sábado, 9 de fevereiro de 2019

mensageiros do vento


O livro perdido de Enki


Em inúmeras lendas e mitos, a liberdade aparece como um castigo ou como resultado de uma desobediência da humanidade em relação aos deuses. Em algumas narrativas, a liberdade é dada ao Homem por outros seres, como no mito de Prometeu, em que o fogo dos deuses é roubado para que o homem conquiste a própria liberdade; em outras, é a consciência que, mascarada por diferentes símbolos (o fogo, a bebida sagrada), é engendrada por conflitos entre seres de outra ordem evolutiva, em que alguns são favoráveis e outros contrários à humanidade.

Enquanto no hinduísmo, os Devas correspondem aos ‘bons’ e os Asuras, aos ‘maus’; na mitologia persa/zoroastrismo ocorre o contrário. Os anjos dos hindus são os demônios dos persas e vice-versa. As razões para essa inversão simétrica são complexas. É possível que se deva à rivalidade entre impérios vizinhos, mas também a interpretações diferentes do ‘complexo de Prometeu’ e da liberdade furtada pelos anjos decaídos e partilhada com a humanidade. Nesse aspecto, os Asuras persas são semelhantes a Lúcifer, aos titãs gregos e aos gigantes do gelo nórdicos do Ragnarök (o crepúsculo dos deuses germânicos), seres primordiais rebeldes em relação à criação, em virtude dos quais a liberdade (ou insubmissão da consciência do bem e do mal) chegou até os homens, tornando-os uma espécie transgressora e destrutiva.

Descobertas arqueológicas recentes apontam para uma convergência mitológica em torno da cultura suméria. Além de antecipar várias passagens da Bíblia (Adão e Eva, Caim e Abel, a torre de Babel, o final dos tempos), as religiões babilônicas também têm temas comuns aos Vedas, às narrativas egípcias (as histórias de Rá, Osiris, Isis, Horus, Set) e ao panteão astrológico da mitologia grega. A cultura suméria é a base da maioria das culturas antigas ocidentais, um sistema de crença complexo que antecipa e compreende outras mitologias posteriores, dela derivadas. 

Segundo o livro perdido de Enki de Zecharia Sitchin, compilação de centenas de tabuletas traduzidas da antiga escrita cuneiforme, os Anunnakis vieram de Nibiru em suas carruagens celestes para terra a procura de ouro para corrigir um desequilíbrio em seu planeta. Para minerar o metal, criaram e escravizaram outra espécie de seres – os Igigi (os gigantes). Eles, no entanto, se rebelaram contra Enlil e os Annunakis. Foi então que Enki sugeriu a criação da humanidade, inseminando o DNA Anunnaki a espécies de símios. Porém, os homens também se rebelaram e os alienígenas decidem acabar com todos, através de um dilúvio. Enki, sempre dissidente, conta aos homens dos planos de Enlil e os ensina a fazer um submarino e um banco de dados genéticos para sobreviver a catástrofe e repovoar a terra. O fato dos deuses serem astronautas não é tão interessante quanto a síntese mitológica que a narrativa engendra, explicando toda mitologia ocidental.

Os mitos sumérios, assírios e babilônicos têm muitas versões e interpretações, em que os deuses trocam de nomes e de papéis, se fundem em um só deus ou se dividem em dois. Enki é o "Senhor da Terra" e um deus de oposição aos céus: genro do usurpador Alalu; pai do rebelde Marduk, líder da revolta Igigi; ele é chamado de "ushumgal", a Grande Serpente.

Por exemplo: Anu proíbe que os Anunnakis ensinem segredos aos homens, que devem ser mantidos ignorantes e trabalhando na lavoura. Os Anunnakis, entretanto, conclui que os homens serão mais úteis se aprenderem os segredos do pão, do vinho, da cerveja e das roupas. Com este conhecimento, os homens passam a produzi-los para si e para os deuses. Inicialmente, os homens não consomem o pão e as bebidas, pois o deus Enlil lhes diz que morreriam se o fizessem, mas Enki lhes explica que não haveria problema. Há também uma versão em que o homem vivia no reino celestial e Anu lhe oferece o alimento que lhe daria vida eterna, mas ele o recusa porque Enki lhe diz que o alimento o mataria. O homem é então expulso do reino.

Outro exemplo interessante (de como os sumérios entendem o papel de Enki e o mito dos jardins do Éden) é o épico Gilgamesh. Enkidu (que personifica a humanidade) vive como um animal, comendo capim e bebendo água do rio. Mas, seduzido por uma prostituta do templo, Enkidu experimenta pão e vinho, passando a usar roupas e vai morar na cidade de Uruk, onde conhece Gilgamesh. Para a cultura sumeriana, a vida urbana era o ideal, a vida rural era selvagem e atrasada. Os deuses moravam em cidades e o Éden era o local onde a humanidade vivia como bicho, incessantemente trabalhando sem perceber para alimentação de seus senhores. Para os antigos sumérios, o atual desejo dos judeus, cristãos e muçulmanos de voltar para o Éden pareceria loucura.

Mais do que um conflito entre a terra e o céu (Nibiru), há uma oposição filosófica entre Destino (representado por Enlil) e Sorte (encarnado em Enki). O deus da terra sempre defende a liberdade e que somos nós que fazemos nosso destino; enquanto Enlil e Anu obedecem aos ciclos e suas determinações, repetindo o passado no futuro.