A religião mais pacifista do mundo
É comum para ocidentais
confundir as religiões do norte da Índia. Porém elas são bem diferentes. O Jainismo
prega o pacifismo e o Sikhismo (veja a próxima postagem) tem um espírito
guerreiro.
O jainismo é uma das
religiões mais antigas da Índia, juntamente com o hinduísmo e o budismo,
compartilhando com este último a ausência de um Deus como criador ou figura
central da religião.
Vista durante algum tempo
pelos investigadores ocidentais como uma seita do hinduísmo ou uma heresia do
budismo, devido à partilha de elementos comuns com estas religiões, o jainismo é,
contudo, um fenômeno original. Ao contrário do budismo, o jainismo nunca teve
um espírito missionário, tendo permanecido na Índia, onde os jainas constituem
hoje cerca de quatro milhões de crentes. Pequenas comunidades jainas existem
também na América do Norte e na Europa, em resultado de movimentos migratórios.
A palavra jainismo tem as suas origens no verbo sânscrito jin que significa
"conquistador". Os seus adeptos devem combater, através de uma série
de estágios, as paixões de modo a alcançar a libertação do mundo.
Sua visão básica é dualista.
A matéria e a mônada vital ou jiva são de naturezas distintas, e durante sua
vida o ser vivente (seja humano ou animal) tinge sua mônada como resultado de
suas ações. Para se purificar, esta religião propõe um extremo ascetismo e o
colocar em prática da doutrina da não violência ou ahimsa.
Os jainas reconhecem que
pessoas, animais, plantas, formações rochosas, cursos de água e quedas de água
têm jiva, ou seja, alma ou princípio vital. Todos estes seres têm igual valor e
estão interligados na teia de existência por elos kármicos.
Segundo os historiadores da
religião, o jainismo estabeleceu-se na Índia em meados do primeiro milénio
a.C.. O seu fundador foi o Mahavira, existindo duas propostas para o período em
que viveu: 599 a.C. - 527 a.C (data tradicional apontada pelo jainismo) ou 540
a.C - 470 a.C. (segundo os académicos). Nasceu perto de Patna, naquilo que é
hoje o estado do Bihar. Foi um contemporâneo de Buda, tendo pregado na mesma
região geográfica, embora não conste que os dois mestres se tenham alguma vez
encontrado. Pertencia à casta dos guerreiros (xátrias), casou, viveu no luxo
até que por volta dos trinta anos tornou-se um mendigo errante.
Entregou-se a longos
processos ascéticos até obter a iluminação, tendo consagrado os restantes
trinta ou quarenta anos da sua vida a pregar a sua doutrina. Faleceu em
Pavapuri, no Bihar, que é desde então um dos principais locais de peregrinação
jaina.
De acordo com os jainas, a
sua religião é eterna, tendo sido a doutrina revelada ao longo de várias eras
pelos tirthankaras, palavra que significa "fazedores de vau", ou
seja, alguém que ensinou o caminho. Os tirthankaras foram almas nascidas como
seres humanos que alcançaram a libertação (moksha) do ciclo dos renascimentos
através da renúncia e que transmitiram os seus ensinamentos aos homens. Na
presente era existiram 24 tirthankaras. O último desses tirthankaras foi o
Mahavira, que os jainas não consideram como o fundador do jainismo, mas antes
aquele que lhe deu a sua forma atual. O 23.º tirthankara foi Parshva, que os
historiadores consideram ter sido provavelmente uma figura histórica que viveu
cerca de três séculos antes do Mahavira. Os jainas acreditam que Parshva pregou
os quatro grandes princípios do jainismo, a saber: não violência (ahimsa),
evitar a mentira, não se apropriar do que não foi dado e não se apegar às
posses materiais; o mahavira acrescentou o princípio da castidade.
Os jainas encontram-se
divididos em dois grupos principais: os Digambara ("Vestes de céu") e
os Svetambara (ou Shvetambara, "Vestes brancas"). Cada um destes
grupos encontra-se por sua vez dividido em vários subgrupos. A maioria dos
jainas pertencem ao grupo Svetambara.
A origem destes dois grupos
situa-se no século I d.C (ou talvez no século III d.C, segundo alguns autores)
e deve-se a disputas em torno dos textos que devem constituir as escrituras do
jainismo. Os svetambara consideram que as suas escrituras estão mais próximas
dos ensinamentos originais do Mahavira, enquanto que os Digambara rejeitam uma
parte considerável dessas escrituras. Os digambara consideram igualmente que a
renúncia pregada pelo mahavira implica para os monges a nudez total e que as
mulheres devem primeiro renascer como homens para poderem atingir a libertação.
A posse de qualquer bem é
vista como relacionada com a violência, e até uma forma de violência física e
psíquica. A violência em todas as suas formas tem origem no desejo de possuir, dominar
e controlar. Os ascetas jainas recusam possuir seja o que for, mas para os
leigos a posse de algumas coisas é necessária para a realização das tarefas
diárias. A possessividade transitória (usar um ser para deitá-lo fora) é uma
forma de apego e baseia-se em relações de exploração de poder, por parte de um
dos lados, em vez de amor e equanimidade incondicional.
Assumir que alguém tem
acesso privilegiado à verdade é o mais potente motor de conflito entre os seres
humanos. O conceito de não absolutismo (anekantavada) refere-se ao pluralismo
de opiniões, e à noção de que os vários pontos de vista sobre a verdade não são
a própria verdade. O jainismo encoraja os seus seguidores a considerarem os
pontos de vista de outras filosofias, e consideram que quando qualquer uma
destas filosofias, incluindo a jaina, se apega demais às suas próprias ideias
está a cometer o erro de considerar o seu ponto de vista absoluto. A ideia é
representada pela parábola dos homens cegos e do elefante, em que vários cegos
tocam em partes do elefante, como as orelhas e as pernas, e descrevem, de forma
contraditória, o que pensam ser o animal completo, partindo do pressuposto de
que a parte que tocaram representava a verdade completa. O conceito de "syadvada"
ou "talvez-ismo" diz que se deve considerar que todas as proposições
são apenas parcialmente verdadeiras (e parcialmente falsas). Os pontos de vista
parciais da verdade são chamados de "naya". Segundo o princípio
chamado de "nayavada", através da abertura a diversos pontos de
vista, o jainismo pretende que o praticante integre os diversos pontos de vista
parciais, ou "naya", numa teoria abrangente.
A não violência (ahimsa)é o
cerne do jainismo e o ponto onde todas as doutrinas se intersectam. A violência
é a agressão intencional ou não intencional. Os jainistas tentam evitar a
agressão em todas as suas formas, seja através de ações, palavras, ou
pensamentos, a todo e qualquer ser vivo, ou aos ecossistemas. O jainismo
considera o lacto-vegetarianismo como o mínimo que deve ser feito pelos
adeptos, e os estudiosos jainas defendem o veganismo, porque a produção de
leite é agressiva para as vacas. Os jainas também não comem tubérculos. Os jainas
também têm um cuidado especial para evitar possíveis danos a pequenos insetos,
por exemplo ao colocarem um pano sobre as suas bocas para não os aspirarem ou
varrendo o chão à sua frente quando andam para evitar pisá-los.
Os jainas consideram que o
tempo é infinito e cíclico. Ele é visto como uma grande roda dividida em duas
partes idênticas: uma realiza um movimento ascendente (Utsarpini), enquanto que
a outra um movimento descendente (Avasarpini). Cada uma destas partes divide-se
em seis eras (ara). Durante o período ascendente os seres humanos progridem ao
nível do saber, estatura e felicidade, enquanto que o período descendente
caracteriza-se pela degradação do mundo, pelo esquecimento da religião e pela
perda de qualidade de vida pelos humanos.
Segundo os jainas, vivemos atualmente
num período de movimento descendente, numa era de infelicidade (Dukham Kal),
que começou há 2500 anos e que durará 21 mil anos.
Segundo o jainismo, o
universo divide-se em cinco mundos, sendo cada um deles habitado por
determinado tipo de seres. O universo é eterno, não tendo sido criado por
nenhum ser superior.
No topo do universo está a
morada suprema (siddhashila), que é o local onde habitam as almas que
alcançaram a libertação (estas almas são denominadas Siddhas). Abaixo
encontram-se trinta céus, habitados por seres celestiais, alguns dos quais
caminham para a morada suprema.
O mundo médio (madhyaloka)
inclui vários continentes separados por mares. No centro deste mundo
encontra-se o continente Jambudvipa, considerado o único continente no qual as
almas podem alcançar a libertação. Os seres humanos habitam este continente,
bem como um segundo continente ao lado deste e parte do terceiro continente.
O mundo inferior (adholoka)
consiste em sete infernos, onde os seres são atormentados por demónios e onde
se atormentam uns aos outros. Abaixo do sétimo inferno encontra-se a base do
universo (nigoda), habitada por inúmeras formas inferiores de vida.
À semelhança do hinduísmo e
do budismo, o jainismo partilha da crença no karma, embora de uma forma
diferente. O karma no jainismo não é apenas um processo em que determinadas
ações produzem reações, mas também uma substância física que se agrega a uma alma.
As partículas de karma existem no universo e associam-se a uma alma devido às ações
dessa alma (por exemplo, quando uma alma mente, rouba ou mata esta provoca a o
agregação de karma na sua alma). A quantidade e qualidade destas partículas
determinam a existência que a alma terá, a sua felicidade ou infelicidade. Só é
possível a uma alma alcançar a libertação quando desta se retirarem todas as
partículas de karma.
O processo que permite a
libertação das partículas de karma de uma alma denomina-se nirjara e inclui
práticas como o jejum, o retiro para locais isolados, a mortificação do corpo e
a meditação. Os seguidores do jainismo utilizam para isso um ritual mortuário
chamado Sallekhana (também conhecido como Santhara, Samadhi-Marana,
Samnyasa-Marana),que consiste em praticar a eutanásia através do jejum. Devido
à natureza prolongada da sallekhana, é dado tempo ao indivíduo suficiente para
refletir sobre sua vida e pedir perdão dos seus pecados aos deuses. O voto de
sallekhana é tomado quando se sente que a vida tem servido o seu propósito. O
objetivo é limpar karmas antigos e impedir a criação de novos. Existe uma
prática hindu similar conhecido como Prayopavesa. De acordo com a revista Press
Trust of India, em média, 240 jainistas praticam sallekhana até a morte a cada
ano na Índia.
O jainismo considera a vida
monástica como o ideal de vida dos seres humanos. Entre os Svemtambara a
entrada na vida monástica é autorizada aos dois sexos a partir dos sete anos,
mas realiza-se em geral numa idade mais avançada. O noviço deve abandonar todos
os seus bens; por altura da sua ordenação (diksa) a sua cabeça é raspada e ele
toma os cinco votos, que segue numa versão mais rigorosa do que a dos leigos
(mahavrata).
Os monges jainas levam uma
vida itinerante, com excepção da época das monções, altura em que se recolhem
numa determinada localidade. Dependem para a sua alimentação da caridade
fornecida pelos leigos jainas, a quem oferecem em troca assistência espiritual.
Os monges do ramo Svetambara
podem ser donos de pequenas coisas, como uma fina veste branca, uma tigela onde
recebem os alimentos dos leigos e uma máscara de tecido usada sobre a boca
(mukhavastrika), cujo objetivo é evitar a ingestão involuntária de pequenos
insectos. Os monges Digambara interpretam o preceito do desapego de uma forma
bastante rigorosa e por esta razão não usam roupas; as monjas deste ramo usam
uma veste branca. Os monges Digambara não possuem uma tigela e usam a mãos como
recipiente dos alimentos. Os monges "Svetambara" costumam se deslocar
em pequenos grupos de cinco ou seis monges, enquanto que os Digambara
geralmente viajam sozinhos.
Todos os monges devem seguir
as três regras que evitam a conduta incorreta (guptis: ter cuidado com os
pensamentos, as palavras e as ações).
Entre os Svetambara o número
de monjas ultrapassa o de monges. As monjas Digambara aceitam a doutrina que
afirma que para se avançar no caminho espiritual é necessário nascer com um
corpo masculino.
Os jainas que não são monges
devem observar oito regras de comportamento e devem tomar doze votos. As oito
regras de comportamento variam, mas em geral incluem a prática absoluta e
irrestrita de Ahimsa (não violência) que tem seu ponto forte na alimentação:
não comer carne de nenhum tipo, não comer certos vegetais (cebola e alho) os
quais se acredita serem de origem inferior e não usar nenhum produto de origem
animal. Outras regras incluem não se alimentar à noite, não ingerir bebidas
alcoólicas nem substâncias consideradas alteradoras da consciência (cafeína,
teobromina) e praticar a caridade a todos os seres vivos. Ler sobre as
qualidades transcendentais dos tirthankaras e recitar o Navkar Mantra também
fazem parte das principais práticas diárias.
Quanto aos doze votos, eles
podem ser divididos em três classes:
Anuvratas - são os cinco
votos principais: abster-se de atos violentos, não mentir, não roubar, não
cobiçar o parceiro de outra pessoa e limitar as possessões pessoais;
Gunavratas - são três votos
que reforçam os cinco votos principais: restringir as atividades pessoais a uma
área concreta (digvrata), restringir práticas que proporcionam prazer
(bhogopabhogavrata), evitar atos que causam sofrimento (anarthadandavrata);
Siksavratas - são quatro
votos de disciplina espiritual: meditar, limitar determinadas atividades a
certos momentos, adotar a vida de um monge por um dia, fazer donativos aos monges
ou aos pobres.
Uma das principais formas de
culto dos jainas leigos é prestar homenagem às estátuas dos tirthankaras. Os
jainas lavam as estátuas e dedicam-lhes oferendas, como mel, flores, arroz,
etc. Alguns grupos jainas, como os Sthanakavasis e os Terapanthis, são contra o
culto de imagens.
O crente não adora a estátua
em si, mas antes as qualidades associadas a ela, de modo a receber inspiração
para seguir o mesmo caminho. As estátuas podem ser adoradas nos templos ou
então em pequenos santuários existentes nas casas. São representadas em posição
de meditação, sentadas ou em pé.
Não é possível estabelecer
qualquer forma de contacto com os tirthankaras através desta forma de culto,
uma vez que estes, tendo alcançado a libertação, ficam fora do contacto humano.
Contudo, durante a Idade Média cada tirthankara foi associado a uma deusa
protectora, em relação às quais se desenvolveram formas particulares de
devoção. As deusas mais importantes são Ambika (associada ao 22º tirthankara,
Arishtanemi), Padmavati (associada a Parshva), Lakshmi e Sarasvati.
As orações jainas fazem
referência aos grandes actos dos tirthankaras e aos ensinamentos do Mahavira,
sendo ditas num antigo dialecto do Bihar, o Ardha Magadhi. A principal oração é
o Namaskara Sutra, através do qual o jaina presta homenagem às qualidades dos
cinco grandes seres do jainismo.
O ato de fazer doações para
a construção de templos é também considerado uma forma de culto, assim como a
prática de peregrinações.
O jainismo dá mais ênfase à
suástica que o hinduísmo. Representa o sétimo jina (santo), o Tirthankara
Suparsva. É considerada uma das 24 marcas auspiciosas, emblema do sétimo arhat
dos tempos atuais. Todos os templos jainistas, assim como os livros santos
jainistas, contêm a suástica. As cerimônias jainistas começam e terminam com o
desenho da suástica feito várias vezes em volta do altar.
Resumido da wikipedia