentou a Anta.

- A tecnologia e progresso material não são ruins para floresta, mas é preciso saber utilizá-los com sabedoria – explicou Kambô – e isso só se aprende com uma boa escola, comadre Anta.

E assim “para preservar as tradições e desenvolver a criatividade”, o rei Mapinguari I inaugurou a Escola da Floresta, “instituição animal para o aprendizado do novo, do futuro e do antigo, sem finalidade lucrativa outra senão a de promover o desenvolvimento dos bichos, da mata e de toda terra” – como gostava de dizer.

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