Marcelo
Bolshaw Gomes 1
A história da antropologia pode ser subdividida em três grandes
momentos: o período evolucionista e etnocêntrico, em que os
antropólogos consideravam os outros povos primitivos; o período
funcionalista-estruturalista, em que Franz Boas e Levi-Strauss, entre
outros, se descobriram iguais aos selvagens que estudavam; e o
período etnoantropológico, em que, invertendo a perspectiva
inicial, o antropólogo se conhece cultural e psicologicamente
através de tradição que estuda e torna-se um xamã. No decorrer de
suas pesquisas, o antropólogo encontra o xamanismo e se apaixona.
Passado algum tempo, percebe que conhece apenas uma adaptação das
práticas do passado.
Para
curar-me parcialmente dessa ilusão e como prova de agradecimento
sincero pela compreensão que me foi generosamente entregue, escrevo
aqui uma comparação entre o neoxamanismo urbano e os xamanismos
arcaicos. A conclusão é que, elencadas as diferenças positivas e
negativas, há dois pontos importantes em comum: o meta sistema de
crenças (ou o desencantamento reencantado) e a cura transferencial
como prática.
A abordagem platônica do mito
Acorrentados
de costas para a luz em um cárcere
subterrâneo, os prisioneiros só podem
ver, dos
homens, animais e figuras que passam pelo exterior,
as sombras projetadas no fundo da Caverna.
Quando um dos prisioneiros se liberta e retorna ao mundo exterior,
é cego pela luminosidade do Sol e só aos
poucos consegue se adaptar à nova realidade. Percebe, então, que o
mundo no qual vivia era irreal e inconsciente, feita de sombras e
reflexos das coisas. Porém, o prisioneiro correria sério risco de
vida se, retornando ao interior da caverna, procurasse revelar aos
seus antigos companheiros a irrealidade do mundo em que se encontram.
Provavelmente, eles o matariam.
Nesta imagem genial, Platão não apenas resumiu sua concepção
sobre realidade sensível e realidade inteligível, mas também nos transmitiu sua experiência pessoal, mais precisamente, sua explicação
filosófica para o trágico destino de seu mestre, Sócrates, forçado
a beber veneno pelas autoridades atenienses em virtude de sua defesa
intransigente de uma visão mais objetiva da realidade.
Na Idade Média, Santo Agostinho, no livro A Cidade de Deus
(AGOSTINHO, 1990), retoma a ideia de utopia platônica em uma
perspectiva histórica. Para o criador da doutrina do pecado
original, a Cidade de Deus existe paralela à Cidade dos Homens: as
realidades sensível e inteligível de Platão. Ao ser expulso do
paraíso, o homem dissociou os dois mundos e o retorno à Nova
Jerusalém será a reunificação das cidades. Agostinho colocou a
utopia platônica como um objetivo histórico da humanidade, ideia
que se será adotado involuntariamente por muitos pensadores
posteriores.
Outra adaptação/atualização do pensamento platônico pode ser
atribuída a C. G. Jung e aos conceitos de Arquétipos e Inconsciente
Coletivo (JUNG, 2002). Nessa versão, o mundo inteligível, o lado de
fora da caverna, é uma memória coletiva de imagens arcaicas
acessível através dos sonhos e da mitologia. Essa mente coletiva
arcaica é formado por Arquétipos, representações coletivas e
universais, presentes em diferentes culturas. Palas Atenas, o Júpiter
latino e o orixá Xangô, por exemplo, são diferentes representações
históricas do arquétipo da justiça, que tem suas raízes em um
dispositivo psicológico que equilibra transgressão e culpa.
Joseph Campbell (1990;1995), levou as ideias de Jung aos campos da
arqueologia e mitologia comparada, elaborando um modelo universal
segundo o qual todos os grandes mitos fundadores das culturas humanas
seriam, em última análise, uma única narrativa: o 'monomito' ou a
jornada do herói.
E historiador das religiões Mircea Eliade elaborou uma arqueologia
estrutural dos mitos (uma ampla classificação dos mitos por
arquétipos), principalmente no livro Tratado Histórico das
Religiões (1993). Nessa arqueologia, há duas formulações
particularmente importantes: o 'centro do mundo' e o 'monoteísmo
primitivo'.
Para Eliade (1992, 295-312), a noção de 'Centro do Mundo' faz parte
do universo de praticamente todas as sociedades arcaicas. O universo
foi criado a partir desse centro e é uma passagem tanto para os
infernos subterrâneos como para regiões celestiais. Tal é o
sistema simbólico das sociedades tradicionais, do qual derivam as
imagens cosmológicas, os mitos e concepções religiosas nas mais
diversas culturas: os pilares, as montanhas sagradas, as árvores da
vida, as escadas cósmicas são representações do Axis Mundi,
em torno do qual o universo se organiza.
Para os judeus, o monte
Tabor é o Centro do Mundo; enquanto, para os gregos, é o Olimpo. O
monte Meru dos hindus, o Himinghjor dos germânicos, o Haraberezaiti
dos iranianos, a Kaaba dos islamitas, Jerusalém para os cristãos –
todos são passagens verticais para outras dimensões e se situam no
Centro do Mundo dessas cosmovisões. Eliade acredita ainda que nas
sociedades mais antigas a “imagem visível deste pilar cósmico é,
no céu, a Via Láctea”, que se expande a partir da constelação
da Ursa Maior (polo norte estelar, possível local do 'Big Bang') e se
direciona para um buraco negro abaixo da constelação do Cruzeiro do
Sul (polo sul estelar).
Outra formulação significativa é que, possivelmente, o politeísmo
é uma invenção judaico-cristã. Eliade (1993, 39-102) após
estudar diversas mitologias tidas como ‘politeístas’, observou
que deuses celestes como Tangri, Urano e Olorum não tinham altar ou
culto e eram ‘pais’ dos outros deuses, a quem entregou a
administração do mundo. Elaborou as categorias de ‘deus oticius’
e de ‘monoteísmo primitivo’.
E essa forma universalista de pensar arquetipicamente o mito é
hegemônica não somente em vários campos de estudo, mas também em
vários grupos esotéricos atuais – que se fundamentam em autores
como Jung e Campbell – buscando dar uma maior credibilidade a suas
crenças e práticas rituais.
A visão antropológica do mito
Porém, o maior e mais completo estudo sobre a universalidade do mito
é a tetralogia ‘Mitológicas’ de Lévi-Strauss (2004; 2005;
2006; 2011). Após, estudar, durante 20 anos, diferentes mitologias
ameríndias, o antropólogo passou a crer, senão na unidade
primordial de todos os mitos, pelo menos da universalidade da
experiência mítica. Lévi-Strauss não só explicou cientificamente
o significado cultural do mito (em suas particularidades
linguísticas, econômicas e hereditárias), mas pôs-se a pensar
(parcialmente) como selvagem.
Jung, Campbell e Eliade partem do geral (do inconsciente coletivo,
dos arquétipos) para o particular (os mitos culturais específicos)
e são universalistas, cultuando o sagrado como uma epifania
transcultural. Enquanto a antropologia, no sentido contrário,
descreve o aspecto local das narrativas míticas dentro de um quadro
aberto de referências linguísticas, alimentares, culturais. Ambos abordam 'o todo e as partes' – mas de
modo bem diferente, inverso e até complementar em alguns aspectos.
Os antropólogos são mais indutivos; os mitólogos, mais dedutivos.
Lévi-Strauss chega à mesma conclusão que os mitólogos, mas por
caminhos muitos mais tortuosos, fragmentados e complexos: a análise
estrutural de 813 mitos com algumas variantes, de culturas nativas
das duas Américas.
E, ressalte-se também que ideia de um único mito arcaico de
dimensões continentais é bastante diferente da noção de monomito
universal de Campbell e da jornada do herói. Na ótica da
antropologia, os mitólogos se deixam possuir pelo mito sem perceber
e, muitas vezes, acabam tecendo generalizações etnocêntricas,
adequando outras mitologias à sua. Para estudar um mito, é
necessário se distanciar culturalmente dele e vê-lo de fora.
E a importância da experiência mítica de um homem desencantado,
como Lévi- Strauss, é justamente que ele vê (e vive) o mito ao
mesmo tempo como cientista e como selvagem, sem abrir mão de nenhum
dos dois lados. A conclusão de Strauss de que todos os mitos são um
só, não é só devida às semelhanças de personagens e ações
dramáticas nas diferentes narrativas, mas, sobretudo, ao fato das
estruturas narrativas se perpetuarem tendo a si mesmo como
referência, sempre contando sua própria história.
O pensamento selvagem classifica as coisas (cores, sons, cheiros,
animais, datas, pessoas) segundo critérios subjetivos derivados de
experiências sensoriais; em oposição ao pensamento científico
domesticado, que classifica o mundo segundo critérios objetivos
universais. Mas, o 'pensamento selvagem' de Strauss não é o
'pensamento dos selvagens', mas sim o pensamento em estado selvagem,
ainda não domesticado. Ele não é incompatível com o pensamento
científico. O pensar selvagem se refere a propriedades sensíveis; o
pensar científico se refere às propriedades abstratas.
Assim, o pensamento antropológico é selvagem e civilizado ao mesmo
tempo, não separando os dois lados da caverna, observando uma única
realidade de modo sensível e inteligível simultaneamente.
Enquanto a psicologia analítica de Jung e suas derivações
(Bachelard, Campbell, Eliade) estudam o mito do ponto de vista
platônico e universal; a antropologia valoriza mais a estrutura dos
mitos do que seu conteúdo manifesto, como se eles fossem mensagens
fragmentadas do passado, que, com o passar do tempo, quase perderam o
sentido.
Defende-se aqui que os dois métodos não se excluem e são
complementares na investigação das ressonâncias subjetivas das
narrativas míticas.
A reinvenção do xamanismo
O xamanismo está se tornando uma nova forma de espiritualidade
global, atraindo jovens de várias partes do planeta, misturando
diferentes tradições indígenas na espiritualidade pós moderna,
new age.
A palavra “Shaman” é de origem siberiana (Tungue) e significa
'feiticeiro'. O historiador Mircea Elidade, em seu livro O
Xamanismo e as Técnicas Arcaicas do Êxtase (2002) considera que
o complexo xamânico, além existir em todos os povos da Ásia Central
e Setentrional (árticos, turco-mongóis, himalaios), está presente
ainda no Extremo Oriente (Japão, Coreia, Indochina), da Oceania
(Austrália, Havaí), em diferentes regiões da África (Bantos, Iorubas, Ewes) e nas duas Américas.
Por 'complexo xamânico', o historiador entende a presença de vários
elementos em comum: o tambor, os maracás, o tabaco, a fogueira
sagrada, o contato com os deuses e ancestrais, a doença iniciática
(morte e ressureição do xamã), a cura de doenças através da
sucção, a 'visão do esqueleto', entre outras.
O xamanismo não é um sistema de crenças religiosas propriamente
dito, mas um conjunto de práticas extáticas e terapêuticas cujo o
objetivo é entrar em contato com o a realidade invisível. Coexiste
com várias tradições (escritas e orais) e está presente nos cinco
continentes. Eliade considera que não são as formas religiosas que
o caracterizam, mas sim as práticas extáticas e uma maior
intensidade espiritual que a experiência religiosa da maioria das
pessoas de cada tradição.
O xamã, deste ponto de vista geral, não é apenas o feiticeiro, o
medicine-man ou o vidente de uma comunidade tribal, que
conhece a energia da natureza e a utiliza em rituais em benefício do
grupo; ele é sobretudo o 'psicopompo' (o guia condutor das
almas mortas, o viajante dos céus e dos infernos através de transes
místicos) e pode desempenhar, segundo a região e a tradição a que
pertença, as funções de sacerdote, místico e poeta. O xamã é
sempre o grande sonhador, o mediador com o mundo invisível, o
personagem que vive no encontro entre duas realidades.
Porém, nos dias atuais: “Ser xamã, é viver uma vida comum de
forma extraordinária. É saber ler os sinais claros, que 'falam'
conosco, nas entrelinhas dos acontecimentos” - como explica
Carminha Levy, no site Vya Estelar2:
A
tradução da palavra xamã é "aquele que sabe". É aquele
que faz a descoberta da consciência. O sacrifício do xamã é a
busca da autoconsciencia, sacrificando o ego, ou seja, todos os os
aspectos negativos do ser, nos níveis espiritual, mental, emocional
e físico. O trabalho do xamã consiste em sair fora do corpo, em
estado alterado de consciência, utilizando a imaginação, ou saindo
fora do corpo mesmo. Isto acontece quando a pessoa trabalha com
fenômenos fora do corpo. Enfim, todos os seres são xamãs. Mas
precisam ser acordados para este dom. Geralmente, as pessoas
despertam para o xamanismo através de uma doença, um acidente ou a
perda de um ente querido...
Segundo essa ótica, músicos, poetas, escritores, pintores,
escultores, atores, bailarinos, cineastas, todos que tenham uma
ligação especial com natureza e que vivam com o lado direito do
cérebro, onde exercita seu lado intuitivo, instintivo e criativo –
são meio xamãs. Também os médicos, enfermeiros, psicólogos,
terapeutas e psiquiatras são xamãs por excelência. Todo curador,
criativo ou religioso é um xamã, mesmo que totalmente dissociado de
rituais arcaicos de êxtase e das culturas ancestrais.
A passagem dos 'xamanismos locais tradicionais' para o neoxamanismo
global se deve, principalmente, a dois antropólogos, que, na década
de 60, trocaram a perspectiva científica pela visão dos saberes
ancestrais: Carlos Castañeda e Michael Harner.
Castaneda reinventa o xamanismo tolteca de forma pós-moderna3,
adaptando-o para a vida cotidiana atual através de uma 'ética do
guerreiro'; e Michael Harner resgata o essencial do antigo xamanismo
para espiritualidade contemporânea: a ênfase na auto cura ou na
canalização/transformação do negativo em positivo. Pode-se até
distinguir dois grupos diferentes de neoxamanismo a partir dessas
duas influências de transição, uma mais voltada para o
descondicionamento social; e outra mais platônica e gnóstica.
E a partir do sucesso desses dois escritores, surgiu um novo
xamanismo universal que combina diferentes ideias e técnicas,
desenraizadas culturalmente de suas origens geográficas, voltadas
para a (auto) regeneração planetária e para a (re) integração
com meio ambiente.
Há também xamanismo étnicos que se globalizam, gerando um turismo
de desenvolvimento pessoal: como a Sun Dance dos Sioux; o
peiote dos Navarro nos EUA; e o San Pedro, a ayahuasca e a coca, no
Peru. No Brasil, há controvérsias extensas sobre o caráter
xamânico das religiões ayahuasqueiras4.
Embora xamãs e antropólogos aceitem a distinção entre os antigos
xamanismos locais e o crescente neoxamanismo urbano (MAGNANI, 1999a;
1999b; 2000; 2005), na prática existe uma grande confusão entre os
dois fenômenos religiosos distintos. Muitos xamanismos indígenas
são menos tradicionais do que pensam, tendo sido concebidos
recentemente sob a influência externa.
Por outro lado, vários pesquisadores acadêmicos consideram o
neoxamanismo como 'uma moda cultural da nova era', um produto
artificial da sociedade de consumo – menosprezando o fato dele
representar uma forma de espiritualidade contemporânea global viva e
em crescimento exponencial. Daí a importância premente de se
ressaltar as diferenças e de se repensar as semelhanças entre os
diferentes tipos de 'xamanismos'.
Comparando o passado e o presente
Por exemplo, enquanto 'todos são xamãs quando despertos' no
neoxamanismo, o recrutamento dos antigos xamãs combinava a
transmissão hereditária da profissão com a vocação espontânea
do pretendente. Havia um 'chamado' da natureza e uma 'escolha' a ser
feita por quem era chamado. A confirmação, segundo Eliade, era dada
pelo transe – mesmo que a criança nascesse com marcas ou sinais
característicos dos xamãs ou houvesse algum oráculo a respeito. Na
verdade, a própria intensidade da experiência extática excluia
severamente a criança do convívio da comunidade e era decisiva para
determinar sua vocação xamânica. E o inverso também acontecia:
uma criança sem família e/ou com problemas de adaptação grupal
acabava desenvolvendo o transe e se tornava xamã. Em ambos os casos,
no entanto, o transe é causa e consequência de um comportamento de
um desajuste psicossocial. Eliade gasta algumas páginas explicando
as diferenças entre o transe extático e os ataque epilépticos e
outros distúrbios nervosos (2002, 37- 47).
Atualmente, o transe está sendo substituído gradativamente pela
mediunidade espírita5 e pelo
uso de plantas de poder. Houve também uma democratização da
experiência de canalização, antes uma prerrogativa do xamã, hoje
partilhada pelos participantes.
O importante é perceber que o recrutamento, o treinamento e a
outorga de poderes xamânicos eram conferidos a indivíduos
desajustados e socialmente excluídos, que por algum motivo não
suportavam a vida familiar e grupal, em um regime de disciplina
intenso que prescrevia, não apenas dietas e rituais, mas sobretudo
isolamento e autocontrole. Os antigos xamãs eram assim indivíduos
circunspectos e solitários, que geralmente não casavam e viviam à
margem de seu grupo social.
Hoje, o processo de recrutamento, seleção social e treinamento
prático de xamãs não obedece mais a esses rigores devido a uma
mudança de contexto cultural. A antiga disciplina pode até ser
simulada em detalhes (como no caso da 'busca da visão', dos índios
norte- americanos, atualmente transformada em jornada de auto
conhecimento), mas não terá o mesmo sentido social.
Outra diferença marcante entre os xamanismos arcaicos e o
neoxamanismo urbano reside no fato de que, enquanto grande parte
desse último se propor formar pessoas mais intuitivas e instintivas;
os xamanismos antigos enfatizarem o descondicionamento social e
biológico dos participantes, cujo objetivo é “perder a forma
humana”. O neoxamanismo deseja ser mais humano (no sentido
adjetivo); os xamanismos arcaicos intentam ser menos humanos (no
sentido substantivo).
Segundo Castaneda, 'abandonar o molde humano' (ou romper com o
condicionamento biológico) significava, para os antigos videntes,
conhecer seu animal totêmico de poder, adotando outra forma nos
sonhos. Para ele, atualmente, a perda da forma humana é marcada pela
percepção de si como um campo de energia ou como um 'ovo luminoso'.
Porém indiferentes a essa colocação, muitos grupos de neoxamanismo
entendem os animais de poder como se fossem símbolos que
caracterizam aqueles com as quais estão associados, como signos
astrológicos ou orixás do candomblé6,
e não como um marco de transformação nos padrões cotidianos de
comportamento instintivo e emocional humanos – conquistados através
da iniciação e de uma vida de restrições e sacrifícios.
O neoxamanismo, porém, prefere valorizar as vontades do corpo e os
sentimentos do coração para compensar o racionalismo da nossa
sociedade patriarcal. E é claro que existem exceções. Para grupos
neoxamânicos como o Caminho Vermelho, o Fogo
Sagrado e o próprio Castaneda não existem arquétipos ou
dimensões transcendentes: a única realidade é um inventário
sensível-inteligível feita pela mente.
E a questão chave da desanimalização não é o controle individual
dos desejos e instintos, mas o comportamento em relação ao seu
grupo. Ao estudar os rebanhos mamíferos, Kurt Lewin (1989) observou
três comportamentos recorrentes: identificação (eu sou o poder),
contestação (eu sou contra o poder) e e submissão (aceito o poder
como algo fora de mim).
Em outras ocasiões (GOMES, 2001; 2013), associei os que se
identificam com o poder à categoria de Pastores; os contestadores
foram definidos como Lobos; e os submissos denominados de Ovelhas. O
Pastor é o macho-alfa, gerente do capital do grupo; enquanto, o Lobo
é o xamã por excelência, aquele que expressa o inconsciente
grupal.
Assim,
um grupo é (mais e menos que) a soma dos seus componentes. O
trabalho coletivo é mais que a soma dos trabalhos individuais
gerando um excedente, o resto que sobra do todo menos as partes (o
Capital). Porém, o grupo também é menos que a soma das suas
partes e recalca as qualidades de seus componentes. A esse déficit
inibido das partes através do todo, chamamos inconsciente grupal.
(GOMES, 2013, 13).
Embora existam casos, como o de Gengis Khan, em que o xamã é também
o líder do grupo (Lobo e Pastor, ao mesmo tempo), o mais comum é
que os dois papéis sejam distintos e polarizados (pelas Ovelhas).
Deleuze e Guatarri (1980) elaboraram o termo 'espírito de matilha'
em oposição ao 'espírito de rebanho' para caracterizar o
comportamento de contestação e independência dos indivíduos
parcialmente excluídos do condicionamento grupal, incluindo aí os
xamãs; mas a desanimalização dos padrões grupais prescrita pelas
técnicas arcaicas de êxtase é ainda mais radical, exigindo a morte
do ego do iniciado e a retomada teatral de suas funções na
comunidade, superando o papel de Lobo do rebanho.
E a maioria dos grupos do neoxamanismo urbano (assim como outros
grupos esotéricos atuais) não observam a existência das relações
de poder (de dominação, contestação e submissão) em seu
interior; e vive inadvertidamente pelas regras do rebanho, sem
esperanças de desanimalização do condicionamento biológico e
social a que está submetido. Seus xamãs são apenas Pastores
disfarçados com pele de Lobo.
|
Xamanismos
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Neoxamanismo
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O recrutamento
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Transmissão hereditária e vocação
espontânea (chamado +
escolha)
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Todos podem ser xamã, basta ser
despertado
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O transe
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Diferenças com a psicopatologia
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Mediunidade e plantas de poder
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A desanimalização
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Abandonar a forma humana
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Ser mais afetivo e instintivo
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O rebanho
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O espírito de matilha
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O neoxamã é um pastor
|
O neoxamanismo gnóstico vs. neoxamanismo pós-moderno
Pode parecer ao leitor que aqui também se deprecia as manifestações
culturais mais recentes em nome das mais antigas, com saudades do
encantamento do mundo, mas esse não é o caso. Se ressaltamos a
incapacidade do neoxamanismo de entender suas raízes arcaicas é
apenas para melhor enquadrá-lo e compreende-lo historicamente.
Existem muitas outras diferenças de contexto e de propósito (além
do recrutamento, do transe e da desanimalização) entre os antigos
xamanismos e o neoxamanismo, algumas até mais favoráveis ao
xamanismo atual. Por exemplo: no passado, os xamanismos eram, na sua
maioria, masculinos; agora, são predominantemente femininos – não
apenas em quantidade de participantes, mas, sobretudo, em suas
práticas rituais e objetivos. Ou ainda: tanto o neoxamanismo quanto
os xamanismos arcaicos dão ênfase à natureza, mas de formas
diferentes. O neoxamanismo trabalha mais com a ideia de meio ambiente
e de consciência planetária. Castaneda formula o interessantíssimo
conceito de 'seres inorgânicos', formas de vida de outra escala de
tempo que se alimentam dos homens e da vida orgânica. E tudo isso
pode ser considerado um avanço em relação às antigas práticas e
para um panteão de deuses arcaicos representando a mãe natureza.
Também destaque-se que, entre as formas atuais de neoxamanismo, há
dois tipos polares: o neoxamanismo gnóstico, que vive em função de
outro mundo e acredita em toda sorte de imagens e símbolos; e o
'xamanismo pós-moderno', que ignora a dimensão transpessoal da
psique e considera que 'o além' é apenas ilusão ou ideologia das
religiões institucionalizadas. E, entre esses polos, há diversos
tons de cinza.
Mas, bem vistas toda essa diversidade atual e ainda as diferenças
positiva e negativas entre passado e presente, há dois elementos
universais: a) a cura pela transferência não- analítica como
prática principal; e b) o meta sistema de crenças.
A ênfase de converter negatividade em atividade positiva, de mediar
os conflitos através de rituais simbólicos parece ser universal. É
claro que o antigo xamã mediava o conflito entre forças das
natureza personalizadas em deuses; e hoje o neoxamã busca revelar o
lado feminino dos homens em oposição ao lado masculino das
mulheres. Mas, a técnica base continua a mesma: canalizar o
negativo, compensá-lo com o oposto e devolver equilibrado. Os
xamanismos e o neoxamanismo tem essa ênfase na prática da cura ou,
se preferirem, nas relações de transferência e
contra-transferência não-analíticas de conteúdo simbólico.
Outra continuidade entre os antigos xamanismos e o neoxamanismo atual
é que os primeiros são sistemas mágicos meta religiosos, um
conjunto de práticas místicas, psicológicas e extáticas,
anteriores e paralelas à elaboração dos grandes sistemas de crença
religiosa. O ceticismo, o pragmatismo, o empirismo avesso a
transcendências – são características comuns de diferentes tipos
de xamanismo no transcorrer do tempo. Eles são laicos e objetivos,
sistematizações da experiência prática e não um conjunto de
crenças, mágicas, anteriores aos sistemas de crenças religiosos.
Mas em paralelo a esse desencanto religioso, há também a afirmação
viva do cotidiano como uma aventura extraordinária, povoado de
mistérios e situações singulares. E o neoxamanismo, herdeiro
destas práticas e dessa visão ecumênica e agnóstica, também –
embora de formas diferenciadas.
No neoxamanismo pós-moderno de Castaneda, esse desencanto e
reencantado é individual e é chamado de 'ética do guerreiro'. O
guerreiro deve aprender a agir por agir, sem esperança nem
desespero, a dar o melhor de si sem esperar retribuição, a confiar
sem crer, a viver deliberadamente através de desafios constantes, a
sempre escolher o caminho de seu coração, entre outros preceitos.
Porém, mais do que um simples código de conduta contra a auto
importância e a auto piedade, a ética do guerreiro é uma
configuração energética em que o praticante se alinha ao Intento,
uma energia inteligente que pode treiná-lo e guia-lo até seu salto
para o infinito. O caminho do guerreiro consiste sobretudo em
acumular e redistribuir energia de forma a sobreviver à morte e não
ser absorvido pelos seres inorgânicos. Alcançar a 'liberdade total'
significa sair da cadeia alimentar e não ser devorado dos
predadores.
Não há rituais, imagens, indumentárias indígenas ou quaisquer
elementos do 'complexo xamânico' proposto por Eliade. Ao contrário,
Castaneda prescreve uma atitude de espreita, sobriedade e extrema
discreção, despindo o xamanismo de todo seu simbolismo para
enfatizar o que considerava principal: a construção de um 'corpo
sonhador' para escapar dos predadores inorgânicos e sair deste
universo do carbono.
Já para os neoxamanismos gnósticos, o reencantamento do mundo é
coletivo: os xamãs devem lutar pela mudança do 'sonho planetário'.
Para don Miguel Ruiz (2005), por exemplo, há dois sonhos coletivos
em desenvolvimento: o sonho que chamamos de realidade – “o tonal, a primeira atenção, sonho do inferno ou o sonho da
vítimas” – e o sonho dos guerreiros, um sonho alternativo de
realidade - “o nagual, o sonho da segunda atenção”.
Ruiz foi criado pelo avô, Leonardo Macias, um autêntico nagual
mexicano. No entanto, seduzido pela vida moderna, formou-se cirurgião
e renegou a tradição familiar até que certo dia sofreu um acidente
de carro, teve uma experiência de quase morte. Desde então se
tornou uma grande referencia do xamanismo tolteca, com pontos em
comuns e diferenças do ensinamento proposto pelos naguais don Juan
Mathus e Carlos Castaneda. Ruiz fala da conquista da liberdade
pessoal e não da liberdade total de Castaneda, é contra a
autopiedade mas não contra a compaixão, acredita na construção de
um sonho sem medo (ou sem parasitas mentais) não é meramente
individual, mas luta de guerreiros em favor da condição humana,
entre outros paralelos.
Para Ruiz, o sistema de crenças é uma estrutura parasita de
energia. Sonhamos um sonho coletivo que nos aliena da vida e nos
mantêm em uma realidade virtual, uma ‘Matrix’ formada por nossas
crenças e valores. Segundo ele, é libertar nosso sonho pessoal do
sonho coletivo do medo de exclusão, do sonho de domesticação
social engendrado pela sociedade; e, em conjunto com outros
sonhadores conscientes, transformar esse sonho social de destruição
planetária, induzindo toda humanidade a um salto quântico
evolutivo.
Tanto para Castaneda como para Ruiz, o sonhar é a base de toda
experiência cognitiva: estamos sonhando o tempo todo, seja dormindo
ou quando estamos acordados. A diferença é o enquadramento
mental-sensorial no estado de vigília (ou tonal) da percepção da
energia sem realidade sensorial dos estados alterados de consciência
(ou nagual).
Os conceitos de Tonal e Nagual representam
campos perceptivos opostos e complementares, em que o primeiro é
nossa percepção ordinária (sensorial-mental) do mundo como algo
formado por objetos concretos e coisas sólidas; e o último é a
percepção de que estamos em um universo de relações, em que tudo
é feito de energia em diferentes níveis de organização e de
adaptação.
Mas, há também duas interpretações dessa polaridade cognitiva
básica. Ruiz (e o xamanismo gnóstico) entende a tarefa do xamã em
uma dimensão social: o sonho coletivo do medo só poderá ser
transformado com grande número de sonhadores que desejem a liberdade
pessoal. Ruiz acredita poder romper com o sonho social de medo
tecendo um novo sonho.
Para Castaneda (e o xamanismo pós-moderno), o tonal é uma ilha (ou
bolha da percepção) e o nagual a um oceano-universo que o engloba:
o mar escuro da consciência. A vida orgânica (o tonal) é uma gota
em um universo inorgânico. A tarefa do xamã é sair individualmente
do seu ovo tonal e viver em um universo nagual, deixando para trás a
condição humana. Enquanto o neoxamanismo gnóstico sonha em salvar
a terra e a humanidade, o neoxamanismo pós-moderno intenta antes
salvar-se do destino da humanidade de ser absorvido pela terra.
A simetria cognitiva
Há sempre uma dupla realidade, uma simetria entre o lado de dentro e
o de fora, o micro e o macrocosmo. No campo filosófico há, para
Platão, um mundo sensível-concreto e outro inteligível-abstrato;
uma cidade dos homens e uma cidade de Deus para Santo Agostinho; para
Descartes, coisas extensas e objetos virtuais. Com Kant, há uma
inversão de perspectiva: a realidade deixa de ser uma percepção e
passa a ser uma interpretação. O mundo externo se torna uma
projeção estruturada do sujeito, a simetria torna-se um reflexo
invertido.
No campo religioso também há simetria, mas é o metafísico que se
reflete no físico: “assim em cima, como embaixo” - expressão
presente não apenas nas Tábuas de Esmeralda de Hermes Trimegisto,
mas presente em todas as grandes tradições, como a chinesa (céu e
a terra), a indiana (o universo-templo e o corpo-templo), e a
ocidental (o homem como a imagem e semelhança de Deus). No humanismo
iluminista, há cruzamento desses dois modos de representação
simétricos, o filosófico e o tradicional, em que o homem ocupa o
lugar central (como na tradição judaico cristã), mas o universo
externo que enquadra e determina a experiência subjetiva (como crê
a modernidade).
Assim como a antropologia pós-estruturalista entende a realidade
como uma sobreposição das dimensões sensíveis e inteligiveis e
nâo é antropocêntrica; Castaneda (Osho, Gurdjieff, entre outros
autores esotéricos contemporâneos) recusam a ideia de semelhança
entre o homem e o universo; e a dicotomia transcendentalista da
caverna de Platão. Eles preferem entender o homem dentro da cadeia
alimentar no meio ambiente e concentram seus esforços na
descondicionamento dos hábitos e rotinas, na desmecanização do
corpo e no desenvolvimento da consciência.
Para Castaneda, a simetria entre a cognição ordinária e a
extraordinária está além do homem e é um paradoxo insuperável
para o qual não existe totalização ou unificação globalizante. O
Mundo e a Consciência são termos irredutíveis.
Para as tradições, a simetria é dada como certa (o mundo material
é um desdobramento denso dos universos sutis); para modernidade, a
simetria é parcial e invertida (o subjetivo parcialmente reflete a
realidade total); para o pensamento pós-moderno (seja filosófico,
antropológico ou esotérico), não há simetria ontológica (nem
reflexividade entre dimensões paralelas): os objetos é que são
duplos construídos intersubjetivamente em um único plano imanente
bifacetado: como a onda e a partícula.
É conhecida a prescrição de Carlos Castaneda de que seus
aprendizes deveriam estudar antropologia. Florinda Donner, Taisha
Abelar, Armando Torres – entre outros tiveram que estudar ciências
sociais na UCLA para se tornarem feiticeiros. É possível que a
prescrição de Castaneda seja uma garantia anti-gnóstica, uma forma
de fortalecer o tonal e manter a mente dentro da realidade objetiva,
sem ilusões transcendentes.
Conclusão: por amor, obrigado e desculpem.
O sistema de xamanismo havaiano conhecido como Ho’oponopono é
baseado nesses três operações transferenciais: Te amo; Sou grato;
e Sinto muito-Me perdoe. Em Havaiano, Ho'o significa “causa”,
e ponopono quer dizer “perfeição”, portanto Ho’oponopono
significa “corrigir um erro” ou “tornar certo”. O
Ho’oponopono permite limpar recordações dolorosas, que são
a causa de tudo que é tipo de desequilíbrios e doenças, com base
nessas três operações: amar, agradecer e perdoar/ser perdoado.
Quando uma pessoa doente procura o xamã, o curador se identifica com
seu paciente (eu te amo) adquirindo sua doença. O xamã passa a
partilhar da enfermidade para poder curá- la. O segundo passo
consiste em fazer o paciente agradecer pela sua doença, entendê-la
como uma mensagem do corpo para sua consciência que precisa ser
decifrada. Caso consiga fazer com que o paciente agradeça
sinceramente pela sua enfermidade, há ‘a cura espiritual’ e o
xamã consegue libertar-se do karma da doença.
A ‘cura material’ ou completa só poderá ser alcançada através
do perdão, isto é, de um reconhecimento de que foram seus próprios
erros que formaram a doença e que isto prejudicou a outras pessoas
além de si próprio.
Este, aliás, é o propósito deste texto. Agradecer, perdoar e
retribuir à dádiva com uma colaboração transformada e
transformadora do presente original.
Obrigado,
me desculpe, eu te amo.
Referências bibliográficas
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NOTAS
1 Doutor em ciências sociais pela UFRN, autor de vários textos jornalísticos sobre temas antropológico: Jurema Rainha (2010a) e Kambô, o espírito do pajé (2010b).
2 Xamanismo: Caminho de autocura para uma vida extraordinária. Nesta entrevista a professora de xamanismo Carminha Levy, elabora um teste para você saber se é um xamã, explica por que a apresentadora Angélica é uma xamã. Carminha é iniciada no xamanismo há 26 anos, é discípula do antropólogo americano Michael Harner. <http://www2.uol.com.br/vyaestelar/vya_estela15.htm>
3 Escrevemos um artigo específico só sobre o posmodernismo de Castaneda: <http://mbolshaw.blogspot.com.br/2010/02/recapitulando-castaneda.html>
4A aproximação entre o Santo Daime e o xamanismo, por exemplo, é polemizada por vários autores (LABATE, 2002, p. 240-242). Segundo Clodomir Monteiro (1983), o Santo Daime está inserido em um contexto de práticas xamânicas, marcado por transes xamânicos individuais e coletivos; seus líderes são equivalente a xamãs. Couto (1989) desenvolve o conceito, corroborado por Macrae (1992), do Santo Daime como um 'xamanismo coletivo', em que todos são “xamãs em potencial”. Cemin (1998) considera o Santo Daime como sistema xamânico, mas apenas o Alto Santo e não o CEFLURIS, porque neste último há transes de incorporação. Para Groisman, o Santo Daime não é sistema xamânico, mas há uma aglutinação do saber xamânico nesta religião (1999, p. 23).
5 Um dos requisitos do transe genuinamente xamânico é que ele não é uma possessão ou uma incorporação. São os xamãs que manipulam os espíritos e não o contrário. Devido a isso, a umbanda, o catimbó e outras formas de espiritismo popular não são consideradas 'xamanismo'.
6 Ressalte-se que nem a astrologia nem o candomblé eram tipológicos em suas versões originais. Na África antiga, quando se nascia nas praias, se era filho de Yemanjá; se nas montanhas, de Xangô; e assim por diante. Os orixás eram ligados aos locais e não às pessoas individualmente. Por isso, eles eram passados de pai para filho. No Brasil, com a mistura das etnias, foi que surgiu o orixá como tipo psicológico individual e as referencias simbólicas espaciais foram colocadas em segundo plano. Também na astrologia antiga não havia horóscopos individuais. As previsões eram meteorológicas e sobre guerras; e o mesmo o oráculo dos reis não era voltado sua vida pessoal, mas para seu reinado. Hoje vários tipos de simbologias tradicionais sobrevivem através de tipologias psicológicas: os quatro elementos, signos astrológicos chineses, kins do calendário maia, o eneagrama.