Conclusão: o pensamento
tarótico
Alejandro Jodorowsky
Meus longos anos de contato com o
Tarot me aportaram novas maneiras de captar o mundo e o outro,
deixando que a intuição dançasse com a razão e se amalgamasse com
aquilo que chamei de "pensamento tarótico"
... descrever o pensamento tarótico poderia constituir o objeto de
um outro livro. Aqui, me contentarei em dar alguns exemplos.
Os Arcanos possuem múltiplos
significados que vão do particular ao geral, do evidente ao
inabitual. É preciso considerar cada Arcano como um conjunto de
significações. Essas significações adquirem mais ou menos
importância conforme o sistema cultural de quem os interpreta.
Na realidade, cada ser humano é um
Arcano. Nós podemos viver bem a vida inteira ao lado de alguém, mas
não poderemos dizer que o conhecemos totalmente. Estamos habituados
a seus pensamentos, seus sentimentos, seus desejos, seus gestos, suas
atividades rotineiras, mas basta um único acontecimento
extraordinário - uma doença, uma catástrofe, um fracasso ou um
sucesso - para descobrirmos nessa pessoa aspectos inabituais que nos
surpreenderão feliz ou dolorosamente. Aquilo que pensamos ser a
realidade é apenas uma parte da realidade. Aquilo que projetamos de
uma pessoa é apenas uma parte de sua personalidade. Os defeitos ou
qualidades que vemos nos outros são igualmente nossos. Essas
condutas inesperadas com as quais o mundo e os outros nos surpreendem
provocam reações que dependem do nosso nível de consciência. Em
um nível de consciência pouco desenvolvido, qualquer mudança nos
apavora, nos deixa desconfiados, nos faz fugir, nos paralisa, nos
torna furiosos ou prestes a atacar. Uma consciência desenvolvida
aceita a mudança contínua e avança, confiante, sem objetivo,
desfrutando da existência presente, construindo passo a passo a
ponte que atravessa o abismo.
Para chegar às leituras que curam,
as primeiras coisas que precisei vencer foram as antipatias e
simpatias. Cada habitante do nosso mundo representa um ponto de vista
distinto, novo, que não existia antes de seu nascimento. Algo de
original, de único. Quando um ente querido nos deixa, nós temos a
impressão de que o universo inteiro se esvazia ... Quem quer que
seja, o consulente merece nosso respeito como uma obra divina que
jamais se repetirá, com a possibilidade de aportar ao mundo a
semente de um bem desconhecido.
Não existe tarólogo impessoal.
Todo tarólogo é marcado por uma época, por um território, por uma
língua, uma família, uma sociedade, uma cultura.
Da mesma maneira que na literatura o
romance deixou de ser narrado por um escritor-testemunha -
considerado um deus -, deixando que as coisas se desenvolvam sem
intervenções e sem ser afetado, e passou a ser contado por um
personagem intimamente ligado aos acontecimentos, mais um ator na
trama, eu precisei dar o mesmo passo na leitura do Tarot: de
nenhuma maneira suportei a ideia de me colocar na posição de um
vidente que conhece o presente e o futuro do consulente, observando-o
desde uma altura mágica, impessoal, emprestando a voz a entidades
de outro mundo... Sendo os Arcanos como telas de projeção, era
necessário que eu me desse conta de que tudo o que via nas cartas
estava impregnado pela minha personalidade. Não podendo me libertar
de mim mesmo, eu me perguntei: "O que eu sou quando leio o
Tarot? Será que meu pensamento é masculino? Será que é
latino-americano? Europeu? Será adolescente ou maduro? Será que a
minha moral é judaico-cristã? Será que sou crente, ateu,
comunista, servidor do regime estabelecido? Será que percebo as
características da minha época?"... Para chegar a uma leitura
útil, eu me dei conta de que, sem poder me separar da minha
personalidade, eu devia "trabalhá-la", poli-la até chegar
a sua essência. Eu prometi a mim mesmo não obedecer às modas, não
cair na peça de nenhuma tradição ou folclore ... Observei com
atenção a minha imagem do mundo e tentei com todas as minhas forças
modificar meu espírito masculino, aceitando o feminino, para fundir
os dois até atingir o pensamento andrógino... Se nasci no Chile e
me formei no México e na França, dentro de mim deixei de ter uma
nacionalidade, conseguindo com toda sinceridade me sentir um cidadão
do cosmos. Isso me levou a me dar conta dos meus limites enquanto ser
humano. Minha consciência não era prisioneira de um corpo mineral,
vegetal ou animal, ela era a essência do universo inteiro. O que me
permitiu me colocar no lugar não apenas de outras pessoas, mas
igualmente de objetos. O que será que sente o meu gato, esta árvore,
o relógio no meu pulso, o sol, as pedras do calçamento onde piso,
meus órgãos, minhas vísceras etc.? Nesse trabalho de
desprendimento e refinamento, perdi não só a nacionalidade, mas
também a idade, o nome, os rótulos como "escritor",
"cineasta", "terapeuta", "místico" e
muitos outros. Parei de me definir: nem gordo, nem magro, nem bom,
nem mau, nem generoso, nem egoísta, nem bom pai, nem mau pai, nem
isso, nem aquilo. Parei igualmente de esperar objetivos ideais: nem
campeão, nem herói, nem santo, nem gênio. Tentei com todas as
minhas energias ser aquilo que eu era. Parei de me prender a uma
única língua e desenvolvi um amor, um respeito por todas as
línguas, ao mesmo tempo em que me dei conta de que, se as palavras
não atingiam a poesia, se tornavam engodos. Creio que a origem de
todas as doenças psicossomáticas é um conjunto de palavras
ordenadas em forma de proibição. Impor uma visão é proibir
outras. O universo não possui limites e funciona com um conjunto de
leis diferentes, às vezes contraditórias, em cada dimensão.
Quanto mais eu expandia os meus limites, mais enxergava os limites do
outro. Hoje em dia, quando leio o Tarot e entro em transe, meu eu
quase transformado em você, eu me sinto diante do consulente como
diante de um céu azul que recebe a passagem de uma nuvem... Na
realidade, não lemos para dizer ao consulente aquilo que ele é, mas
para compreendê-lo. No dia em que o compreendermos totalmente, nós
desapareceremos... No fundo, creio que nossa verdadeira consulente é
a morte. Tentemos compreendê-la. Quando morremos, isto é, quando
nos tornamos ela, nós nos dissolvemos, por fim, na Verdade.
Nenhum tarólogo pode dizer a
verdade. Ele só pode dizer sua interpretação da verdade. Quando se
lê o Tarot, não se sabe. Uma vez que ele lê para compreender, o
tarólogo deve continuar a leitura mesmo que não compreenda o que
ele vê. Da mesma maneira que toda interpretação é fragmentária, a
abundância de interpretações faz com que o consulente se aproxime
do conhecimento... Não existe pergunta insignificante. As perguntas
superficiais e as profundas, as inteligentes e as estúpidas possuem
a mesma importância: as interpretações de cada Arcano sendo
infinitas, o valor da pergunta dependerá não de sua qualidade, mas
da qualidade da resposta do tarólogo.
Eu me dei conta de que compreender
aquilo que eu via era uma ilusão. Para compreender verdadeiramente
uma coisa, era preciso decifrar o que é o universo. Sem abarcar o
todo, era impossível saber com certeza o que era uma de suas partes.
O consulente não é um indivíduo isolado. Para saber quem ele é, o
tarólogo, além de sua vida desde o instante em que foi concebido e
viu a luz do dia, deveria conhecer a vida de seus irmãos, de seus
pais, de seus tios, de seus avós e, se possível, a vida de seus
bisavós. Saber a educação que ele recebeu, conhecer os problemas
da sociedade na qual ele viveu, assim como os arquétipos e a cultura
que formaram seu espírito ...
Uma vez que é impossível captar
a totalidade do outro, é da mesma maneira impossível julgá-lo. A
positividade ou a negatividade de um acontecimento não são
intrínsecas; são apenas interpretações subjetivas. Em deferência
ao consulente, é preferível sempre buscar a interpretação
positiva.
Uma árvore, ao mesmo tempo que
eleva seus galhos para o céu, mergulha suas raízes na terra. A luz
é infinita, a escuridão é infinita. Cavar no sofrimento contido em
nosso inconsciente faz com que nos impregnemos com o sofrimento de
toda a humanidade; a dor é infinita. Uma vez expressos o pranto e a
cólera, é mais útil buscar valores escondidos como tesouros em
nosso ser essencial. A paz é infinita.
Um tarólogo não deve comparar o
consulente com outras pessoas que se parecem fisicamente. Comparar,
enquanto maneira de definir, é uma falta de respeito para com a
diferença essencial de cada ser.
O consulente pode não conhecer a si
mesmo e, na maior parte do tempo, ignorar as influências recebidas
de sua árvore genealógica. Se ele fala uma única língua, se ele
não viajou para países distantes, se ele não estudou outras
culturas, se ele jamais imobilizou seu corpo para meditar, se tendo
de escolher entre fazer ou não fazer, ele fugiu de toda experiência
nova com medo do fracasso, podemos dizer que seu inconsciente se
apresenta para ele não como aquilo que é, ou seja, um aliado, mas
como um mistério inquietante, um inimigo... Jamais ele saberá a
base real daquilo que pensa, sente, deseja ou faz ... Isso porque,
durante a leitura do Tarot, suas perguntas, por mais superficiais que
pareçam, ocultarão processos psicológicos profundos ... "Será
que devo ir ao salão de beleza, tingir o cabelo e mudar de
penteado?": a pergunta é muito simples, aparentemente frívola,
mas, no entanto, pode receber uma resposta profunda. Se fosse só
isso que dizem as palavras, que necessidade a pessoa teria de ser
aconselhada? Bastaria tomar a decisão sozinha ... Podemos ver nessa
tintura e nessa mudança de penteado que a consulente exprime seu
desejo de mudar de vida, de não estar mais sozinha, ou ao
contrário, de terminar seu casamento, ou sob outro aspecto, de
empreender novas experiências, de buscar ser reconhecida - que ela
exprime sua insatisfação diante de si mesma ou sua descoberta de
novos valores que a obrigam a se separar de uma personalidade antiga
... O Tarot nos ensina a respeitar todas as perguntas: cada pergunta
é uma oportunidade de aprofundar a descoberta de nós mesmos para
vivermos engastados como um pedra preciosa na joia que é o presente.
A maior parte dos consulentes não se sente como algo que existe e é,
mas como algo que ainda será.
Toda generalização é ilusória.
Os acontecimentos nunca são semelhantes ... Quando damos o outro
como exemplo, sempre aquele que o cita emite uma concepção pessoal.
Para cada indivíduo, o outro édiferente.
Sendo o outro parte de um todo
infinito, é impossível isolá-lo em uma definição; quando o outro
é capturado e interpretado por nós, ele recebe os limites que
corresponde ao nosso nível de consciência. Esse outro é uma
mistura daquilo que ele mostra e daquilo que nós acrescentamos
fazendo dele nosso próprio reflexo. As qualidades que enxergamos
nele, assim como os defeitos, fazem parte das nossas próprias
qualidades e defeitos ... Ao julgá-lo, ao mensurá-lo, ao lhe
atribuir rótulos - bom, mau, belo, feio, egoísta, generoso,
inteligente, estúpido etc. - estaremos mentindo a nós mesmos. Todo
julgamento que exprimirmos é sempre feito em comparação com a
imagem limitada, e portanto artificial, que temos de nós mesmos.
O real não é bom, nem mau, nem
belo, nem feio em si, ele não possui nenhuma outra qualidade. A
unidade divina não pode ter qualidades, nem ser definida por um
tarólogo que não a compreende, pois não a pode conter. O Todo é
formado por todas as partes, mas todas as partes não formam o Todo.
Em nenhum momento o tarólogo pode
se arvorar a ser juiz de seu consulente ou a aceitar como reais,
justas, as visões que ele tem dos membros de sua família ou dos
seres que ele evoca na leitura.
Em um mundo infinito, não se
pode afirmar: "Tudo é assim". A fórmula correta é:
"Quase tudo é assim". Se noventa e nove por cento
éconsiderado negativo, não se pode excluir a positividade do um por
cento. Esse um por cento positivo é mais digno de definir a
totalidade que os noventa e nove por centro negativos. Essa pequena
positividade redime a grande negatividade.
Eis por que não é útil afirmar
que o mundo é violento. Podemos admitir que existe violência no
mundo, muita violência, mas não podemos defini-lo por esse erro. O
mundo é também perfeito como o cosmos. O ser humano é igualmente
assim. Não se pode afirmar que ele é doentio. Enquanto a vida lhe
dá alento, o corpo humano é um organismo complexo, misterioso,
dotado de saúde. Estar vivo é estar são, física e mentalmente.
Podemos ter doenças, atitudes psicóticas, mas por mais que sejam
graves, elas não fazem de nós "doentes" ou "loucos",
elas não definem nosso ser, mas nosso estado presente ... O espírito
humano, infinito, não suporta rótulos ... O tarólogo, mais do que
lhe mostrar seus numerosos defeitos, deve tentar captar as qualidades
do consulente que, mesmo que não sejam numerosas, lhe ajudarão mais
a ser o que ele é verdadeiramente.
Não devemos definir o consulente
por suas ações, mas sim definir as ações que o consulente
realizou. Ele não é "tolo": ele cometeu tolices; ele não
é "ladrão": ele se apropriou de coisas que pertenciam a
outra pessoa. Se definirmos o consulente por suas ações, nós o
separaremos da realidade.
O valor de uma leitura depende do
nível de consciência do tarólogo. Se ele é sábio, ele pode obter
mensagens preciosas, por mais absurdos que sejam os Arcanos
escolhidos pelo consulente. A consciência elevada do tarólogo
outorga sabedoria ou tolice à leitura, mas os Arcanos em si mesmos
não são sábios nem tolos: eles não possuem qualidades. Quem
possui qualidades é aquele que as enuncia.
As leituras, apesar de sua
importância, são sempre interpretações pessoais do tarólogo, e
por isso mesmo não devemos lhes dar a qualidade de prova absoluta
... Nenhuma leitura pode constituir prova de umfato.
A exatidão e a precisão, em uma
realidade constantemente cambiante, são dois obstáculos à
compreensão.
O desejo de perfeição, de
exatidão, de precisão, de repetição daquilo que é conhecido e
estabelecido são manifestações de um espírito rígido que teme a
mudança, a diferença, o erro, a permanente impermanência do
cosmos. Essa atitude obstinadamente racional se opõe ao pensamento
tarótico, que se assemelha ao pensamento poético. Já ouvimos o
poeta Edmond Jabes dizer: "Ser é interrogar o labirinto de uma
pergunta que não tem resposta".
Depois que interpretamos um
Arcano, podemos, mais tarde, modificar essa interpretação. As
interpretações não são parte integrante do Arcano, o Arcano não
pode mudar, mas sim o tarólogo, na medida em que ele éum ser que
se transforma. Não mudar nunca de interpretação é teimosia. Toda
mensagem obtida pela leitura das cartas pode ser contradita por uma
segunda leitura das mesmas cartas. As mensagens não são extraídas
das próprias cartas, mas de interpretações que damos a essas
cartas.
Responder "não" a uma
afirmação é um erro. Nada pode ser negado em sua totalidade.
Melhor é dizer: "É possível, mas de um outro ponto de vista
podemos também dizer o contrário".
A doença é essencialmente
separação, isto é, ela surge essencialmente da crença de que
estamos separados.
Alguns autores de livros de
autoajuda aconselham a não pensarmos como um corpo que tem um
espírito, mas como um espírito que tem um corpo ... Ponto de vista
que a princípio adotei com fervor; depois, pensando que a solução
correta de um problema não produz um ganhador e um perdedor, mas
dois ganhadores, aceitei de acordo com a finalidade da
alquimia: espiritualização da matéria e materialização do
espírito - que eu era ao mesmo tempo um espírito que tinha um
corpo e um corpo que tinha um espírito ... Mas, se considerarmos a
primeira afirmação, será que eu era realmente um espírito, isto
é, uma entidade individual, diferente do todo ...? Sim, eu era um
espírito, mas era ao mesmo tempo um planeta, uma galáxia, um
universo e, se eu aceitasse um princípio criador, um Deus. Isso me
obrigou a dizer: sou um corpo que possui um deus, sou um deus que
possui um corpo ... Será que eu podia, então, separar meu corpo dos
outros corpos, da Terra, das estrelas, da matéria universal?
A saúde é a Consciência
divina. O caminho que leva até ela é a informação, desde que se
considere informação não tanto as palavras mas as experiências de
um conhecimento que, inscrito no corpo, se apresenta como uma
exigência daquilo que nos falta. E isso que nos falta é a
experiência da união com o deus interior. O sofrimento é a
ignorância. A doença é a ausência de consciência. O consulente,
sendo totalmente relacional, para chegar à saúde precisa receber a
informação essencial. Para que uma doença possa ser curada, ele
deve se colocar em relação a seu deus interior.
Se o mundo é infinito, nenhuma
ordem é real. Só pode ser ordenado aquilo que possui limites
precisos. Podemos buscar a utilidade momentânea de uma ordem, mas
não sua veracidade. O mundo é uma representação subjetiva que
pode ser ordenada de infinitas maneiras. Convém buscar a ordem que
nos cause menos sofrimento.
A chave mágica que permite ao
consulente, assim como ao tarólogo que lhe faz a pergunta, organizar
positivamente sua passagem pelo mundo é: "A vida me alegra?"
Essas pessoas, esse trabalho, esta cidade, esse país, esta casa,
esse móvel, tornam minha vida feliz? Se não tornam minha vida
feliz, isso quer dizer que não me convêm enquanto companhia, meio
ambiente, território, atividade. Isso me convida a evitar me
envolver com eles.
Todo conceito é duplo, composto
pela palavra enunciada e uma palavra contrária não pronunciada.
Afirmar alguma coisa é também afirmar a existência de seu
contrário. O tarólogo deve buscar a relação de um conceito com
seu contrário. Por exemplo: feio (em relação a alguma coisa bela);
pequeno (em relação a alguma coisa grande); defeito (em relação
a alguma qualidade) etc. Fora da relação, o conceito não tem
nenhum sentido.
O consulente não chegará a saber
quem ele é sem se comparar. A personalidade adquirida, e não a
personalidade essencial, se constitui com base em comparações.
Desde a infância, exigem de nós que pareçamos, não que sejamos.
Se a criança não corresponde àquilo que os pais acreditam que ela
deva ser, eles a culpabilizam. As revistas de moda exibem mulheres
que obedecem a critérios de beleza muitas vezes afastados da
realidade humana. Da mesma maneira, o cinema e a televisão. Quando
uma consulente sofre de um complexo de feiúra, é fundamental que o
tarólogo descubra com o que ela se compara. O olhar dos pais e dos
professores forma o espírito da criança. Se ninguém a olha tal
como ela é - submetendo-a a olhares críticos ou comparando-a com os
irmãos, irmãs ou amigos "melhores" -, a criança cresce
tendo a sensação de não ser ninguém, sem se conceder o direito à
realização de suas potencialidades ... As escolas que estabelecem
os cânones de inteligência, pensando que só existe uma maneira
correta de pensar, provocam desvalorizações dramáticas. O tarólogo
deve escavar como um arqueólogo na memória do consulente, buscando
os "exemplos perfeitos" com os quais o consulente se
compara para libertá-lo da inveja ... Aquele com quem o consulente
se compara, seu desejo de ter e de ser o que o outro possui e aquilo
que o outro é, persegue o consulente como uma sombra amarga...
Alguns pais nocivos, ao mesmo tempo que exigem o sucesso de seus
rejeitados, os proíbem de maneira tácita de realizar aquilo que
eles mesmos não puderam realizar. A neurose do fracasso faz com que
muitos consulentes se desconheçam a si mesmos. O tarólogo deve
começar sua leitura aceitando que se dirige a alguém que é aquele
que sua família, sua sociedade quiseram que ele fosse, motivo pelo
qual ele crê possuir objetivos que não são seus, com obstáculos
artificiais e miragens à guisa de soluções. O Tarot poderá
indicar sua natureza, seus objetivos, seus obstáculos e as soluções
verdadeiras lhe fazendo ver a região muda de sua existência.
Aquilo que o consulente não sabe
faz parte de sua vida, tanto quanto aquilo que ele sabe. Aquilo que o
consulente não fez é tão importante quanto aquilo que ele fez.
Aquilo que o consulente poderá um dia fazer faz parte daquilo que
ele já está fazendo. Aquilo que o consulente foi e o que não foi,
aquilo que ele é e aquilo que ele não é, aquilo que ele será e
aquilo que ele não será constituem igualmente seu mundo.
Alguns consulentes, por medo de
perder aquilo que acreditam ser sua individualidade, não querem ser
curados, mas querem que nos ocupemos deles. Mais do que obter
soluções, desejam ser ouvidos, que tenhamos pena deles. Diante das
revelações da leitura, eles apresentam defesas... Embora sofram,
eles afirmam que está tudo bem com a família, que na infância
foram amados, que não foram afetados por nenhum tipo de abuso, que
levam uma vida confortável. Não consideram nada aquilo que podemos
lhe revelar como sendo verdade ... Em face dessa atitude, o tarólogo
deve ter uma paciência de santo. Uma coisa é doar, outra coisa é
obrigar a receber... Ao aceitarmos as defesas, em vez de atacá-las
de maneira direta, é preciso contornar as negações até descobrir
uma abertura por onde introduzir uma Ínfima tomada de consciência.
Depois, ele deve convidar o consulente a meditar sobre essa revelação
durante o tempo que for necessário e, uma vez que ela for bem
compreendida, voltar a escavar em sua memória com a ajuda de uma
nova leitura. "Para avançar um quilômetro é preciso dar um
passo" (Tao Te Ching). No entanto, o terapeuta, por um desejo de
poder, não deve tentar criar "clientela"... isto é,
consulentes que depositem nele/nela uma dependência infantil,
interpretando um papel de pai-mãe-prostituto que lhes serve de
aspirina emocional. O Tarot não cura, ele serve para detectar a
chamada "doença". Uma vez obtido isso, cabe a um
psicanalista, um psiquiatra ou um psicomago continuar o trabalho.
Todos os Arcanos pertencem ao
Tarot. É por isso que duas cartas observadas juntas, mesmo que
pareçam conter significados absolutamente diferentes, possuem
detalhes em comum. Diante de qualquer conjunto de cartas, épreciso
sempre buscar o maior número de detalhes que lhes sejam comuns.
Todos os seres humanos pertencem a
uma espécie comum e vivem no mesmo território, o planeta Terra. Por
esse motivo, duas pessoas reunidas, mesmo que sejam de raças,
culturas e situações sociais ou níveis de consciência diferentes,
possuem características comuns. O tarólogo, abandonando qualquer
veleidade de se sentir superior, deve captar essas semelhanças e
concentrar a princípio sua leitura nas experiências que o unem ao
consulente. Ninguém melhor que um "ex-doente" para curar
um "doente".
O mau tarólogo, que confunde
pensar e crer, enuncia interpretações caprichosas para depois
buscar nos Arcanos símbolos que possam confirmar essas conclusões.
Para ele, a verdade vem a priori, e é seguida a posteriori pela
busca da verdade.
Para adotar uma conclusão, é
preciso examinar os Arcanos sob o maior número de pontos de vista.
Depois, escolher as interpretações que melhor convenham ao nível
de consciência do consulente. E, em seguida, tirar as conclusões da
comparação das interpretações escolhidas em detrimento das
outras. Toda conclusão é provisória e só se aplica a um momento
da vida do consulente, pois foi tirada de interpretações que,
sendo feitas do ponto de vista do tarólogo, são limitadas.
Os testemunhos, apesar de sua
importância, são sempre interpretações pessoais de um fato e,
justamente por esse motivo, não lhes devemos conferir estatuto de
prova absoluta. Nada do que o tarólogo leu pode constituir prova de
um fato.
Dar conselhos a um consulente -
"Você deve fazer isso", "Você não deve fazer
aquilo" - é um abuso de poder. O tarólogo deve oferecer
possibilidades de ação, deixando que o consulente faça sua
escolha. O tarólogo não deve nunca ameaçar - "Se você não
fizer assim, eis o que vai lhe acontecer" -, pois os atos
realizados por obrigação, mesmo que pareçam positivos, agem como
maldições.
Se o leitor é antes de mais nada um
"eu", sendo incapaz de se tornar o espelho que reflete o
outro, na realidade ele utiliza o consulente para curar a si mesmo.
Em vez de ver, ele se vê. Em vez de compreender, ele impõe sua
visão do mundo. Em vez de despertar os valores do consulente, ele o
mergulha em um fascínio em que o tarólogo é o adulto e o outro a
criança. O tarólogo não é a porta, mas a campainha, ele não é o
caminho, mas o tapete que limpa o barro dos sapatos, ele não é a
luz, mas o botão do interruptor.
O tarólogo não deve fazer
promessas líricas ou elogios: "Você é uma alma nobre, você é
uma pessoa boa, vai dar tudo certo, Deus te recompensará etc.",
palavras inúteis que impedem a tomada de consciência. Para curar, o
consulente não deve fugir do sofrimento, mas encarar o sofrimento,
assumi-lo para em seguida dele se libertar. Um sofrimento conhecído
é mais útil que cem louvores.
Quando, aos vinte e quatro anos, em
um brutal acidente, meu filho Teo morreu, uma dor indescritível
desintegrou meu espírito. Como um leproso, assisti sua cremação.
Quando eu não achava que encontraria consolo possível, vi meu filho
Brontis se aproximar do corpo e colocar um Tarot de Marselha na mão
dele. Acompanhado do Tarot, ele foi cremado. Recebi uma urna com as
cinzas desses dois seres sagrados ... Desde então, e para sempre,
até o fim da minha existência, os Arcanos, mesclados ao meu filho,
ocupariam um trono em minha memória. Aquilo em que acreditamos
verdadeiramente e aquilo que amamos verdadeiramente são uma única
e mesma coisa... A imensa dor da perda de um ser amado destrói a
imagem que temos de nós mesmos. Se tivermos a coragem de nos
reconstruir, nós nos tornaremos mais fortes, ao mesmo tempo em que
compreenderemos melhor a dor dos outros.