terça-feira, 2 de março de 2010

Filosofia Huna


Jaguar Dourado
O mundo ocidental é essencialmente objetivo em sua abordagem na definição da realidade. Os ocidentais acreditam no que podem ver. A Filosofia Huna compreende a realidade como os níveis de experiência objetiva por um lado e níveis de consciência subjetiva por outro. Para os Kahuna, o nível físico objetivo da realidade cotidiana comum, que a ciência considera como a única realidade “possível” ou “real”, é apenas o primeiro de diversos níveis possíveis de experiência e consciência. Nesse nível físico, tudo é percebido como separado de todo o resto.
O nosso nível subjetivo de pensamentos e emoções é o nosso segundo nível de realidade conforme o pensamento Huna. Este é também o nível no qual fenômenos psíquicos, como telepatia, clarividência e psicocinese, são vivenciados. Como a realidade física comum, também é um nível de ação, mas no segundo nível; tudo esta em contato com tudo por meio de fios de uma “substância energética ou etérea”, chamada Aka na língua havaiana. Na tradição huna, tudo no universo está conectado a tudo, formando uma vasta rede ou teia formada por esses fios de Aka no segundo nível. Estas conexões podem acontecer por intermédio de pensamentos e intenções, elas são “ativadas” pela atenção. Concentração sustentada, como a praticada durante a meditação, teoricamente aumenta a força ou o volume do contato.
No segundo nível de realidade, o tempo é sincrônico, ou seja, tudo o que já aconteceu no passado, assim como tudo que irá acontecer no futuro, pode estar acontecendo ao mesmo tempo, interconectado por meio do campo Aka. Por isso, como ressalta os Kahuna, não existem inícios ou fins no segundo nível de realidade (ou percepção), apenas ciclos e transições. Aplicada ao conceito de reencarnação, essa perspectiva sugere que o passado e o futuro de uma pessoa poderiam teoricamente estar acontecendo todos ao mesmo tempo, interconectados por meio do campo Aka no segundo nível de realidade.
Como o tempo é sincrônico nesse nível de realidade, as conexões Aka podem se estender através do tempo e do espaço. Talvez este seja o caminho pelo qual certos indivíduos possam se lembrar de fragmentos de suas vidas passadas.
O terceiro nível de realidade (ou percepção) é “o mundo espiritual”. Chamada Pó em havaiano, ela é a realidade incomum pelo qual os Xamãs das tribos tradicionais viajam, em estados xamânicos de consciência, para se encontrar com os espíritos. Este é o nível da viagem mental-astral em que tudo é percebido simbolicamente, e chamado pelos Kahunas de Ike Papakolou, “percepção de terceiro nível”.
Na tradição Kahuna, o reino dos espíritos é dividido em mundos inferior, médio e superior, como também ocorre nas maiorias das tradições xamânicas de toda parte. Milu é o mundo inferior, o “reino sob a terra”, para onde o Xamã viaja em estados xamânicos da consciência para adquirir espíritos aliados para si e conhecer o poder, normalmente na forma simbólica de animais, plantas, objetos ou espíritos. O mundo médio é Kahiki, o aspecto incomum do plano físico da realidade comum cotidiana. Este é o lugar dos sonhos, o lugar para onde vamos quando sonhamos, à noite, quando dormimos, ou de forma estruturada, orientada a um objetivo, como o Xamã faz quando desperto. Tudo o que existe na realidade cotidiana, aqui, deve ter um equivalente de sonho, lá. O mundo superior é conhecido como Lanikeha. Este é o nível arquetípico dos deuses, deusas, heróis e heroínas mitológicos, os espíritos Aumakuas ancestrais e os nossos guias espirituais.
Na Filosofia Huna, existe ainda mais um nível de realidade, o quarto nível, Ike Paakauna. Este nível é descrito como um estado puramente subjetivo de consciência mística da unidade essencial do universo e de tudo o que há nele. É a dimensão holístico-espiritual na qual tudo é vivenciado. Este é o nível de transmorfose e identificação, o nível de percepção em que os Xamãs experientes podem fazer contato e se fundir com cardumes de peixes na água ou cervos nas montanhas para conduzi-los às redes dos pescadores ou aos arcos dos caçadores. Uma forma diferente de caça e pesca. Também é o nível em que se pode fazer contato com o campo divino, o vasto vazio carregado de potencial. No quarto nível, tudo é percebido como parte da unidade, e a “unidade” como parte de todas as coisas.
Segundo os Kahuna, tudo o que existe na natureza, existe em três estados diferentes do Ser, físico, mental e espiritual, com cada nível expressando um aspecto exterior. Para os seres humanos, por exemplo, o aspecto físico exterior era o Kino, o corpo material, e sua contra-parte interior, o centro energético, o Kino’ka, uma espécie de corpo duplicado invisível quando contem a força que dá ao indivíduo.
No nível mental do Ser, a mente interior é fortemente integrada com o corpo físico num nível de consciência chamado Unihipili, ou mais comumente, Ku, “corpo-mente”. O Unihipili vivencia o mundo exterior, armazena memórias e é a fonte de emoções e sentimentos. É através dele que é possível receber informações sobre os níveis incomuns de realidade. É o nível da mente por meio do qual as experiências visionárias ocorrem. O aspecto exterior da mente se concentra basicamente no mundo exterior. Esse é o nível mental, intelectual do self humano e é chamado de Uhane, ou Lono. Este aspecto da consciência é o pensador, o analisador e o tomador de decisões, recebendo informações sobre os mundos exterior e interior por meio do Unihipili. É quem controla as ações e o comportamento de uma pessoa, cujas decisões são traduzidas em ação pelo Unihipli interior que funciona diretamente com o corpo físico.
O nível espiritual do self é chamado Kane Wahine’, um termo que designa um espírito pessoal que é ao mesmo tempo masculino e feminino. O termo mais genérico, Aumakua, é utilizado para designar este aspecto, e acha-se em cada pessoa, cada coisa manifesta na natureza, tanto animada quanto inanimada, possui um. O Aumakua de cada coisa manifesta existe no mundo espiritual, em Ao Aumakua, e ao contrário dos aspectos físicos e mentais do self, o aspecto espiritual não morria.
No pensamento místico havaiano, seres vivos no plano físico da existência são os aspectos exteriores do seu Aumakua interior. Cada pessoa, planta, animal, rio ou pedra se originam como uma forma pensamento, cuja fonte é seu Aumakua. Tudo na natureza se manifesta intencionalmente no mundo cotidiano da realidade física por seu Aumakua no mundo espiritual. Assim, tudo é criado por sonhos desse aspecto espiritual incomum.

Os Kahuna também acreditam que cada um dos três aspectos do self (corpo, mente e espírito), pode aumentar e crescer, mudar e evoluir, em resposta à experiência que ocorre em cada um dos níveis do Ser. Desta forma, cada aspecto é responsável pela co-criação dos outros. Assim como uma pessoa vive sua vida no plano físico, suas experiências são projetadas pelo seu Unihipili interior no nível Aumakua do self. Este aspecto, então, aumenta e muda em resposta, existindo como uma espécie de repositório das experiências de vida de uma pessoa, incluindo as derivadas não só da vida atual mas também, até certo ponto, de vidas passadas. Assim, o Aumakua de uma pessoa contêm uma memória espiritual de todo o conhecimento e experiência acumulados pessoalmente.
Além disso, o Aumakua de cada pessoa está ligado a todos os outros Aumakuas por meio de uma vasta matriz de força ou energia interconectada, chamada Koko’aka. Todos os Aumakuas pessoais de todos os seres humanos em toda à parte formam, portanto, um coletivo conhecimento como Kapoeaumakua, o espírito humano. Este grande ser multifacetado contêm o conhecimento coletivo de toda a humanidade. Esta sabedoria está teoricamente disponível a todos os seres humanos. O truque está em saber como fazer contato direto com seu Aumakua, pois estas informações só podem ser acessadas e recebidas por este aspecto do self.
Os Kahuna revelaram que o contato com o aspecto espiritual pessoal de uma pessoa ocorre por meio do Unihipili, ou Ku, e essas informações do Aumakua normalmente assumem a forma de sonhos, idéias, impulsos, pensamentos e inspirações. O Aumakua é, portanto, a fonte de inspiração e intuição. Desta forma, o espírito pode funcionar de tempos em tempos como professor ou guia pessoal.
Os Kahuna são adeptos de técnicas mentais para criar eventos objetivos na realidade cotidiana. No caso, três fatores estão envolvidos: um aspecto da imaginação, chamado Laulele, o poder místico que os Havaianos chamam de Mana, e as conexões psíquicas por meio do campo Aka.
Laulele é a imaginação usada de forma consciente para estabelecer um padrão ou estratégia mental, combinada com fortes desejos de realizar esse fim. Mana é a energia cuja abundância ou escassez determina a eficácia de todas as práticas psíquicas. Aka é o material básico do qual tudo no universo é formado, até mesmo pensamentos e imagens interiores. Os Kahunas acreditam que o Aka pode ser formado e moldado por pensamentos, que ele pode servir como receptáculo ou condutor de Mana, e que os efeitos se manifestam por meio das conexões de Aka estabelecidas entre o Kahuna e seu objetivo.
A essência vital, Keola’ika’ika. É um aspecto do poder sobrenatural dispersado pelo universo. Quando este poder é altamente concentrado nas coisas vivas, ele as satura com força vital. A essência vital de cada Ser é como uma fagulha de um fogo que pode abrir caminho entre as linhagens com o passar do tempo, assumindo diferentes formas, expressando-se infinitamente até ter experimentado todas as manifestações possíveis, dos vermes mais inferiores até os próprios deuses.

A força vital é um processo, e não algo material, e mesmo assim tudo no universo, material e não-material, é em última análise, um aspecto dela. Existe um padrão na teia da vida, e a força vital pode se procriar interna ou exteriormente para atingir esse desenho. Neste sentido, a força vital tem sua própria direção, sua própria vontade. Cada coisa viva é parte do grande padrão, Ano’holo’oko’a, e cada Ser é, portanto, preenchido com Kumu, com propósito e direção, mesmo que este propósito seja desconhecido para a pessoa ou o verme. A natureza da força vital é diversificada. Cada coisa possui um aspecto corporal comum aqui no mundo dos fenômenos e um aspecto Aumakua no mundo espiritual. À medida que estes aspectos espirituais mudam e crescem em resposta ao que ocorre durante os infinitos ciclos de nascimentos, vidas, mortes e renascimentos no plano físico, o padrão também muda e cresce. Desta forma, os níveis incomuns de realidade são formados em resposta ao que transpira aqui na realidade comum. Por isso as intenções são tão importantes. Seus objetivos fornecem o destino, assim como o referencial para suas experiências. Aqueles que manipulam constantemente os outros eventos para adquirir riqueza material ou poder estão mais concentrados no lado negro de sua natureza. Quando essas pessoas morrem e existem unicamente como Aumakua, seus espíritos não são benévolos, pacíficos, nem repousam em paz. São espíritos famintos, ansiosos e quando tornam a se manifestar no mundo comum, retomam o mesmo tipo de caráter.
Por isso o mal existe no mundo. Ele é simplesmente parte do padrão. Tudo tem dupla natureza, e “não bom” é simplesmente a outra metade de “bom”. Cada um contém dentro de si a capacidade para ambos. Quando chegamos ao mundo, a forma de nossa personalidade revela o que é proeminente em nosso aspecto espiritual. Em nossa passagem pela vida, as escolhas que fazemos afetam tanto a nós próprios quanto ao que existe ao nosso redor. Esses efeitos se refletem de volta ao mundo espiritual, que muda em resposta. Parte de nossa tarefa enquanto crescemos é vencer o lado negro de nossa natureza em favor da luz. Ao fazermos isto, o grande padrão se desloca nessa direção também.
Dessa forma, cada um de nós viaja pelo tempo em muitas vidas, até atingirmos nosso destino dentro do grande padrão. Quando tivermos nos tornados inteiramente formados e inteiramente desperto, nós humanos, nos tornaremos outra coisa. Este é nosso destino, e cada um de nós deve alcançar isto à sua própria maneira. Este é o nosso verdadeiro trabalho, a nossa verdadeira razão de existir.


Fonte: http://www.terramistica.com.br/

Waiho Wale Kahiko


Gisela Barbosa

Desde os tempos primeiros, nas Ilhas do Pacífico, existe uma visão da vida chamada Huna. Esta palavra significa segredo ou conhecimento secreto. Refere-se ao lado profundo das coisas, àquele lado não perceptível aos olhos pouco treinados. O prefixo Ka é guardião, ou mestre praticante. Os xamãs havaianos, como os xamãs de outras partes do mundo, não têm hierarquia entre eles. Aprendizes são estudantes e colegas, não seguidores. E mestres são mestres do conhecimento e da prática, não de pessoas.
Hoje em dia Kahuna é uma palavra usada mais livremente. Deve-se, então, acrescentar uma outra palavra que determina qualidade, como por exemplo, Kahuna Lapa'au, um mestre de ervas, massagens e energias; Kahuna Pule, para mestre de preces e cerimônias; e Kahuna Kupua para o mestre xamã.
Ainda que existam escolas de treinamento, a ênfase no ensino personalizado tem como prerrogativa a questão do poder pessoal. Jamais um xamã vai ser paternalista, pois assim estaria fazendo por você, enquanto a intenção maior é a devolução de seu poder profundo (falaremos mais detalhadamente sobre este assunto no capítulo referente às técnicas e práticas contemporâneas de xamanismo). Poderão ser criadas situações para que obstáculos à sua integridade emirjam e se façam presentes. Só assim poderão ser superados. Portanto, ainda que cercado de cuidados, o xamã não faz por você.
Estes são os aspectos da transmissão de ensinamentos xamânicos: a presença integral da pessoa no empenho de caminhar seu caminho, a manifestação do desejo de adquirir o conhecimento e as qualidades inatas (o tom) capaz de realizar na vida o ensinamento recebido. Ainda que, conforme a história das pedras, transcrita acima, o movimento inicial do instrutor de mencionar, como que casualmente, o poder das pedras possa parecer intervenção diretiva, é preciso ter sempre em mente que o acesso a dimensões do conhecimento secreto, da percepção da realidade no movimento oculto (aquele que, como o vento, sopra e faz as coisas se moverem) é intrínseco no xamanismo. O que ocorreu, no caso, foi apenas a explicitação do que já estava acontecendo em níveis outros de percepção.
Uma das maiores exuberâncias do xamã Kahuna do Havaí é de ser, particularmente, um seguidor do caminho do aventureiro. Serge King distingue-o do caminho do guerreiro da seguinte forma: enquanto este tende a personificar o medo, a doença e a desarmonia e concentra-se em desenvolver o poder, o controle e as habilidades de combate a fim de lidar com eles, o xamã aventureiro tende a despersonificar estas condições, a trata-las como efeitos e não como coisasnota. E concentra-se em desenvolver a harmonia, a cooperação e o amor. O caminho do aventureiro é, por natureza, muito sociável. O caminho do guerreiro é solitário, buscando o poder e a iluminação pessoal.
Ao mesmo tempo, finaliza afirmando que é "muito difícil, senão impossível, diferenciar entre mestres dos dois caminhos. Porque, quanto mais poderoso você for, mais e mais amor terá, já que há menos e menos a temer. E quanto mais amor você tiver, mais e mais poderoso será, já que há muita, muita confiança".
A conveniência de dividir a natureza do ser humano em três aspectos que serão nomeados e descritos a seguir é comum a várias culturas de épocas e lugares diferentes. Ainda assim, não há nada na tradição polinésia que indique que estes três aspectos sejam realmente separados. Não há nada na natureza humana que impeça de fazer, por exemplo, 16 divisões, ou 64, como o I Ching, ou 256, como o Ifá. Três são, simplesmente, úteis, convenientes e, portanto, uma verdade que funciona.
O aspecto do coração, o corpo, o Eu Inferior (Ku) tem como função principal a memória e suas habilidades como aprender e lembrar, desenvolver hábitos e manter a integridade do corpo e a identidade no dia-a-adia. A memória como função do corpo, ou o registro de um modelo vibracional ou modelo de movimento que tem seu locus nas camadas musculares é uma memória experimental, ou vivida. Há ainda a memória genética, que é de fato guardada no nível celular e traz o conhecimento da linhagem ancestral à qual pertence. Para se liberar esta memória, portanto, é preciso movimento. Movimento este que, sob certos estímulos físicos ou mentais, internos ou externos, ocorre e dá origem aos comportamentos emocionais, físicos e mentais. A memória será inibida se o movimento for inibido por tensão ou estresse. A memória genética está estocada nas células e se encontra em todo o corpo, enquanto que a aprendida parece se localizar em pontos específicos do tecido muscular, áreas estas que estavam em atividade ou energizadas no momento do aprendizado. Se a parte do corpo onde a memória está arquivada fica sob tensão suficiente, ela então será inibida ou ficará até inacessível.
O tempo, para Ku, é único. Tudo existe apenas agora, no presente. Se você recordar de uma vivência ruim de sua infância, é bem provável que apresentará reações fisiológicas e emocionais tanto quanto estivesse vivenciando neste momento. É como um arquivo, e quando este arquivo é acessado, os dados se encontram presentes neste momento.
O caminho que seu corpo escolhe, conforme a sabedoria Kahuna, de acessar memórias que implicarão na reação emocional e comportamental às situações que se apresentam tendem, em primeiro lugar, a buscar a memória ancestral e depois, se houver várias escolhas em potencial, sintonizar a memória aprendida numa tendência especificadora. Por exemplo, se houver uma situação estressante que envolva a auto-estima - que geralmente tem como locus o tórax - e a memória genética lhe oferece a opção de uma bronquite, um ataque de ansiedade ou um resfriado, mas se na semana passada Ku aprendeu com outra pessoa ou na televisão tudo sobre os sintomas do resfriado, é provável que faça, então, esta escolha.
Lono é o aspecto do ser humano que é conhecido como mente, é a parte consciente, perceptiva das informações internas e externas. Relaciona-se com pensamentos, idéias, imaginação, intuição, palpites, receptora de inspiração, som, toque, cheiro, movimento, tempo. Sua principal função é tomar decisões, incluindo atenção, intenção, escolha e interpretação. É seletiva, aumentando a habilidade pessoal ou a efetividade. Sua principal motivação é a ordem: regras, categorias e entendimento. Liga-se à lógica, recorrendo ao Eu Básico para acessar sua memória. Quando o medo está presente, a motivação para a ordem transforma-se em motivação para a segurança.
Sua arma principal é a imaginação, pois é a única parte sua sob seu controle direto. O desenvolvimento da imaginação é de suprem importância para o xamã urbano.

Kane é o que é chamado de alma, mas sem o conceito ou a idéia de separação. É a centelha divina. Nunca interfere na experiência pessoal sem o consentimento, o chamado dos outros Eus, pois segue o livre-arbítrio. A não ser que haja a possibilidade de desvio profundo de seu caminho... Kane só interfere diretamente quando algo está para acontecer e poderia lhe impedir de cumprir seu propósito de vida. Sua principal função é a criatividade, e seu principal instrumento é a energia.


Nota: (Estudos sobre xamanismo havaiano e polinésio. Trecho da tese de doutorado de Gisela Barbosa. Texto cedido pela autora.)
fonte: http://www.terramistica.com.br/

Plantas de Poder

O USO RITUAL DAS PLANTAS DE PODER

(resenhado por Bartira Calado )

O Uso Ritual das Plantas de Poder é um livro organizado por Beatriz Caiuby Labate e Sandra Lucia Goulart, composto por 14 artigos de autores diferentes, cada um abordando como tema central alguma planta de poder ou o contexto na qual ela está inserida. Na seqüência do livro temos: primeiro, um artigo falando sobre os acontecimentos dos últimos 150 anos de pesquisas sobre plantas e substâncias psicotivas; depois, um abordando o tema do Pariká; seguido pelo artigo que explana sobre a origem e o uso ritual da Coca na Amazônia; um outro, sobre as plantas psicoativas dos machiguenga do Peru, com ênfase para o Tabaco; temos, então, três artigos dissertando sobre a Jurema; um sobre o Buiti, religião enteogênica africana, que faz uso da Iboga; 4 artigos envolvendo como tema central a Ayahuasca; e por fim, os dois últimos artigos do livro abordam o uso do Cânhamo.

Primeiro Artigo: ‘A Odisséia Psiconáutica’

Falar sobre os últimos 150 anos de pesquisa sobre plantas e substâncias psicoativas, não é tarefa fácil. O primeiro artigo do livro, de Herinque Carneiro, aborda de maneira bastante informativa e simplificada o tema. A intenção principal do autor é apontar algumas obras essenciais dos estudos históricos e antropológicos sobre o papel dos alucinógenos na cultura e historiar brevemente sobre alguns usos dessas substâncias no decorrer do século XX. No meio dessa ‘odisséia psiconáutica’, termo usado pelo autor, nos deparamos com questões bastante interessante como, por exemplo, uma breve história da normatização das drogas; questões que dizem respeito aos usos sagrado de substâncias psicoativas em diferentes culturas; ao seu uso contemporâneo internacional, onde diferentes consumos produziram diversos fenômenos, como o surgimento de novas religiões, círculos científicos de pesquisa e experimentação, influência estética, uso recreacional popular; como e porque iniciou-se uma política de guerra contra as drogas (inquisição farmacrática); as polêmicas que giram em torno dessa questão: será que o Estado pode determinar uma jurisdição química sobre a mente? Será que cada indivíduo não tem o direito da livre disposição do seu corpo e de autonomia sobre si próprio? Quais os limites para a liberdade de autoprogramar-se quimicamente? Enfim, o artigo é uma espécie de ‘abre alas’ para os temas que viram posteriormente no livro. E fugindo um pouco da seqüência, eu vou falar agora sobre os artigos que tem como tema a Jurema.

A Jurema

A Jurema, planta sertaneja, conhecida como a planta de poder tipicamente brasileira é um tema riquíssimo ainda a ser explorado. E isto, porque falar sobre Jurema é mergulhar num campo múltiplo de significados, é seguir por contextos diversos e ainda se deparar com caminhos não abertos. As metamorfoses da jurema, como alguns costumam falar, exprimem o quanto esta planta possui força e poder, fazendo com que brote em torno dela novas representações simbólicas.

No primeiro artigo sobre a Jurema, a ex-presidente da Associação Nação Jurema, de Aracaju, Clarice Novaes, vai abordar as trajetórias simbólicas assumida pelas espécies da planta. Seu objetivo é apreender os significados envolvidos no processo de dispersão da Jurema. De maneira geral podemos identificar três percursos distintos: 1) a jurema das matas (jurema nordestina indígena-rural); 2) a jurema afro-brasileira (presente nos rituais de origem africana, representa o espírito dos cabocos índigenas); 3) a jurema urbana ocidental européia(caracterizada pela busca subjetiva e individual). O primeiro grande campo semântico sob o qual a Jurema está envolvida é o tema do segundo artigo que fala sobre a planta. Nele, Rodrigo Grünewald aprofunda-se sobre aquilo que ele chama de a “Ciência do Índio”, com o enfoque para a palavra jurema utilizada como sinônimo de uma bebida mágica ou mistíca. O terceiro artigo, de Roberto Motta, destaca a Jurema dentro do contexto das religiões afro-brasileiras. Dessa forma, podemos dizer que os artigos se completam fornecendo um grande número de informações sobre o tema. Abaixo segue algumas idéias presente nos três artigos.

Os três autores concordam que a origem do feitio dessa bebida é indígena, e que portanto os índios são considerados os sujeitos fundadores do conhecimento xamânico sobre a planta e sua bebida. Entre eles, a ingestão da bebida é realizada normalmente em festas sagradas, seguidamente acompanhada de dança, dos ‘torés’ – danças sagradas de origem ancestral, nesses festejos os seguidores da jurema recebem instruções sobre suas vidas e da vida coletiva da aldeia. De maneira geral, a jurema é vista como uma espécie de sacramento que une todos os presentes. Segundo Novaes, essas festas constitui verdadeiros selos de identidade étnica, ela observa que através dos rituais em torno da jurema, solidifica-se a identidade grupal e a autoconsciência individual do indígena nordestino. Para os índios, a jurema é vista como uma divindade protetora e misteriosa que deu origem não só a tribo, mas ao mundo dos seres vivos e dos encantados, dos quais é rainha suprema; ela propicia sentido à existência e também a morte.

Outro ponto importante leventado por Grünewald é que são várias as bebidas e beberagens que se fazem com o nome de jurema, seus usos entre os indígenas perpassa o período anterior a colonização portuguesa, onde a partir de então, devido a intolerância religiosa, passa a sofrer fortes repressões policiais, confinado as práticas da jurema ao silêncio. Os juremeiros passam a ser perseguidos e a forma que encontram de conservar suas práticas é mantendo o sigilo e o segredo sobre elas, dessa maneira, muitos conhecimentos são perdidos sobre essa planta. As perseguisões também favorecem uma possível migração do uso da jurema do nordeste para o norte do país; e do contato entre os índios e negros do litoral acaba por emergir posteriormente uma nova prática mágica com a bebida, onde a jurema passa a ser integrada ao panteão das entidades africanas. Sendo, na verdade, considerada a entidade brasileira dentro do culto. No contexto da religiões afro-brasileiras a jurema é caracterizada como a mulher de origem nativa do Brasil, como a Cabocla Jurema, com seu chapéu e saia de pena, seu arco e sua flecha. Suas indumentárias e objetos são de uso masculino e não feminino, ela por exemplo usa calça em vez de saia, seus rituais de incorporação são marcados pela presença do charuto e do vinho. Motta começou suas pesquisas na década de 70, quando ficou impressionado ao constatar que uma porcetagem altíssima de centros de ‘espiritismo popular’ da região do Recife entregavam-se, predominantemente, a prática da jurema. Então no seu artigo ele nos fala sobre as transformações históricas da planta; sobre os elementos que foram se incorporando ao ritual da jurema como, por exemplo, a figura do mestre e técnicas mágicas, as influências kardecistas; sobre as distinções bem marcadas no Catimbó-Jurema entre ‘a mesa branca’ e a ‘jurema de chão’; enfim, mostra-nos como os ritos do Catimbó-Jurema são eminentemente ritos de cura e alívio e que certamente são as formas popular mais simples e acessíveis de terapia para a maioria das pessoas do nordeste. Resaltando também que, ao mesmo tempo, a jurema vai além de sua função terapêutica, transformando-se em brincadeira, dança e festa.

Na terceira dispersão da Jurema, integrada agora ao centros urbanos do Brasil e do mundo, a experiência com a bebida produzida a partir das raízes da planta passa a assumir caráter de agente de cura, tanto psíquica como espiritual. O ritual da jurema passa a ser utilizado, como nos diz Clarice Novaes, como um “tipo de experiência que busca forjar uma nova identidade social para seus usuários (...). Uma identidade extraída da busca por uma versão que acreditam ser ‘mágica da vida’ e também do despertar de uma consciência desenvolvida através de experiências ‘psicotrópicas’; embora com fins declaradamente terapêutico” (pág 233). O fato é que o experimentalismo contemporâneo do ‘vinho da jurema’, se deve em parte as pesquisas científicas que demostram as altíssimas concentrações de N-dimetil-triptamina, o famoso DMT, presente na planta e, também, como nos fala Grünewald, devido aos muitos bons resultados obtidos na área de terapia transpessoal de dependência de drogas e uso ritualístico clínico. Fatos estes que insere cada vez mais a jurema dentro do circuito experimental de plantas psicoativas, passando a ser difundida como poderoso enteógeno transnacional neste início de milênio.

Ayahuasca

O primeiro artigo do livro que aborda o tema da ayahuasca, apresenta-a como principal planta ingerida na planície da amazônia peruana. O artigo escrito por Antônio Bianchi é denominadao como Ayahuasca e Xamanismo Indígena na Selva Peruana: o lento caminho da conquista, nele o autor vai falar um pouco sobre a história da ayahuasca, sobre sua origem, sobre os mitos que foram sendo criados em torno dela, de como eles contribuíram para a vinculação da bebida ao universo da floresta, sobre como os grupos indígenas mais tradicionalistas veêm ela como substância heterogênea em suas práticas xamânicas. O interesse principal de Bianchi é pesquisar sobre o âmbito de uso da ayahuasca; sobre a função da bebida nas práticas xamânicas; onde ela aparece como papel central para os povos daquela região e onde não aparece; quais os aspectos gerais do xamanismo amazônico. Nas suas pesquisas, o autor observou que o uso da ayahuasca abarca uma grande área uniforme da região e que normalmente o seu uso mais corrente coincide com aqueles lugares onde existiu uma forte influência da civilização, principalmente a partir da época da borracha, e onde atualmente existe uma grande estimulo à urbanização. Dentro desse contexto, ele observa como foram se desenvolvendo tipos diferentes de xamanismo, ou enfoques diferentes para a figura do xamã, visto antes mais como um intermediário entre o mundo dos homens e o dos espíritos da natureza e passando a assumir depois mais o caráter de curandeiro – aquele que cura. E isto devido a diversos fatores como, por exemplo, onde foi menor a influência do processo de civilização nas áreas indígenas, o xamanismo perde a uniformidade, predominando mais o sentido ecológico do termo, ou seja, aquelas práticas que possuiam finalidade de favorecer uma relação harmoniosa entre os homens e o ambiente natural. Em contraponto com o xamanismo terapêutico (ou mestiço), mais uniforme, típico da áreas mais urbanizadas. A principal constatação de Bianchi é que “é preciso entender tal xamanismo como um fenômeno cultural que, mesmo se apresentando como portador de uma origem essencialmente indígena, estreitamente vinculado ao mundo da floresta, desenvolve-se na realidade, sobretudo nas cidades e nas áreas de maior modernização da amazônia peruana” (pág. 327).

O segundo artigo do livro sobre o uso da ayahuasca, escrito pelo professor Luis Eduardo Lima, é bem provocador para aqueles pessoas crédulas que escutam as histórias sobre as coisas fantásticas de ‘orelha em pé’ e super estimulante para os indivíduos curiosos interessados nos aspectos mais misteriosos e lados mais recônditos da realidade. Trata-se sobre as narrativas que descrevem as experiências de transformações em animais sob os efeitos da ayahuasca. Nesse artigo podemos encontrar duas descrições maravilhosas de pessoas que viraram animais. A primeira delas é narrada pela antropóloga Françoise Barbina-Freedman, professora da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, na qual se transforma em uma onça; a segunda é extraída da novela autobiográfica Viage de Vuelta, do escritor dinamarquês Ib Michael, na qual narra suas vivências na amazônia equatoriana e sua experiência onde sentiu-se transformado em cobra. A onça, a águia de harpia e a sucuri são os três grandes predadores e os temas mais comuns de animais nas quais as pessoas se transformam. Ao longo do artigo, Lima vai falar sobre a experiência da ayahuasca em contexto intimamente ligados ao mundo indígena amazonense; sobre como essa bebida exerce papel crucial na manutenção da coesão social desses povos; vai fazer reflexões sobre como o sistema nervoso humano pode revelar uma inclinação para experimentar, sob determinadas circunstâncias, estados de consciência animal, ou percebidos como tais, mostrando-nos como a auto-identificação com um animal é freqüente nas experiências com ayahuasca.

O terceiro artigo do livro, escrito por Sandra Lucia Goulart, fala-nos sobre o universo das religiões ayahuasqueiras, visa descrever e analisar as relações entre grupos religiosos fundados na região amazônica. “O objetivo é captar as continuidades e os contrastes entre estes grupos e simultaneamente, compreender como os seus membros utilizam e reordenam os elementos de seus cultos, mantendo entre si uma relação de contrastes e conflitos, muito embora pertencendo a uma mesma tradição religiosa” (pág. 355). São eles: o Santo Daime, a Barquinha e a União do Vegetal (UDV). Goulart conta-nos que ambos possuem diferenças no tocante ao conteúdo das narrativas míticas, às formas rituais e ao conjunto de entidades que integram cada panteão, apesar de compatilharem de uma série de categorias em comum como, por exemplo, miração, força, luz, peia etc. Assim como também, existe contrastes e rupturas no interior de cada linha. Outro fato interessante é que os três fundadores das linhas possuem origem nordestina e migraram para a região da amazônia envolvidos no contexto de exploração da borracha. O primeiro grupo fundado foi o do Santo Daime, em 1930, pelo mestre Irineu; seguido pela Barquinha em 1945, fundada pelo mestre Daniel (por ser amigo de Irineu, essas duas linhas possuem uma relação mais íntima e também por ambas se localizarem na mesma região o Acre); e por fim a UDV, fundada em 1961, pelo mestre Gabriel. Na formação dessas linhas religiosas verifica-se a presença de elementos do catolicismo popular, do curandeirismo amazônico e do espiritismo de Alan Kardec. A autora do artigo resalta que embora a utilização da ayahuasca conte uma longa tradição indígena no Brasil e em outros países da América do Sul, é apenas no Brasil que irão surgir religiões não-indígenas e urbanas que fazem uso do chá psicoativo ayahuasca. Enfim é um artigo muito interessante, bastante ordenador e informativo para aqueles que estão entrando agora nesse universo tão vasto das religiões ayahuasqueiras.

O quarto artigo, escrito por Beatriz Caiuby Labate, investiga as relações estabelecidas entre as religiões ayahuasqueiras brasileiras e a sociedade civil. Durante o artigo Labate procura definir o panorama legal do uso de substâncias ilícitas no Brasil, contextualizando a ayahuasca em relação a essas substâncias no cenário nacional e internacional, aborda também aspectos do processo histórico de legalização da bebida e o processo de expansão dos grupos. Dentro desse contexto o artigo vai se desenvolvendo falando sobre a descriminalização do usuário; as polêmicas sobre quais substãncias seriam ou não ilícitas; que proibir a utilização de plantas que contém moléculas de DMT seria inviável; apontando as dificuldades e limitações existente no âmbito dos discursos jurídico e farmacológico; explanando sobre a legalização do uso ritual da ayahuasca; as polêmicas envolvendo a utilização da bebida por menores de idade; falando sobre os orgãos responsáveis pele fiscalização e regulamentação da extração, do transporte e do armazenamento da folha e do cipó; sobre a inserção dos grupos ayahuasqueiros na sociedade; sobre a situação legal atual da bebida; fala sobre os maiores grupos que utilizam a bebida em seus rituais (o Santo Daime e a UDV); sobre a globalização do consumo da ayahuasca. De maneira geral, o enfoque maior de Labate é tenta determinar as raízes históricas, políticas, econômicas e culturais da legalidade do consumo da ayahuasca no Brasil e conseqüentemente esclarecer e garantir a legitimidade dos grupos religiosos existentes.

O Cânhamo

Pegando carrona com a explanação dos autores anteriores, o penúltimo artigo do livro aborda ainda o tema da ayahuasca, mas como ele também vai falar sobre o uso da ‘Santa Maria’ (vulgamente conhecida como maconha) coloquei-o aqui nessa sessão. O artigo é escrito por Edward MacRae e se chama: Santo Daime e Santa Maria – Usos Religiosos de Substâncias Psicoativas Lícitas e Ilícitas. MacRae vai nos falar sobre o uso controlado de enteógenos, e que dentre o vasto campo de substâncias existentes a ayahuasca é uma das mais conhecidas; sobre como nos últimos anos, ela se tornou o sacramento central de várias religiões sincréticas originadas entre os serigueiros da amazônia e depois difundidas entre a classe média urbana; fala da constituição geral dos rituais: os aspectos sagrados, os elementos que compõem a mesa, os uniformes dos fardados, fala sobre os hinos, os tipos de trabalho (concentração, bailado); e o que mais nos interessa aqui, conta-nos a história da Santa Maria. Aí ele vai nos narrar um pouco sobre quem foi o padrinho Sebastião; sobre o CEFLURIS; sobre o primeiro contato da colônia cinco mil com a cannabis, já que para muitos membros da comunidade o uso do cânhamo era novidade, tendo em vista que viviam em grande isolamento e não ainda não tinham sido contaminados pela grande preocupação com drogas já vigente nos centros metropolitanos; como que foi o processo pelo qual o padrinho Sebastião chegou a conclusão que enquanto a ayahuasca trabalha com a energia espiritual de cristo, a cannabis estava veiculada pela energia da virgem. A partir de então como passaram a ser elaboradas uma série de prescrições sobre as maneiras corretas de plantar, cuidar e colher a Santa Maria. Como afirma MacRae isso desempenhou um “importante papel de reforço à noção de que seu uso deve ser encarado como algo sagrado e sério, e não ser confundido com o simples hedonismo” (pág471).

O último artigo do livro, escrito por Bruno César Cavalcanti, levanta questões sobre onde se deram as antigas vinculações da maconha com o sagrado, quais as dificuldades do esclarecimento desses vinculos; fala sobre de que modo os usos sagrados da maconha aportaram ou foram criados, ou re-elaborados no Brasil; sob que condição as formas de adoção cultural de experiência com a maconha no Brasil puderam encaminhar-se para ritualizações místicas, mágicas ou religiosas. O que se sabe é que através dos tempos a maconha assumiu diferentes nuances, segundo Cavalcanti, foi produto agrícola de manufaturas (principalmente da área textil, onde o consumo da fibra do cânhamo era altíssimo); foi largamente usada como medicamento (principalmente na China, onde encontra-se os registros mais antigos, por volta de 5200 - 6200 a.c); também utilizada como veículo místico (são abundantes as referências explícitas ao valor espiritual e mágico-religioso da maconha na Índia, especialmente na literatura sagrada dos vedas); veículo hedonista; entre os assírios foi usada para fazer incenso; encontra-se referência sobre ela no budismo ‘mahaiana’ (acredita-se que o Buda vivera à base de uma semente de cânhamo por dia, durante os seis anos que antecederam sua iluminação); no budismo tântrico (que admite a consumo ritual da maconha para a elevação da consciência); alguns autores mencionam a presença da planta no zoroastrismo e judaísmo; acredita-se que a grande difusão da planta foi auxiliada por tribos nômades que circulavam pela região do himalaia, e também que a mesma penetrou no Oriente Médio após a ascensão do Islã (onde ela seria particulamente apreciada pelos Sufis). “No contexto religioso cristão, o maconismo experimentaria uma crescente desaprovação, porque seria rapidamente associado com outras expressões culturais alheias a esse universo” (pág. 499). Assim não demorou muito para a inquisição declarar guerra à utilização das ervas e outros preparados denominados ‘de bruxas’. Na modernidade, a partir do século XIX, a medicina volta a recuparar o interesse pela planta como medicamento, principalmente em neurologia (na europa e EUA os cientistas se maravilhavam com as possibilidades terapêuticas da planta, indicando seu uso como antiespasmódico, antiepilético ou narcótico). O primeiro proibicionismo moderno aconteceu com a invação de Napoleão Bonaparte ao Egito (entre os séculos XVIII para o XIX), inaugurando uma política de combate a planta. No Brasil encontra-se registro da planta na era colonial, e inclusive a tese aceita pelo autor é que o maconismo nacional começou via procedência africana, com a chegada dos negros no país. No decorrer do artigo Cavalcanti nos falará sobre o primeiro autor nacional que escreveu um texto unicamente dedicado ao tema do consumo popular do cânhamo, o médico baiano Dr. Rodrigues Dória seguindo com várias informações interessantes sobre o tema.

A Iboga

A iboga é conhecida como o principal alucinógeno da floresta da África Negra (assim como a ayahuasca é conhecida como o principal alucinógeno da floresta amazônica). Ela é um arbusto, da qual se utiliza a casca da raíz, detentora de princípios psicotrópicos elevadíssimos. No Gabão, ela constitui-se como principal elemento da religião enteogênica africana: o Buiti. O artigo de Giorgio Samorini, etnobotânico italiano especialista na utilização de plantas psicoativas, vai nos falar um pouco sobre a história do Buiti, do seu culto religioso baseados nos efeitos visionários e reveladores da iboga; sobre a expansão do Buiti nas últimas décadas, atravessando as fronteiras nacionais e difundindo-se na Guiné Equatorial, na República dos camarões, no Congo e na República Democrática do Congo; vai narrar sobre o sincretismo e mitologia buitista; explanar sobre os templos e parafernálias do culto; sobre os instrumentos musicais específicos que possuem importante papel nos ritos de iniciação. E por falar nisso, a descrição do rito de iniciação é de arrepiar. O indivíduo que decide se iniciar, passa por vários dias de dieta controlada e uma vez começado o ritual, isto é, a ingestão da pasta da iboga, não se pode mais voltar atrás. O consumo da raiz é realizado até que o sujeito perca completamente a consciência. É claro que existem vários procedimentos específicos para acompanhar as reações da iboga no organismo do indivíduo e saber a hora certa de parar a ingestão da raiz, que em níveis elevados pode ser fatal. O artigo é muito rico em informações e algumas descrições sobre o assunto e, isto porque, o próprio autor do artigo, Samorini, trilhou esse processo rigoroso de iniciação buitista, passando a ser considerado também um bandzi, isto é, ‘aquele que já comeu’.

O Tabaco

O artigo de Glenn Shepard não aborda especificamente o tema do tabaco, na verdade, o escrito é sobre o uso de plantas psicoativas pelos Machiguenga no Peru. Então ele começa fazendo uma introdução geral sobre essa cultura, falando-nos que os machiguenga são povos da floresta tropical montanhosa situada na encosta leste dos Andes peruanos. Entre eles são observados práticas xamânicas e a utilização de vários “venenos divinos”, como por exemplo o uso da ayahuasca e do tabaco. Segundo o autor, o tabaco é possivelmente a planta mais antiga domesticada da América e também é a planta mais importante na tradição xamânica dos Machiguenga, sendo considerada a comida dos xamãs e espíritos. Entre eles é comum o consumo do tabaco das mais diversas formas possíveis: fumando em cachimbo, consumido em forma líquida, mastigando em forma de massa concentrada, soprando no nariz em forma de pó fino. Normalmente, o tabaco é consumido durante as sessões de ayahuasca para aumentar a experiência alucinógena e aprofundar o contato espiritual com os espíritos orientadores. A ayahuasca é conhecida entre eles como Kamarampi, é considerada como uma espécie de rádio que permite comunicação telepática entre aldeias distantes, antecipando o conhecimento da chegada de visitas ou inimigos. Shepard também acredita que o consumo comunitário da ayahuasca reforça as relações sociais entre os participantes. De maneira geral, no artigo é possível encontrar uma explanação sobre as plantas da farmacopéia machiguenga, mostrando o quanto as plantas psicoativas tem papal crucial para aquele povo, sendo extremamente útil no processo de manutenção das relações harmoniosas dentro do grupo social, com a natureza e o mundo dos espíritos.

A Coca Amazônica

Este artigo, escrito por Juan Echeverri e Edmundo Pereira, versa sobre a origem e o uso ritual da coca na Amazônia, tendo em vista que já existe uma grande literatura sobre o uso andino da coca, sobretudo no Peru e na Bolívia e, no entanto, uma escassez de escritos referente a coca na Amazônia. Neste trabalho, os autores partem de dados primários provenientes dos grupos Uitoto e Muiname, onde se propõem explorar o sentido ritual e político da expressão contida no título do trabalho: “mambear coca não é pintar a boca de verde”. Mamber tem haver com disciplina do corpo e da mente, isto é, está intimamente ligado a educação corporal e moral, sendo portanto um veículo da vida social e política. Durante o texto podemos verificar que o mambeio de coca amazônica constitui-se em uma verdadeira cultura, ponto principal tratado pelos autores do artigo; temos acesso a aspectos botânicos e históricos da coca; a aspectos simbólicos e rituais dentro do uso amazônico. Existe várias espécies de coca, “uma das principais diferenças da coca amazônica é seu baixo conteúdo do alcalóide cocaína em comparação com outras variedades (...) Apesar disso, o alcalóde é mais fácil de extrair e cristalizar” (pág.125). Durante o texto podemos ver que a coca é uma substância cujo consumo está perfeitamente estabelecido entre os grupos estudados, tanto na vida cotidiana, como na identidade de gênero, no universo simbólico, na mitologia e no que mais interessa aos pesquisadores, nas concepções de manejo corporal, ético e social. O ‘fazer coca’ possue um sentido material, mas também está ligado ao campo semântico de processar, consertar, purificar. Entender o processo de fazer coca (como expressão de um conjunto de disciplinas corporais e morais) é a base para compreender o significado de ‘mambear coca’. Segundo Echeverri e Perreira, essa tradição da coca amazônica inaugura um método de processamento muito mais complexo do que aqueles existente nas tradições andinas da planta. Eles também observam que o mambeio de coca não é uma atividade especializada ou reservada a especialistas, ao contrário, a maioria dos homens em idade adulta tem seu cocal próprio e fazem e mambeiam coca com seus próprios implementos ou de seus familiares próximos. Explicam o que é mambeadero (lugar onde se prepara a coca), sua especificações, seu significado.

De maneira geral, os autores resaltam que o mambeio de coca amazônica é uma instituição histórica; que apesar de enfocarem o uso e manejo da coca, o tabaco também possui lugar de destaque na hierarquia ritual, sendo considerado o companheiro da coca; que para a maioria da população mestiça do Amazonas, o mambeio da coca é visto como um vício repugnante e é equiparado à cocaína e seus derivados. Dizem os autores nas suas considerações finais: “Tudo isso advém da ignorância sobre a coca e seu universo ritual, das formas de racismo que ainda marcam as relações entre índios e não-índios na região. Em contraste, os indígenas de cultura de coca e tabaco, em suas reivindicações, escritos e ‘planes de vida’, salientam crescentemente essa forma disciplinar de cultivar, processar, consumir e compartilhar coca e tabaco, como parte integrante de sua educação e de sua vida social e cerimonial.” (pág. 178).

O Paricá

O pariká é um tipo de rapé (do francês râper, “raspar”), isto é, um tipo de fumo em pó para cheirar considerado sagrado, muito utilizado pelos xamãs do Noroeste da Amazônia em sua curas de doentes e outras atividades. O artigo de Robin Wright, coordenador do Centro de Pesquisa em Etnologia Indígena e Livre Docente da Unicamp, pretende discutir os significados simbólicos, culturais e históricos do pariká dentro da cultura dos Baniwa (povos que vivem na fronteira do Brasil com a Colômbia e Venezuela) com quem tem trabalhado desde 1976 e de outro psicoativo que normalmente acompanha seu consumo, o caapi (Banisteriopsis sp.).

Ele começa o artigo introduzindo o leitor sobre o estudo etnológico mais completo publicado até hoje sobre o pariká, a tese de doutorado de Wolfgang Kasfhammer (1997), que versa sobre a base mitológica do consumo ritual do pariká; o uso do rapé e seus diversos metódos de aplicação; sobre suas relações com os ciclos sazonais. E posteriormente vai dividir seu artigo em três partes: a primeira delas vai falar dos mitos Baniwa sobre o pariká – de como nos tempos primordiais essa substância foi adquirida pela humanidade, sobre seus significados e poderes; uma segunda parte é dedicada aos discursos xamânicos sobre o pariká, onde podemos encontrar relatos de pajés sobre suas experiências com a substância; e por último, Wright procura analisar através de histórias orais, o papel central do pariká e do caapi para as experiências de profetas na história de Baniwa. Durante o seu artigo, o autor também ressalta a pouca atenção que foi dada para o papel e a importância de substâncias sagradas (o pariká, o tabaco e o caapi) utilizadas por esses povos, tanto para a formação e experiência xamãnica, quanto profética, já que essas substâncias produziram mudanças históricas significativas na sociedade Baniwa. Por isso cabe a analise dos significados culturais atribuídos a elas para em seguida compreender o seu campo de influência. Entre os Baniwa, o pariká é tomado apenas pelos pajés e principalmente para fins de cura, normalmente utilizam ossos em forma de ‘Y’, colocando uma das extremidades do osso na narina e outra na boca, soprando fortemente; ou as extremidades da forquilha são introduzidas nas narinas e o cabo no rapé, inalando com força. Fala-se também sobre a situação atual do xamanismo Baniwa.

De maneira geral, usando as próprias palavras do autor “este artigo procurou apresentar o pariká em sua múltiplas facetas e potencial, apreciando a centralidade que teve na história do povo Baniwa (...). Destacou-se, também, o poder do pariká de transcender o tempo, ou melhor, de permitir ‘voltar’ ao mundo anterior e primordial, que é a eterna fonte de poder criativo (...). O pariká, podemos concluir, foi (e para muitos Baniwa ainda é) o remédio contra a ruindade e maldade que infestam esse mundo, e nisso consiste seu grande poder” (pág. 112).

Considerações Finais

O livro Uso Ritual das Plantas de Poder é uma coletânea que, como nos diz os autores da introdução do livro, destaca e retoma a relevância do tema dos psicoativos e dos estados alterados da consciência, sobretudo no campo das ciências sociais. Lembrando sempre que a reflexão sobre essa questão, longe de ser recente, esta presente de forma significativa na própria história da ciência moderna ocidental. A obra é riquíssima de informações. A maioria dos autores privilegia a atitude experimental diante da consciência, forma esta que inaugura uma ciência cujo objetivo é o próprio sujeito observador e, dentro desse contexto, as plantas de poder atuam como instrumentos valiossísimos, na medida que ampliam e aprofundam a visão e percepção humana ordinária. Os artigos também “focalizam, cada um a seu modo, o problema do proibicionismo e da legalidade do consumo de substâncias psicoativas no mundo moderno”, eles também “expressam uma visão segundo a qual o universo religioso encontra-se em constante comunicação e intercâmbio com as várias esferas – econômicas, política, cultural – da vida social” (pág.39).

Para finalizar, eu gostaria de ressaltar um fato marcante que observei: nos rituais com a utilização de plantas de poder, não existe uma figura, como por exemplo, o sacerdote ou o padre, que intercâmbia a relação do sujeito com a divindade. Adaptando as palavra de Isidore Ndjoung, líder buitista: com essas substâncias não se escuta falar de Deus, mas se vive Deus. A divindade fala com cada um, de maneira única e particular. E isto para mim, constitui um dos aspectos mais significativos que faz com que cresça, a cada dia mais, minha admiração por essas substâncias maravilhosas, que infelizmente sofrem de um preconceito e uma ignorância tamanha. Acredito que o mundo seria um lugar bem melhor se as pessaos pudessem sentir o sentimento de integração e amor que essas plantas proporcionam, um sentimento profundo de gratidão pela vida, que transborda e se faz verde.



Bibliografia:

O Uso Ritual das Plantas de Poder. Beatriz Caiuby Labate, Sandra Lucia Goulart (orgs.) – Campinas, SP: Mercado de Letras, 2005.

Ho'oponopono


"Não importa que tipo de problema, trabalhe com você mesmo.”

Ihaleakala Hew Len



“Se você quer resolver um problema, 100% de Responsabilidade"



Entrevista com Ihaleakala Hew Len

Por Cat Saunders



Como demonstrar gratidão a alguém que lhe ajudou a ser livre? Como demonstrar gratidão a um homem cuja gentileza de espírito, e agudeza nas declarações, alterou completamente o curso de sua vida? Ihaleakala Hew Len é a pessoa que significa tudo isso para mim. Como um irmão de alma que aparece inesperadamente num momento de necessidade, Ihaleakala entrou em minha vida em março de 1985, um ano de grandes mudanças para mim. Eu o conheci durante um curso chamado Self I-Dentity Through Ho'oponopono, no qual ele era facilitador, juntamente com a nativa havaiana e kahuna (“guardiã do segredo”) Morrnah Nalamaku Simeona, já falecida.Para mim, Ihaleakala e Morrnah fazem parte do ritmo da vida. Embora eu sinta um grande amor por eles, não consigo vê-los como simples pessoas, porque a forma com que eles influenciam minha vida vem através de um vigoroso pulsar, como o som de tambores africanos na noite. Recentemente, tive a honra de ser convidada a entrevistar Ihaleakala pela Foundation of I, Inc. (Freedom of the Cosmos), organização fundada por Morrnah. Mas minha maior honra foi saber que ele estaria vindo do Havaí especialmente para encontrar-se comigo.

 
Dr. Ihaleakala S. Hew Len é presidente e administrador da Fundação. Juntamente com Morrnah, ele vem trabalhando com milhares de pessoas há muitos anos, inclusive com grupos das Nações Unidas, UNESCO, Conferência Internacional pela Paz Mundial, Conferência da Medicina Tradicional Indígena, Curadores pela Paz na Europa, e da Associação dos Professores do Estado do Havaí. Tem também uma larga experiência no tratamento de pessoas mentalmente enfermas, com criminosos doentes mentais e suas famílias.Todo o seu trabalho como educador é permeado e tem como suporte o processo Ho'oponopono.Ho’oponopono significa simplesmente “acertar o passo” ou “corrigir o erro”. De acordo com os antigos havaianos, o erro provém de pensamentos contaminados por memórias dolorosas advindas do passado. Ho'oponopono oferece uma forma de liberar a energia desses pensamentos dolorosos, ou erros, os quais causam desequilíbrio e enfermidades.No desenrolar do processo Ho'oponopono, Morrnah foi orientada a incluir as três partes do eu, que são a chave para a Auto-identidade. Essas três partes, presentes em cada molécula da realidade, são chamadas de Unihipili (criança/subconsciente), Uhane (mãe/ consciente) e Aumakua (pai/superconsciente). Quando esta “família interna” encontra-se alinhada, a pessoa está em sintonia com a Divindade, acontece o equilíbrio e a vida começa a fluir. Assim, Ho'oponopono auxilia na restauração do equilíbrio, primeiramente no individuo e depois em toda a criação.

 
Ao me apresentar este sistema tríplice, juntamente com o mais poderoso processo de perdão que eu conheço (Ho'oponopono), Ihaleakala e Morrnah ensinaram-me o seguinte: a melhor maneira de trazer cura para cada aspecto de minha vida, e para o universo inteiro, é assumir 100% de responsabilidade e trabalhar comigo mesma. E ainda aprendi com eles a simples sabedoria do total auto-cuidado. Como disse Ihaleakala, em sua nota de agradecimento após nossa entrevista: “Cuide bem de você. Se fizer isso, todos serão beneficiados.”

 
Certa vez, Ihaleakala ausentou-se uma tarde inteira, bem no meio de um curso do qual eu participava, simplesmente porque sua Unihipili (criança/subconsiente) pediu para ir ao hotel e tirar uma longa soneca. É claro que ele assumiu sua responsabilidade antes de se retirar, e Morrnah estava lá para dar prosseguimento ao trabalho. Fiquei impressionada com sua atitude. Para alguém como eu, criada numa família que ensinava a sempre colocar os outros em primeiro lugar, a ação de Ihaleakala foi no mínimo surpreendente e divertida. Ele tirou sua soneca e deu uma lição inesquecível de auto-cuidado.

 
Cat: Ihaleakala, quando conheci você, em 1985, eu havia recém começado a trabalhar com consultas individuais, depois de ter sido conselheira em agências durante quatro anos. Lembro-me de você dizer: “Toda terapia é uma forma de manipulação.” E eu pensei: “Cruzes! O que é que vou fazer agora?” Eu sabia que você tinha razão, e quase desisti da idéia! É claro que continuei, mas aquela sua colocação mudou completamente minha forma de trabalhar com as pessoas.

 
Ihaleakala: A manipulação acontece quando eu (o terapeuta) chego com a idéia de que você está doente e eu vou trabalhar em você. Coisa muito diferente é quando acredito que você veio até mim para me trazer uma oportunidade de olhar o que está acontecendo comigo. Nesse caso não acontece a manipulação.

 
Se a terapia for baseada em sua crença de que você está ali para salvar o outro, curar o outro ou orientar o outro, a informação que você traz emerge do intelecto, da mente consciente. Mas o intelecto não é habilitado para entender e abordar problemas. O intelecto não tem a menor condição de solucionar problemas! Ele é incapaz de compreender que, quando uma situação problemática é solucionada por transmutação (como no caso de Ho'oponopono e outros processos semelhantes), não só a situação fica resolvida, mas tudo o que estiver relacionado com ela, atingindo níveis microscópicos e estendendo-se até o início dos tempos.

 
Sendo assim, penso que a pergunta mais importante a ser feita é: “O que é um problema?” Se você faz uma pergunta como esta, não há clareza. E como não há clareza, eles inventam uma forma de resolver o problema...

 
Cat: ... como se o problema estivesse “lá fora”.

 
Ihaleakala: Sim. Por exemplo, outro dia recebi um telefonema de uma mulher, cuja mãe estava com 92 anos. Ela disse: “Minha mãe está com uma horrível dor nos quadris já faz muitas semanas.” Enquanto a mulher falava comigo, eu fazia a seguinte pergunta à Divindade: “O que está acontecendo comigo para ter causado a dor nesta senhora? Como posso resolver este problema dentro de mim?” As respostas vieram e eu fiz o que me foi solicitado.

 
Pode ser que uma semana depois a mulher me ligue para dizer que sua mãe está melhor. Isto não significa que não haverá reincidência do problema, porque pode haver causas variadas para aquilo que parece ser o mesmo problema.

 
Cat: Tenho acompanhado muitos casos de doenças crônicas e dores recorrentes. Trabalho com elas o tempo todo, usando Ho'oponopono e outros processos de clarificação, a fim de reparar toda dor que causei, desde o início dos tempos.

 
Ihaleakala: Sim. A idéia é que pessoas como nós estão justamente trabalhando em profissões de cura porque já causaram muita dor por aí.

 
Cat: Que coisa!

 
Ihaleakala: Não é maravilhoso a gente saber disso? E ainda atendermos pessoas que nos pagam por lhes ter causado problemas!

 
Eu disse isso a uma mulher em Nova York, e ela exclamou: “Meu Deus, se pelo menos eles soubessem!” Mas, como você vê, ninguém sabe. Psicólogos, psiquiatras continuam acreditando que a função deles é ajudar a curar o outro.

 
Vamos supor que você veio me consultar. Eu peço à Divindade: “Por favor, o que quer que esteja acontecendo dentro de mim que causou esta dor na Cat, diga-me como posso corrigir.” E então vou ficar continuamente aplicando a orientação recebida, até que a sua dor vá embora, ou até você me pedir que eu pare. O importante não é propriamente o efeito, mas chegar ao problema. Essa é a chave.

 
Cat: Você não focaliza no resultado porque isto não é de nossa competência.

 
Ihaleakala: Certo. Nós só podemos fazer o pedido.

 
Cat: E nós também não sabemos quando uma determinada dor ou doença vai se alterar.

 
Ihaleakala: Pois é. Digamos que se recomendou a uma mulher o tratamento com certa erva, a qual não está surtindo efeito. Novamente a questão: “O que acontece dentro de mim que faz com que esta mulher não receba os benefícios da erva?” E eu vou trabalhar com isso. Vou limpar e ficar de boca fechada, permitindo que o processo de transmutação se opere. Quando acontece de você se apegar a seu intelecto, o processo é interrompido. A coisa mais importante a ser lembrada, no caso de um trabalho de cura não surtir efeito, é aceitar a possibilidade de a causa do problema estar em erros múltiplos, em múltiplas questões e memórias dolorosas. Nós não sabemos nada! Só a Divindade sabe o que está acontecendo.

 
No mês passado, fiz uma apresentação em Dallas. Na conversa com uma mestra em Reiki, perguntei-lhe: “Quando alguém lhe vem com um problema, onde você vai encontrá-lo?” Ela me olhou intrigada. E eu disse: “Em você. Porque foi você quem causou o problema, e o seu cliente vai lhe pagar pela cura de um problema que é seu!”

 
Cat: 100% de responsabilidade.

 
Ihaleakala: 100% de consciência de que foi você quem causou o problema. 100% de consciência de que é sua a responsabilidade corrigir o erro. Imagine o dia em que todos nós formos 100% responsáveis!

 
Como vou convencer as pessoas de que nós somos 100% responsáveis pelos problemas? Se você quer resolver uma situação problemática, trabalhe-a em si próprio. Se a questão está ligada a outra pessoa, pergunte a si mesmo: “O que há de errado comigo que está levando esta pessoa a me incomodar?” Aliás, pessoas só aparecem na sua vida para lhe incomodar! Quando você sabe disso, pode superar qualquer situação e se libertar. É simples: “Sinto muito por tudo que está acontecendo. Por favor, perdoe-me.”

 
Cat: Na verdade, você não precisa lhes dizer isto em voz alta, e nem mesmo precisa entender o problema.

 
Ihaleakala: Aí está a beleza de tudo. Você não tem que entender. É como a Internet. Você não entende nada de como funciona! Você apenas chega até a Divindade e diz: “Vamos dar um download?” A Divindade então proporciona o download e você recebe toda a informação. Mas, como nós não sabemos quem somos, nunca damos o download direto da Luz. Vamos buscar fora.

 
Sempre me lembro do que Morrnah dizia: “É um trabalho interno.” Se você quer ter sucesso, trabalhe internamente. Trabalhe em você mesmo!

 
Cat: Reconheço que a única coisa que funciona é ser 100% responsável. Mas houve um tempo em que questionei isto, porque eu era uma pessoa do tipo super responsável, que cuidava de muita gente. Quando lhe ouvi falar sobre os 100% de responsabilidade, não apenas por mim mesma, mas por todas as situações e problemas, pensei: “Parado lá! Isso é pura loucura! Não preciso que ninguém venha me dizer para ser ainda mais responsável!” O que aconteceu foi que, quanto mais eu refletia sobre isso, mais fui descobrindo que há uma grande diferença entre um super responsável cuidado com o outro e um total cuidado comigo mesma. O primeiro tem a ver com ser uma boa menina, e o segundo, com ser livre.

 
Lembro-me de quando você contou sobre a época em que trabalhou como psicólogo na ala para loucos criminais no Hospital Estatal do Havaí. Disse que quando começou a trabalhar lá, havia muita violência entre os internos e que, depois de quatro anos, tudo ficou em paz.

 
Ihaleakala: Basicamente, assumi 100% de responsabilidade. Só trabalhei comigo mesmo.

 
Cat: É verdade que, durante todo aquele tempo, você não teve contato com nenhum dos internos?

 
Ihaleakala: É verdade. Eu só entrava no pavilhão para verificar os resultados. Se eles ainda apresentavam problemas, eu ia trabalhar mais um pouco comigo mesmo.

Cat: Você poderia contar uma história sobre a utilização do Ho'oponopono nos, assim chamados, objetos inanimados?

 
Ihaleakala: Certa vez, eu estava num auditório, preparando-me para dar uma palestra, e eu conversava com as cadeiras. Então, perguntei: “Há alguém aí que eu tenha esquecido? Alguém entre vocês gostaria de expor algum problema que exija cuidado de minha parte?” Uma das cadeiras respondeu: “Sabe, hoje num seminário anterior, havia um rapaz sentado em mim, o qual sofria com problemas financeiros, e agora estou me sentindo péssima!” Tratei de limpar aquele problema e logo pude ver a cadeira se endireitando e dizendo: “Ok! Estou prontinha para acomodar o próximo!”Na verdade, o que eu tento fazer é ensinar a sala. Costumo dizer para a sala, e tudo o que há nela: “Vocês querem aprender o Ho'oponopono? Afinal, breve irei embora, e não seria ótimo se todos vocês pudessem dar continuidade a este trabalho?” Alguns respondem sim, outros respondem não, e há aqueles que dizem: “Estou muito cansado!” Então, pergunto`a Divindade: “Para aqueles que dizem que querem aprender, como posso ensiná-los?” Na maioria das vezes, a resposta é: “Deixe o livro azul (Self I-Dentity Through Ho'oponopono) com eles.” E é o que faço. Enquanto estou falando, deixo o livro azul em cima de alguma cadeira ou mesa. Não costumamos acreditar que as mesas ficam ali, quietas e atentas a tudo o que esta ocorrendo ao seu redor!

 
Ho'oponopono é muito simples. Para os antigos havaianos, todos os problemas começam com o pensamento. Mas o problema não está no simples pensar. O problema ocorre quando nossos pensamentos estão impregnados de memórias dolorosas a respeito de pessoas, lugares ou coisas.

 
O trabalho intelectual por si só não é capaz de resolver estes problemas, porque a função do intelecto é de apenas administrar. E não é administrando as coisas que se resolvem problemas. Você quer é se livrar deles! Quando você faz Ho'oponopono, o que acontece é que a Divindade pega os pensamentos dolorosos e os neutraliza ou os purifica. Não se trata de neutralizar ou purificar a pessoa, o lugar ou a coisa. O que fica neutralizada é a energia que está associada a pessoa, lugar ou coisa. Portanto, o primeiro estágio de Ho'oponopono é a purificação da energia.

 
Então, eis que algo maravilhoso acontece. A energia não é apenas neutralizada; ela é também liberada, e tudo fica limpo. Os budistas chamam de Vazio. O último passo é permitir que a Divindade entre e preencha o vazio com luz.

 
Para fazer Ho'oponopono, você não precisa saber qual é propriamente o problema ou o erro. Você só tem que se dar conta de que está tendo um problema, seja ele físico, mental, emocional ou qualquer outro. Tão logo você o perceba, é sua responsabilidade começar imediatamente a limpeza, dizendo: “Sinto muito. Perdoe-me, por favor.”

 
Cat: Quer dizer que a verdadeira função do intelecto não é resolver problemas, mas pedir perdão.

 
Ihaleakala: Sim. Eu tenho duas tarefas neste mundo. A primeira é, antes qualquer outra coisa, cuidar da limpeza. E a segunda é despertar as pessoas que estão adormecidas. Quase todo mundo está adormecido! Mas a única maneira de fazê-las despertar é trabalhando comigo mesmo! Esta nossa entrevista serve de exemplo. Durante as semanas que precederam nosso encontro, estive fazendo o trabalho de clarificação, de modo que, quando nos encontrássemos, fôssemos como dois lagos juntando suas águas. Eles se unem e vão em frente. Só isso.

 
Cat: Nesses dez anos que faço entrevistas, esta foi a primeira vez que não me preparei. Toda vez que tentava fazê-lo, minha Unihipili dizia que eu devia apenas vir e estar com você. Meu intelecto fez de tudo para me convencer de que eu tinha que me preparar, mas eu não dei ouvidos.

 
Ihaleakala: Melhor pra você! A Unihipili, às vezes, é muito engraçada. Certo dia, eu ia descendo por uma estrada no Havaí. Quando me preparava para pegar um declive à direita, por onde eu sempre passava, ouvi a voz melodiosa de minha Unihipili: “Se eu fosse você, eu não descia por aí.” E eu pensei: “Mas a gente sempre vai por aí.” E continuei o meu caminho. Uns cinqüenta metros adiante, ouvi de novo: “Ei! Se eu fosse você, eu não descia por aí!” Segunda chance. “Mas a gente sempre vai por aí!”

 
Nessa hora, a nossa conversa já era em voz alta e as pessoas nos carros próximos me olhavam achando que eu era um louco. Andei mais 25 metros, e ouvi um estrondoso: “Se eu fosse você, eu não descia por aí!” E eu fui por lá. E lá acabei ficando parado por duas horas e meia. Por causa de um enorme acidente, estava tudo congestionado. Não se podia ir nem para frente nem para trás. Ai, ouvi minha Unihipili dizer: “Não falei?!” E ela ficou sem conversar comigo um tempão. E com razão. Por que falar comigo se eu não a ouvia?

 
Lembro-me uma vez, quando me preparava para ir à televisão falar sobre Ho'oponopono. Meus filhos olharam para mim e disseram: “Pai, ficamos sabendo que você vai aparecer na TV. Vê lá se põe umas meias que combinam!” Eles não se preocuparam com o que eu ia falar. Eles só estavam preocupados com as minhas meias. Você vê como as crianças sabem o que é realmente importante na vida?


* * *Esta entrevista foi originalmente publicada por The New Times, em setembro de 1997.

Para mais informações sobre Ho'oponopono e contato com Ihaleakala Hew Len, Ph.D, visite o site http://www.hooponopono.org/ .

Cat Saunders, Ph.D é autora do livro Dr. Cat’s Helping Book. Para mais informações, visite http://www.drcat.org/ .

Célula-Mater - Sibéria

A Sibéria e a Mongólia são as regiões tradicionais do xamanismo, ou do que alguns poderiam chamar de "Xamanismo Clássico" A Sibéria é a célula-máter do xamanismo. A própria palavra é de origem siberiana e engloba todas as práticam a Medicina da Terra.


Xamanismo Siberiano

O termo xamanismo, criado por antropólogos, é um guarda chuva que compõe todas as práticas ancestrais que mantém relação com o Sagrado, divindades, espíritos, estados alterados de consciciencia. Mas, estudos mostram que o xamanismo sobreviveu desde a época do paleolítico. Nada impede de pensar que AS TRADIÇÕES SÃO MUITO MAIS ANTIGAS AINDA.
Segundo Alex de Montial, uma das mais antigas descrições do xamanismo da humanidade foi feita no século XIII por caçadores noruegueses que entraram no território da Lapônia; depois, no século XVII, o fundador da seita dos Velhos Crentes, o ortodoxo Avvakun, foi o primeiro a relatar as práticas xamânicas das populações norte-siberianas.
Montial encontrou fenômenos xamânicos similares entre os esquimós, entre os índios da América do Norte, da América Central e da América do Sul; na Oceania, na Austrália, no sudeste asiático; e, enfim na Índia, no Tibet e na China. Cada uma das práticas adaptadas a cada cultura, mas com o mesmo conteúdo espiritual.
Mircea Elíade em "O Xamanismo", aborda os aspectos do xamanismo siberiano que são difusos em todo o mundo:
" As relações especiais com os "espíritos", habilidades extáticas que permitem o vôo mágico, a ascensão aos Céus, a descida ao inferno, o domínio do fogo etc., se revelam, na zona em questão, integrados numa ideologia particular que valida técnicas específicas.
Tal xamanismo stricto sensu não está restrito Ásia central e setentrional. Encontram-se isoladamente, certos elementos xamânicos em diversas formas de magia e de religião arcaicas; é grande o interêsse que despertam, pois mostram em que medida o xamanismo propriamente dito conserva um fundo de crenças e técnicas "primitivas" e em que medida ele inovou.
Por mais que domine a vida religiosa da asia central e setentrional, o xamanismo não é a religião dessa imensa área. Só por comodismo ou confusão terá sido possível considerar como xamanismo a religião dos póvos árticos ou turco-tártaros. As religiões da Ásia Central e setentrional extrapolam em todos os sentidos o xamanismo, assim como qualquer religião extrapola a experiência mística de alguns de seus membros privilegiados.
Os xamãs são eleitos e, como tais, têm acesso a uma zona do sagrado inacessível aos outros membros da comunidade. Suas experiências extáticas crescem, e ainda exercem, poderosa influência sobre a estratificação da ideologia religiosa, sobre a mitologia e os ritos das populações árticas, siberianas e asiáticas não são criações de seus xamãs. Todos esses elementos são anteriores ao xamanismo ou, pelo menos, são paralelos a ele, no sentido de que são produto da experiência religiosa geral, e não de determinada classe de seres privilegiados e extáticos. Ao contrário, observa-se freqüentemente o esfôrço da experiência xamânica (isto é extática) para expressar-se por intermédio de uma ideologia que nem sempre lhe é favorável."
Para Montial, a maioria dos povos politeístas siberianos, o panteão é dividido em duas grandes classes de deuses : os Superiores e os inferiores

São oito os deuses Superiores e cada qual habita a um estágio da grande abóbada celeste :
"Seu rei, Art-Toïn-Aga, reside no nono céu. É totalmente insensível aos problemas humanos, assim como os outros grandes deuses, cujo temperamento tende a ser mais passivo do que ativo. A esses, o xamã sabe que seria inútil dirigir qualquer prece; quando muito ele pode, durante uma celebração ritual , praticar um sacrifício por intenção de um deus. Mas, por razões de eficácia, ele trata de preferência com deuses menores que o acompanham.

As divindades infernais são igualmente em número de oito, tendo à testa o Todo´Poderoso Senhor do Infinito Ulon-Toïon. embora reinando em planos subterrâneos, ele trata Art-Toïn-Aga como amigo e paradoxalmente permanente no terceiro céu, para os lados do ocidente. simboliza a existência cheia de lutas e sofrimentos inevitáveis. Mas a prova de remorsos, é ele quem concede aos homens e ao fogo e foi ele quem enviou a águia para aliviar-lhes as provações. Foi ele ainda quem criou as florestas, os animais e os bosques. Ao seu redor gravita uma multidão de espíritos maus, com os quais o xamã mantém relações familiares, como o faz com deuses celestes menores. Tendo em vista a ambivalência bastante complexa dessa hierarquia divina, compreende-se por que o xamã vai servir, ao mesmo tempo,às entidades Superiores e as Inferiores, que não podem ser qualificadas fundamentalmente más.
Assim, graças as suas experiências estáticas, o xamã é o único ser capaz de penetrar no mundo subterrâneo dos espíritos errantes e dos demônios. Ali, sobrevoando em seu cavalo-tambor um imenso e consistente nada, povoado de ossos e de cadáveres de xamãs malogrados, ele vai zombar da morte e antecipar suas armadilhas. Para ele cada viagem ao inferno pode ser a última, pois, mesmo que conheça bem essas regiões proibidas, o risco de aí perder-se permanece grande. Na maioria das vezes ele tem a missão de procurar a alma de um doente capturada pelos demônios; com a ajuda de seus espíritos auxiliares, que o acompanham por toda a parte de seu transe, ele deve suborná-la, enganá-la , convencê-la e capturá-la para fazê-la reintegrar o corpo de seu paciente. M
Ma há também o psicopompo:pede-se por vezes para companhar a alma de um defunto ao Reino das sombras, de tal sorte que ela não venha incomodar a família e vagar à noite em busca de sensações antigas.
Entre os povos da Sibéria e da Mongólia, o Universo é concebido como um organismo vivo. A estrela polar era unhas celeste. Os xamãs altaicos decoravam seus tamborres com os símbolos de Vênus e da Constelação da Ursa Maior. Para os xamãs buriatas a Arvore do mundo estava conectado com o Rio do Mundo que interligava todos os três mundos. Na cosmologia, o universo está também associado com animais , tais como os alces o Mestre dos Animais.

A cosmologia siberiana Universo tem um tripé composto do alto. Abaixo Piers Vitebsky :
" Os povo siberianos acreditam tradicionalmente que o mundo se divide em três níveis. os seres humanos vivem no nível médio, mas o mundo superior, no céu, é atingével por intermédio de um pequeno orifício. Este mundo tem uma superfície sólida (até é povoado por animais) e divide-se em vários níveis. os caçadores do extremo norte acreditavam que havia apenas três, mas mais a sul, em resultado da influência dos impérios e das cortes próximas, muito mais se consideravam, pensando-se que o governante supremo Bai Ulgen, vivesse no nono ou sexto nível. do mesmo modo, o mundo inferior encontra-se dividido em diversos níveis e era freuentemente considerado o reino dos mortos. Estes outros mundos eram parcialmente como os nossos, com montanhas com rios e com criaturas. Os Nganasãs estavam convictos de que o mundo inferior era muito frio, e vestiam os mortos com peles próprias para o inverno. os Iacutos, pelo contrário, pensavam em que o céu é que era frio, e, por vêzes, os xamãs regressavam de uma viagem até ao céu totalmente cobertos por cristais de gelo.
há vários tipos de xamãs, ate no mesmo acampamento. uns eram curandeiros, outros descobriam a caça, outros ainda afastavam os maus espíritos ou entravam em contato com os mortos. a idéia do xamã puro ou ideal, tal como a apresentada por Elíade torna-se cada vez mais difícil de sustentar em qualquer pesquisa nesta região social e ecologicamente diversificada.
De um modo geral, segundo Piers, há duas grandes tendencias que constituem o padrão religioso da região. a que sem duvida tem mais atraido a atenção apresenta um xamã que participa nas forças imanentes do mundo, quer sejam humanas, animais ou elementos como água, o vento. Neste tipo de xamanismo, o xamã se transforma em qualquer coisa para além dele próprio, como, por exemplo, num animal. Estes xamãs são capazes de viajar até o céu, geralmente com a finalidade de alterar uma situação desfavorável, como um doença.
O outro tipo associa-se com o culto do céu e montanhas. Os locais de culto, constituidos por um amontoado de pedras com um pau vertical no cimo, mantém-se populares e designam-se por oboo na Mongólia e regiões vizinhas. os xamãs de segundo tipo raramente entram em transe e, em vez disso, concentram-se na oração e no sacrifício. estes xamãs não se transformaram em animais nem viajam até o céu. Entre os Buriatas e os Iacutos, as diferenças correspondem a uma classificação nativa dos xamãs, em brancos e pretos. Falndo de um modo geral, os xamãs pretos entram em transe e contatam com espíritos do mundo subterrâneo e da doença, enquanto os xamãs brancos não entram em transe, mas invocam bençãos para os homens e para os animais domésticos, concedida pelos deuses e pelos espíritos do mundo superior. Estes xamãs brancos correspondem ao que noutras partes do mundo se designa por sacerdotes.
Quando a religião está intimamente relacionada com a ecologia, as alterações ao meio ambiente e ao modo de viver são acompanhadas de alterações nas estruturas religiosas e no comportamento. entre as pequenas tribos de caçadores de renss e de pastores, como sejam os Evencos e os Iucagires no norte e no nordeste da Sibéria, o xamã era um chefe de clã e negociava com espíritos sobre as almas dos animais que iriam ser caçados. para os lados do Noroeste e por exmplo entre os Nganasãs, o xamã estava menos ligado ao clã, visto este se encontrar mais disperso.
Na costa do pacífico, entre os Tchuktcis e os Coriaques, o clã era fraco e as familias podiam executar alguns dos seus próprios ritos xamânicos. Onde houvesse xamãs profissionais estes estavam relativamente pouco ligados aos grupos sociais e executavam truques particularmente espetaculares a fim de conservar os seus clientes.
Era muito diferente p contexto do xamanismo no Sul da Sibéria e na mongólia. As grandes manadas davam origem a comunidades maiores e clãs fortes. Além disso a influência do budismo, desde a Idade Média para cá, conduziu a uma cosmologia mais elaborada, e o xamanismo estava mais fortemente institucionalizado. Além de curandeiros os xamãs serviam de sacerdotes que realizavam sacrifícios. Na Mongólia e na Sibéria do Sul, o xamanismo competia com o budismo tibetano, designado por lamaísmo.


fonte: http://www.xamanismo.com.br/

Xamanismo Siberiano

por Jaguar Dourado

Como todos devem saber a palavra xamã deriva da língua evenca, que é própria de um pequeno grupo de caçadores e pastores de renas de língua tungu da Sibéria. Embora alguns eruditos argumentem que a palavra deriva do sânscrito, o termo xamanismo usa-se, em sentido restrito, apenas para designar as tradições espirituais da Sibéria e Mongólia. Inicialmente, foi apenas utilizada para designar um líder espiritual desta região, mas no início do século XX, a designação aplicou-se a um leque de curandeiros e curandeiras.

Estas tradições espirituais que tradicionalmente não tem nome, partilham uma cosmologia de níveis, ligados por uma árvore, um pilar ou montanha. Abrangem ainda a crença da separação do espírito do corpo e do vôo xamânico até o céu e ao mundo sob a terra. De um modo típico, a iniciação do xamã realiza-se através da sua tortura e desmembramento por espíritos, que o voltam a reunir. Em grande parte da região, há uma associação entre o xamã e o ferreiro. Todavia ocorrem variações locais muito importantes. Na costa do Pacífico defronte do Alasca, os Tchuktchins e os esquimós siberianos vivem tradicionalmente da caça da baleia e da morsa. São muito diferenciados do povo da floresta do interior que vivem da caça da rena e do alce, por vezes criando-os em grandes rebanhos, e também da pesca, nos numerosos rios e lagos. Mais para o sul, à medida que a floresta vai sendo substituída pela estepe, as sociedades de caçadores voltaram-se para o pastoreio, dispondo de grandes rebanhos de carneiros, de cabras e até de camelos.

Há vários tipos de xamãs, inclusive no seio de uma mesma sociedade, e até do mesmo acampamento. Uns eram curandeiros, outros descobriam a caça, outros ainda afastavam os maus espíritos ou entravam em contatos com os mortos. A idéia do xamã puro ou ideal, tal como apresenta Mircea Eliade, torna-se cada vez mais difícil de sustentar em qualquer pesquisa nesta região social e ecologicamente diversificada. De um modo geral, há duas grandes tendências que constituem o padrão espiritual da região. A que sem dúvida mais tem atraído a atenção apresenta um tipo de xamã que participa de forças imanentes do mundo, que sejam humanas, animais ou elementos como a àgua e o ar. Neste tipo de xamanismo, o xamã se transforma em qualquer coisa, como por exemplo um animal. Estes xamãs são capazes de viajar até o céu, geralmente com a finalidade de de alterar uma situação desfavorável, como uma doença. Outro tipo de xamanismo é o de clã, que se preocupa com a reprodução e a família. Este tipo de xamanismo associa-se com o culto do céu e das montanhas que até ele conduzem. Os locais de culto, constituídos por um amontoado de pedras com um pau vertical no cimo, mantém-se populares e são designados por "oboo" na Mongólia e regiões vizinhas. Os xamãs do segundo tipo raramente entram em transe e, em vez disso, concentram-se na oração e no sacrifício. Estes xamãs não se transformam em animais nem viajam até céu.

Entre os Buriatas e os Icautos, as diferenças correspondem a uma classificação nativa dos xamãs, em brancos e negros. Falando de um modo geral, os xamãs negros entram em transe e contactam com os espíritos dos mundos subterrâneos e da doença, enquanto os xamãs brancos oravam antes de entrarem em transe, invocando bençãos para os homens e para os animais domésticos, concedidas pelos deuses e pelos espíritos auspiciosos do mundo superior. Estes xamãs brancos correspondem ao que noutras partes do mundo se designa por sacerdotes.

Como já expliquei anteriormente, o xamã siberiano consegue abandonar seu corpo e viajar até outras regiões do cosmo, e particularmente até um mundo superior e também um interior. Esta capacidade é tradicional em outras partes do mundo também e permite-nos designar sociedades e culturas xamânicas.

Os povos siberianos acreditam tradicionalmente que o mundo se divide em três níveis. Os seres humanos vivem no nível médio, mas o mundo superior, no céu, é atingível por intermédio de um pequeno orifício. Este mundo tem uma superfície sólida (sendo povoada até por animais) e divide-se em vários níveis. Os caçadores do extremo norte acreditavam que havia apenas três, mas mais ao sul, em resultado da influência dos impérios das cortes próximas, muitos mais se consideraram, pensando-se que o governante supremo, Bai Ulgen, vivesse no nono nível. Do mesmo modo, o mundo inferior encontrava-se dividido em diversos níveis, e era freqüentemente considerado o reino dos mortos. Estes outros mundos eram parcialmente como os nossos, com montanhas, rios e criaturas. Os Nganasãs estavam convictos de que o mundo inferior era muito frio, e vestiam os mortos com peles adequadas para o inverno. Os Iacutos, pelo contrário, pensavam que o céu é que era frio, e, por vezes, os xamãs regressavam de uma viagem até o céu totalmente cobertos por cristais de gelo.

Os Iacutos acreditavam que um xamã só curava as doenças cujos espíritos tinham provado a carne do xamã durante sua iniciação. Em muitas regiões da Sibéria, as pessoas podem sofre de uma "doença xamânica" perfeitamente distinta, em que parecem ficar fora de si, lançando-se nuas pelos campos sem qualquer consideração pela própria segurança, ou passando semanas numa árvore, ou jazendo imóveis no chão. Durante este período, recusam-se a encetar a difícil vida e são perseguidos por espíritos que as obrigam a ceder. Quase sempre o iniciado cede, mas a luta pode ser dura e prolongar-se por alguns anos. Os espíritos ameaçam que, se o candidato mantiver a recusa, ele ou ela continuará a ser torturado por eles próprios, e acabará por ser morto, eventualmente. Por conseguinte, o "dom" xamânico e o controle dos espíritos são como uma faca de dois gumes: em vez de serem ativamente procurados, são impostos contra a vontade do xamã, e além de conceder o poder também provocam angústia para toda vida. Muitas outras culturas encaram da mesma maneira o problema. O primeiro contato com os espíritos (em especial na Sibéria e Mongólia) toma a forma de um ataque violento, que conduz ao que parece ser a completa destruição da personalidade do futuro xamã. A isto se segue a reconstrução do xamã, cujo novos poderes não se limitam a um acrescento externo ou ferramenta. Na realidade, são uma espécie de visão íntima das coisas, uma perspectiva da natureza do mundo, e em particular, das formas de sofrimento humanas que ele ou ela acabou de sofre de modo tão intenso. A interiorização de todas estas experiências levará ao aparecimento de uma nova personalidade, e é esta que se exprime através da destruição da anterior natureza do xamã.

A experiência psíquica do candidato fica expressa pelo desmantelamento do corpo. Ele ou ela poderão ver-se como um esqueleto, um tema largamente encontrado na Ásia e nas Américas. Na Sibéria, cada osso e cada músculo é tomado à parte, contado e colocado a ser reunido com os restantes, enquanto o sangue do candidato reassuma pelas articulações do corpo inerte, na sua tenda, rodeado por parentes ansiosos. Há outros processos, segundo os quais o xamã pode tornar-se uma pessoa diferente, e o terror da experiência pode surgir entremeado de êxtase e prazer.

Na iniciação do xamã, o tema morte completa-se com renascimento, e o movimento do xamã no espaço cósmico é por vezes comparado ao regresso ao útero. Para além de ser amamentado ao peito de uma mãe-espírito, o xamã siberiano é ainda ocasionalmente embalado num berço de ferro por espíritos, sobre um dos ramos da árvore do mundo. Entre os esquimós do Alasca, o túnel de passagem para o iglu significa claramente a passagem vaginal para o útero, e a palavra "ani" tanto significa "sair do iglu" como "nascer". Só quando um xamã aguardava entre vidas o seu renascimento é que sentiu que o interior de sua mãe era como um pequeno iglu, mas que a passagem de saída era tão pequena que ele teria dificuldade de sair. Somente quando ouviu uma voz a incitá-lo a sair é que acabou por forçar a saída através de uma passagem estreita.

São esta imagens que permitem a alguns psicanalista e psicólogos interpretar a iniciação e o transe xamânico como uma regressão infantil. É claro, contudo, que nem todo retorno ao útero são regressivos, uma vez que o xamã renasce como um adulto integrado e extremamente poderoso. Neste aspecto, a iniciação xamânica assemelha-se à iniciação vulgarmente efetuada em muitas sociedades por ocasião dos ritos da puberdade, da qual se diz que o adolescente regressou ao útero para renascer, desta vez como completamente adulto ou, por outras palavras, como uma pessoa mais completa do que anteriormente.

O povo Inuíte não vive só na Sibéria, algumas de suas tribos vivem no Alasca e outra no Canadá. Este povo acreditam que os mamíferos e pássaros têm uma lama coletiva. Usam uma única palavra para identificar todos os membros de uma espécie. Por vezes, há duas pessoas com o mesmo nome, e este fato lhe confere uma determinada relação entre suas almas, e simpatia mútua. O nome pode ligar as pessoas, e até toda uma espécie. Além disso, uma pessoa associa-se deste modo a pessoas mortas que tinham o mesmo nome, formando uma rede de almas parcialmente partilhadas que funciona como uma ponte entre os vivos, os mortos e o reino animal. Eles acreditam que proferindo um nome, criavam uma realidade, mesmo que apenas de caráter mental. Os objetos e seus nomes eram igualmente reais. O nome de uma pessoa faz parte de sua alma, no modo simboliza a sua existência social e sua relação com o meio ambiente. Representa ainda a essência da pessoa, passada a outra, após sua morte.

Entre os Inuítes aquele que pretende tornar-se xamã deverá explicar que "eu venho até ti porque pretendo ver". A idéia é que a sabedoria envolve uma espécie de segunda visão, ou visão interior, e associa-se muitas vezes a perda da visão normal pela pessoa. O poder xamânico exprime-se freqüentemente em termos de visão especial, como quando os olhos dos xamãs siberianos são arrancados (durante sua iniciação) por espíritos ferreiros e substituídos por olhos especialmente adequados à visão de outras realidades.

Nas pequenas tribos de caçadores de renas e de pastores, como os Evencos e os Iucagires no norte e nordeste da Sibéria, o xamã era um chefe de clã e negociava com os espíritos sobre as almas dos animais que iriam ser caçados. Para o lado do noroeste, entre os Nganasás, o xamã estava menos ligado ao clã, visto este se encontrar disperso. Na costa do Pacífico, entre os Tchuktchis e os Coriaques, o clã era fraco e as famílias podiam executar alguns dos seus próprios ritos xamânicos. Onde houvesse xamã profissionais, estes estavam relativamente pouco ligados aos grupos sociais, e executavam truques particularmente espetaculares, a fim de conservar os seus clientes.

Era muito diferente o contexto do xamanismo no sul da Sibéria e na Mongólia. Aqui, as grandes manadas davam origem a comunidades maiores e clãs fortes.

Além disso, a influência do Budismo da Idade Média para cá, surgiu uma cosmologia mais elaborada, e o xamanismo estava mais fortemente institucionalizado. Além de curandeiros, os xamãs serviam muitas vezes de sacerdote que realizavam sacrifícios. Durante os rituais importantes, o papel do xamã era o de escoltar até o outro mundo a alma do cavalo ou de outro animal sacrificado.

No século XIX e no princípio do século XX, por ocasião dos primeiros estudos antropológicos, estes povos xamânicos tinham se tornado a fronteira entre os modernos impérios russo e chinês. Na Mongólia e na Sibéria do Sul, o xamanismo competia com a forma tibetana do budismo, o Lamaísmo. Mas a Mongólia se caracterizava por possuir fontes escritas não européias relativas ao xamanismo. The Secret History of the Mongols, e os trabalhos do viajante Rashid Al-Din demonstram que, enquanto o xamanismo mongólico há mil anos anos era semelhante em muitos aspectos ao que hoje se pratica, apesar pela constantes modificações políticas e sociais ocorridas. A Mongólia foi pacificada duas vezes por missionários budistas, enquanto a corte chinesa partilhava o culto do céu com as tribos do interior. O céu é masculino, e a fonte da boa fortuna e do sucesso militar. É freqüentemente referido como pai, e o chefe mongol Gengis Kan pretendia ser filho do céu. A associação do céu com a linha masculina conduziu ainda a importância do poderio militar. Para um xamã, a pretensão de ser capaz de entrar no céu era uma aventura numa área politicamente sensível, e por isso, este tipo de xamanismo tendia a encontrar-se em locais mais afastados, como nas tribos de caçadores, de preferência em regiões mais centrais dos impérios. No século passado, as tradições foram ainda alvo de severa repressão por parte do comunismo, principalmente com a criação da União Soviética, mas recentemente voltaram a surgir em vários pontos da Sibéria.

O xamanismo nesta região está intimamente relacionada com as tradições espirituais e crenças que se encontram em duas partes muito diferentes do mundo. De início, a América do Norte foi muito provavelmente colonizada a partir da Sibéria, por caçadores que atravessaram o estreito de Bering quando no existia uma língua de terra entre os dois continentes. O xamanismo dos esquimós do norte americano é quase idêntico ao dos Tchuktchis, do lado siberiano do mar. As tradições xamânicas da Mongólia são próximas da filosofia pré-budista "bon-po" e das várias formas de religião que se encontram no Nepal e no sudoeste asiático e Ásia meridional.



Nota: (Wagner Frota "Jaguar Dourado" - Fonte: http://www.xamanismo.com/ )