terça-feira, 25 de outubro de 2022

As oito sinapses

 

Fenomenologia da Consciência


A teoria dos oito cérebros, de Timothy Leary (1961), recentemente atualizada por Robert Anton Wilson (1987), como oito circuitos neurocerebrais.

Essas teorias dividem a cognição em duas:

A Cognição Ordinária ou o lado esquerdo do Cérebro1 responsável pela cognição atual do mundo, formada por quatro circuitos integrados: o circuito da sobrevivência (ou a Consciência), o circuito das emoções (ou o Ego), o circuito da linguagem (ou Mente) e o circuito sócio-sexual (ou a Personalidade). Esta cognição é, em parte, é consciente de si e de seu contexto de formação.

A Cognição Extraordinária ou o lado direito do Cérebro, formado por funções ainda adormecidas que correspondem às nossas possibilidades de evolução: o circuito neurosomático, o circuito neuroelétrico, o circuito neurogenético e o circuito neuroatômico. Também é chamada, por vários, autores, de Individualidade, em oposição à Personalidade.

Cognição Ordinária

A Consciência equivale neste sistema à percepção sensorial da realidade, que remonta à cognição dos invertebrados, ao 'cérebro réptil' ou à capacidade de agir instintivamente. A neurociência atual considera que essa consciência-percepção é produzida pelo 'Arqueocortex'.

"Este cérebro invertebrado foi o primeiro a evoluir (faz de 2 a 3 milhares de milhões de anos) e é o primeiro a ativar-se quando nasce uma criatura humana. Programa a percepção numa espécie de codificação dividida em coisas 'boas e nutritivas' (para as que se sente atraído) e 'perigosas e tóxicas' (as que evita ou ataca)." (WILSON, 1987, 1)

Assim entendida, a consciência não é algo transcendente ou metafísico, mas um circuito de informações instintivas essenciais à sobrevivência. A consciência é o 'ser-no-mundo'. Ela não é um fenômeno em si, mas o espaço em que os fenômenos acontecem, uma clareira em meio a um universo sombrio, uma abertura pela qual vemos a realidade2.

O Ego, por sua vez, corresponde ao circuito das emoções e a uma estruturação de identidade espacial e de uma relação de poder, de propriedade em relação ao meio ambiente e a outros egos (alter-egos). O ego é uma estrutura de identidade territorial, em que o animal se apossa do espaço.

"Este segundo e mais avançado biocomputador se formou quando apareceram os vertebrados e a competição pelo território (talvez uns 500.000.000 A.C.). No indivíduo este enorme túnel de realidade é ativado quando as cintas mestras do DNA disparam a metamorfose do arrastar-se ao andar. Como sabem todos os pais, o menino que começa a caminhar já não é uma criatura passiva orientada a sobrevivência biológica, mas um mamífero político, cheio de exigências territoriais físicas e psíquicas, rápido em intrometer nos assuntos familiares e nos objetos de decisões." (WILSON, 1987, 1)

Assim, enquanto a Consciência corresponde à sensação de estar aqui e agora em corpo orientado para a sobrevivência animal; o Ego orientado por afetos e desafetos é o segundo circuito sensorial mamífero do status (atualidade-não atualidade) no grupo ou tribo. Para a neurociência é o Paleocortex ou "cérebro límbico".

Atualmente, à identificação/negação da consciência com as formas do mundo estrutura o que chamamos de Ego. Dentro dessa definição, há duas formas de compreender o ego: a oriental e a ocidental. A oriental deseja que ele seja transcendido pela consciência. Um belo exemplo atual dessa forma é a de Eckahart Tolle:

O ego é um conglomerado de formas de pensamento recorrentes e de padrões emocionais e mentais condicionados que estão investidos de uma percepção do Eu” (2002, 52-53).

Para Tolle, o Ego é o eixo do tempo/horizontal (uma sucessão de momentos – mas o passado só existe quando nos lembramos e o futuro só existe quando nós o imaginamos); a consciência (ou a presença, a sensação pessoal imediata) é o eixo místico agora/vertical. A forma ocidental é ternária e descende da ideia de que temos um demônio pessoal (o eu inferior, o instinto animal, a criança interior) e um anjo da guarda (o eu superior); e sua grande vantagem consiste em colocar o ego como observador tanto em relação aos impulsos instintivos como às demandas espirituais. Nesse modelo ternário, o Ego é um mediador externo e não há a oposição radical entre ego e consciência da tradição oriental.

A Mente, neste sistema, representa a organização do circuito da linguagem. Ela se formou quando os hominídeos começaram a se diferenciar dos demais primatas (uns 4-5 milhões A.C.) e é ativado quando o menino, já maior, começa a administrar utensílios e a linguagem de forma própria. Para Wilson, a ...

(...) "impressão desses três circuitos determina, aproximadamente à idade de três anos e meio, o grau e o estilo básicos de confiança/desconfiança que coroaram a 'consciência', o grau e estilo de truculência/sujeição que determinaram o status do 'ego', e o grau e estilo de perícia/deselegância por meio do que a 'mente' manejará instrumentos ou ideias." (1987, 2)

E, assim, do ponto de vista evolutivo, a Consciência é basicamente invertebrada, flutuando passivamente para a alimentação e a proteção do perigo; o Ego é mamífero, sempre lutando pelo status dentro da ordem tribal do grupo; e a Mente é paleolítica e formadora da cultura humana e confrontando-se com a vida através de uma matriz de instrumentos e de simbolismos.

A neurociência chama de 'Neocortex' à porção de 85% da massa cerebral que desempenha essas funções. Pode-se dizer que o ego é formado pela fala e a mente, pela escrita (pelo pensamento abstrato, descontextualizado).

Osho usa uma metáfora interessante, dizendo que a Mente é um espelho, coletivo e externo, e o Ego é nosso reflexo, circunstancial e efêmero, neste suporte no qual nos vemos indiretamente, uma vez que nos recusamos a olhar frente e a frente para nós mesmos (OSHO, 2004, 62). Ambos, no entanto, mente e ego, são estruturas de identidade construídas por nós (por nossa consciência) através dos outros.

A 'Personalidade adulta' ou 'quarto cérebro' é, para Leary/Wilson, a estrutura psíquica que organiza o circuito sócio sexual, é típico do Homo Sapiens.

Este quarto cérebro se formou quando os grupos de hominídeos evoluíram para sociedades e programaram comportamentos sexuais específicos para seus membros, uns 30.000 a.C. É ativado na puberdade, quando os sinais de DNA desencadeiam a liberação glandular de hormônios sexuais e se inicia a metamorfose ao estado adulto. Os primeiros orgasmos ou experiências de acoplamento imprimem um rol sexual característico que, novamente, é gerado de forma bioquímica e permanece constante durante toda a vida, a menos que alguma forma de lavagem de cérebro ou reimpressão bioquímica o altere (1987, 3).

Não existem estudos neurocientíficos sobre onde e como essa atividade psíquica se desenvolva. Aqui se considera que a Personalidade é um circuito de sinapses cerebrais que coordena as relações entre a Consciência, o Ego e a Mente. A personalidade assim entendida é também uma máscara, uma persona, atrás da qual se esconde uma individualidade psíquica formada pelos circuitos da cognição extraordinária.

Nos meios esotéricos chama-se de Personalidade a este ‘eu falso’, construído a partir do medo e das exigências da socialização, e de Individualidade ao ‘eu verdadeiro’. A função da Personalidade é interpretar a Individualidade e não a esconder ou reprimir. É como uma vitrine que apresenta ao conteúdo da loja, não adianta quebrá-la ou subtraí-la, é preciso reorganizá-la.

Atores e atrizes de teatro costumam ‘se trabalhar’ escolhendo personagens semelhantes aos de suas personalidades, como uma forma de reinterpretá-los e superá-los, lapidando sua individualidade.

Também se pode pensar na Personalidade como os 40% da identidade pessoal que pode ser modificada (as sinapses móveis entre os neurônios) e na Individualidade como o que não se pode mudar (os circuitos cerebrais fixos, que se formam ao longo da vida). De toda forma, a Personalidade é uma estrutura de identidade construída pela consciência através do medo externo (o Ego) e de um espelho para se ver através dos olhos dos outros (a Mente).

A consciência vive no fundo da caverna e projeta a personalidade como fachada para o lado de fora.

Cinema e percepção

O místico Ramana Maharshi (1972) desenvolve uma analogia entre cinema e percepção, em que se observa o processo cognitivo descendente, do abstrato para o concreto

Em um primeiro momento, a Consciência é a percepção. Representa a luz que projetada sob diferentes objetos. Se prestarmos atenção ao que vemos, os olhos se iluminam; se buscarmos perceber os sons, a consciência se focara em nossa capacidade auditiva; e assim por diante. Nesta analogia, a consciência é a atenção que se desloca segundo nossa percepção seletiva.

Assim, como a luz é produzida por uma lâmpada, a consciência é produzida por um suporte, de uma esfera luminosa, o Self, Eu superior ou centelha divina. E este é o segundo momento da comparação de Mararshi. O terceiro momento desta analogia consiste na lente que a luz da lâmpada transpassa na projeção de um filme e a Mente Coletiva e externa por onde consciência do Self passa ao perceber as diferentes dimensões (racional, sentimental, sensorial) da realidade. A mente aqui não é individual, e sim um filtro social, intersubjetivamente construído.

No quarto momento do processo, a Consciência projeta sua luz através da Mente Coletiva com assertividade, formando um foco, um centro direcional da consciência imediata chamado de 'atenção'. A criação do Ego, este centro de direcionamento da consciência, cria também o tempo contínuo, a narrativa do passado e as esperanças futuras.

No quinto passo da analogia de Maharshi surge a comparação entre a projeção do filme e o "Observador", isto e, um eu-foco formado para observar o pensamento, a mente e as percepções da consciência. Este observador é um determinado enquadramento autoconsciente que criamos para nos tratar na terceira pessoa e existe em várias meditações. Nesse ponto também se pode localizar a Personalidade – uma vez que apenas uma minoria observa ao próprio filme, preferindo simplesmente projetá-lo. Portanto, desenvolver um 'Eu Observador' ou um 'Eu Exibidor' (a Personalidade) vai depender da consciência em relação ao Ego e à Mente.

No sexto nível da analogia, surge um elemento externo: a película. E, internamente, os fotogramas do filme projetado correspondem às variadas formas mentais (arquétipos, memórias, imagens) que formam o pensamento e a imaginação simbólica. Agora, percebe-se que realidade é semelhante à projeção das imagens na tela do cinema. A diferença é apenas no modo de representação: no cinema as imagens são projeções bidimensionais; e a realidade é holográfica e solida. Mas, também, tanto no cinema como na percepção, há as imagens de referências externas (sensoriais, mentais, emocionais); há imagens produzidas pela memória, outras pela imaginação. O sétimo nível da percepção, então, é a interpretação seletiva das imagens, em que classificamos involuntariamente os diferentes itens de nossa percepção.

E finalmente, há o mecanismo responsável pela projeção das imagens, a máquina ou o corpo. Este mecanismo recebe as imagens automaticamente e não tem consciência plena de seu significado. Chama-se aqui essa instância de espaço exterior. O importante nessa analogia entre cinema e percepção é visualizar o processo cognitivo em seu conjunto em sete etapas sucessivas: a consciência (a luz e o self), a mente coletiva, o ego, o observador/personalidade, a linguagem simbólica, a realidade interior e a realidade exterior.

Cognição extraordinária

Esses modelos são apenas algumas das várias fenomenologias dos estados de consciência possíveis. Estudando várias tradições religiosas diferentes, Ken Wilber (2006, 272-273) oferece um modelo de analogia universal das fenomenologias quaternárias, a partir das categorias de corpo, mente, alma e espírito.

Gurdjieff afirma que a personalidade é construída horizontalmente através do tempo e a individualidade, pela experiência vertical da eternidade. Horizontalmente, somos todos iguais, nivelados pela morte; porém, há alguns que vivem o presente de modo mais profundo. Os animais vivem suas vidas horizontalmente, apenas alguns homens, ao entrar em contato vertical com a eternidade, adquirem uma alma (OUSPENSKY, 1980, 89).

Nessa perspectiva, o homem só constrói uma individualidade quando ativa os circuitos cerebrais da cognição extraordinária. Conhecendo a si mesmo, "somos mais e mais capazes de acelerar nossa própria evolução" - acredita Wilson, propondo que enquanto os quatro circuitos do lóbulo esquerdo (Consciência, Ego, Mente e Personalidade) contêm as lições aprendidas de nossa biografia e presentes (pessoal e coletivo); os quatro circuitos do lóbulo direito (Neuro-somático, Neuro-elétrico, Neuro-genético e Neuro-atômico) é um verdadeiro anteprojeto evolutivo de nosso futuro.

O circuito neuro-somático entra em atividade quando o sistema nervoso percebe sua capacidade de lúdica e compreensiva. Este "quinto cérebro" surgiu faz uns 4.000 anos nas primeiras civilizações do ócio. Quando ativado, este circuito produz uma conexão hedonista, uma diversão extática, um desapego de todos os anteriores mecanismos compulsivos dos primeiros quatro circuitos. Leary achava que essa sensação, no momento evolutivo adequado, desencadearia uma mutação neuro-somática ou uma desprogramação nos mecanismos de manutenção da Cognição Ordinária. Também se pode associar essa auto percepção somática como um estado propiciar de regeneração orgânica, quando entramos em um estado de consciência que "nos cura" através da compreensão e da adaptação às situações.

Já o circuito neuro-elétrico entra em atividade quando o sistema nervoso descobre sua função de meta programação, atuando como um tradutor universal das linguagens ao um padrão binário de uma linguagem primária.

Enquanto o circuito neuro-somático havia uma mudança de comportamento pela adaptação passiva, a cognição neuro-elétrica é propositiva e há uma mudança existencial por reprogramação ativa. Para Leary ...

" (...) o sexto cérebro consiste no sistema nervoso sendo consciente de se mesmo, independentemente dos mapas de realidade impressos cognitivamente (circuitos I-IV), e até mesmo independentemente do êxtase corporal (circuito V) e suas características (...) são: a simultaneidade, a eleição múltipla, a relatividade e a fusão instantânea de todos os sentidos em universos paralelos de possibilidades alternativas."

O circuito neuro-genético é ativado quando o sistema nervoso começa a receber sinais do interior do genoma individual, por meio do diálogo DNA-RNA. Aqui o Ser se torna consciente de seu Destino. Para Leary, esta mutação leva a diferentes tipos de experiências "fora do corpo": "recordações de vidas passadas", "projeções astrais", etc. Wilson associa esse circuito ao "inconsciente coletivo" de Jung e ao "inconsciente filogenético" de Groff e Ring.

E o circuito neuro-atômico é ativado quando o sistema nervoso é percebe sua fonte de energia quântica, a luz e a idéia de espaço-tempo são eliminadas. A barreira einsteiniana da velocidade da luz é transcendida e escapamos da realidade eletromagnética das coisas e dos objetos para viver em um universo relacional. Para Leary, a "consciência atômica" é a conexão explicativa máxima do homem, que no futuro unirá a parapsicologia e a metafísica na primeira teologia científica, empírica e experimental da história. E para Wilson, "o 'cérebro' cósmico inteiro micro-miniaturizado na hélice do DNA, é a inteligência local guiando a evolução planetária."

Neste modelo, a cognição ordinária é composta por quatro circuitos neurológicos e a cognição extraordinária é construída, hipoteticamente, por quatro circuitos sinápticos possíveis. Cada circuito extraordinário corresponde ao desenvolvimento de um circuito da cognição ordinária.

Modelo biográfico

Segundo os chineses, em uma vida “há 20 anos para crescer/aprender, 20 anos para lutar e 20 anos para alcançar a sabedoria”. A psicologia biográfica subscreve esta afirmação e ainda subdivide em setênios (períodos de sete anos) cada uma destas três grandes fases.

Na primeira fase, do nascimento até os 21 anos, observa-se a formação do corpo e da personalidade em três etapas: até os sete anos, dos oito aos 14 e daí a maturidade. Cada uma dessas etapas de sete anos corresponde a um determinado estágio de desenvolvimento do corpo e da personalidade e a passagem de uma etapa para outra implica em uma crise e uma adaptação. Ao final dos sete anos, a criança vive uma crise de socialização; aos 14, a crise da sexualidade; e aos vinte a crise de identidade.

Da mesma forma, a psicologia biográfica subdivide a fase adulta (21-42) e fase madura (42-63) em três etapas de sete anos cada, com crises de transição. Enquanto nos primeiros três setênios da vida o indivíduo vive um predomínio dos fatores biológicos sobre os subjetivos, ele terá também um período igual em que há um equilíbrio e um período de decadência biológica e oportunidade espiritual a partir dos 42 anos de ipossibilidade de desenvolver, aos 49 anos, uma alma inspirativa (ou buddhi) a partir da mente (ou de repensar os aspectos morais adquiridos dos sete aos 14).

Aos 56, há possibilidade de formar uma alma intuitiva (ou atma) a partir do corpo vital (ou de reviver os aspectos mais profundos da formação da personalidade, moldados durante a primeira infância) – o que corresponde ao circuito neuro-genético.

E, finalmente, o circuito neuro-atômico corresponde à consciência quântica, ao nagual.

Há um espelhamento dos três aspectos (motor, mental e emocional) da Personalidade entre a primeira e a última das etapas da vida. Ao invés do desabrochar potencial de várias almas a partir dos diversos corpos esotéricos, pensa-se aqui em termos de desenvolvimento de circuitos cerebrais da consciência e da reforma da Personalidade. Mas é apenas uma diferença de linguagem. O importante é a consciência das etapas e fases da vida, das crises etárias e possibilidades de mudanças pelas quais todos passam. E, é claro, das estratégias e objetivos de vida que traçamos para cada fase.


1 Para saber tradicional, em que o (sujeito) observador é o (objeto) observado, o racional é o lado direito e o esquerdo, o lado mais emotivo. Para o saber científico, em que o observador é externo, a relação é invertida: o lado esquerdo é que é o racional; e o direito, o emotivo.

2 Além da dimensão perceptiva, a Consciência tem também uma dimensão moral, que leva em conta os valores que a contextualiza. Ser consciente não é exatamente a mesma coisa que perceber-se no mundo, mas Ser no mundo e do mundo, referenciando a percepção em valores construídos culturalmente. Alguns filósofos chamam de consciência fenomenal à experiência da percepção, e de consciência de acesso ao processamento das coisas que vivenciamos durante a experiência. O desenvolvimento perceptivo da consciência se dá através do treinamento da Atenção. O desenvolvimento ético da consciência só é possível através de sucessivas mudanças de valores.

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

EU NÃO SOU XAMÃ, SQN

 


Marcelo Bolshaw Gomes 1


A história da antropologia pode ser subdividida em três grandes momentos: o período evolucionista e etnocêntrico, em que os antropólogos consideravam os outros povos primitivos; o período funcionalista-estruturalista, em que Franz Boas e Levi-Strauss, entre outros, se descobriram iguais aos selvagens que estudavam; e o período etnoantropológico, em que, invertendo a perspectiva inicial, o antropólogo se conhece cultural e psicologicamente através de tradição que estuda e torna-se um xamã. No decorrer de suas pesquisas, o antropólogo encontra o xamanismo e se apaixona. Passado algum tempo, percebe que conhece apenas uma adaptação das práticas do passado. 

Para curar-me parcialmente dessa ilusão e como prova de agradecimento sincero pela compreensão que me foi generosamente entregue, escrevo aqui uma comparação entre o neoxamanismo urbano e os xamanismos arcaicos. A conclusão é que, elencadas as diferenças positivas e negativas, há dois pontos importantes em comum: o meta sistema de crenças (ou o desencantamento reencantado) e a cura transferencial como prática.


  1. A abordagem platônica do mito

Acorrentados de costas para a luz em um cárcere subterrâneo, os prisioneiros só podem ver, dos homens, animais e figuras que passam pelo exterior, as sombras projetadas no fundo da Caverna. Quando um dos prisioneiros se liberta e retorna ao mundo exterior, é cego pela luminosidade do Sol e só aos poucos consegue se adaptar à nova realidade. Percebe, então, que o mundo no qual vivia era irreal e inconsciente, feita de sombras e reflexos das coisas. Porém, o prisioneiro correria sério risco de vida se, retornando ao interior da caverna, procurasse revelar aos seus antigos companheiros a irrealidade do mundo em que se encontram. Provavelmente, eles o matariam.

Nesta imagem genial, Platão não apenas resumiu sua concepção sobre realidade sensível e realidade inteligível, mas também nos transmitiu sua experiência pessoal, mais precisamente, sua explicação filosófica para o trágico destino de seu mestre, Sócrates, forçado a beber veneno pelas autoridades atenienses em virtude de sua defesa intransigente de uma visão mais objetiva da realidade.

Na Idade Média, Santo Agostinho, no livro A Cidade de Deus (AGOSTINHO, 1990), retoma a ideia de utopia platônica em uma perspectiva histórica. Para o criador da doutrina do pecado original, a Cidade de Deus existe paralela à Cidade dos Homens: as realidades sensível e inteligível de Platão. Ao ser expulso do paraíso, o homem dissociou os dois mundos e o retorno à Nova Jerusalém será a reunificação das cidades. Agostinho colocou a utopia platônica como um objetivo histórico da humanidade, ideia que se será adotado involuntariamente por muitos pensadores posteriores.

Outra adaptação/atualização do pensamento platônico pode ser atribuída a C. G. Jung e aos conceitos de Arquétipos e Inconsciente Coletivo (JUNG, 2002). Nessa versão, o mundo inteligível, o lado de fora da caverna, é uma memória coletiva de imagens arcaicas acessível através dos sonhos e da mitologia. Essa mente coletiva arcaica é formado por Arquétipos, representações coletivas e universais, presentes em diferentes culturas. Palas Atenas, o Júpiter latino e o orixá Xangô, por exemplo, são diferentes representações históricas do arquétipo da justiça, que tem suas raízes em um dispositivo psicológico que equilibra transgressão e culpa.

Joseph Campbell (1990;1995), levou as ideias de Jung aos campos da arqueologia e mitologia comparada, elaborando um modelo universal segundo o qual todos os grandes mitos fundadores das culturas humanas seriam, em última análise, uma única narrativa: o 'monomito' ou a jornada do herói.

E historiador das religiões Mircea Eliade elaborou uma arqueologia estrutural dos mitos (uma ampla classificação dos mitos por arquétipos), principalmente no livro Tratado Histórico das Religiões (1993). Nessa arqueologia, há duas formulações particularmente importantes: o 'centro do mundo' e o 'monoteísmo primitivo'.

Para Eliade (1992, 295-312), a noção de 'Centro do Mundo' faz parte do universo de praticamente todas as sociedades arcaicas. O universo foi criado a partir desse centro e é uma passagem tanto para os infernos subterrâneos como para regiões celestiais. Tal é o sistema simbólico das sociedades tradicionais, do qual derivam as imagens cosmológicas, os mitos e concepções religiosas nas mais diversas culturas: os pilares, as montanhas sagradas, as árvores da vida, as escadas cósmicas são representações do Axis Mundi, em torno do qual o universo se organiza. 

Para os judeus, o monte Tabor é o Centro do Mundo; enquanto, para os gregos, é o Olimpo. O monte Meru dos hindus, o Himinghjor dos germânicos, o Haraberezaiti dos iranianos, a Kaaba dos islamitas, Jerusalém para os cristãos – todos são passagens verticais para outras dimensões e se situam no Centro do Mundo dessas cosmovisões. Eliade acredita ainda que nas sociedades mais antigas a “imagem visível deste pilar cósmico é, no céu, a Via Láctea”, que se expande a partir da constelação da Ursa Maior (polo norte estelar, possível local do 'Big Bang') e se direciona para um buraco negro abaixo da constelação do Cruzeiro do Sul (polo sul estelar).

Outra formulação significativa é que, possivelmente, o politeísmo é uma invenção judaico-cristã. Eliade (1993, 39-102) após estudar diversas mitologias tidas como ‘politeístas’, observou que deuses celestes como Tangri, Urano e Olorum não tinham altar ou culto e eram ‘pais’ dos outros deuses, a quem entregou a administração do mundo. Elaborou as categorias de ‘deus oticius’ e de ‘monoteísmo primitivo’.

E essa forma universalista de pensar arquetipicamente o mito é hegemônica não somente em vários campos de estudo, mas também em vários grupos esotéricos atuais – que se fundamentam em autores como Jung e Campbell – buscando dar uma maior credibilidade a suas crenças e práticas rituais.

  1. A visão antropológica do mito

Porém, o maior e mais completo estudo sobre a universalidade do mito é a tetralogia ‘Mitológicas’ de Lévi-Strauss (2004; 2005; 2006; 2011). Após, estudar, durante 20 anos, diferentes mitologias ameríndias, o antropólogo passou a crer, senão na unidade primordial de todos os mitos, pelo menos da universalidade da experiência mítica. Lévi-Strauss não só explicou cientificamente o significado cultural do mito (em suas particularidades linguísticas, econômicas e hereditárias), mas pôs-se a pensar (parcialmente) como selvagem.

Jung, Campbell e Eliade partem do geral (do inconsciente coletivo, dos arquétipos) para o particular (os mitos culturais específicos) e são universalistas, cultuando o sagrado como uma epifania transcultural. Enquanto a antropologia, no sentido contrário, descreve o aspecto local das narrativas míticas dentro de um quadro aberto de referências linguísticas, alimentares, culturais. Ambos abordam 'o todo e as partes' – mas de modo bem diferente, inverso e até complementar em alguns aspectos. Os antropólogos são mais indutivos; os mitólogos, mais dedutivos.

Lévi-Strauss chega à mesma conclusão que os mitólogos, mas por caminhos muitos mais tortuosos, fragmentados e complexos: a análise estrutural de 813 mitos com algumas variantes, de culturas nativas das duas Américas.

E, ressalte-se também que ideia de um único mito arcaico de dimensões continentais é bastante diferente da noção de monomito universal de Campbell e da jornada do herói. Na ótica da antropologia, os mitólogos se deixam possuir pelo mito sem perceber e, muitas vezes, acabam tecendo generalizações etnocêntricas, adequando outras mitologias à sua. Para estudar um mito, é necessário se distanciar culturalmente dele e vê-lo de fora.

E a importância da experiência mítica de um homem desencantado, como Lévi- Strauss, é justamente que ele vê (e vive) o mito ao mesmo tempo como cientista e como selvagem, sem abrir mão de nenhum dos dois lados. A conclusão de Strauss de que todos os mitos são um só, não é só devida às semelhanças de personagens e ações dramáticas nas diferentes narrativas, mas, sobretudo, ao fato das estruturas narrativas se perpetuarem tendo a si mesmo como referência, sempre contando sua própria história.

O pensamento selvagem classifica as coisas (cores, sons, cheiros, animais, datas, pessoas) segundo critérios subjetivos derivados de experiências sensoriais; em oposição ao pensamento científico domesticado, que classifica o mundo segundo critérios objetivos universais. Mas, o 'pensamento selvagem' de Strauss não é o 'pensamento dos selvagens', mas sim o pensamento em estado selvagem, ainda não domesticado. Ele não é incompatível com o pensamento científico. O pensar selvagem se refere a propriedades sensíveis; o pensar científico se refere às propriedades abstratas.

Assim, o pensamento antropológico é selvagem e civilizado ao mesmo tempo, não separando os dois lados da caverna, observando uma única realidade de modo sensível e inteligível simultaneamente.

Enquanto a psicologia analítica de Jung e suas derivações (Bachelard, Campbell, Eliade) estudam o mito do ponto de vista platônico e universal; a antropologia valoriza mais a estrutura dos mitos do que seu conteúdo manifesto, como se eles fossem mensagens fragmentadas do passado, que, com o passar do tempo, quase perderam o sentido.

Defende-se aqui que os dois métodos não se excluem e são complementares na investigação das ressonâncias subjetivas das narrativas míticas.

  1. A reinvenção do xamanismo

O xamanismo está se tornando uma nova forma de espiritualidade global, atraindo jovens de várias partes do planeta, misturando diferentes tradições indígenas na espiritualidade pós moderna, new age.

A palavra “Shaman” é de origem siberiana (Tungue) e significa 'feiticeiro'. O historiador Mircea Elidade, em seu livro O Xamanismo e as Técnicas Arcaicas do Êxtase (2002) considera que o complexo xamânico, além existir em todos os povos da Ásia Central e Setentrional (árticos, turco-mongóis, himalaios), está presente ainda no Extremo Oriente (Japão, Coreia, Indochina), da Oceania (Austrália, Havaí), em diferentes regiões da África (Bantos, Iorubas, Ewes) e nas duas Américas.

Por 'complexo xamânico', o historiador entende a presença de vários elementos em comum: o tambor, os maracás, o tabaco, a fogueira sagrada, o contato com os deuses e ancestrais, a doença iniciática (morte e ressureição do xamã), a cura de doenças através da sucção, a 'visão do esqueleto', entre outras.

O xamanismo não é um sistema de crenças religiosas propriamente dito, mas um conjunto de práticas extáticas e terapêuticas cujo o objetivo é entrar em contato com o a realidade invisível. Coexiste com várias tradições (escritas e orais) e está presente nos cinco continentes. Eliade considera que não são as formas religiosas que o caracterizam, mas sim as práticas extáticas e uma maior intensidade espiritual que a experiência religiosa da maioria das pessoas de cada tradição.

O xamã, deste ponto de vista geral, não é apenas o feiticeiro, o medicine-man ou o vidente de uma comunidade tribal, que conhece a energia da natureza e a utiliza em rituais em benefício do grupo; ele é sobretudo o 'psicopompo' (o guia condutor das almas mortas, o viajante dos céus e dos infernos através de transes místicos) e pode desempenhar, segundo a região e a tradição a que pertença, as funções de sacerdote, místico e poeta. O xamã é sempre o grande sonhador, o mediador com o mundo invisível, o personagem que vive no encontro entre duas realidades.

Porém, nos dias atuais: “Ser xamã, é viver uma vida comum de forma extraordinária. É saber ler os sinais claros, que 'falam' conosco, nas entrelinhas dos acontecimentos” - como explica Carminha Levy, no site Vya Estelar2:

A tradução da palavra xamã é "aquele que sabe". É aquele que faz a descoberta da consciência. O sacrifício do xamã é a busca da autoconsciencia, sacrificando o ego, ou seja, todos os os aspectos negativos do ser, nos níveis espiritual, mental, emocional e físico. O trabalho do xamã consiste em sair fora do corpo, em estado alterado de consciência, utilizando a imaginação, ou saindo fora do corpo mesmo. Isto acontece quando a pessoa trabalha com fenômenos fora do corpo. Enfim, todos os seres são xamãs. Mas precisam ser acordados para este dom. Geralmente, as pessoas despertam para o xamanismo através de uma doença, um acidente ou a perda de um ente querido...

Segundo essa ótica, músicos, poetas, escritores, pintores, escultores, atores, bailarinos, cineastas, todos que tenham uma ligação especial com natureza e que vivam com o lado direito do cérebro, onde exercita seu lado intuitivo, instintivo e criativo – são meio xamãs. Também os médicos, enfermeiros, psicólogos, terapeutas e psiquiatras são xamãs por excelência. Todo curador, criativo ou religioso é um xamã, mesmo que totalmente dissociado de rituais arcaicos de êxtase e das culturas ancestrais.

A passagem dos 'xamanismos locais tradicionais' para o neoxamanismo global se deve, principalmente, a dois antropólogos, que, na década de 60, trocaram a perspectiva científica pela visão dos saberes ancestrais: Carlos Castañeda e Michael Harner.

Castaneda reinventa o xamanismo tolteca de forma pós-moderna3, adaptando-o para a vida cotidiana atual através de uma 'ética do guerreiro'; e Michael Harner resgata o essencial do antigo xamanismo para espiritualidade contemporânea: a ênfase na auto cura ou na canalização/transformação do negativo em positivo. Pode-se até distinguir dois grupos diferentes de neoxamanismo a partir dessas duas influências de transição, uma mais voltada para o descondicionamento social; e outra mais platônica e gnóstica.

E a partir do sucesso desses dois escritores, surgiu um novo xamanismo universal que combina diferentes ideias e técnicas, desenraizadas culturalmente de suas origens geográficas, voltadas para a (auto) regeneração planetária e para a (re) integração com meio ambiente.

Há também xamanismo étnicos que se globalizam, gerando um turismo de desenvolvimento pessoal: como a Sun Dance dos Sioux; o peiote dos Navarro nos EUA; e o San Pedro, a ayahuasca e a coca, no Peru. No Brasil, há controvérsias extensas sobre o caráter xamânico das religiões ayahuasqueiras4

Embora xamãs e antropólogos aceitem a distinção entre os antigos xamanismos locais e o crescente neoxamanismo urbano (MAGNANI, 1999a; 1999b; 2000; 2005), na prática existe uma grande confusão entre os dois fenômenos religiosos distintos. Muitos xamanismos indígenas são menos tradicionais do que pensam, tendo sido concebidos recentemente sob a influência externa.

Por outro lado, vários pesquisadores acadêmicos consideram o neoxamanismo como 'uma moda cultural da nova era', um produto artificial da sociedade de consumo – menosprezando o fato dele representar uma forma de espiritualidade contemporânea global viva e em crescimento exponencial. Daí a importância premente de se ressaltar as diferenças e de se repensar as semelhanças entre os diferentes tipos de 'xamanismos'.

  1. Comparando o passado e o presente

Por exemplo, enquanto 'todos são xamãs quando despertos' no neoxamanismo, o recrutamento dos antigos xamãs combinava a transmissão hereditária da profissão com a vocação espontânea do pretendente. Havia um 'chamado' da natureza e uma 'escolha' a ser feita por quem era chamado. A confirmação, segundo Eliade, era dada pelo transe – mesmo que a criança nascesse com marcas ou sinais característicos dos xamãs ou houvesse algum oráculo a respeito. Na verdade, a própria intensidade da experiência extática excluia severamente a criança do convívio da comunidade e era decisiva para determinar sua vocação xamânica. E o inverso também acontecia: uma criança sem família e/ou com problemas de adaptação grupal acabava desenvolvendo o transe e se tornava xamã. Em ambos os casos, no entanto, o transe é causa e consequência de um comportamento de um desajuste psicossocial. Eliade gasta algumas páginas explicando as diferenças entre o transe extático e os ataque epilépticos e outros distúrbios nervosos (2002, 37- 47).

Atualmente, o transe está sendo substituído gradativamente pela mediunidade espírita5 e pelo uso de plantas de poder. Houve também uma democratização da experiência de canalização, antes uma prerrogativa do xamã, hoje partilhada pelos participantes.

O importante é perceber que o recrutamento, o treinamento e a outorga de poderes xamânicos eram conferidos a indivíduos desajustados e socialmente excluídos, que por algum motivo não suportavam a vida familiar e grupal, em um regime de disciplina intenso que prescrevia, não apenas dietas e rituais, mas sobretudo isolamento e autocontrole. Os antigos xamãs eram assim indivíduos circunspectos e solitários, que geralmente não casavam e viviam à margem de seu grupo social.

Hoje, o processo de recrutamento, seleção social e treinamento prático de xamãs não obedece mais a esses rigores devido a uma mudança de contexto cultural. A antiga disciplina pode até ser simulada em detalhes (como no caso da 'busca da visão', dos índios norte- americanos, atualmente transformada em jornada de auto conhecimento), mas não terá o mesmo sentido social.

Outra diferença marcante entre os xamanismos arcaicos e o neoxamanismo urbano reside no fato de que, enquanto grande parte desse último se propor formar pessoas mais intuitivas e instintivas; os xamanismos antigos enfatizarem o descondicionamento social e biológico dos participantes, cujo objetivo é “perder a forma humana”. O neoxamanismo deseja ser mais humano (no sentido adjetivo); os xamanismos arcaicos intentam ser menos humanos (no sentido substantivo).

Segundo Castaneda, 'abandonar o molde humano' (ou romper com o condicionamento biológico) significava, para os antigos videntes, conhecer seu animal totêmico de poder, adotando outra forma nos sonhos. Para ele, atualmente, a perda da forma humana é marcada pela percepção de si como um campo de energia ou como um 'ovo luminoso'.

Porém indiferentes a essa colocação, muitos grupos de neoxamanismo entendem os animais de poder como se fossem símbolos que caracterizam aqueles com as quais estão associados, como signos astrológicos ou orixás do candomblé6, e não como um marco de transformação nos padrões cotidianos de comportamento instintivo e emocional humanos – conquistados através da iniciação e de uma vida de restrições e sacrifícios.

O neoxamanismo, porém, prefere valorizar as vontades do corpo e os sentimentos do coração para compensar o racionalismo da nossa sociedade patriarcal. E é claro que existem exceções. Para grupos neoxamânicos como o Caminho Vermelho, o Fogo Sagrado e o próprio Castaneda não existem arquétipos ou dimensões transcendentes: a única realidade é um inventário sensível-inteligível feita pela mente.

E a questão chave da desanimalização não é o controle individual dos desejos e instintos, mas o comportamento em relação ao seu grupo. Ao estudar os rebanhos mamíferos, Kurt Lewin (1989) observou três comportamentos recorrentes: identificação (eu sou o poder), contestação (eu sou contra o poder) e e submissão (aceito o poder como algo fora de mim).

Em outras ocasiões (GOMES, 2001; 2013), associei os que se identificam com o poder à categoria de Pastores; os contestadores foram definidos como Lobos; e os submissos denominados de Ovelhas. O Pastor é o macho-alfa, gerente do capital do grupo; enquanto, o Lobo é o xamã por excelência, aquele que expressa o inconsciente grupal.

Assim, um grupo é (mais e menos que) a soma dos seus componentes. O trabalho coletivo é mais que a soma dos trabalhos individuais gerando um excedente, o resto que sobra do todo menos as partes (o Capital). Porém, o grupo também é menos que a soma das suas partes e recalca as qualidades de seus componentes. A esse déficit inibido das partes através do todo, chamamos inconsciente grupal. (GOMES, 2013, 13).

Embora existam casos, como o de Gengis Khan, em que o xamã é também o líder do grupo (Lobo e Pastor, ao mesmo tempo), o mais comum é que os dois papéis sejam distintos e polarizados (pelas Ovelhas). Deleuze e Guatarri (1980) elaboraram o termo 'espírito de matilha' em oposição ao 'espírito de rebanho' para caracterizar o comportamento de contestação e independência dos indivíduos parcialmente excluídos do condicionamento grupal, incluindo aí os xamãs; mas a desanimalização dos padrões grupais prescrita pelas técnicas arcaicas de êxtase é ainda mais radical, exigindo a morte do ego do iniciado e a retomada teatral de suas funções na comunidade, superando o papel de Lobo do rebanho.

E a maioria dos grupos do neoxamanismo urbano (assim como outros grupos esotéricos atuais) não observam a existência das relações de poder (de dominação, contestação e submissão) em seu interior; e vive inadvertidamente pelas regras do rebanho, sem esperanças de desanimalização do condicionamento biológico e social a que está submetido. Seus xamãs são apenas Pastores disfarçados com pele de Lobo.



Xamanismos

Neoxamanismo

O recrutamento

Transmissão hereditária e vocação espontânea (chamado + escolha)

Todos podem ser xamã, basta ser despertado

O transe

Diferenças com a psicopatologia

Mediunidade e plantas de poder

A desanimalização

Abandonar a forma humana

Ser mais afetivo e instintivo

O rebanho

O espírito de matilha

O neoxamã é um pastor


  1. O neoxamanismo gnóstico vs. neoxamanismo pós-moderno

Pode parecer ao leitor que aqui também se deprecia as manifestações culturais mais recentes em nome das mais antigas, com saudades do encantamento do mundo, mas esse não é o caso. Se ressaltamos a incapacidade do neoxamanismo de entender suas raízes arcaicas é apenas para melhor enquadrá-lo e compreende-lo historicamente.

Existem muitas outras diferenças de contexto e de propósito (além do recrutamento, do transe e da desanimalização) entre os antigos xamanismos e o neoxamanismo, algumas até mais favoráveis ao xamanismo atual. Por exemplo: no passado, os xamanismos eram, na sua maioria, masculinos; agora, são predominantemente femininos – não apenas em quantidade de participantes, mas, sobretudo, em suas práticas rituais e objetivos. Ou ainda: tanto o neoxamanismo quanto os xamanismos arcaicos dão ênfase à natureza, mas de formas diferentes. O neoxamanismo trabalha mais com a ideia de meio ambiente e de consciência planetária. Castaneda formula o interessantíssimo conceito de 'seres inorgânicos', formas de vida de outra escala de tempo que se alimentam dos homens e da vida orgânica. E tudo isso pode ser considerado um avanço em relação às antigas práticas e para um panteão de deuses arcaicos representando a mãe natureza. Também destaque-se que, entre as formas atuais de neoxamanismo, há dois tipos polares: o neoxamanismo gnóstico, que vive em função de outro mundo e acredita em toda sorte de imagens e símbolos; e o 'xamanismo pós-moderno', que ignora a dimensão transpessoal da psique e considera que 'o além' é apenas ilusão ou ideologia das religiões institucionalizadas. E, entre esses polos, há diversos tons de cinza.

Mas, bem vistas toda essa diversidade atual e ainda as diferenças positiva e negativas entre passado e presente, há dois elementos universais: a) a cura pela transferência não- analítica como prática principal; e b) o meta sistema de crenças.

A ênfase de converter negatividade em atividade positiva, de mediar os conflitos através de rituais simbólicos parece ser universal. É claro que o antigo xamã mediava o conflito entre forças das natureza personalizadas em deuses; e hoje o neoxamã busca revelar o lado feminino dos homens em oposição ao lado masculino das mulheres. Mas, a técnica base continua a mesma: canalizar o negativo, compensá-lo com o oposto e devolver equilibrado. Os xamanismos e o neoxamanismo tem essa ênfase na prática da cura ou, se preferirem, nas relações de transferência e contra-transferência não-analíticas de conteúdo simbólico.

Outra continuidade entre os antigos xamanismos e o neoxamanismo atual é que os primeiros são sistemas mágicos meta religiosos, um conjunto de práticas místicas, psicológicas e extáticas, anteriores e paralelas à elaboração dos grandes sistemas de crença religiosa. O ceticismo, o pragmatismo, o empirismo avesso a transcendências – são características comuns de diferentes tipos de xamanismo no transcorrer do tempo. Eles são laicos e objetivos, sistematizações da experiência prática e não um conjunto de crenças, mágicas, anteriores aos sistemas de crenças religiosos. Mas em paralelo a esse desencanto religioso, há também a afirmação viva do cotidiano como uma aventura extraordinária, povoado de mistérios e situações singulares. E o neoxamanismo, herdeiro destas práticas e dessa visão ecumênica e agnóstica, também – embora de formas diferenciadas.

No neoxamanismo pós-moderno de Castaneda, esse desencanto e reencantado é individual e é chamado de 'ética do guerreiro'. O guerreiro deve aprender a agir por agir, sem esperança nem desespero, a dar o melhor de si sem esperar retribuição, a confiar sem crer, a viver deliberadamente através de desafios constantes, a sempre escolher o caminho de seu coração, entre outros preceitos. Porém, mais do que um simples código de conduta contra a auto importância e a auto piedade, a ética do guerreiro é uma configuração energética em que o praticante se alinha ao Intento, uma energia inteligente que pode treiná-lo e guia-lo até seu salto para o infinito. O caminho do guerreiro consiste sobretudo em acumular e redistribuir energia de forma a sobreviver à morte e não ser absorvido pelos seres inorgânicos. Alcançar a 'liberdade total' significa sair da cadeia alimentar e não ser devorado dos predadores.

Não há rituais, imagens, indumentárias indígenas ou quaisquer elementos do 'complexo xamânico' proposto por Eliade. Ao contrário, Castaneda prescreve uma atitude de espreita, sobriedade e extrema discreção, despindo o xamanismo de todo seu simbolismo para enfatizar o que considerava principal: a construção de um 'corpo sonhador' para escapar dos predadores inorgânicos e sair deste universo do carbono.

Já para os neoxamanismos gnósticos, o reencantamento do mundo é coletivo: os xamãs devem lutar pela mudança do 'sonho planetário'. Para don Miguel Ruiz (2005), por exemplo, há dois sonhos coletivos em desenvolvimento: o sonho que chamamos de realidade – “o tonal, a primeira atenção, sonho do inferno ou o sonho da vítimas” – e o sonho dos guerreiros, um sonho alternativo de realidade - “o nagual, o sonho da segunda atenção”.

Ruiz foi criado pelo avô, Leonardo Macias, um autêntico nagual mexicano. No entanto, seduzido pela vida moderna, formou-se cirurgião e renegou a tradição familiar até que certo dia sofreu um acidente de carro, teve uma experiência de quase morte. Desde então se tornou uma grande referencia do xamanismo tolteca, com pontos em comuns e diferenças do ensinamento proposto pelos naguais don Juan Mathus e Carlos Castaneda. Ruiz fala da conquista da liberdade pessoal e não da liberdade total de Castaneda, é contra a autopiedade mas não contra a compaixão, acredita na construção de um sonho sem medo (ou sem parasitas mentais) não é meramente individual, mas luta de guerreiros em favor da condição humana, entre outros paralelos.

Para Ruiz, o sistema de crenças é uma estrutura parasita de energia. Sonhamos um sonho coletivo que nos aliena da vida e nos mantêm em uma realidade virtual, uma ‘Matrix’ formada por nossas crenças e valores. Segundo ele, é libertar nosso sonho pessoal do sonho coletivo do medo de exclusão, do sonho de domesticação social engendrado pela sociedade; e, em conjunto com outros sonhadores conscientes, transformar esse sonho social de destruição planetária, induzindo toda humanidade a um salto quântico evolutivo.

Tanto para Castaneda como para Ruiz, o sonhar é a base de toda experiência cognitiva: estamos sonhando o tempo todo, seja dormindo ou quando estamos acordados. A diferença é o enquadramento mental-sensorial no estado de vigília (ou tonal) da percepção da energia sem realidade sensorial dos estados alterados de consciência (ou nagual). 

Os conceitos de Tonal e Nagual representam campos perceptivos opostos e complementares, em que o primeiro é nossa percepção ordinária (sensorial-mental) do mundo como algo formado por objetos concretos e coisas sólidas; e o último é a percepção de que estamos em um universo de relações, em que tudo é feito de energia em diferentes níveis de organização e de adaptação.

Mas, há também duas interpretações dessa polaridade cognitiva básica. Ruiz (e o xamanismo gnóstico) entende a tarefa do xamã em uma dimensão social: o sonho coletivo do medo só poderá ser transformado com grande número de sonhadores que desejem a liberdade pessoal. Ruiz acredita poder romper com o sonho social de medo tecendo um novo sonho.

Para Castaneda (e o xamanismo pós-moderno), o tonal é uma ilha (ou bolha da percepção) e o nagual a um oceano-universo que o engloba: o mar escuro da consciência. A vida orgânica (o tonal) é uma gota em um universo inorgânico. A tarefa do xamã é sair individualmente do seu ovo tonal e viver em um universo nagual, deixando para trás a condição humana. Enquanto o neoxamanismo gnóstico sonha em salvar a terra e a humanidade, o neoxamanismo pós-moderno intenta antes salvar-se do destino da humanidade de ser absorvido pela terra.

  1. A simetria cognitiva

Há sempre uma dupla realidade, uma simetria entre o lado de dentro e o de fora, o micro e o macrocosmo. No campo filosófico há, para Platão, um mundo sensível-concreto e outro inteligível-abstrato; uma cidade dos homens e uma cidade de Deus para Santo Agostinho; para Descartes, coisas extensas e objetos virtuais. Com Kant, há uma inversão de perspectiva: a realidade deixa de ser uma percepção e passa a ser uma interpretação. O mundo externo se torna uma projeção estruturada do sujeito, a simetria torna-se um reflexo invertido.

No campo religioso também há simetria, mas é o metafísico que se reflete no físico: “assim em cima, como embaixo” - expressão presente não apenas nas Tábuas de Esmeralda de Hermes Trimegisto, mas presente em todas as grandes tradições, como a chinesa (céu e a terra), a indiana (o universo-templo e o corpo-templo), e a ocidental (o homem como a imagem e semelhança de Deus). No humanismo iluminista, há cruzamento desses dois modos de representação simétricos, o filosófico e o tradicional, em que o homem ocupa o lugar central (como na tradição judaico cristã), mas o universo externo que enquadra e determina a experiência subjetiva (como crê a modernidade).

Assim como a antropologia pós-estruturalista entende a realidade como uma sobreposição das dimensões sensíveis e inteligiveis e nâo é antropocêntrica; Castaneda (Osho, Gurdjieff, entre outros autores esotéricos contemporâneos) recusam a ideia de semelhança entre o homem e o universo; e a dicotomia transcendentalista da caverna de Platão. Eles preferem entender o homem dentro da cadeia alimentar no meio ambiente e concentram seus esforços na descondicionamento dos hábitos e rotinas, na desmecanização do corpo e no desenvolvimento da consciência.

Para Castaneda, a simetria entre a cognição ordinária e a extraordinária está além do homem e é um paradoxo insuperável para o qual não existe totalização ou unificação globalizante. O Mundo e a Consciência são termos irredutíveis.

Para as tradições, a simetria é dada como certa (o mundo material é um desdobramento denso dos universos sutis); para modernidade, a simetria é parcial e invertida (o subjetivo parcialmente reflete a realidade total); para o pensamento pós-moderno (seja filosófico, antropológico ou esotérico), não há simetria ontológica (nem reflexividade entre dimensões paralelas): os objetos é que são duplos construídos intersubjetivamente em um único plano imanente bifacetado: como a onda e a partícula.

É conhecida a prescrição de Carlos Castaneda de que seus aprendizes deveriam estudar antropologia. Florinda Donner, Taisha Abelar, Armando Torres – entre outros tiveram que estudar ciências sociais na UCLA para se tornarem feiticeiros. É possível que a prescrição de Castaneda seja uma garantia anti-gnóstica, uma forma de fortalecer o tonal e manter a mente dentro da realidade objetiva, sem ilusões transcendentes.

  1. Conclusão: por amor, obrigado e desculpem.

O sistema de xamanismo havaiano conhecido como Ho’oponopono é baseado nesses três operações transferenciais: Te amo; Sou grato; e Sinto muito-Me perdoe. Em Havaiano, Ho'o significa “causa”, e ponopono quer dizer “perfeição”, portanto Ho’oponopono significa “corrigir um erro” ou “tornar certo”. O Ho’oponopono permite limpar recordações dolorosas, que são a causa de tudo que é tipo de desequilíbrios e doenças, com base nessas três operações: amar, agradecer e perdoar/ser perdoado.

Quando uma pessoa doente procura o xamã, o curador se identifica com seu paciente (eu te amo) adquirindo sua doença. O xamã passa a partilhar da enfermidade para poder curá- la. O segundo passo consiste em fazer o paciente agradecer pela sua doença, entendê-la como uma mensagem do corpo para sua consciência que precisa ser decifrada. Caso consiga fazer com que o paciente agradeça sinceramente pela sua enfermidade, há ‘a cura espiritual’ e o xamã consegue libertar-se do karma da doença.

A ‘cura material’ ou completa só poderá ser alcançada através do perdão, isto é, de um reconhecimento de que foram seus próprios erros que formaram a doença e que isto prejudicou a outras pessoas além de si próprio.

Este, aliás, é o propósito deste texto. Agradecer, perdoar e retribuir à dádiva com uma colaboração transformada e transformadora do presente original.

Obrigado, me desculpe, eu te amo.


Referências bibliográficas

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LEWIN, Kurt. Problemas de dinâmica de grupo. São Paulo: Cultrix. 1989.

MACRAE, Edward. Guiado pela Lua: Xamanismo e uso ritual da ayahuasca no culto do Santo Daime. Editora Brasiliense, 1992.

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RUIZ, Miguel. Os Quatro compromissos. Rio de Janeiro: Best Seller, 2005. 

VARELA, Drauzio. Macacos. São Paulo: Editora Publifolha, 2000.


NOTAS

1 Doutor em ciências sociais pela UFRN, autor de vários textos jornalísticos sobre temas antropológico: Jurema Rainha (2010a) e Kambô, o espírito do pajé (2010b). 

2 Xamanismo: Caminho de autocura para uma vida extraordinária. Nesta entrevista a professora de xamanismo Carminha Levy, elabora um teste para você saber se é um xamã, explica por que a apresentadora Angélica é uma xamã. Carminha é iniciada no xamanismo há 26 anos, é discípula do antropólogo americano Michael Harner. <http://www2.uol.com.br/vyaestelar/vya_estela15.htm>

3 Escrevemos um artigo específico só sobre o posmodernismo de Castaneda: <http://mbolshaw.blogspot.com.br/2010/02/recapitulando-castaneda.html>

4A aproximação entre o Santo Daime e o xamanismo, por exemplo, é polemizada por vários autores (LABATE, 2002, p. 240-242). Segundo Clodomir Monteiro (1983), o Santo Daime está inserido em um contexto de práticas xamânicas, marcado por transes xamânicos individuais e coletivos; seus líderes são equivalente a xamãs. Couto (1989) desenvolve o conceito, corroborado por Macrae (1992), do Santo Daime como um 'xamanismo coletivo', em que todos são “xamãs em potencial”. Cemin (1998) considera o Santo Daime como sistema xamânico, mas apenas o Alto Santo e não o CEFLURIS, porque neste último há transes de incorporação. Para Groisman, o Santo Daime não é sistema xamânico, mas há uma aglutinação do saber xamânico nesta religião (1999, p. 23).

5 Um dos requisitos do transe genuinamente xamânico é que ele não é uma possessão ou uma incorporação. São os xamãs que manipulam os espíritos e não o contrário. Devido a isso, a umbanda, o catimbó e outras formas de espiritismo popular não são consideradas 'xamanismo'.

6 Ressalte-se que nem a astrologia nem o candomblé eram tipológicos em suas versões originais. Na África antiga, quando se nascia nas praias, se era filho de Yemanjá; se nas montanhas, de Xangô; e assim por diante. Os orixás eram ligados aos locais e não às pessoas individualmente. Por isso, eles eram passados de pai para filho. No Brasil, com a mistura das etnias, foi que surgiu o orixá como tipo psicológico individual e as referencias simbólicas espaciais foram colocadas em segundo plano. Também na astrologia antiga não havia horóscopos individuais. As previsões eram meteorológicas e sobre guerras; e o mesmo o oráculo dos reis não era voltado sua vida pessoal, mas para seu reinado. Hoje vários tipos de simbologias tradicionais sobrevivem através de tipologias psicológicas: os quatro elementos, signos astrológicos chineses, kins do calendário maia, o eneagrama.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

O EFEITO AYAHUASCA

 


O EFEITO AYAHUASCA


Marcelo Bolshaw GOMES1


Conta uma lenda que, nos primórdios da história da terra, houve uma grande conferência de todos animais existentes, em protesto contra a atitude devastadora e ignorante do Homem diante do meio ambiente.

A natureza é a grande mãe de todos os bichos e o homem deseja submetê-la aos seus caprichos" - denunciou a serpente, cobrando uma atitude de todos.

A única forma é fazê-lo sentir na própria pele o efeito de seus atos, mesmo que isso leve muitas gerações" - ponderou o coiote.

E assim, ficou decidido que cada animal se transformaria em uma doença humana: o leão seria os males do coração; o elefante, a obesidade; os equinos, as doenças de pele. E quanto mais o Homem destruísse a Natureza, mais ele seria vítima da vingança dos espíritos animais, na forma de doenças. 

Segundo a lenda, então, o mundo vegetal sentiu compaixão pelo Homem e decidiu ajudá-lo. E as plantas se transformaram em remédios, uma para cada tipo de doença gerada pelos instintos animais.

Às plantas mais nobres, o cipó jagube e a folha rainha, foi dada a missão de despertar a consciência, para que um dia o Homem aprendesse a viver em harmonia com a terra e cumprisse seu destino.


Em 1986, tive o privilégio de conhecer os padrinhos Sebastião Mota e Manuel Corrente; e de me fardar, no dia de São João Batista, na Doutrina do Santo Daime. Dentre as muitas mudanças desencadeadas por este fato, ressalto uma reaproximação espiritual de minha família e das práticas mediúnicas kardecistas em que fui educado. Morei na Amazônia de 91 a 95, trabalhando em condições e atividades que variaram desde professor primário (transdisciplinar e multiserial) na vila do Céu do Mapiá (capital do Santo Daime no interior da floresta amazônica, município de Pauiní, Estado do Amazonas) até a de redator do jornal O Rio Branco e editor de telejornal TJ ACRE (SBT), quando também participei da diretoria da Colônia Cinco Mil, então presidida pelo padrinho Wilson Carneiro. Ajudei na organização e participei do Centenário do Mestre, evento comemorativo da data natalícia do fundador do Santo Daime, Raimundo Irineu Serra, em dezembro de 1992. E de 1995 até 2008 me tornei professor de comunicação social na UFRN, onde também fiz mestrado e doutorado em ciências sociais. Durante esse período continuei participando do Daime no nordeste, fundando e ajudando a fundar vários centros, inclusive o de Canoa Quebrada, no Ceará, da qual até hoje faço parte.

Impossível descrever aqui a transformação propiciada pelo Daime - seja pela bebida; seja pela doutrina musical e poética - e pelo desenvolvimento cognitivo e espiritual que ambos juntos desencadeiam. Desenvolvendo esses dois temas (a bebida e a doutrina) escrevi o ensaio O que é Santo Daime; e alguns anos depois o reescrevi de forma mais acadêmica A ayahuasca como sistema de cuidados. Também escrevi textos m sobre o Kambô, sobre a Jurema, sobre xamanisomo e sobre outras experiências esotéricas2.

O consumo da ayahuasca facilita e qualifica o sonhar conscientemente, os ‘sonhos lúcidos’, isto é, a ocorrência de estado de funcionamento cerebral de alto desempenho - o sono REM (rapid eye moviment) – que normalmente acontece enquanto o sujeito está dormindo, durante o estado de vigília.Há grandes diferenças entre as distorções cognitivas provocadas por entorpecentes e o uso ritual de plantas de poder. Quando utilizado com finalidades de autoconhecimento, o uso de substâncias psíquicas é chamado de ‘enteógeno’ em oposição ao termo ‘alucinógeno’ – utilizado para caracterizar o efeito alienante e a distorção perceptiva.

A miração se aproxima muito mais de uma super cognição (envolvendo os dois hemisférios cerebrais simultaneamente) do que de uma alucinação ou de apenas ilusões visuais. Super cognição que permite à consciência enraizada no presente ativar as memórias do passado com objetividade visual e prever (ou até mesmo influenciar) acontecimentos futuros, “resolver problemas”, conseguir reverter as relações de conflito, submissão ou enaltecimento que se apresentem na própria 'miração'. Quando os índios tentam explicar o que a Ayahuasca é para eles, usam comparações como o ‘cinema do índio’, a ‘televisão’ do índio e até ‘o avião do índio’. A Ayahuasca é o que permite uma visão ao longe e media o modo de ver o universo em seu conjunto. O sonho se torna uma tecnologia de transcendência do tempo/espaço.

Charles S. Grob fez a mais ampla revisão bibliográfica sobre a Ayahuasca na área da psicologia clínica e neuro psiquiatria (METZNER, 2002, p. 195) e considera a hiper sugestionabilidade como um dos efeitos psico químicos, detalhando o aspecto ambiental (setting) em vários fatores (o papel do líder, do grupo, do local). Ele é um dos pesquisadores que concluem que “o contexto, o roteiro e o propósito” são mais importantes do que os efeitos químicos de substâncias psicoativas (nos processos de “cura” e de autoconhecimento propiciados pela bebida).

Em relação às características dos estados de consciência quimicamente alterados pela Ayahuasca, Grob aponta: a) Diminuição ou expansão da consciência reflexiva, com alterações de pensamento, mudanças subjetivas na concentração, na atenção, na memória e no julgamento podem ser induzidas voluntariamente em vários níveis de uma mesma experiência. b) Aumento da imaginação visual. Grob também identifica, dentre as experiências de milhares usuários entrevistados, várias recorrências psicológicas durante o transe: medo de perder o controle; resistência do ego (bad trip) e transcendência para estados místicos (entrega); aumento da expressão emocional - tristeza, alegria, desespero, fé; entre outras menos frequentes.

Outra grande contribuição ao estudo psicológico da Ayahuasca é o trabalho de Benny Shanon, O Conteúdo das visões da Ayahuasca (2003). Shanon entrevê, através deste sistema cognitivo de conteúdos/domínios, os parâmetros estruturais da consciência e destaca pelo menos quatro aspectos relevantes em relação ao efeito da Ayahuasca: a percepção do pensamento como uma cognição coletiva, a indistinção entre o interior e o exterior, as experiências des-indentificação pessoal e de tempo não-linear.

Sob o efeito da DMT os pensamentos não são individuais, mas sim ‘recebidos em rede’ (a mente como um rádio); que não existe a distinção entre o sensorial e o sensível; podem se transformar em animais (jaguares e águias são frequentes) ou em outras pessoas; e finalmente percebem o transcorrer do tempo de forma desigual, em que alguns segundos demoram séculos e horas se sucedem rapidamente e em que alguns momentos se experimentam a simultaneidade (ou a sensação de eternidade) temporal.

Quando baixamos arquivos no computador, pode-se perceber que alguns segundos demoram mais que outros, em função do peso do arquivo e da aceleração da conexão da internet. O que Shanon suspeita é que o mesmo acontece com a mente, mas só é perceptível sob o efeito da Ayahuasca. A DMT nos recoloca novamente dentro da simultaneidade.

O modelo de estágios progressivos de estados de consciência de Strassman tem seu valor, mas é preciso perceber que ele também se baseia em um sistema de crenças, mesmo que sejam crenças científicas céticas. Eu, por exemplo, prefiro um modelo de quatro paradigmas diferentes sobrepostos e simultâneos no trabalho espiritual com DMT: o paradigma da luta do bem contra o mal; o paradigma de ajuda aos sofredores; o paradigma de diálogo/conflito do Eu com o Outro; e, finalmente, o paradigma da Consciência da Divindade.

A DMT permite a utilização consciente da memória visual através do lado direito do cérebro, em oposição à nossa memória discursiva ordinária organizada através da fala. É a fala que transforma a memória em narrativa, se simplesmente contarmos nossa estória, oscilaremos entre os papéis de vítima e de herói. É o hemisfério esquerdo do cérebro que acessa a memória e quer comunicar a lembrança resgatada a alguém. É a memória falada, atualizada e editada pelo ego no presente. Com a DMT, ao contrário, feita em estado de silêncio interior, sem interlocutor ou escuta analítica externa, as lembranças emergem objetivas, permitindo a reintegração emocional dos momentos vividos com distanciamento, vistos de fora, como em um filme narrado por outra pessoa. E essa pode ser a principal aplicação terapêutica da DMT em um futuro breve: fechar (reviver e superar) as feridas emocionais que jorram do inconsciente.

O Ayahuasca cura por agravamento. Aumentando os sintomas, forçando o organismo à adaptação. Do ponto de vista espiritual, ela aumenta o ego de seus bebedores. Para que eles observem como são e se modifiquem. Mas, nem sempre é isso que acontece. Não conseguimos encarar nossos medos e raivas. Na maioria das vezes, projetamos nossos defeitos ampliados nos outros.

Além disso, só vamos entender o significado das imagens depois. Um exemplo: mirei a morte de meu pai várias vezes antes dela efetivamente acontecer. Nesses momentos, eu pensava que era mensagem espiritual falsa, mas na verdade era antecipação emocional que me preparou para esvaziar de sentimentos egóicos o momento em que realmente meu pai veio a falecer.

Os sonhos, devaneios e mirações envolvendo o Sagrado Feminino formam um processo de aprendizado existencial longo e complexo. Geralmente não são experiências emocionalmente agradáveis e tem um efeito de transformação de comportamentos. Sempre tive um sonho recorrente com a luz – a presença do divindade feminina iluminando os reinos sombrios da escuridão. Perante Ela, eu e todos os seres densos que me cercam se sentem pesados, sujos, passageiros e atrasados. Não há possibilidade de revolta, não há possibilidade de fuga, não há possibilidade de evolução. Diante dessa luz eterna, apenas a aceitação diminui o sentimento de inferioridade existencial. E esse é o efeito do DMT no cérebro: a luz que pacifica os desejos de destruição do instinto animal.

Há uma evidente mudança de atitude na maioria das pessoas que tomam Daime. Apenas cerca de 10%, aproximadamente, consideram a experiência sem significado para sua vida. Dos 90% que consideram a experiência relevante, mais da metade não volta ou participa esporadicamente dos cultos. As instituições calculam, informalmente, que, em média, 30% dos que conhecem o Santo Daime, escolhem este caminho para seu desenvolvimento espiritual e se fardam.

Com passar dos anos, há uma grande taxa de evasão, a participação dos rituais se banaliza e o impacto de transformação do começo perde seu poder, levando o adepto ou a novos níveis de esforço e aplicação para seguir com seu desenvolvimento ou a uma adaptação conformista em relação às instituições religiosas e à própria sociedade em geral. Houve um momento em que a vida comunitária na Amazônia era estimulada como uma forma de continuar o processo de desprogramação da vida social, mas, atualmente, todas as instituições que trabalham com o Santo Daime dão ênfase à integração social de seus participantes. Também se levem em conta que há grandes desigualdades culturais na expansão: o Santo Daime do norte do país sempre foi bem diferente da religião no sul e sudeste. No Acre, o Daime é uma religião popular e tem um caráter conservador, um aspecto importante da identidade cultural daquele estado; no sudeste, ele floresceu em extratos da classe média urbana, com jovens culturalmente globalizados oriundos da vida política e do universo das drogas. São estratos sociais bem diferentes, com formações culturais bastante distintas. Os dirigentes centros da Amazônia dizem que “igreja não é clínica de tratamento de pessoas com distúrbios psicológicos ou com dependentes químicos”.

Ocorre, no entanto, que no sul e sudeste do país, a grande maioria dos fardados são ex-dependentes ou portadores de distúrbios de comportamento, que descobriram na doutrina uma forma de conforto e transformação. E essa demanda clínica está em processo de crescimento exponencial no exterior.

A resolução do CONAD é representa a legalização da Ayahuasca no Brasil. Mas, há também uma contrapartida negativa: a regulamentação poderá levar a uma fossilização institucional do movimento, a uma folclorização cultural dos rituais e/ou a um distanciamento cada maior da verdadeira essência do espírito revolucionário do Ayahuasca. A necessidade de regulamentação do movimento ayahuasqueiro está levando a um progressivo enquadramento social dos grupos e a uma atitude conformista em relação a mudanças na sociedade e nas instituições.

Também acompanhei os esforços dos pesquisadores do Instituto de Neurociências da UFRN em sintetizar um medicamento com base na química da ayahuasca, retirando-a de seu contexto religioso e colocando-a em ambiente clínico. Atualmente, várias pesquisas investigam a utilização de medicamentos a base da Ayahuasca para tratamento químico de depressão, neuroses, fobias, síndromes neurológicas, bem como seu uso como potencializador da consciência em processos terapêuticos.

E esse é um ponto que considero importante: não basta sintetizar um remédio, é preciso estabelecer processos terapêuticos semelhantes aos rituais (envolvendo canto e expressão corporal), bem como métodos de acessar e interpretar os conteúdos imaginéticos. Eu mesmo fiz experiências associando o uso do ayahuasca com hipnose regressiva para acessar memórias traumáticas.

Mas, há, além da aplicação clínica e da espiritualidade dos cultos, uma terceira posição em relação ao significado do fenômenos Ayahuasca. Com Terence McKenna (1993, 1994, 1995 e 1996) a pesquisa sobre enteógenos chega ao patamar da Etnofarmacologia, isto é, ao estudo simultâneo dos contextos culturais e das substâncias químicas em um novo quadro de referências.

McKenna estabelece uma associação estratégica entre duas hipóteses diferentes até então, que se tornaram os cânones do movimento enteógeno: em primeiro lugar, a hipótese de que foi através da ingestão de substâncias químicas psicoativas que os macacos se tornaram conscientes de si, dando início à evolução da espécie humana. Nesta hipótese, sugere-se que toda nossa experiência com o sagrado derivou originalmente do consumo de substâncias químicas. E depois, a hipótese de Gaia (James Lovelock e Lynn Margulis) segundo a qual a biosfera da Terra é na verdade um organismo vivo. Para McKenna, mais do que dispositivos para o controle social (as drogas), as substâncias psicoativas teriam como função primordial a re-ligação dos homens com a consciência do planeta.

Mas, o que realmente chama atenção nas ideias dos irmãos McKenna é a compreensão das plantas enteógenas no contexto de uma “grande simbiose”. Nesta perspectiva, a simbiose entre as plantas e os animais na biosfera da terra não se limita à troca de oxigênio por gás carbônico ou à produção recíproca de alimento e proteção, mas, sobretudo, a um projeto maior, no qual as plantas enteógenas cumprem um papel estratégico modificando o comportamento humano em relação ao meio ambiente.

Também segundo Metzner (2002), a Ayahuasca é um veículo de uma mensagem do reino vegetal – e a DMT, uma mensagem química da floresta para nosso cérebro - para reverter o processo planetário de autodestruição do homem e da vida orgânica. Para Metzner, a experiência emergente da espiritualidade da medicina da Ayahuasca transborda os limites de todas as tradições religiosas que a utilizam. A Ayahuasca nos dá saúde, conhecimento, poder espiritual. E nós? O que estamos dando em troca? Amor e alegria? Aperfeiçoamento pessoal, dinheiro e trabalho para as instituições responsáveis? Ou você não se acha em dívida com ninguém?

O Daime é uma leitura da Ayahuasca. O conceito 'daime' é uma interpretação teológica e poética, que a torna um sacramento cristão, um veículo de comunhão e de celebração da dádiva. O daime é a resposta à pergunta de Metzner (o que damos em troca do recebemos?). A retribuição da generosidade divina com a generosidade humana em um forte sentimento de agradecimento. “Já que tudo me foi dado, vou me dar todo também” – essa ideia é que faz vigorar o sentido do Sacramento, não é mais a planta, a bebida ou a doutrina que é sagrada, mas “Eu sou” (um em conjunto com a divindade).



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LABATE Beatriz Caiuby; ARAUJO, Wladimyr Sena. O Uso Ritual da Ayahuasca. Campinas, Mercado de Letras/Fapesp, 1ª ed., 2002.

LABATE Beatriz Caiuby A Reinvenção do Uso da Ayahuasca nos Centros Urbanos. Campinas, Mercado de Letras/Fapesp, 2004.

MCKENNA, Dennis J.; CALLAWAY, J. C. ; GROB, Charles S. The Scientific Investigation of Ayahuasca: A Review of Past and Current Research. The Heffter Review of Psychedelic Research, Volume 1, 1998. < http://www.udv.org.br/portugues/downloads/05.pdf >

MCKENNA, T. - Alucinações Reais Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1993.

_____ Alimento dos Deuses Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1995.

_____ Retorno à cultura arcaica Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1996.

_____ (com Ralph Abraham e Rupert Sheldrake) Caos, Criatividade e o retorno do Sagrado - triálogos nas fronteiras do Ocidente São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1994.

METZNER, Ralph. Ayahuasca - Human Consciousness and the Spirit of Nature. Thunder's Mouth Press, New York, 1999. Tradução Márcia Frazão, Rio de Janeiro: Gryphus, 2002.

SHANON, Benny. - Ayahuasca visions - a comparative cognitive investigation, Yearbook for Ethnomedicine and the Study of Consciousness, 7, 1998, 227-250.

____ - "A ayahuasca e o estudo da mente" in: LABATE B. & SENA ARAÚJO W. O uso ritual da ayahuasca, 2002a pp. 631-659.

________ O Conteúdo das visões da Ayahuasca. Revista Mana, Out 2003, vol.9, no.2, p.109-152. 2003.

STRASSMAN, Richard. DMT: the spirit molecule: a doctor's revolutionary research into the biology. Rochester: Park Street Press, Inner Traditions, 2001.


1 Jornalista, professor e doutor em ciências sociais.