Antes da escrita e da história, havia diferentes ‘astrologias’: a chinesa, a indiana, a etno-astronomia dos povos pré-colombianos e a sumeriana - cujo modelo solar deu origem à astrologia e à astronomia contemporâneas. Essas astrologias pré-históricas das sociedades tradicionais tinham em comum a simultaneidade temporal (ou tempo circular lunar-solar), o geocentrismo (a terra do centro do universo) e a simetria entre o mundo e o cosmo (o homem como reflexo do universo).
Com o aparecimento das escritas e do tempo contínuo da história, a ciência (ou o projeto de representação objetiva que o universo tem de si próprio) e a modernidade cultural (a imagem pretensamente objetiva que a sociedade faz de si mesma) passou lenta e progressivamente a construir um paradigma do observador onisciente, que o vê o universo de um ponto cego.
Hoje este modelo astrológico não nos serve mais de paradigma de observação científica dos céus mas continua válido como ‘Themata’ ou paradigma simbólico. Assim, no paradigma objetivo da astronomia, sabemos que a Terra gira em torno do Sol; no entanto, continuamos dependendo simbolicamente do paradigma subjetivo da astrologia, que como uma linguagem do inconsciente, condiciona atitudes e comportamentos, através da associação de determinadas características psicológicas aos meses do ano, por exemplo. A ciência e o pensamento objetivo superaram apenas parcialmente o antigo paradigma de representação e esta ‘superação’ é uma questão muito relativa: ao contrário do que pensam os historiadores da ciência, a ideia de um sistema geocêntrico não significa que Ptolomeu acreditasse que o Sol girasse em torno da Terra, mas sim que ele colocava a questão da representação objetiva do universo em um segundo plano diante da ideia de decifração do destino através da observação especular das estrelas.
Devido ao movimento de precessão do eixo da terra, os céus astrológico e astronômico não coincidem mais.
O movimento de precessão da terra é causado pelas forças exercidas pela translação do Sol e pela da rotação da Terra e da Lua, fazendo com que o planeta se movimente em relação ao próprio eixo. Esse movimento muda as estrelas de lugar para o observador terrestre. A cada ano, a terra sofre uma precessão de cerca de 20 minutos. Em 2160 anos, a mudança é de 30 graus. Na época em que a astrologia foi concebida, o sol nascia às seis horas da manhã na constelação de Áries; durante muitos séculos, o sol nesse dia nasceu em Peixes; e nos dias atuais, a constelação que abre o equinócio de outono no hemisfério sul é a de Aquário.
Tal fato, paradigmático da relação geral entre cosmologia científica e cosmogonia simbólica, divide atualmente os astrólogos em dois grandes grupos: os defensores de uma atualização do simbolismo ao céu real e os que dissociam completamente a linguagem astrológica da realidade astronômica.
Assim, fazemos duas representações do universo, uma consciente e pretensamente objetiva (em que a terra é uma bola de pedra que gira em torno de uma bola de fogo); e outra, inconsciente e subjetiva, povoada por símbolos, imagens e energias invisíveis. O paradigma astrológico perdura no campo morfogênico como uma linguagem simbólica do inconsciente.
E, apesar das inúmeras diferenças dos modus operandi entre o conhecimento científico e o saber tradicional, ambos têm um único objetivo: evitar o infortúnio e a adversidade, procurando antecipar os acontecimentos para melhor enfrenta-los. A previsibilidade de um evento depende, ao mesmo tempo, do saber simbólico e do conhecimento científico. Do lunar e do solar.
Partiu-se da metapoética de Gaston Bachelard e de seu desafio. Em um segundo momento, aceitou-se a provocação e imaginaram-se conceitos resultantes da inter-relação dos quatro elementos entre si: Calor, Trabalho, Linguagem, Sonhar, Luz, Riqueza, Imaginação Formal, Sensibilidade, Vida, Poder, Arquétipo, Imaginação Simbólica.
Em seguida, aplicaram-se alguns desses conceitos a um universo empírico em particular: o preparo da Ayahuasca. Procedeu-se, então, a uma descrição subjetiva dessa experiência cognitiva, ressaltando sua semelhança ao tema do vinho alquímico dos sufis (tema bachelardiano, por sinal) e, principalmente, a presença dos quatro elementos durante todo percurso.
Devaneando mais um pouco sobre a terra úmida, discutiu-se sobre o símbolo do útero (a caverna, a casa, o repouso) e sobre a inexistência do matriarcado arcaico; como também se defendeu a necessidade de um reajuste elemental entre os gêneros, com os homens se reconectando ao corpo e às emoções, e as mulheres resgatando o sagrado feminino e sua intelectualidade.
Dando sequência à viagem, no capítulo “O mito do fogo”, investigou-se a relação entre Vida e Poder através do símbolo do Ferro. Nesse texto, aplica-se o modelo de análise estrutural de narrativas míticas de Lévi-Strauss a autores esotéricos e narrativas cabalísticas, demostrando-se sua curiosa equivalência simbólica.
Porém, a demonstração da inexistência do matriarcado arcaico (na memória histórica e social) não convenceu aos que acreditam nela (como memória arquetípica). Para não cometer o mesmo erro do primeiro Bachelard (separando radicalmente a verdade da imaginação), sobrepõe-se à realidade histórica (o Ar: o matriarcado nunca existiu) a realidade mítica (a Água: o matriarcado está eternamente em nosso passado presente agora na forma de uma memória). E assim, em Narrativas do Sagrado Feminino, reescreveu-se algumas histórias da relação Ar-Água e se discutiu a noção de coprotagonismo narrativo entre os gêneros e valores masculinos e femininos.
No texto “Estudos Cabalísticos”, problematizou-se a Árvore da Vida (a Luz dentro do Arquétipo) e o Apocalipse (o Arquétipo dentro da Luz). As relações entre Fogo e Ar também nos colocam a questão do desequilibrio entre o masculino e o feminino, a dissociação simbólica entre fogo sexual e espiritual e o aparecimento impiedoso do ferro e de suas ferramentas mortais.
Segundo a mitologia suméria, o sistema de doze constelações zodiacais e de dez planetas (sim, os sumérios sabiam de Plutão e o consideravam um planeta) foi concebido pelo deus Enki e ensinado a seu filho Marduk, durante um retiro que fizeram na Lua. O mesmo sistema foi ensinado por Marduk aos homens, através de um personagem sumério semelhante ao Enoch bíblico.
Sempre considerei um mistério o fato dos antigos sumérios dividirem o ano em doze meses e não por treze – seguindo o ciclo lunar de 28 dias com seria o lógico.
Os astrólogos – que não pensam de forma de etnoastronômica – derivam a divisão por doze dos quatro elementos e das três qualidades (cardinal, fixo e mutável). Mas, se pensarmos em termos de observação astronômica do céu (e não classificação a partir de elementos simbólicos abstratos), a divisão do ano por doze meses (com uma médida de 29,5 dias) acarreta a perda de 11 dias por ano, ou sete meses a cada 19 anos.
O mais provável é o apagamento astrológico do décimo terceiro mês pelos próprios sumérios. Entre Escorpião e Sagitário, está a décima terceira constelação zodiacal, Oficus, representada pela serpente e/ou pela águia. Caso algum dia voltemos aos 13 meses lunares de 28 dias + 1 dia fora do tempo, como no calendário maia, haverá um novo mês equivalente ao período entre outubro e novembro.
A Serpente Alada fica a 180 graus de Orion, o berço das estrelas, entre as constelações de Gêmeos e Touro, ancorada pelo Cruzeiro do Sul. Se o Big-bang foi uma explosão de luz vinda de Orion, origem do universo; então o novo signo aponta para o desconhecido oceano escurdo, buraco negro e destino denso de todo universo. Entramos no universo pelas pleiades da ursa maior e vamos sair através deste ralo devorador de matéria e energia.
O décimo terceiro elemento é a morte, ponto cego da imaginação simbólica. O dia de todos os santos e de finados, bem como tradições mais antigas como Halowwen e o dia da morte mexicana, podem ser considerados vestígios da celebração deste 'símbolo ausente'.
É possível que o apagamento simbólico da morte seja o motivo do desequilíbrio elemental. O planeta Terra corresponde ao elemento Terra e os céus, ao elemento Ar. A Lua, por sua vez, é universalmente associada à Água e ao feminino. O Sol é o Fogo original. Os quatro elementos nesse contexto astrológico estão em constante interação e suas interações correspondem às doze relações elementais que descrevemos. No entanto, essas relações são dinâmicas e não metafísicas. A transformação da natureza é permanente, a morte é eterna e é o 'motor contínuo' das interações.
Para se tecer uma investigação meta simbólica, a imaginação, depurada de suas ilusões, ajuda a construção científica e lógica do sentido, da interpretação. Não se trata apenas de metapoesia (ou de teorizações esotéricas e/ou antropológicas), os devaneios de investigação simbólica também estudam as narrativas míticas e suas ressonâncias subjetivas. Para investigar o inconsciente arcaico, a imaginação simbólica procede a uma releitura das narrativas mitológicas, fazendo associações cognitivas entre os discursos teóricos, poéticos, esotéricos, tradicionais e filosóficos – por dentro. “Experimentando” as narrativas.
E, dessa convergência discursiva e narrativa, nascem novas imagens, novas ideias. Somos seres miméticos, mimetizamos nossas histórias de outras. Um dia, seremos mimetizados também. Essa é nossa vida. Nossos sonhos são simulações de nossas vidas, de nossos medos e esperanças. As estruturas narrativas reduzem a complexidade dos sonhos a histórias que simulam a polaridade entre antagonismo e coprotagonismo, entre morte e amor, entre o passado e o futuro.
As causas de existência de antagonistas em nossas vidas e sonhos são diversas e complexas. Alguns, com inclinação para biologia, acreditam que a consciência moral (ou a distinção entre o bem e o mal) surgiu a partir do desenvolvimento de uma parte da memória filogenética da espécie humana, usada para distinguir as plantas venenosas das nutritivas.
Outros, habitantes de um universo mais físico, pensam que o que se chama de mal (oposto à luz) é a força entrópica dos buracos negros. Outros ainda, voltados para o interior, acreditam que a natureza é perfeita e que o mal é um ruído subjetivo que nos impede de viver plenamente essa perfeição. São histórias das origens do mal e das causas ocultas de nosso antagonismo conosco mesmo.
Mais complexas ainda são as metanarrativas sobre coprotagonismo e sobre nossos sonhos de amor. Existem narrativas que desejam desmascarar a afetividade interesseira do amordependente e afirmam a superioridade do amor-dádiva; outras equiparam o amor à liberdade, consideram-no mais importante do que a própria vida.
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