segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Um diário de hermenêutica aplicada


O CAMINHO DO GUERREIRO 

- Um diário de Hermenêutica aplicada


Carlos Castaneda

Tradução: Felipe da Silva


Para fins de elucidação é necessário que, neste diário, a linguagem seja utilizada na mais plena extensão admissível. Deste modo, o discurso filosófico será apresentado tão formalmente quanto demanda. O discurso dos feiticeiros, por outro lado, será apresentado tal como foi afirmado. A mais plena extensão admissível da linguagem entra em jogo neste caso.

A meta exclusiva desse diário é a disseminação de ideias. Devido ao fato de que as ideias propostas aqui são, em um grau considerável, estranhas ao homem ocidental, o formato deste diário deve ser adaptado á natureza daquelas ideias. As ideias a que me refiro foram propostas a mim por Don Juan Matus, um índio Mexicano, ou xamã, que me guiou por trinta anos de aprendizagem dentro do mundo cognitivo dos feiticeiros que viveram no México nos tempos antigos. Pretendo apresentar estes conceitos da mesma maneira como ele fez: diretamente, concisamente e utilizando a linguagem em sua máxima extensão possível. Esta é a maneira pela qual Don Juan conduziu cada faceta de seus ensinamentos; isso atraiu minha atenção desde o início de minha associação com ele até o ponto no qual fiz da clareza e precisão do uso da linguagem uma das metas desejadas de minha vida.

Minhas tentativas de publicar este diário remontam aos anos de 1971 quando eu apresentei este formato à alguns editores de livro os quais, prontamente, recusaram-no, visto que tal formato não se ajustava às noções pré-concebidas de um diário acadêmico, tampouco ao formato de uma revista, ou mesmo um jornal. Meus argumentos de que as ideias contidas neste diário eram estranhas o bastante para determinar um formato que misturava aqueles três gêneros estabelecidos, não teve força suficiente para convencê-los a publica-lo. O título que eu tinha para o diário, naquele tempo, era “Diário de etno-hermenêutica”. Anos depois, descobri que uma publicação sustentando aquele nome já estava em circulação.

Agora, encontrei-me na posição de publicar este diário. Não se trata de uma tentativa de comercializar qualquer coisa, sequer um veículo para apologias de qualquer tipo. Visualizo-o como uma tentativa de ingressar o mundo do homem ocidental da especulação filosófica na visão intuitiva dos índios feiticeiros que viveram no México em tempos antigos cujos descendentes culturais se encontravam em figuras como Don Juan e seu grupo.

Jurei, desde que ingressei no mundo cognitivo de Don Juan, permanecer fiél ao que ele me ensinou. Posso dizer, desprovido de vaidade, que por trinta e cinco anos manti esta promessa viva. Agora ela influência a concepção e desenvolvimento deste diário. Ela se adapta a uma das observações de Don Juan: ele o chamava de “leitura do infinito”. Ele disse que quando se está vazio de pensamentos e se adquire algo que ele chamava de “silêncio interior”, o horizonte aparece aos olhos do vidente como uma folha de lavanda. Sobre aquela folha de lavanda, um ponto de cor se torna visível: a romã. Aquele ponto romã se expande subitamente e explode dentro de um infinito que pode ser lido. Pode-se dizer que neste momento de nossa história, nós humanos somos leitores, independentemente se lemos sobre assuntos filosóficos ou manuais de instrução. Um desafio digno concebido por Don Juan para tais leitores seria se tornar “leitores do infinito”. Este diário é congruente, asseguro, em espírito e prática, com aquele desafio. Ele se origina do silêncio interior; um convite para todos se tornarem leitores do infinito.

No panorama destes argumentos decidi, apoiado por um acordo unânime de meu grupo, mudar o nome deste diário de “O Caminho do Guerreiro”, um termo usado há muito tempo, para algo mais atual que ainda não foi utilizado: LEITORES DO INFINITO.

A edição de abril dos Leitores do Infinito: Um Diário de Hermenêutica Aplicada esta sendo publicada mais tarde, nesta data, porque, junto como as três primeiras edições pertence a um conjunto original de quatro, especialmente concebidos em harmonia com a ideia dos feiticeiros de que o número quatro implica em ordem e permanência.

Foi o desejo derradeiro deste escritor oferecer a este diário um caráter mais distante possível da temporariedade, independente do que este caráter venha a se transformar. Parece que neste caso, este desejo resultou na publicação deste diário em forma de livro. Então, que assim seja. Desde que a quarta edição já estava finalizada próximo a março, e pronta pra ser impressa, tornou-se impossível deixar passar a oportunidade de publica-lo como uma edição mensal.


O QUE É HERMENÊUTICA?

A hermenêutica foi o primeiro método de interpretação de textos sagrados, essencialmente textos bíblicos. Mais tarde, a hermenêutica abrangeu a interpretação de textos literários e outros em geral, e finalmente como permanece hoje, constitui um método filosófico que lida com a interpretação dos aspectos históricos, sociais e psicológicos do nosso mundo.

A hermenêutica é chamada de método porque é uma maneira, modo ou um meio sistemático para se aproximar de um tópico de pesquisa. A hermenêutica como um método filosófico busca examinar as bases que estruturam os diferentes aspectos do nosso mundo para desnudar suas pressuposições.

O que propomos fazer neste diário de hermenêutica aplicada é tomar a posição delineada por Don Juan Matus, um índio feiticeiro Yaqui do México, e descrever o caminho que ele e outros feiticeiros como ele interpretaram os aspectos sociais, históricos e psicológicos de seu mundo.

Deste modo, enfatizaremos a ideia dos feiticeiros sobre a prática e a experiência como oposição a pura reflexão abstrata de um método filosófico; por esta razão, chamaremos este trabalho de diário de hermenêutica aplicada.


O QUE É INTENCIONALIDADE?

Na primeira edição deste jornal, intencionalidade foi definida como “o ato tácito de preencher os espaços vazios deixados pela percepção sensorial direta, ou o ato de enriquecer o fenômeno observável através da intenção”. Esta definição é uma tentativa de permanecer longe das explanações filosóficas padrões da intencionalidade. O conceito de intencionalidade possui uma importância chave para elucidar os tópicos de feitiçaria como tópicos legítimos para discursos filosóficos. A proposta deste diário - hermenêutica aplicada - é expressar por meio da revisão e reinterpretação dos tópicos pertinentes a disciplina da filosofia; tópicos que são congruentes com outros assuntos pertinentes a disciplina da feitiçaria.

Na disciplina de filosofia, intencionalidade é um termo primeiramente usado pelos Escolásticos na Idade Média para definir, nos termos do movimento natural e antinatural, a intenção de Deus em relação a sua criação e o livre arbítrio do homem para escolher ou rejeitar uma vida virtuosa; os escolásticos foram estudiosos do oeste Europeu que desenvolveram um sistema de ensino teológico e filosófico baseado na autoridade dos pais da igreja, assim como em Aristóteles e seus comentadores.

O termo intencionalidade foi reestruturado no final do século 19 por Franz Brentano, um filósofo Alemão cuja principal preocupação foi achar uma característica que separasse fenômenos físicos dos mentais. Ele disse “todo fenômeno mental é caracterizado pelo que os filósofos da idade média chamavam da inexistência mental de um objeto e que nós gostaríamos de chamar de referência a um conteúdo, a direção imediata a um objeto, que neste contexto não é para ser compreendido como uma coisa real. Na representação, algo é representado, no julgamento algo é reconhecido ou rejeitado, no desejo, alguma coisa é desejada. Esta inexistência intencional é uma peculiaridade exclusiva dos fenômenos mentais. Nenhum fenômeno físico demonstra qualquer semelhança com isso. Portanto, nós podemos definir fenômenos mentais afirmando que tal fenômeno contem objetos em si mesmos como estrada secundaria da intencionalidade”.

Brentano entendeu que a intencionalidade é a propriedade de todo fenômeno mental encerrar objetos como inexistentes, combinados com a propriedade de se referir aqueles objetos. Portanto, para ele, apenas fenômenos mentais se encaixam intencionalmente.

Assim, intencionalidade torna-se a característica irredutível de um fenômeno mental.

Ele argumentou que desde que nenhum fenômeno físico pudesse encerrar intencionalidade, a mente não pode se originar do cérebro.

Na disciplina da feitiçaria existe uma entrada chamada intento. Esta entrada se refere à definição de intencionalidade que foi atribuída a este diário: “o ato tácito de preencher os espaços vazios deixados pela percepção sensorial direta, ou o ato de enriquecer o fenômeno observável através da intenção”. Os feiticeiros sustentam, tal com Brentano intuiu, que o ato de intencionar não esta no reino físico; em outras palavras, a intenção não é parte da fisicalidade do cérebro ou qualquer outro organismo. Intenção, para os bruxos, transcende o mundo que conhecemos. É algo como uma onda energética, um feixe de energia que se liga a nós.


O que é fenomenologia?

Fenomenologia é um método filosófico ou um sistema filosófico proposto pelo filósofo matemático alemão Edmund Gustav Husserl (1859-1938) em um trabalho monumental cujo titulo tem sido traduzido por “Investigações Lógicas”, publicado em três volumes de 1900 a 1913. O termo fenomenologia já tinha sido utilizado por círculos filosóficos desde os anos de 1700. Fenomenologia significava, então, a abstração da consciência e experiência de seu reino de componentes intencionais ao descrevê-los em um arcabouço filosófico; ou significava a pesquisa histórica no desenvolvimento da consciência do eu das primeiras sensações ao pensamento racional.

Foi Husserl, porém, que conferiu o formato atual à fenomenologia. Ele postulou a fenomenologia como um método filosófico para o estudo das essências ou o ato de colocar aquelas essências dentro do fluxo das experiências de vida. Ele pensou neste processo como uma filosofia transcendental lidando somente com os resíduos deixados após a redução realizada. Ele chamou esta redução de “epoche”, uma categoria de significado ou suspensão do julgamento. O lema de Husserl foi “retorno a origem” quando o problema se referia a qualquer investigação cientifica-filosófica. Retornar a origem subtendia tal redução por meio da qual Husserl esperava penetrar em qualquer investigação filosófica dada, como uma parte integral, de um mundo que existe antes do inicio da reflexão. Ele pretendia que a fenomenologia fosse um método de aproximação de experiências de vida tal qual ela ocorre no tempo e espaço; é uma tentativa de descrever diretamente nossas experiências como ela acontece, sem o intervalo para considerar suas origens ou suas explicações causais.

Para cumprir esta tarefa, Husserl propôs “epoch”: uma mudança total de atitude aonde o filósofo se move das coisas em si para seus significados; Isso quer dizer, do reino dos significados objetivados – o âmago da ciência – para o reino dos significados tal qual ele é experenciado no mundo imediato.

Mais tarde, outros filósofos ocidentais definiram e redefiniram a fenomenologia para adaptar às suas especificações particulares. A fenomenologia como ela se coloca hoje é um método que resiste a definições. Diz-se que a fenomenologia ainda se encontra no processo de definir a si mesma. Essa fluidez é o que promove o interesse dos bruxos.

A partir da minha associação com Don Juan e outros praticantes desta linhagem, cheguei à conclusão de que, ao experimentar diretamente suas práticas xamânicas, a categoria de significado ou a suspensão de julgamento que Husserl postulou como a redução essencial de toda investigação filosófica é impossível de se realizar quando ela se constitui como um mero exercício do intelecto do filósofo.

Alguém que estudou com Martin Heidegger, aluno de Husserl, me disse que quando Husserl foi questionado acerca de uma indicação pragmática de como realizar redução fenomenológica ele disse: “como diabos eu deveria saber? Eu sou um filósofo”.

Filósofos contemporâneos que têm reelaborado e ampliado os parâmetros da fenomenologia nunca tornaram, na verdade, o assunto em um objeto prático. Para eles, a fenomenologia tem permanecido com um assunto puro de filosofia. No seu campo, portanto, esta categoria de significado é, no melhor dos casos, meramente um exercício filosófico. No mundo da feitiçaria, a suspensão da julgamento não é somente o começo desejado de qualquer pratica de investigação filosófica, mas a necessidade de qualquer prática xamânica. Feiticeiros expandem os parâmetros do que eles podem perceber até o ponto em que eles percebem sistematicamente o desconhecido. Para conceber esta façanha, eles têm de suspender os efeitos do seu sistema normal de interpretação. Este ato é realizado mais como uma questão de sobrevivência do que uma questão de escolha. Neste sentido, os praticantes do conhecimento de Don Juan colocam-se a um passo além dos exercícios intelectuais dos filósofos.

A proposição na sessão deste diário é seguir as afirmações feitas pelos filósofos e correlaciona-las com as realizações práticas dos bruxos que tem, por incrível que pareça, trabalhado suas práticas, em muitos casos, sobre as mesmas linhas que foram propostas pelos filósofos ocidentais.


UM NOVO CAMPO PARA INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

Discutimos brevemente nas questões anteriores deste diário a ideia de hermenêutica como um método de interpretação, a ideia do método fenomenológico e a ideia da intencionalidade. Gostaria de esboçar agora a possiblidade de uma nova área de investigação filosófica. A elucidação deste tópico é articulado com a definição de certos conceitos que foram desenvolvidos pelos feiticeiros ou xamãs que viveram no México antigo.

O primeiro de tais conceitos, considerada a pedra angular das atividades e convicções dos feiticeiros, é chamado “ver”. Ver para os feiticeiros significa a capacidade que, em suas convicções, os humanos têm de perceber a energia tal qual ela flui no universo. A alegação dos feiticeiros, substanciado por suas práticas, é que a energia pode ser percebida diretamente como ela flui no universo usando todo nosso organismo como um veículo de percepção.

Os feiticeiros fazem uma distinção entre o corpo como parte da cognição da nossa vida diária e o organismo inteiro como uma unidade energética, a qual não faz parte de nosso sistema cognitivo. Esta unidade energética inclui partes ocultas do corpo tal como os órgãos internos e a energia que flui através deles. Eles asseguram que é com essa parte que a energia pode ser diretamente percebida.

Devido à predominância da visão na nossa maneira habitual de percebe o mundo, os feiticeiros descrevem o ato de apreender diretamente a energia de “ver”. Para os feiticeiros perceberem a energia tal como ela flui no universo significa que ela não adota nenhuma idiossincrasia, ou seja, a energia possui uma configuração especifica que repete a si mesma consistentemente e que pode ser apreendida nos mesmos termos para qualquer um que veja.

O mais importante exemplo da consistência dessa energia ao adotar um configuração especifica se encontra no corpo humano quando é percebido diretamente como energia.

Os feiticeiros percebem o ser humano como um conglomerado de campos de energia que confere a impressão de uma esfera clara de luminosidade. Neste sentido, energia é descrita pelos feiticeiros como uma vibração que aglutina a si mesma dentro de uma unidade coesa. Eles descrevem a composição do universo inteiro como uma configuração de energia que aparece aos videntes como filamentos ou fibras luminosas que estão enfileiras de todas as maneiras sem nunca emaranhar-se. Esta é uma preposição incompreensível para a mente linear. Ela possui uma contradição interna que não pode ser resolvida: como aquelas fibras se estendem de todas as maneiras e mesmo assim não se enredam?

Os feiticeiros, como praticantes espontâneos d método fenomenológico, somente podem descrever eventos. Se os termos de descrição dos feiticeiros se parecem inadequados e contraditórios se dá pela limitação da sintaxe. Ainda assim, sua descrição são tão pontuais quanto qualquer coisa possa ser. As fibras energéticas luminosas que compõe o universo em geral estendem a si mesmas para o infinito em toda direção, mesmo assim, elas não ficam emaranhadas. Cada fibra é individual, com sua configuração concreta; cada fibra é em si infinita. A fim de lidar com este fenômeno de maneira mais adequada, talvez, fosse mais apropriado construir um meio inteiramente diferente de descrevê-lo.

Segundo os feiticeiros, esta ideia não é de toda improvável, visto que perceber a energia diretamente é algo que pode ser atingido por cada ser humano. Os feiticeiros sustentam que esta condição esta em conformidade com o potencial do ser humano de alcança-la através de um consenso evolucionário, um acordo de como descrever o universo.

Outro conceito dos feiticeiros que merece um exame mais minucioso em termos de elucidação é algo que eles chamam de “intento”. Eles descrevem o intento como uma força perene que permeia todo o universo; uma força que esta ciente de si mesma ao ponto de responder o gesto ou o comando do feiticeiro. O ato de usar o intento eles chamam de intentar. Através do intento, os feiticeiros são capazes, dizem, de dar vazão não apenas a toda possiblidade humana de percepção, mas a toda possibilidade humana de ação. Eles asseguram que através do intento, as mais improváveis formulações podem ser constatadas. O limite da capacidade de percepção dos feiticeiros é chamado de a “faixa do homem”, o que significa que existe uma fronteira que delimita as capacidades humanas impostas pelo organismo humano. Estas fronteiras não são meramente as fronteiras tradicionais do pensamento ordinário, mas as fronteiras da totalidade dos recursos presentes dentro do organismo humano. Os feiticeiros acreditam que estes recursos nunca são usados, mas são mantidos in situ (em seu próprio lugar) por nossas ideais preconceituosas sobre nossas limitações, limitações que não tem nada a ver com nosso atual potencial.

A questão exposta pelos feiticeiros é que, visto que a percepção da energia como ela flui o universo não é arbitraria ou idiossincrática, os videntes testemunharam formulações de energia que ocorrem por si mesmas e não são produtos da nossa interpretação. Os feiticeiros declaram que a percepção de tal formulação é, em si mesma e por si mesma, a chave que liberta o potencial humano que nunca entra em jogo. Tais formulações de energia, desde que ocorram, por definição, independente da vontade ou intervenção do homem, são capazes de criar uma nova subjetividade. Sendo coesa e homogênea para todos os seres humanos que veem, estas formulações de energia são, para os feiticeiros, a fonte de uma nova intersubjetividade.

De acordo com os feiticeiros, a subjetividade da vida diária é ordenada pela sintaxe da nossa linguagem. São necessárias diretrizes e professores que por meio dos comandos tradicionalmente impostos, como produtos do nosso desenvolvimento histórico, começam a nos direcionar a perceber o mundo desde o instante de nosso nascimento. Os feiticeiros sustentam que a intersubjetividade resultante desta sintaxe rotineira criada é, naturalmente, ditada pelos comandos descritivos sintáticos. Os comandos descritivos nos dão um exemplo de afirmação “eu estou apaixonado”, um sentimento que é compartilhado intersubjetivamente por todos nós o qual, apontam os feiticeiros, é libertado ao ouvir aquele comando descritivo.

Os feiticeiros estão convencidos que, por outro lado, a subjetividade resultante da percepção direta da energia como ela flui no universo não é orientada pela sintaxe. O fluxo da energia não necessita de diretrizes e professores para orienta-la desta ou daquela maneira por meio de explicações ou comandos. A intersubjetividade resultante entre os feiticeiros existe através de algo que eles chamam de “poder”, que é a soma total de todo intento presente junto ao individuo. Dado que tal intersubjetividade não é trazido a tona através do apoio dos comandos ou solicitações da sintaxe, os feiticeiros alegam que esta subjetividade é um subproduto do organismo humano completo em funcionamento fixado em um único objetivo: intentar comunicação direta.

Em suma, a intencionalidade ou intenção para os feiticeiros constitui uma utilização pragmática do intento, a força que permeia tudo. Para eles, o intento é um canal pragmático para a realização e a intencionalidade é o significado de usa-lo. A intenção não é meramente, como acontece com o discurso filosófico dos homens ocidentais, as descrições intelectuais do desenvolvimento da consciência humana que vão das sensações básicas aos complexos processos que podem produzir conhecimento. Dado que os feiticeiros são completamente pragmáticos em sua aproximação da vida e do modo de se viver, a intencionalidade é uma questão ativa. Ela implica numa postura dos feiticeiros que eles descrevem como ponto de poder. Este ponto de poder eles podem realmente chamar intento. Neste aspecto, intencionalidade torna-se um ato completamente consciente de intento. Os feiticeiros explicam que este fenômeno é efetivado quando todo organismo humano, em todo seu potencial, esta comprometido em um único e mesmo objetivo: intentar.

Observando-se a faculdade dos feiticeiros de perceber a energia diretamente como um ponto de partida é possível conceber um novo campo de discurso filosófico. O obstáculo para a compreensão desta possiblidade tem sido, de longe, a falta de interesse por parte dos praticantes de feitiçaria em conceitualizar seu conhecimento e suas práticas. Os feiticeiros asseveram que após atingir certo limiar de percepção, que são como portas para outros reinos da existência, o interesse dos praticantes é orientado exclusivamente para os aspectos da prática de seus conhecimentos.

Devido a esta inclinação rumo ao pragmatismo os feiticeiros podem, categoricamente, contemplar a transformação da filosofia e da investigação filosófica em um reino de praticidade, ao incorporar nesta mudança uma visão mais inclusiva do potencial humano. Eles consideram que a percepção direta da energia é, então, o guia que nos conduziria dentro de uma nova subjetividade, livre da sintaxe. Os feiticeiros declaram que esta nova subjetividade é o caminho para atingir o intento, através do processo ativo da intencionalidade. \


O CAMINHO DO GUERREIRO COMO UM PARADIGMA FILOSÓFICOPRÁTICO

Parte 1

Uma premissa do caminho do guerreiro será discutida em cada um de nossas questões.

Nós somos percebedores. Esta é a primeira premissa do caminho do guerreiro de acordo com o modo pelo qual Don Juan ensinou a seus discípulos. Esta afirmação parece ser tautológica: a reafirmação do óbvio; algo como dizer que um homem careca é aquele que não possui cabelo, mas aquilo que estamos lidando aqui não é tautológico. No mundo dos feiticeiros, isso se refere ao fato de que nós somos organismos cuja orientação básica é perceber. Nós somos percebedores, e isso, de acordo com os feiticeiros, é a única fonte por meio da qual nós poderíamos estabelecer nosso equilíbrio e obter nossa orientação no mundo.

Don Juan Matus disse a seus discípulos que os seres humanos, como organismos, realizam uma estupenda manobra que, infelizmente, confere a percepção uma falsa fachada. Eles pegam o influxo de energia pura e a transformam em um dado sensorial, interpretada como um sistema estrito de interpretação, que os feiticeiros chamam de “forma humana”. Este ato mágico de interpretação da energia pura conduz a um falso caminho: a convicção peculiar, por nossa parte, de que nosso sistema de interpretação é tudo que existe. Don Juan explicou que uma árvore, tal como conhecemos uma árvore, é mais interpretação do que percepção. Ele nos disse que para nós lidarmos com uma árvore tudo que precisamos é uma apressada olhadela que nos diz severamente qualquer coisa. O resto é um fenômeno que ele descreveu como o chamado do intento: o intento

da árvore, quer dizer, a interpretação dos dados sensoriais pertencentes a este fenômeno específico que chamamos de árvore.

E tal como este exemplo, o mundo inteiro para nós é composto por um repertório infinito de interpretações aonde nossa percepção desempenha uma papel mínimo. Em outras palavras, apenas nossa percepção visual toca o influxo de energia que é o universo, e isso apenas minimamente. Os feiticeiros sustentam que a maioria de nossa atividade perceptual é interpretação; eles asseguram que o ser humano é o tipo de organismo que precisa de uma mínima quantidade de percepção pura a fim de criar seu mundo ou perceber o mínimo possível para servir a seu sistema de interpretação.

Afirmar que somos percebedores é uma tentativa, por parte dos feiticeiros, de nos trazer de volta a nossa origem; trazermo-nos de volta para aquilo que deveria ser nosso ponto de partida original: perceber.


Parte 2

O caminho do guerreiro visto como um paradigma filosófico-prático

Nas questões anteriores deste diário, a primeira premissa do caminho do guerreiro foi afirmada como: nós somos percebedores. Percebedores foi utilizado como substituto á perceptor. Não foi um erro, mas um desejo de estender o uso do termo preceptor da linguagem espanhola que é muito ativo a fim de conotar, em inglês, a urgência de ser um percepetor. Neste diário de hermenêutica aplicada, o problema de acentuar o significado de um termo apoiado por um cognato estrangeiro surgirá com muita frequência; às vezes mesmo na questão em que se força a criação de um novo termo; não como um espetáculo de esnobismo, mas devido a inerente necessidade de descrever algumas sensações, experiências ou percepção que nunca tenham sido descritos antes, ou caso se tenha, sua descrição fugiu ao nosso conhecimento. A implicação é que nosso conhecimento, independe do quanto adequado se pareça, é limitado.

A segunda premissa do caminho do guerreiro é chamada NÓS SOMOS O QUE NOSSO PRINCÍPIO É. Esta é uma das mais dificultosas premissas do caminho do guerreiro; não tanto em função de sua complexidade ou raridade, mas em virtude de ser praticamente impossível para qualquer um de nós admitir certas condições relativas a nós mesmos, condições as quais os feiticeiros estão conscientes há mais de um milênio.

A primeira vez que Don Juan começou a explicar esta premissa pensei que ela estava brincando ou que estava apenas tentando me chocar. Naquele tempo ele estava me provocando sobre minha preocupação em achar amor na vida. Ele perguntou uma vez quais eram meus objetivos na vida. Desde então eu não pude encontrar nenhuma resposta inteligível. Respondi para ele, em tom de brincadeira, que eu queria achar o amor.

“A busca do amor, para as pessoas que criaram você significava sexo”, Don Juan me disse naquela ocasião. “Porque você não trata a coisa como ela realmente é? Você esta buscando satisfação sexual, não é verdade”?

Eu neguei, é claro. Mas a questão permaneceu com Don Juan como uma fonte de provocação. Toda vez que eu o via, ele encontrava ou construía um contexto particular a fim de me questionar sobre minha busca do amor, quer dizer, satisfação sexual.

A primeira vez que ele discutiu a segunda premissa do caminho do guerreiro ele começou provocando-me, porém, rapidamente, ele tornou-se muito sério.

“Aconselho você a mudar sua postura”, ele disse, e se abstenha totalmente do prosseguimento de sua busca. “Isso o conduzirá a lugar nenhum na melhor das hipóteses; na pior, isso o conduzira em direção a sua ruína”.

“Mas porque Don Juan, porque eu devo desistir do sexo?” Perguntei em tom queixoso.

“Porque você é fruto de sexo aborrecido”, ele disse.

“O que é isso, Don Juan? O que você quer dizer com sexo aborrecido”?

“Uma das coisas mais sérias que os guerreiros fazem”, Don Juan explicou, “é pesquisar, confirmar e perceber a natureza de sua origem. Os guerreiros devem saber tão precisamente quanto possam se seus pais estavam sexualmente excitados quando eles o conceberam ou se eles estavam meramente cumprindo uma função conjugal. A atividade sexual civilizada é muito monótona para os participantes. Os feiticeiros acreditam, sem resquício de dúvidas, que crianças concebidas nos costumes modernos são produtos de uma muito aborrecida... relação sexual. Não faço ideia de outra forma de como poderia chamar isso. Se eu usasse outra palavra seria um eufemismo e o termo perderia seu impacto”.

Após ouvir isso incessantemente eu comecei a ponderar seriamente sobre o que ele estava querendo dizer. Eu pensei que tinha o compreendido. A dúvida me incomodava toda vez que eu encontrava a mim mesmo fazendo a mesma pergunta: “o que é um sexo aborrecido, Don Juan”? Imaginava que inconscientemente eu queria que ele repetisse o que já tinha dito dezenas de vezes.

“Não veja com má vontade minha insistência”, Don Juan costumava me dizer toda vez.

Levará anos de luta antes que você admita que seja fruto de sexo aborrecido. Então, vou repetir novamente: se não há excitação no momento da concepção, a criança que nasce de tal união será intrinsicamente, dizem os feiticeiros, da maneira tal como ela foi concebida. Desde que não haja excitação entre os amantes, mas talvez meramente desejo mental, a criança deve arcar com as consequências deste ato. Os feiticeiros asseveram que tais crianças são carentes, fracas, instáveis e dependentes. Essas crianças, dizem os feiticeiros, são as crianças que jamais saem de casa; elas permanecem imóveis na vida. A vantagem de tais seres é que eles são extremamente consistentes em meio a sua fraqueza. Essas crianças poderiam fazer o mesmo trabalho por toda sua vida sem jamais sentir a necessidade de mudança. Caso venha acontecer com que elas tenham um bom exemplo enquanto crianças, elas crescem para ser muito eficientes, mas se elas falham em ter uma boa referência, não haverá fim para sua agonia, agitação e instabilidade.

“Os feiticeiros dizem com grande tristeza que uma enorme massa da humanidade foi concebida desta maneira. Este é o motivo pelo qual ouvimos incessantemente sobre a urgência de encontrar alguma coisa que nós não temos. Nós buscamos, durante toda duração de nossas vidas, de acordo com os feiticeiros, por aquela excitação original da qual fomos privados. É por isso que digo que você é fruto de sexo aborrecido. Eu vejo angústia e descontentamento escrito em seu corpo inteiro. Mas não se sinta mal. Eu também sou fruto de sexo aborrecido. Há muitas poucas pessoas, até onde conheço, que não são assim”.

“O que isso significa pra mim, Don Juan”? Perguntei para ele uma vez, verdadeiramente preocupado. De alguma forma Don Juan mexeu com minha essência interior com cada palavra que disse. Eu era exatamente o que ele tinha descrito como sexo aborrecido criado em um padrão ruim. Finalmente um dia tudo se reduziu a uma afirmação e questão crucial.

“Admito que sou fruto de sexo aborrecido. O que posso fazer”? Disse.

Don Juan sorriu efervescentemente, lágrimas surgiram em seus olhos. “Eu sei, eu sei”, ele disse, batendo em minhas costas, tentando me confortar, suponho. “Para começar, não chame a si mesmo de sexo aborrecido”. Ele me olhou com tanta seriedade e expressão preocupada que eu comecei a tomar notas.

“Escreva tudo”, ele disse encorajadoramente. “O primeiro passo positivo é usar apenas s iniciais: C.A”.

Escrevi isso antes de perceber a piada. Parei e olhei para ele. Ele estava prestes a mostrar seu sorriso de canto. Em espanhol, sexo aborrecido é “cojida aburrida”. C.A., da mesma maneira que as iniciais do meu nome, Carlos Aranha.

Quando seu sorriso tinha desaparecido, Don Juan descreveu seriamente um plano de ação para recompensar as condições negativas de minha origem. Ele riu alvoroçadamente quando me descreveu não apenas como na média do C.A., mas como aquele que tinha uma carga extra de nervosismo.

“No caminho do guerreiro”, disse, “nada é final”. “Nada é para sempre. Se seus pais não fizeram você como deveriam, refaça a si mesmo”.

Ele explicou que a primeira manobra dos feiticeiros é tornar-se ávaro por energia. Haja vista que alguém resultado de sexo aborrecido quase não possui energia, é inútil desperdiçar o pouco que se possui em padrões que não são adequados para a quantia de energia disponível. Don Juan recomendou que eu me abstivesse de me engajar em padrões de comportamento que demandassem a energia que eu não tinha. Abstinência foi a resposta, não porque era moralmente correta ou desejável, mas porque era energeticamente o único caminho, para mim, no qual poderia armazenar energia suficientemente para estar em pé de igualdade com aqueles que eram concebidos sob condições de enorme excitação sexual.

Os padrões de comportamento do qual ele falava incluíam tudo o que eu fazia, da forma como eu amarrava meus sapatos, comia, até os modos pelos quais eu me preocupava com minha apresentação pessoal, ou a maneira com que eu realizava minhas atividades diárias, especialmente quando se referia ao namoro. Don Juan insistiu para que eu me abstivesse do intercurso sexual porque eu não tinha energia pra isso.

“Toda sua realização em sua atividade sexual”, ele afirmou, “é conduzi-lo dentro de um estado de profunda desidratação. Você tem círculos sob seus olhos, seu cabelo esta caindo; você possui marcas estranhas em suas unhas, seus dentes são amarelos; e seus olhos estão chorando o tempo todo. As relações com mulheres te causam tanto nervosismo que você devora sua comida sem mastiga-la, então você está sempre bloqueado.

Don Juan divertiu-se imensamente ao dizer-me tudo isso que se somou imensamente a minha humilhação. Sua ultima observação foi, entretanto, como um ato de lançar um salva-vidas pra mim.

“Os feiticeiros dizem”, continuou, “que é possível converter o sexo aborrecido em alguma coisa inconcebível. Tudo é uma questão de intentar isso. Eu digo, intentando o inconcebível. Para fazer isso, intentar o inconcebível, devemos usar qualquer coisa que esteja disponível, qualquer coisa afinal”.

“O que é qualquer coisa”, Don Juan? Eu perguntei claramente tocado.

“Qualquer coisa é qualquer coisa. Uma sensação, uma memória, um desejo, um impulso; talvez medo, temeridade, esperança; quem sabe, curiosidade”.

Não desisti de entender esta última parte. Porém, compreendi o suficiente para começar minha própria batalha a fim de me livrar da base dos conceitos civilizados. Um tempo depois, o “explorador azul” escreveu um poema que explicou tudo isso para mim.

O conceito de sexo aborrecido pelo Explorador Azul.

Ela foi feita em um trailer no Arizona, depois de um noite de jogos de poker e cervejas com os amigos.

Seus pés ficaram presos nos laços esfarrapados de sua camisola

Ela cheirava como uma mistura de fumaça de cigarro e spray para cabelo

Ele esta pensando no resultado do boliche Quando percebeu que estava excitado

Ela se perguntou como esta vida Poderia, por ventura, durar para sempre

Ela queria ir ao banheiro quando se encontrou presa.

Ele sufocou um arroto enquanto ela estava engravidando, mas felizmente para ela, os dois estavam no deserto, e naquele momento, um coiote uivou, mandando um sopro de desejo através do útero da mulher.

Aquele arrepio foi tudo que ela trouxe a este mundo.


Part 3

O caminho do guerreiro visto como um paradigma filosófico-prático

A terceira premissa do caminho do guerreiro é: A PERCECPÇÃO DEVE SER INTENTADA EM SUA PLENITUDE. Don Juan disse que percepção é percepção, e que ela é o vácuo da bondade ou do mal. Ele apresentou esta premissa como um dos componentes mais importantes do caminho do guerreiro, a disposição essencial que todos feiticeiros tem de conservar. Ele sustentava que, desde que a premissa básica do caminho do guerreiro é que todos somos percebedores, o que quer que percebamos deve ser catalogado como percepção per se, sem infligir qualquer valor nela, positivo ou negativo.

Minha inclinação natural era insistir que o bem e o mal tinham que ser condições inerentes ao universo; tinham que ser essências, não atributos. Quando quer que fosse que apresentasse meus argumentos para Don Juan, que eram afirmações involuntárias, ele apontava que meus argumentos perdiam o escopo, que eles eram ditados meramente pelos caprichos do meu intelecto tal como por minha aflição para definir minha organização sintática.

“Você é apenas palavra”, ele costumava dizer, “palavras organizadas em uma ordem agradável; uma ordem que se coaduna com as visões do seu tempo. O que eu lhe dei não são apenas palavras, mas referências precisas do meu livro de navegação”. A primeira vez que ele mencionou sobre seu livro de navegação eu estava muito convicto com o que pensei ser uma metáfora, e eu queria saber mais sobre isso. Tudo o que Don Juan disse para mim, naqueles dias, eu tomei como uma metáfora. Achei suas metáforas extremamente poéticas e nunca perdi uma oportunidade de comentar a este respeito.

“Um livro de navegação! Que bela metáfora, Don Juan”, disse para ele naquela ocasião.

“Metáfora, nada!”, falou. “Um livro de navegação de um feiticeiro não é nada parecido com o seu mundo de combinação de palavras”.

“O que é então, Don Juan”?

“É um diário de bordo. É uma recordação de todas as coisas que os feiticeiros percebem em sua jornada para o infinito”.

É um registro do que todos os feiticeiros de sua linhagem percebem, Don Juan?

É claro! O que mais poderia ser?

Você mantém isso somente em sua memória?

Quando eu perguntei aquilo, eu estava pensando, naturalmente, sobre a história oral, ou a habilidade de manter os relatos na forma de histórias, especialmente das pessoas que viveram em tempos anteriores a linguagem escrita, ou pessoas que viveram nas margens da civilização na idade moderna. No caso de Don Juan eu pensei que um registro daquela natureza tinha que ter uma extensão monumental.

Don Juan parecia esta consciente do meu raciocínio. Ele riu antes de me responder.

“Não se trata de uma enciclopédia!”, ele disse. É um registro curto e preciso. Eu vou familiariza-lo com todos os tópicos e você verá que há pouco que você ou qualquer outra pessoa poderiam adicionar, de uma maneira geral.

“Não posso conceber como poderia ser curto, Don Juan, se esta é a acumulação de todo conhecimento de sua linhagem”, eu insisti.

“No infinito, os feiticeiros encontram poucas questões essenciais. As permutações dessas questões são infinitas, mas como eu espero que você encontre algum dia, estas permutações não são importantes. A energia é extremamente precisa”.

“Mas como podem os feiticeiros diferenciar as permutações das questões essenciais, Don Juan”?

“Feiticeiros não se concentram nas permutações. Quando eles estão prontos para viajar pelo infinito, da mesma maneira, eles estão prontos para perceber a energia como ela flui no universo, e o mais importante do que qualquer outra coisa, eles são capazes de reinterpretar o fluxo de energia sem a intervenção da mente”.

Quando Don Juan manifestou, pela primeira vez, a possibilidade de interpretar os dados sensórios sem a ajuda mente, achei muito difícil de conceber. Don Juan esta definitivamente consciente de minha sucessão de pensamentos.

“Você esta tentando compreender tudo em termos da sua razão”, ele disse, “e essa é uma tarefa impossível. Aceite a simples premissa que percepção é percepção, um vácuo de complexidades e contradições. O livro de navegação que estou lhe dizendo consiste naquilo que os feiticeiros percebem quando eles estão em um estado de completo silêncio interior”.

“O que os feiticeiros percebem em um completo estado de silêncio é ver, não é”? Perguntei.

“Não”, ele disse firmemente, olhando diretamente nos meus olhos. “Ver é perceber a energia como ela flui no universo, e isso certamente é o começo da feitiçaria, mas a grande preocupação dos feiticeiros é perceber. Como já lhe disse: perceber, para os feiticeiros, é interpretar o fluxo direto de energia sem a influência da mente. Esta é a razão pela qual o livro de navegação é tão esparsa”.

Don Juan então esboçou um esquema de feitiçaria completo ainda que não tenha entendido uma palavra daquilo. Levou o período de uma vida inteira para eu mudar de opinião a fim de lidar com o que ele disse para mim naquele tempo:

“Quando alguém esta livre da mente”, ele disse - uma das coisas mais do que incompreensíveis para mim - “a interpretação dos dados sensoriais não são mais um assunto tomado como certo. A totalidade do corpo contribui para que isso aconteça; o corpo como um conglomerado de campos de energia. A mais importante parte desta interpretação é a contribuição do corpo energético, o corpo duplo em termos de energia; uma configuração de energia que é a imagem espelhada do corpo como uma esfera luminosa. A interpretação entre os dois corpos resulta numa interpretação que não pode ser boa ou má, certa ou errada, mas uma unidade invisível que tem o valor somente para aqueles que caminham rumo ao infinito”.

“Porque isso não teria valor em nossa vida diária, Don Juan”? Perguntei.

“Porque quando os dois lados do homem, seu corpo físico e seu corpo de energia estão unidos, o milagre da liberdade acontece. Os feiticeiros dizem que naquele momento percebemos aquilo por razões estranhas a nós por termos nos detido em nossa jornada da consciência. Esta jornada interrompida começa novamente no momento do ingresso”.

“Uma premissa essencial do caminho do guerreiro é, portanto, que a percepção deve ser intentada em sua plenitude; isso quer dizer que a reinterpretação da energia imediata tal como ela flui no universo deve ser feita por um homem na posse de suas duas partes essenciais: corpo e corpo energético. Essa reinterpretação, para os feiticeiros, é integral e, como você entenderá algum dia, ela deve ser intentada”.


Parte 4

O caminho do guerreiro visto como um paradigma filosófico-prático.

O CORPO DE ENERGIA

A quarta unidade do caminho do guerreiro é O CORPO DE ENERGIA. Don Juan Matus explicou que, desde tempos imemoriais, os feiticeiros têm atribuído o termo “corpo de energia” a uma configuração especial que pertence a cada ser humano individualmente. Ele também chamou essa configuração de o “corpo sonhador”, o “duplo” ou o “outro”. Sua preferência, de acordo com o consenso dos feiticeiros em enfatizar os conceitos abstratos, foi chama-lo de corpo de energia. Mas ele também me contou sobre um divertido nome secreto para o corpo de energia que foi usado como um eufemismo, um apelido, um termo carinhoso, uma referência amigável para algo incompreensível e velado: que ni te jodan – que em inglês significa “eles não deveriam incomodar você, corpo de energia, ou qualquer outra coisa”.

Don Juan explicou solenemente o corpo de energia como um conglomerado de campos de energia que são a imagem espelhada dos campos de energia que compõe o corpo humano quando é visto diretamente como energia.

Don Juan disse que, para os feiticeiros, o corpo físico e o corpo de energia constituem uma unidade. Mais tarde ele explicou que os feiticeiros acreditam que o corpo físico envolve tanto o corpo quanto a mente como os conhecemos e que o corpo físico e o corpo de energia são apenas configurações de energia contrabalanceadas no nosso reino humano. Visto que não há algo como um dualismo entre corpo e mente, o único dualismo possível que existe é entre o corpo físico e o corpo de energia.

A alegação dos feiticeiros é que perceber constitui um processo de interpretação dos dados sensoriais, mas cada ser humano tem a capacidade de perceber diretamente a energia, ou seja, sem a necessidade de processa-la através de um sistema de interpretação. Como já foi afirmado, quando os seres humanos são percebidos na sua forma, eles tem a aparência de uma esfera de luminosidade. Os feiticeiros afirmam que esta esfera de luminosidade é um conglomerado de campos de energia mantidos unidos por uma misteriosa força de ligação.

“O que você quer dizer por conglomerado de campo de energia”? Perguntei a Don Juan quando ele me disse sobre isso pela primeira vez. “Os campos de energia são comprimidos juntos por alguma estranha força de aglutinação”, ele respondeu. “Uma das artes dos feiticeiros é chamar o corpo de energia, que ordinariamente esta muito longe de sua contraparte, o corpo físico, e traze-lo mais próximo para que ele possa começar a presidir energeticamente sobre todas as coisas que o corpo físico faz”.

“Se você quer ser mais exato”, Don Juan continuou, “você pode dizer que quando o corpo de energia esta muito próxima do corpo físico, um feiticeiro vê duas esferas luminosas, quase superpostas uma sobre a outra. Ter nossa energia gêmea por perto seria nosso estado natural ou, ao menos seria, se não fosse pelo fato de que algo empurrou para longe nosso corpo de energia, começando no exato momento do nosso nascimento”.

Os feiticeiros da linhagem de Don Juan colocavam uma grande ênfase na disciplina exigida para trazer o corpo de energia próximo ao corpo físico. Don Juan explicou que, uma vez que o corpo de energia permanece dentro de certa faixa energética, que varia de acordo com cada um, sua proximidade permite aos feiticeiros a oportunidade de forjar o corpo de energia no “outro” ou no “duplo”: outro ser, sólido e tridimensional, exatamente como eles mesmos.

Seguindo as mesmas práticas, os feiticeiros podem mudar sua solidez, corpos físicos tridimensionais em uma perfeita réplica do corpo de energia; ou seja, um conglomerado de puro campo de energia que são invisíveis aos olhos normais, como toda energia é; como uma carga de energia etérea capaz de atravessar uma parede, por exemplo.

“É possível transformar o corpo em tamanho grau, Don Juan? Ou você esta apenas descrevendo uma proposição mítica”? Eu perguntei, maravilhado e perplexo quando ouvi tais afirmações.

“Não há nada mítico sobre os feiticeiros”, ele respondeu. “Os feiticeiros são seres pragmáticos e o que eles descrevem é sempre algo sóbrio e com os pés no chão. Nossa desvantagem é a relutância em permanecer longe de nossa linearidade. Isso nos torna seres incrédulos que se matam para acreditar na pior coisa que se pode imaginar”.

“Quando você fala desse jeito, Don Juan, você sempre se refere a mim”, eu disse.

“Porque estou matando a mim mesmo para acreditar”?

“Você mata a si mesmo para acreditar, por exemplo, que antropologia é significativa ou que ela existe. Tal como um homem religioso mata a si mesmo para acreditar que Deus é um homem que reside sobre as nuvens e que o diabo é um malfeitor cósmico que mora no inferno”.

Este era o estilo de Don Juan para fazer um recorte, mas observado de uma maneira espantosamente precisa sobre minha pessoa no mundo. Quanto mais mordaz e direta eram essas observações, maior era seu efeito sobre mim e maior minha decepção em ouvi-las. Outro desses mecanismos didáticos era me oferecer informações extremamente pertinentes sobre o conceito dos feiticeiros de modo que eram leves, mas profundamente críticas diante da minha compulsão em comprometer-me com explicações lineares. Perguntei a ele uma vez, enquanto discutíamos o tópico do corpo de energia, uma de minhas questões:

“Através de qual processo”, disse, “podem os feiticeiros transformar seus corpos etéreos de energia em um corpo sólido tridimensional, e seus corpos físicos em energia etérea, capaz de atravessar parede”?

Don Juan, adotando uma seriedade de professor, levantou seu dedo e disse: “através da volição – embora nem sempre consciente – ainda assim, dentro de nossas capacidades, porém não totalmente no campo de nossa habilidade imediata, o uso da força de aglutinação amarra o corpo físico ao corpo de energia, como dois conglomerados de campo de energia”.

Com este veio de provocação, sua explicação foi, todavia, uma descrição fenomenológica extremamente precisa de processos inconcebíveis para nossas mentes lineares, embora continuamente realizadas por nossos recursos energéticos ocultos. Os feiticeiros sustentam que a ligação entre o corpo físico e o corpo de energia é uma força misteriosa de aglutinação que usamos incessantemente sem que estejamos cientes dela.

Foi afirmado que quando os feiticeiros percebem o corpo como um conglomerado de campos de energia, eles percebem uma esfera do tamanho de ambos os braços entendidos tanto lateralmente quanto ascendentemente. Eles também percebem que nesta esfera existe algo que eles chamam de ponto de aglutinação; um lugar com mais intensidade de luminosidade, do tamanho de uma bola de tênis, localizado em direção as costas, na altura da omoplata, a um braço de distância dos ombros.

Os feiticeiros consideram o ponto de aglutinação o lugar onde o fluxo direto de energia converte-se nos dados sensoriais interpretados como o mundo da vida diária. Don Juan disse que aquele ponto de aglutinação, além de fazer tudo isso, também possui a mais importante função secundaria: é a conexão entre o corpo físico e o ponto de aglutinação do corpo de energia. Ele descreveu tal conexão como análoga a dois círculos magnetizados, cada qual do tamanho de uma bola de tênis, vindo juntos, atraídos pela força do intento.

Ele também disse que quando o corpo físico e o corpo de energia não estão unidos, a conexão entre eles é uma linha etérea, por veze tão tênue que sequer parece existir. Don Juan estava certo de que a corpo de energia é empurrado cada vez mais longe quando o corpo físico envelhece e que a morte surge como resultado do rompimento desta tênue conexão.

Dúvidas sobre o caminho do guerreiro


QUEM SÃO AS CHACMOOLS?

Uma das perguntas que tem sido feitas com uma notável insistência esta relacionada com as três pessoas que têm ministrados os seminários e workshops até agora: Kylie Lundahl, Reni Murez e Nyei Murez. Elas têm sido chamadas de “as chacmools”. Este é um termo tirado do nome dado a algumas formas humanas maciças encontradas nas pirâmides de Tula e Yukatan no México. Os arqueologistas classificaram estas formas maciças de homens reclinados colocados nas entradas da pirâmide como “queimadores e incenso”, mas Don Juan acreditava que eles eram representações de guerreiros guardiães que protegiam as pirâmides como locais de poder.

Essas figuras foram, primeiramente, encontradas na cidade Maia de Chacmool, daí o nome “Chacmool”. As três pessoas acima mencionadas se encaixam nesta categoria geral de guerreiros guardiães. Contudo, é equivocado acreditar que as três por si esmas constituam esta categoria de guerreiros. Essas três mulheres são as que têm permanecido, até agora, com a responsabilidade de manter a ideia de um guerreiro guardião. Qualquer um de nós que aceitar a responsabilidade de ser um guardião tornase, ipso facto, um chacmool. Carlos Castaneda, como o líder nominal de nosso empreendimento da liberdade, é o chacmool de todos nós, e na mesma proporção, Carol Tiggs.

O fardo recaiu, entretanto, sobre Kylie Lundahl, Reni Murez and Nyei Murez por terem sido as primeiras pessoas a aplicar na vida diária os movimentos chamados “passesmágicos”, descobertos pelos xamãs que viveram no México em tempos remotos; sobre essas três mulheres também recaiu a alegria e a honra por terem levado os passes mágicos para o público em geral. E o ato de trazê-los deveria liberta-los; deveria, além disso, cortar seus laços de autoimportância que comanda os atos da vida diária.

Idealmente, Tesengridade deveria trazer liberdade para seus praticantes, e as três chacmools conhecidas pelos participantes nos nossos seminários e workshops deveriam se beneficiar dessa situação. Porém, a novidade de levar ao consumo do público algo tão sigiloso como os passes mágicos tem sido um problema que não tivemos como antecipar. Após dizer adeus e muito obrigado para a audiência no seminário do dia 9 e 10 de dezembro de 1995, as três chacmools irão dirigir outra camada de assuntos de diversos níveis sobre o caminho do guerreiro. Elas testarão sua disciplina contra situações indeterminadas.

Sobre a Tensegridade e seus efeitos

PERGUNTAS SOBRE O CAMINHO DO GUERREIRO

Aqui estão duas perguntas que nós gostaríamos de abordar nesta matéria. A primeira é: Quando eu verei? Tenho praticado Tesengridade constantemente e tenho recapitulado o máximo que posso. O que vem agora?’ 

Ver a energia tal como ela flui no universo tem se constituído como a primeira meta dos feiticeiros desde o começo de sua busca. Por milhares de anos, de acordo com Don Juan, guerreiros tem se esforçado para quebrar o efeito do nosso sistema de interpretação para serem capazes de perceber a energia diretamente. A fim de realizar esse feito eles desenvolveram, através dos milênios, passos muito exigentes. Não queremos chamar essas etapas de “praxes” ou “procedimentos”, mas antes, “manobras”.

O caminho do guerreiro é, neste sentido, uma manobra constante, dirigida para apoiar os guerreiros para que eles possam cumprir a meta de ver diretamente a energia.

Visto que as diversas premissas do caminho do guerreiro são discutidas em cada tópico deste diário na seção chamada O caminho do guerreiro como um paradigma filosófico-prático, se tornará óbvio que os esforços dos feiticeiros tem sido e são dirigidos no sentido de bloquear a predominância da autoimportância como o único meio de suspender os efeitos de nosso sistema de interpretação. Os feiticeiros possuem uma explicação sobre a suspensão desses efeitos, eles o chamam de “parar o mundo”.

Quando eles atingem esse estado, eles veêm a energia diretamente.

A razão pela qual Don Juan aconselhou refrear o foco na “praxes” e nas rotinas é porque, aliado a pratica de Tesengridade, recapitulação ou na jornada pelo caminho do guerreiro, os praticantes devem intentar sua transformação; eles devem intentar parar o mundo. Portanto, não é meramente seguir os passos que contam. O mais importante é intentar os efeitos de seguir estes passos.

Você esta fazendo algo por mim através da Tesengridade? Hoje eu senti algo se movendo sobre minhas costas e estou com medo. Parei de fazer Tesengridade até que você esclareça isso. Essa tem sido nossa experiência que a maioria das pessoas racionais, tal como advogados, por exemplo, ou psicólogos, nos tem perguntado a respeito. Alguns anos atrás Florinda Donner-Grau fez a seguinte afirmação em espanhol para uma de suas amigas, uma mulher muito culta e séria: “Eres tan linda que te queremos robar”. Você é tão querida que queremos te roubar”. Em espanhol, esta frase é completamente correta como uma expressão de ternura.

Florinda não viu sua amiga até um ano mais tarde, quando ela comunicou a Florinda que tinha que vê-la como conselho de seu psiquiatra. Ela queria confrontar Florinda e seu grupo depois de um ano de análise motivada por obsessão, sonhos recorrentes no qual uma força inumana estava tentando tira-la de sua família e de seus amigos próximos. Na sua mente, aquela força inumana era, obviamente, Florinda Grau e seu grupo.

Nada disso é novo para nós. Cada um de nós teve o mesmo sentimento e realizou a mesma pergunta para Don Juan Matus em diversos graus de severidade. Nós todos sentimos alguma coisa se movendo sobre nossas costas. Don Juan disse que era um músculo agradecido por ter sido alimentado com oxigênio pela primeira vez, após termos realizado os passes mágicos. Ele assegurou para cada um de nós, autoimportantes reclamões, que ele precisava de nós da mesma forma que precisava de um buraco na cabeça. Ele nos lembrou de que ele tinha compromissos diários com o infinito; compromissos do qual tinha que se encarregar em estado mental de profundo relaxamento e pureza, e que influenciar os outros não era de modo algum parte daquela necessidade de relaxamento e pureza. Ele assinalou para nós que a ideia de que temos sido manipulados por alguma força do mal que nos pegou pelo pescoço, como uma cobaia, foi produto pelo nosso hábito de vida e gosto por sermos vítimas. Ele gostava de nos repreender em um tom zombeteiro de desespero: “ele esta fazendo isso para mim, e eu não posso me ajudar”.

A recomendação que Don Juan deu a nós, considerando nossos medos de ser indevidamente influenciados, foi um tipo de paródia da agitação política dos anos sessenta, quando a seguinte afirmação era um tipo de máxima da atividade política daqueles tempos: “em caso de dúvida, queime”. Don Juan alterou a máxima para: “em caso de dúvida, seja impecável”.

Nos dias de hoje, compreendemos a posição de Don Juan quando ele disse “é impossível se realizar, cheio de temor, ideais equivocadas e mal procedimento, quando a verdadeira meta da feitiçaria é: uma jornada para o infinito”. Quando nós ouvimos nossas velhas queixas exclamadas por alguma outra pessoa, nosso ato de impecabilidade é para assegurar para aquele que se queixa, que nós estamos em busca da liberdade e que a liberdade é livre; livre no sentido de que é gratuita e livre no sentido de não possuir a assombrosa fascinação obsessiva e infundada da autoimportância.

Porque praticar Tesengridade?

Questões sobre o caminho do guerreiro

Qual a importância de se praticar Tesengridade, recapitulação, e fazer todas as coisas que você aconselha? Qual é o ganho? Sou uma mulher de meia idade com três crianças em idade escolar; meu casamento não é tão estável assim; meu peso é muito elevado. Não sei o que fazer.

De novo, tal como nos outros casos que relatei anteriormente, esta não é uma nova questão. Tenho dado minha própria versão disso incontável número de vezes para Don Juan. Havia dois níveis de abstração ao qual ele se feria toda vez que respondia questões como esta, colocada por qualquer um de seus discípulos - sei que todos eles perguntaram a mesma questão alguma vez ou outra, no mesmo ânimo de desesperança, abatimento e inutilidade.

No primeiro nível, o nível das praticidades, Don Juan destacava que a execução dos passes mágicos, por si mesmo, conduz o praticante a um incomparável estado de bem-estar.

“A façanha física e mental que resulta da execução sistemática dos passes mágicos”, ele costumava dizer, “é tão evidente que qualquer discussão sobre seus efeitos é irrelevante. O que se precisa fazer é praticar incessantemente para só então considerar o proveito ou inutilidade de tudo isso”.

Eu estava na mesma situação dos outros discípulos de Don Juan ou a pessoa que colocou essa questão para mim. Eu sentia e acreditava que não estava qualificado para o caminho do guerreiro, pois meus defeitos eram exorbitantes. Quando Don Juan me perguntava quais eram meus defeitos, me encontrava como um resmungão, incapaz de descrever aquelas falhas que me afligiam tão profundamente. Eu me justifiquei de tudo isso ao dizer pra ele que eu tinha uma sensação de derrota que parecia ser a marca de toda minha vida. Eu me via como um campeão em realizar coisas idiotas que nunca me levaram a lugar algum. Este sentimento foi expresso por meio de dúvidas e tribulações além de uma necessidade sem fim de justificar todas as coisas que eu fazia. Sabia que eu era fraco e indisciplinado em áreas que não tinha interesse. Meu senso de derrota foi a consequência natural desta contradição. Quando eu afirmei e reafirmei minhas dúvidas para ele, Don Juan destacou que o pensamento obsessivo sobre si mesmo era a coisa mais cansativa que ele conhecia.

“Pensar somente sobre si mesmo”, ele me disse uma vez, “produz uma fadiga estranha; a mais esmagadora e sufocante fadiga”.

Conforme os anos se passaram eu vim a entender e aceitar completamente os apontamentos de Don Juan. Minha conclusão, tal como a conclusão de todos os discípulos, é que a primeira coisa que se deve fazer é tornar-se consciente da preocupação excessiva com o eu. Outra conclusão foi que o único meio de conseguir energia suficiente para superar essa preocupação – algo que não pode ser atingido intelectualmente – é praticando os passes mágicos. Tal prática gera energia, e energia realiza maravilhas. Se a execução dos passes mágicos é mesclada com o que os feiticeiros chamam de recapitulação, a visão e revisão sistemática das experiências de vida, a chance de sair da base da autorreflexão se multiplica.

Tudo isso esta no nível das praticidades. O outro nível que Don Juan se referia chamava de o reino mágico: a convicção dos feiticeiros de que nós somos, de fato, seres mágicos; o fato de que vamos morrer torna-nos poderosos e decisivos. Os feiticeiros acreditam que se realmente seguirmos estritamente o caminho do guerreiro poderíamos usar nossa morte como uma força guia a fim de nos tornarmos seres que vão morrer. Na visão dos feiticeiros, os seres que vão morrer são mágicos por definição e eles não morrem a morte trazida pela fatiga, o desgaste e a fraqueza, mas continuam em uma jornada de consciência. A consciência de que eles vão morrer de fatiga, desgaste e lágrimas caso não reivindiquem sua natureza mágica, os torna únicos e engenhosos.

“Em um dado momento de nossas vidas, se nós assim desejarmos”, disse Don Juan para mim certa feita, “aquela singularidade mágica e o poder surgem em nossas vidas tão delicadamente como se fosse algo tímido”.

Certa vez, o explorador azul escreveu um poema que sempre parecia, para mim, a representação mais apropriada sobre a reconquista de nossa expressão mágica:

Voô do anjo

Pelo explorador azul

Existem anjos que estão destinados a voar em direção às brumas negras

Com frequência, eles ficam presos lá, e por um tempo, eles perdem suas asas e ficam perdidos às vezes, por quase uma vida.

Não importa, eles ainda são anjos;

Anjos nunca morrem.

Eles sabem que, um dia, as brumas irão sumir, mesmo que por um segundo.

E eles sabem que, então, serão reivindicados finalmente, por um céu dourado.


O que vai acontecer comigo?

Perguntas sobre o caminho do guerreio

Tem havido uma série de perguntas feitas por diferentes pessoas sobre os mesmos tópicos. Esta preocupação deveria ser classificada, em termos gerais, como “o que acontecerá comigo”? Pessoas têm me perguntado sobre isso pessoalmente, por escrito, ou tenho ouvido a mesma preocupação por meio de terceiros.

A seguinte questão foi perguntada neste tom: “entendo que você esta tentando reunir uma massa de pessoas, já que seu plano de feitiçaria original falhou. Estou fisgado pelo que você fez. Qual seu plano em relação a mim”?

Esta é uma pergunta que deveria ser destinada a um guru, um instrutor espiritual. Não me vejo como guru nem como instrutor espiritual, mas como alguém que esta tentando atribuir um significado ao trabalho dado por Don Juan. Ele estava se referindo ao meu papel em relação aos demais discípulos, meu grupo, quando ele disse:

“Tudo o que você pode aspirar é ser um conselheiro. Você deve mostrar um erro se você vê-lo; você deve aconselhar sobre o caminho adequado para se fazer algo, porque você estará observando tudo a partir do ponto privilegiado do silêncio total. Os feiticeiros chamam isso de „a visão da ponte‟. Os feiticeiros vêem a água - a vida - como ela flui sob a ponte. Seus olhos estão, por assim dizer, direto ao ponto onde a água escorre por debaixo da ponte. Eles não podem ver adiante. Eles não podem olhar para atrás. Eles podem ver apenas o agora”.

Eu realizei o esforço derradeiro e continuarei a fazê-lo para cumprir este papel. Quando uma pessoa esta interessada e diz “estou fisgada”, não ouso acreditar que a pessoa esta fisgada em mim. Todos nós aprendemos e praticamos a ter uma ligação especial com o professor. Isso esta enraízado, sem dúvida, por sermos pessoalmente ligados á nossa mãe ou pai, ou ambos, ou qualquer outra pessoa que desempenha este papel na família ou em nosso círculo de amizades.

Se eu desse em meus livros a impressão de que Don Juan estava pessoalmente ligado a mim seria fruto de minha própria má interpretação inconsciente. Ele trabalhou incessantemente, desde o momento em que o encontrei, para exterminar este impulso em mim. Ele chamou isso de carência e explicou que ela é desenvolvida e apoiada pela ordem social, e que a carência é a mais obscena maneira de criar e alimentar uma mentalidade de escravo. Ele disse que se eu acreditasse que estava “fisgado”, não estava fisgado a ele pessoalmente, porém à ideia de liberdade, uma ideia pela qual os feiticeiros passaram formulando por gerações.

Com relação ao fracasso do plano original, tudo que posso dizer é que realmente afirmei que a linhagem de Don Juan termina comigo junto aos outros três discípulos dele, mas isso não é uma indicação de fracasso de qualquer plano. É simplesmente uma situação que os feiticeiros explicam ao dizer: “é uma condição natural como qualquer outra chegar a um fim”.

O fato de eu ter dito que gostaria de atingir tantas pessoas quanto possível e criar uma massa de consenso é uma consequência de perceber que estamos no fim da mais interessante linha de pensamentos e ações. Nós realmente sentimos que somos recipientes indignos de uma tarefa gigante; a tarefa de explicar que o mundo dos feiticeiros não é uma ilusão, nem um pensamento desejável.

Outra questão: “você teve um professor. Com eu posso avançar sem um. Estou preocupado porque não tenho um Don Juan”.

A preocupação é uma maneira genuína de interação em nosso circulo social, nós nos preocupamos com tudo. A “preocupação” é uma categoria sintática tal como dizer “eu não entendo”. Preocupar-se não significa estar preocupado com algo; é simplesmente uma maneira de sublinhar um tópico que possui importância para nós. Dizer que você se preocupa porque não existe um Don Juan disponível já constitui uma possível declaração de derrota. É com se essa afirmação abrisse uma saída que permanece pronta para uso a qualquer momento.

Don Juan mesmo me falou que todas as forças envidadas em me guiar foi um procedimento necessário estabelecido pela tradição dos feiticeiros. Ele teve que me preparar para dar continuidade a sua linhagem. Ao longo de todo ano, tem havido um número de pessoas que viajam para o México procurando por Don Juan. Eles pegam a narração em meus livros como uma descrição de uma possibilidade aberta. Esta é, novamente, minha culpa. Não foi porque eu não fui cuidadoso, mas antes, porque eu tive que me abster de fazer alegações bombásticas de que eu não era de modo algum especial.

Don Juan estava interessado em perpetuar sua linhagem, não em ensinar seu conhecimento. Já toquei nesta questão, mas é importante que eu enfatize repetidamente:

Don Juan não foi propriamente um professor. Ele foi um feiticeiro transmitindo seu conhecimento a seus discípulos, exclusivamente para a continuidade de sua linhagem.

Haja vista que sua linhagem chegou a um desfecho comigo e seus outros três discípulos, ele mesmo propôs que eu escrevesse sobre este conhecimento. E precisamente devido a sua linhagem ter chego ao fim, que seus discípulos abriram a porta fechada do mundo dos feiticeiros e estão agora trabalhando para explicar o que é a feitiçaria tal como os feiticeiros fazem.

Os feiticeiros dizem que o único guia ou professor possíveis que temos é o espírito, significando o abstrato, a força impessoal que existe no universo, consciente de si mesma. Talvez, poderia ser chamado por outro nome, tal como consciência, cognição, força de vida. Os feiticeiros acreditam que ela permeia todo o universo, pode guia-los, e tudo que precisam para alcançar esta força é o silêncio interior; assim, eles alegam que nosssa ligação é exclusiva com esta força, e não com uma pessoa.

Outra questão feita com bastante frequência é: “como você nunca falou sobre Tesengridade em seus livros e porque você esta falando sobre isso agora”?

Nunca falei sobre Tesengridade antes porque Tesengridade é a versão dos movimentos dos passes mágicos criado pelos discípulos de Don Juan, que foram desenvolvidos pelos xamãs que viveram no México em tempos antigos, precursores da linhagem de Don Juan. Tesengridade é baseada naqueles passes mágicos e parte de um acordo realizado pelos quatro discípulos de Don Juan Matus para congregar as quatro linhas diferentes de movimento ensinados para cada um deles individualmente, encaixando-se em suas respectivas configurações físicas e mentais.

Seguindo o pedido de Don Juan, me abstive por todos esses anos de mencionar os passes mágicos. As formas altamente secretas por meio das quais os passes mágicos foram ensinados a mim implicaram num acordo de minha parte para cerca-los com o mesmo sigilo. O mais próximo que já cheguei de mencionar os passes mágicos foi quando escrevi sobre a forma que Don Juan “estralava suas juntas”. Era um jeito engraçado que ele sugeriu para eu me referir aos passes mágicos que ele praticava incessantemente como “a maneira pela qual ele estalava suas juntas”. Toda vez que ele executava um desses passos, suas juntas faziam um som de estalo. Ele usou isso para atrair meu interesse e ocultar o verdadeiro significado do que ele estava fazendo.

Quando ele me tornou consciente dos passes mágicos ao me explicar o que eles realmente eram eu já tinha tentado compulsivamente replicar o som que suas articulações faziam. Ao suscitar minha competitividade ele “me fisgou”, por assim dizer, para aprender uma série de movimentos. Eu nunca aintingi aquele som das juntas, que era um bem disfarçado, porque os músculos e tendões do braço e das costas nunca deveriam ser pressionados até aquele ponto. Don Juan nasceu com uma facilidade de estalar as juntas de seus braços e costas tal como algumas pessoas tem a facilidade de estralar seus dedos.

Quando Don Juan e os demais feiticeiros do seu grupo me ensinaram formalmente os passes mágicos, discutindo suas configurações e efeitos, fizeram em conformidade com procedimentos estritos; procedimentos que demandaram a maior concentração e estavam assentados em total sigilo e comportamentos ritualísticos. A parte ritualística desses ensinamentos era rapidamente deixada de lado por Don Juan, mas a parte secreta era feita com mais ênfase ainda.

Como afirmado anteriormente, Tesengridade é a fusão de quatro linhas de passes mágicos que tiveram que ser transformados daqueles movimentos altamente especializados, que se encaixavam especificamente no individuo, em um fomato genérico que se encaixaria em todo mundo. A razão pela qual a Tesengridade, a versão moderna dos antigos passes mágicos, esta sendo ensinada agora é porque os quatro discípulos de Don Juan concordaram que, desde que seu papel não está mais orientado na perpetuação da linhagem dos feiticeiros de Don Juan, eles tinham que aliviar seu fardo, e se livrar do segredo sobre algo que tem sido de incomensurável valor para eles e seu bem-estar.

O QUE É TESENGRIDADE?

Outra questão que tem sido feita consistentemente é “o que é Tesengridade”? Tesengridade é a versão moderna de alguns movimentos chamados “passes mágicos”, desenvolvido pelos índios xamãs que viveram no México em tempos anteriores a Conquista Espanhola.

“Tempos anteriores a Conquista Espanhola” é um termo usado por Don Juan Matus, um feiticeiro índio Mexicano que introduziu Carlos Castaneda, Carol Tiggs, Florinda Donner-Grau e Taisha Abelar ao mundo cognitivo dos xamãs que viveram no México, de acordo com Don Juan, entre 7000 e 10000 anos atrás.

Don Juan explicou para seus quatro discípulos que aqueles xamãs, ou feiticeiros, como ele os chamava, descobriram através da experiência, inconcebíveis para ele, que é possível para os seres humanos perceberem diretamente a energia tal como ela flui no universo. Em outras palavras, aqueles feiticeiros afirmaram, de acordo com Don Juan, que nenhum um de nós pode eliminar, por um momento, o nosso sistema de converter o fluxo de energia em dados sensórios pertinentes ao tipo de organismo que somos (em nosso caso, macacos). Transformar o fluxo de energia em dados sensoriais cria, afirmam os feiticeiros, um sistema de interpretação que converte o fluxo de energia do universo no mundo cotidiano que conhecemos.

Don Juan explicou mais tarde, que uma vez estabelecido a validade de perceber diretamente a energia, o que eles chamaram de “ver”, aqueles feiticeiros dos tempos antigos prosseguiram a fim de apurar a validade do que viam aplicando a si mesmos.

Isso significa que eles percebiam um ao outro, quando quer que desejassem, como um conglomerado de campos de energia. Os seres humanos percebidos em tal forma aparecem aos videntes como uma esfera iluminada gigante. O tamanho dessas esferas luminosas é a amplitude dos braços estendidos.

Quando o ser humano é percebido como um conglomerado de campos de energia, um ponto de intensa luminosidade pode ser percebido no topo das omoplatas a um braço de distância delas, nas costas. Os videntes dos tempos antigos que descobriram este ponto de luminosidade chamaram-no de “ponto de aglutinação”, porque concluíram que é neste local que a percepção esta aglutinada. Eles notaram, auxiliado por sua visão, que em acima daquele lugar de luminosidade, a localização do que é homogêneo para a humanidade, convergem zilhões de campos de energia na forma de filamentos luminosos que constituem o universo como um todo. Acima daquela convergência ele se torna dados sensoriais, utilizável pelos seres humanos enquanto organismos. Esta utilização de energia convertida em dados sensoriais foi considerada por aqueles feiticeiros como um ato de pura mágica; a energia, como um todo, transformada pelo ponto de aglutinação como um autêntico e abrangente mundo no qual seres humanos podem viver e morrer enquanto organismos. O ato de transformar o influxo de pura energia em palavras percebidas foi atribuído, por aqueles feiticeiros, a um sistema de interpretação. A conclusão esmagadora dos feiticeiros, esmagadora para eles, é claro, e talvez para alguns de nós que possuem energia para sermos atentos, foi que o ponto de aglutinação não era apenas o local onde a percepção estava aglutinada por meio da conversão da energia pura em dados sensoriais, mas o local aonde a interpretação dos dados sensoriais residem.

A próxima observação arrebatadora dos feiticeiros foi que o ponto de aglutinação é deslocado, de uma maneira muito natural e discreta, para fora de sua posição habitual durante o sono. Eles descobriram que quanto maior o deslocamento, mais bizarro os sonhos que o acompanham. A partir destas observações, aqueles feiticeiros pularam para a ação pragmática do deslocamento volitivo do ponto de aglutinação.

Esta arte foi definida por aqueles feiticeiros como a utilização pragmática dos sonhos originários para criar uma entrada para outros mundos através do ato de deslocamento do ponto de aglutinação tal como a sustentação da nova posição de maneira confortável. A observação daqueles feiticeiros por meio da pratica da arte de sonhar foi uma mistura da razão com a visão direta da energia tal qual ela flui no universo. Eles perceberam aquilo na sua posição habitual, o ponto de aglutinação é o lugar onde se converge uma minúscula porção dos filamentos de energia que constitui o universo, mas se o ponto de aglutinação muda de localização, dentro do ovo luminoso, uma porção diferente de minúsculos campos de energia converge sobre ele, resultando em um novo fluxo de dados sensoriais: diferentes campos de energia daqueles habituais são convertidos em dados sensoriais, e aqueles campos de energia diferentes são interpretados como um mundo igualmente diferente.

A arte de sonhar tornou-se para aqueles feiticeiros sua mais absorvente prática. No decurso daquela prática, eles experimentavam estados inigualáveis de proeza física e bem-estar, e diante dos esforços para replicar aqueles estados nas suas horas de vigília, descobriram que podiam ser capazes de reproduzi-la seguindo certos movimentos do corpo. Seus esforços culminaram na descoberta e desenvolvimento de um grande número de tais movimentos, que eles chamaram passes mágicos.

Os passes mágicos daqueles feiticeiros do México antigo tornou-se sua mais estimada possessão. Eles cercaram os passes mágicos com rituais e mistérios e apenas os ensinaram para seus iniciados sob as brumas de um grande sigilo. Esta foi a maneira pela qual Don Juan ensinou os passes a seus discípulos. Seus discípulos, como o último elo de sua linhagem, chegaram a unânime conclusão de que qualquer outro segredo sobre os passes mágicos iria contra o interesse que eles tinham em fazer o mundo de Don Juan disponível para seus contemporâneos. Eles decidiram, portanto, resgatar os passes mágicos de sua condição obscura. Criaram dessa forma a Tesengridade, que é um termo próprio da arquitetura e significa “a propriedade da estrutura do esqueleto que emprega membros de tensão contínua e membros descontinuados de compressão de tal forma que cada membro opera com a máxima eficiência e economia”.

Este é o nome mais apropriado por ser a mistura de dois termos: tensão e integridade; termos que conotam as duas forças motrizes dos passes mágicos.

O QUE SÃO OS GUERREIROS GUARDIÕES?

Afirmou-se anteriormente que Don Juan e os outros praticantes como ele, que um feiticeiro era qualquer pessoa que através da disciplina e propósito era capaz de interromper os efeitos do sistema de interpretação que usamos para construir o mundo que conhecemos. Os feiticeiros sustentam que a energia como um todo é transformada em dados sensoriais e estes dados sensoriais são interpretados como o mundo cotidiano.

Um feiticeiro é, portanto, um manobrista de interferência; um manobrista através do qual um fluxo é interrompido. Para os feiticeiros, a feitiçaria não tem nada a ver com encatamentos e rituais, que são meras concatenações dirigidas para obscurecer propositadamente sua verdadeira natureza e objetivo: a ampliação dos parâmetros da percepção normal.

Para Don Juan Matus, os praticantes de feitiçaria eram guerreiros que lutam para retomar seus atributos de percepção para uma origem que esta mais engolfada do que a percepção estabelecida na vida diária. Ele chamou este tipo de lutador de “guerreiros guardiões”, e disse que todos os praticantes como ele eram guerreiros guardiões.

Guerreiros guardiões era, para ele, um sinônimo de feiticeiro.

A única coisa que diferencia um guerreiro guardião de outros guerreiros é o fato de que uma meta especifica ou propósito foi designado para alguns deles, e não para os demais.

Um caso em questão é, por exemplo, as três Chacmools, conhecidas pelos participantes dos seminários e Workshops de Tesengridade. Sua proposta especifica era guardar o outro guardião e, como uma unidade, ensinar Tesengridade.

Circunstâncias além do controle de qualquer pessoa surgiram neste cenário e as reações daquelas três guerreiras guardiães tornaram imperativo dissolver sua configuração. Don Juan já tinha avisado a seus discípulos que quem quer que fosse que seguisse o caminho do guerreiro sujeitar-se-ia aos efeitos da energia, a qual abre o caminho ou o fecha. Ele insistiu que seus discípulos tivessem a bravura de obedecer os preceitos da energia e não tentar comanda-la por meio da imposição de sua vontade.

Quando um estado de profunda sobriedade é alcançado pelo praticante, não há qualquer tipo de engano ao ler os comandos da energia. É como se a energia fosse viva e consciente, dando manifestações de sua vontade. Ir contra seus comandos significa um risco desnecessário pago caro pelos praticantes quando, devido à ignorância ou anseio, eles se recusam a seguir as indicações da energia. O presente formato dos guerreiros guardiães que substitui as Chacmools foi selecionado pela própria energia. Este novo formato é chamado de os “Rastreadores de Energia”. No começo, quando a formulação apresentou a si mesma, os Rastreadores de Energia foram chamados, por um momento, de “Pioneiros”. A crença era de que os Pioneiros descobririam novos caminhos, novos procedimentos e novas soluções. O fato de trabalharem juntos tornou aparente que o que eles estavam fazendo era rastrear energia.

O esclarecimento sobre o rastreamento de energia dado por Don Juan era qualquer coisa confusa no ínicio. Mas se tornou cada vez mais clara com o passar do tempo, até que atingiu um grau de obviedade ao ponto da redundância.

“Rastrear energia é ser capaz de seguir a linha tênue que a energia deixa assim que ela flui”, Don Juan explicava. “Nem todos somos rastreadores de energia; porém, surge um momento na vida de cada praticante quando ele pode seguir o fluxo da energia, mesmo se ele o faz de maneira desajeitada. Então eu poderia dizer que alguns guerreiros são mais rastreadores de energia e mais elegantes do que outros porque sua propensão é rastreá-la”.

A sutileza de sua explicação tornou isso muito difícil para mim, mesmo para conceber ao que ele se referia. Mais tarde eu me tornei um conhecedor mais aguçado sobre o que Don Juan tinha em mente. Minha mudança de consciência foi, primeiramente, uma vaga sensação, derivada principalmente da curiosidade intelectual, que afirmou ser razoável

aceitar aquela energia, embora não soubesse de que energia se tratava, devia deixar uma pista. Na medida em que meu envolvimento com o mundo de Don Juan Matus se tornava mais intensa, me convenci de que todos estes conceitos estavam baseados em observações diretas feitas em um nível incompreensível a minha consciência rotineira.

Don Juan explicou meus questionamentos e sensações como uma consequência natural de um silêncio interior que gradualmente aprendi a conquistar.

“O que você esta sentindo é o fluxo de energia”, Don Juan me disse. “É como uma suave carga elétrica, ou como um estranho formigamento no seu plexo solar, ou acima de seus rins. Não é um efeito visual, ainda que todos os feiticeiros que conheço falem disso como ver a energia. Contar-lhe-ei um segredo. Eu nunca vi a energia. Eu apenas a sinto. Minha vantagem é que eu nunca tentei explicar o que sinto. Apenas sinto o que quer que eu sinta, e isso é tudo”.

Suas afirmações eram uma revelação para mim. Ocorreu-me de sentir o que ele estava descrevendo. A partir daquele ponto passei a aceitação daqueles novos sentimentos como eventos em minha vida sem tentar explica-los por uma relação de causa e efeito.

No tópico sobre rastrear energia, Don Juan também disse que poderia se formar um elo entre os guerreiros guardiões devido a grande aproximação entre eles; e que os membros de tal elo poderiam mostrar muito bem uma memorável capacidade de rastrear energia. Tal evento aconteceu entre nós depois do colapso das Chacmools. E um novo formato surgiu; um grupo de guerreiros guardiães tornou-se, quase der repente, estranhamente capaz de rastrear energia. Essa capacidade foi manifestada pelo seu estranho nervosismo e pela sua agilidade de agarrar novas situações com misteriosa segurança. Se o moderno jargão era pra ser usado, poderia se dizer que os rastreadores de energia são “canalizadores” por excelência. Mas a ideia de canalizar implica em certo grau de vontade por parte do praticante o qual, como o termo descreve, canaliza coisas dentro dele ou dela mesma. Rastreadores de energia, por outro lado, não impõe sua vontade. Eles simplesmente permitem a energia revelar-se a eles.


A força que nos une como campos de energia

Os feiticeiros do México antigo, que descobriram e desenvolveram os passes mágicos nos quais se baseia a Tesengridade, sustentaram, de acordo com o que Don Juan explicou, que a realização daqueles passos preparam e conduzem o corpo para a percepção transcendental: a percepção de que, como um conglomerado de campos de energia, os seres humanos são unidos por uma vibração, uma força aglutinadora que liga aqueles campos de energia individuais em uma unidade coesa e concisa.

Don Juan Matus, ao me familiarizar com as proposições daqueles feiticeiros dos tempos antigos, ressaltou incessantemente o fato de que a realização dos passes mágicos era, até onde ele sabia, o único meio de firmar as bases para se tornar plenamente consciente daquela força vibratória de ligação; alguma coisa que acontece quando todas as premissas do caminho do guerreiro estão internalizadas e postas em prática.

Foi sua habilidade como instrutor que fez daquelas premissas um objeto materializado; em outras palavras, ele lidou como as premissas do caminho do guerreiro de tal maneira que foi possível para mim e para outros discípulos transforma-los em unidades em nossas vidas diárias.

Sua alegação era que essa força vibratória e aglutinadora que une os conglomerados de campos de energia que somos é aparentemente similar ao que os astrônomos modernos acreditam acontecer no núcleo de todas as galáxias que existem no cosmos. Eles acreditam que lá, em seus núcleos, uma força de incalculável energia mantem as estrelas da galáxia em seu lugar. Esta força, chamada buraco negro, é um constructo teórico que parece ser a explicação mais razoável para a razão em virtude da qual as estrelas não fogem de sua órbita, dirigidas por sua própria velocidade de rotação.

O homem moderno descobriu, através da pesquisa dos cientistas, que existe uma força unificadora que mantem unidos os elementos componentes do átomo. Pelo mesmo motivo, os elementos componentes das células são mantidos unidos por uma força semelhante que parece obriga-las a combinar-se na forma de tecidos e órgãos concretos e individuais. Don Juan disse que aqueles feiticeiros que viveram no México antigo sabiam que os seres humanos, tomados como um conglomerado de campos de energia, estão unidos não por um involucro ou ligamento energéticos, mas por algum tipo de vibração que torna todas as coisas simultaneamente vivas e no devido lugar; alguma energia, alguma força vibratória, algum poder que cimenta aqueles campos de energia em uma unidade energética singular.

Don Juan explicou que aqueles feiticeiros, através de suas praticas e disciplina, tornaram-se capazes de lidar com a força vibratória, visto que eram plenamente conscientes dela. Sua perícia em lidar com esta força tornou-se tão extraordinária que suas ações eram transformadas em lendas, eventos mitológicos que existem apenas nas fábulas. Por exemplo, uma das histórias que Don Juan me disse sobre os antigos feiticeiros foi de que eles eram capazes de dissolver sua massa física através do mero direcionamento de sua plena consciência e intento naquela força.

Don Juan afirmou que, embora eles fossem realmente capazes de atravessar a câmera escura caso avaliassem necessário, eles nunca estavam satisfeitos com os resultados de sua manobra de dissolver suas massas. A razão de seu descontentamento era que, uma vez que sua massa era dissolvida, o mesmo acontecia com sua capacidade de agir. Eles eram deixados somente com a alternativa de testemunhar eventos nos quais eles eram incapazes de participar. Suas seguidas frustrações, como resultado de serem incapacitados de agir, converteu-se, de acordo com Don Juan, em sua falha crítica: sua obsessão em desvelar a natureza da força vibratória, uma obsessão dirigida por sua concretude, fazendo-os desejar o domínio e o controle daquela força. O desejo ardente daqueles homens era atacar a condição espectral da natureza destituída de massa, algo que Don Juan afirmou que nunca poderia ser realizado.

Os praticantes dos dias de hoje, herdeiros culturais daqueles feiticeiros da antiguidade, descobriram que não é possível conceber de uma maneira concreta e utilitária aquela força vibratória, então optaram pela única alternativa racional: tornar-se consciente daquela força com nenhum outro propósito a vista senão a elegância e bem-estar trazidos pelo conhecimento.

A única instância permissiva a qual Don Juan conferiu para a utilização do poder da força vibratória de aglutinação foi sua capacidade de fazer os feiticeiros queimarem interiormente quando chega o momento deles deixarem este mundo. Don Juan disse que é muito simples para os feiticeiros colocarem a totalidade de sua consciência na força de ligação com o intento para queimar, que para longe vão, como um sopro de vento.

COMO PRATICAR TESENGRIDADE

Os passes mágicos foram tratados desde o inicio, pelos xamãs do México antigo, como algo único, e nunca foram usados como uma série de exercícios para desenvolver a musculatura ou a agilidade. Don Juan disse que eles eram vistos como passes mágicos desde o primeiro momento que foram formulados. Ele descreveu a “magia” dos movimentos como uma mudança sutil que os praticantes experienciam ao executa-los; uma qualidade efêmera que o movimento trás para seus estados corporais e mentais, um tipo de brilho, uma luz sobre os olhos. Ele falou dessa mudança sutil como um “toque do espírito”; como se os praticantes, através dos movimentos, reestabelecessem o elo perdido com a força de vida que os sustentam. Mais tarde ele explicou que os movimentos eram chamados de passes mágicos porque ao praticá-los, os feiticeiros eram transportados, em termos de percepção, para outros estados de ser, nos quais eles poderiam sentir o mundo de uma maneira indescritível.

“Devido a sua qualidade, em virtude de sua mágica”, Don Juan me disse uma vez, “os passes não devem ser praticados como exercícios, mas como um meio de acenar para o poder”.

“Mas eles podem ser tomados como movimentos físicos, embora eles nunca tenham sido vistos como tais”? Perguntei.

Eu pratiquei fielmente todos os movimentos que Don Juan tinha me ensinado e me senti extraordinariamente bem. Este sentimento de bem-estar foi suficiente para mim.

“Você pode praticá-los como quiser”, Don Juan respondeu. “Os passes mágicos ampliam a consciência, sem levar em conta o modo como você os considera. Seria inteligente toma-los como eles são; passes mágicos que ao serem praticados conduzem os praticantes a derrubar as máscaras da socialização”.

“Qual é a máscara da socialização”? Questionei.

“A aparência que todos nós defendemos ou pela qual morremos”, ele disse. “A aparência que nós adquirimos no mundo; aquela que nos impede de atingir todo nosso potencial; aquela que nos faz acreditar que somos imortais”.

Tesengridade, sendo a versão moderna dos passes mágicos, tem sido ensinada até agora como um sistema de movimentos visto que este tem sido a única maneira pela qual este assunto vasto e misterioso dos passes mágicos poderia ser enfrentado no contexto moderno. As pessoas que agora praticam Tesengridade não são xamãs praticantes; portanto, a ênfase nos passes mágicos tem de ser no seu valor como movimento.

O ponto de vista que tem sido adotado neste caso é que o efeito físico dos passes mágicos é o tema mais importante para o objetivo de estabelecer uma base sólida de energia nos praticantes. Desde que os xamãs do México antigo ficaram interessados nos outros efeitos dos passes mágicos, eles fragmentaram series extensas de movimentos em uma única unidade, e praticaram cada fragmento como um segmento individual. Na Tesengridade, os fragmentos têm sido recompostos em seu formato original. Desta maneira, um sistema de movimentos foi obtido, um sistema no qual os próprios movimentos são enfatizados acima de tudo.

A execução dos passes mágicos, como mostrado na Tesengridade, necessita de um espaço particular ou tempo predisposto, mas idealmente, os movimentos deveriam ser feitos sozinhos, no impulso do momento, ou quando surge a necessidade. Porém, a configuração da vida urbana facilita à formação de grupos, e nessas circunstâncias a única maneira pela qual a Tesengridade pode ser ensinada é para grupo de praticantes.

Praticar em grupos é benéfico em diversos aspectos e deletério em outros. É benéfico porque permite a criação do consenso de movimentos e a oportunidade de aprender por meio do exame e da comparação. É deletério porque promove a emergência de comandos sintáticos e solicitações relacionadas à hierarquia; e o que os feiticeiros querem é fugir da subjetividade derivada dos comandos sintáticos. Infelizmente, você não pode ter seu bolo e come-lo também; portanto, a Tesengridade deveria ser praticada da forma mais fácil possível: seja em grupos, sozinho ou em ambos.

Em outro aspecto, a maneira pela qual a Tesengridade tem sido ensinada é uma fiel reprodução do modo pelo qual Don Juan ensinou os passes mágicos para seus discípulos. Ele os bombardeou como uma profusão de detalhes e deixou suas mentes desconcertadas pela quantia e variedade de movimentos tal como pela implicação que cada um deles individualmente constituía um caminho para o infinito.

Seus discípulos gastaram anos sufocados, confusos e, sobretudo, desanimados, visto que eles sentiam que ser bombardeado de tal maneira era um ataque injusto. Don Juan, seguindo o esquema tradicional dos feiticeiros de obscurecer a visão linear dos praticantes, saturou a memória cinestésica de seus discípulos. Sua alegação era de que se eles prosseguissem praticando, a despeito de sua confusão, alguns deles, ou todos, atingiriam o silêncio interior. Ele disse que no silêncio interior tudo se torna claro ao ponto em que nós somos capazes não apenas de recordar, com absoluta precisão, os passes mágicos já esquecidos, mas que nós sabemos exatamente o que fazer com eles, ou o que esperar deles, sem que ninguém nos diga ou nos guie.

Os discípulos de Don Juan dificilmente acreditavam em tais afirmações. Porém, em um momento, todos acabaram com sua confusão e desânimo. De um modo misterioso, os passes mágicos, visto que são mágicos, os arranjou em uma sequência extraordinária que clarificou tudo.

A preocupação das pessoas que praticam Tesengridade nos dias de hoje se encaixa exatamente na preocupação dos discípulos de Don Juan. Pessoas que frequentaram os seminários e workshops de Tesengridade sentiram-se perplexas pela quantidade de movimentos. Eles estão clamando por um sistema que os permita integrar os movimentos em categorias que poderiam ser praticadas ou ensinadas.

Devo enfatizar novamente o que sempre enfatizei desde o inicio: Tesengridade não é um sistema padronizado de movimentos para desenvolver o corpo. De fato, desenvolve-se o corpo, mas somente como um subproduto de um propósito mais transcendental. Os feiticeiros do México antigo estavam convencidos que os passes mágicos conduzem os praticantes a um nível de consciência no qual os parâmetros da percepção tradicional e normal são neutralizados pelo fato de serem ampliados. E os praticantes são, deste modo, possibilitados a ingressar em mundos inimagináveis; mundos que são tão inclusivos e completos quanto o qual vivemos.

“Mas porque eu deveria querer ingressar naqueles mundos”? Perguntei a Don Juan em uma ocasião.

“Porque você é um viajante como o resto de nós, seres humanos”, afirmou, de alguma forma chateado com minha pergunta. “Seres humanos estão numa jornada de consciência que foi momentaneamente interrompida por forças tenazes. Acredite, somos viajantes, se nós não viajamos, não temos nada”.

Sua resposta, tampouco, me satisfez. Mais tarde ele explicou que os seres humanos decaíram moralmente, fisicamente e intelectualmente desde o momento em que eles pararam de viajar, e que eles estão presos e girando em um turbilhão, por assim dizer, tendo a impressão de se mover com a correnteza, e assim permanecendo estacionários.

Levou trinta anos de dura disciplina para chegar a um platô cognitivo no qual as afirmações de Don Juan eram reconhecíveis e sua validade era estabelecida além de qualquer sombra de dúvida. Seres humanos são, de fato, viajantes. Se nós não viajamos, não temos nada.

A Tesengridade deve ser praticada com a ideia de que os benefícios de seus movimentos surgem por si mesmos. Esta ideia deve ser destacada a todo custo. No nível inicial, não há nenhum modo de direcionar os efeitos dos passes mágicos, e não há qualquer possibilidade de que alguns desses efeitos poderiam ser benéficos para um órgão ou outro. Na medida em que adquirimos disciplina e nosso intento torna-se mais claro, o efeito dos passes mágicos pode ser selecionado individualmente por cada um de nós para propósitos específicos pertinentes a cada um somente.

O que é de suprema importância, no presente, é praticar qualquer sequência de Tesengridade que se lembre, ou qualquer série de movimentos que vem a mente. A saturação que se prossegue dará, no fim, os resultados buscados pelos xamãs do antigo México: penetrar em um estado de silêncio interior e decidir a partir deste estado qual será o próximo passo.

Naturalmente, quando me foi dito mais ou menos nos mesmos termos sobre a manobra dos feiticeiros para saturar a mente no silêncio interior, minha resposta foi a resposta de qualquer pessoa interessada em Tesengridade nos dias de hoje: “não é que eu não acredite em você, mas é algo difícil de se acreditar”.

A única resposta que Don Juan tinha para as minhas mais do que justificadas questões tal como a de seus outros três discípulos era dizer, “peguem minhas palavras, porque não são afirmações arbitrárias. Minhas palavras são o resultado da corroboração feita por mim mesmo daquilo que os feiticeiros do antigo México descobriram: que os seres humanos são seres mágicos”.

O legado de Don Juan inclui algo que tenho repetido e continuarei repetindo: os seres humanos são seres desconhecidos para si mesmos, completos até a borda com recursos inacreditáveis que jamais são utilizados.

Ao saturar seus discípulos com movimentos Don Juan realizou duas façanhas formidáveis: ele trouxe aqueles recursos ocultos para a superfície e quebrou delicadamente a obsessão de nossa maneira linear de interpretação. Ao forçar seus discípulos a atingir o silêncio interior ele estabeleceu a continuidade de sua ininterrupta jornada da consciência. Desta maneira, o estado ideal de qualquer praticante de Tesengridade, no que tange a seus movimentos, é o mesmo do estado ideal do praticante de feitiçaria, em relação à execução dos passes mágicos. Ambos são conduzidos pelos próprios movimentos em uma culminação sem precedência: o silêncio interior.

A partir do silêncio interior os praticantes de Tesengridade serão capazes de executar, por eles mesmos, para qualquer efeito que vejam se encaixar, destituído de qualquer sugestão de fontes externas, todo movimento do conjunto com os quais eles se saturaram, sendo capazes de executa-los com precisão e velocidade, enquanto caminham, comem, descansam, ou fazem qualquer coisa.