terça-feira, 8 de julho de 2014

I CHING




O Livro da Transmutação

 

Marcelo Bolshaw Gomes

 

No início, era o Tao. Uno, indivisível, absoluto e eterno; o Tao é o número 1.

Então, veio a Terra. Receptiva, magnética e aberta à vida; a Terra é o número 2.

Em seguida, surgiu o Céu e a luz das estrelas. Criativo, o Céu é o número 3.

E com base nesses números, os antigos calcularam o valor de todas as coisas. Contemplaram as mutações na escuridão e na luz e de acordo com elas estabeleceram os hexagramas. Provocaram movimentos no firme e no maleável, dando origem, assim, às diferentes linhas. Colocaram-se em harmonia com o Tao e a Vida estabelecendo, de acordo com isso, a ordem do que é correto. Refletindo sobre a ordem do mundo externo até as últimas consequências e explorando a lei de sua própria natureza interna em seu núcleo mais profundo chegaram à compreensão do destino.         

 

História

O I Ching, o livro das mutações, é resultante da reflexão taoísta sobre as mudanças da natureza. Como sistema complexo de relações, ele é um sistema de representação de ‘momentos energéticos’, baseados na combinação da energia criativa (yang) com a energia receptiva (yin). Mais do que um simples oráculo, o I Ching é um livro de sabedoria e está presente em toda cultura chinesa: na arquitetura tradicional (Feng Shui), nas artes marciais (Tai Chi Chuan e Kung Fu) e na medicina (acupuntura, Shiatzu, Do in) taoísta.

Ele é formado por 64 hexagramas, diagramas de seis linhas combinadas, que podem ser yin ou yang. Cada hexagrama possui três tipos de texto: a Imagem, o Julgamento e as linhas. No caso de uma consulta ao oráculo, o consulente joga (através de moedas ou varetas) e chega a um determinado hexagrama, representando a resposta do livro à questão indagada. No texto da imagem, o consulente lerá a situação em que se encontra diante da natureza; no texto do julgamento, receberá conselhos de como agir em relação à situação; e no texto das linhas, verá detalhada todas às mutações do ciclo que o hexagrama representa.

Mas, esse formato é recente. O I Ching é um sistema de três mil anos, composto por várias camadas sobrepostas ao longo do tempo. O I Ching surgiu na pré-história chinesa como um conjunto de oito Kua, figuras formadas por três (oito trigramas) e seis linhas sobrepostas (os 64 hexagramas).

A origem dos 64 hexagramas (o texto da Imagem) é atribuída a Fu Hsi, o criador mítico chinês. O tempo obscureceu a compreensão das linhas, e no começo da dinastia Chou (1150-249 a.C.) surgiram dois textos anexados: o Julgamento, atribuído pela tradição ao rei Wên (em suas meditações quando estava preso), e as Linhas, atribuídas a seu filho, o duque de Chou, ambos fundadores desta dinastia. Mais tarde, quando o significado taoísta desses textos também começou a ficar obscuro, foram acrescentadas as Dez Asas (2006, p. 154-283), atribuídas a Confúcio e a Mêncio, no século VI a.C. O taoísmo e o confucionismo são formas bastante diferentes de pensar. O taoísmo é mais holístico, ligado à natureza e está ancorado na teoria dos cinco elementos (água, metal, madeira, ar e fogo); enquanto o confucionismo é mais voltado para ética de conduta em sociedade e para arte de governar. O livro escapou ainda da grande queima de livros feita pelo tirano Ch'in Shih Huang Ti. Nessa época, o I Ching era considerado um livro de magia e adivinhação, e a doutrina dualista do yin-yang foi sobreposta aos cinco elementos mutantes e à visão holística do taoísmo.

Há duas grandes traduções do I Ching para o ocidente: a do filólogo James Legge, a tradução comentada do chinês para o inglês (1882), que ressalta o aspecto histórico e científico, mas acaba reproduzindo interpretações mais recentes do texto (o confucionismo e o dualismo entre yin e yang); e a tradução do místico taoísta, Richard Wilhelm, do chinês para o alemão (1923), com a supervisão do mestre, Lao Nai Suan, que morreu na noite seguinte a ser concluída a tradução.

Elementos e estrutura

O Criativo conhece através do fácil. O receptivo é capaz de agir através do simples. Aquilo que é fácil; é fácil de conhecer. Aquilo que é simples; é simples de seguir. Aquele que é fácil de conhecer; conquistará lealdade. Aquele que é simples de seguir; conseguirá trabalho. Através do fácil e do simples pode-se aprender as leis do mundo inteiro. Na compreensão das leis de todo o mundo; está a perfeição. Tachuan – o grande comentário (2006, p. 217)

 

O Criativo é dinâmico. Através do movimento ele consegue com facilidade unir o que está dividido. Ele, portanto, está livre do esforço, pois atua sobre o infinitesimal, orientando o movimento a partir desse estado mínimo.

    O Receptivo é estático. Através do repouso o mais simples torna-se possível no âmbito do espaço. Essa simplicidade que surge da pura receptividade torna-se o germe de toda multiplicidade existente no espaço.

O Criativo é o Céu, e por isso é chamado o pai. O Receptivo é a Terra e por isso é chamada a mãe. Na união entre a Terra e o Céu, nasceram seis filhos: três homens (o Incitar ou o Trovão; o Abismal ou a Água; e a Quietude ou a Montanha) e três mulheres (a Suavidade ou o Vento; o Aderir ou o Fogo; e a Alegria ou o Lago).

O Criativo é forte. O Receptivo é maleável. O Incitar significa movimento. A Suavidade é penetrante. O Abismal é perigoso. O Aderir significa dependência. A Quietude significa imobilidade. A Alegria significa contentamento.

O Criativo manifesta-se na cabeça; o Receptivo, no ventre; o Incitar, no pé; a Suavidade, nas coxas; o Abismal, no ouvido; o Aderir (o resplendor), no olho; a Quietude, na mão; a Alegria, na boca.  Shuo Kua (2006, p. 210)

 

O firme e o maleável sucedem-se uns aos outros no interior dos oito trigramas. Assim, o firme torna-se maleável; o maleável endurece, tornando-se firme. Desta forma os oito trigramas se convertem uns nos outros numa sequência, e a alternância periódica dos fenômenos se processa.







Ao se praticar Tai Chi Chuan, algo semelhante acontece: a cada expiração a energia yang deve ascender do centro motor ao mental; e a cada inspiração é a energia yin deve subir, passando pelos três momentos.

A esse arranjo dos trigramas em pares de filhos/filhas chama-se Sequência do Céu Anterior ou Pa Kua Primordial. Esse arranjo remonta a Fu Hsi. Isso significa que essa ordenação já existia na época da compilação do Livro das Mutações, durante a dinastia Chou. Nesse arranjo, o Criativo se localiza no sul (representado do lado de cima) e o Receptivo no norte (representado no lado de baixo), correspondendo ao verão e ao inverno, respectivamente.

Há duas direções de movimento: a progressiva, crescente, no sentido horário; e a retroativa, decrescente, no sentido anti horário.

A primeira parte do ponto mais profundo, o Receptivo, terra do passado para o presente; a segunda parte do ponto culminante, o Criativo, céu, do futuro para o presente. Por exemplo: observando que uma semente do passado se tornou árvore no presente (movimento progressivo), podemos prever (regressivamente) que uma semente semelhante no presente se tornará uma árvore semelhante do futuro.

Além disso, os trigramas em pares simétricos (terra/céu, trovão/vento, água/fogo e montanha/lago) se completam e se anulam, garantindo assim a ordem do cosmo, acima de suas mutações e do acaso.

Céu e Terra determinam a direção. Montanha e Lago unem suas forças. Trovão e Vento estimulam-se um ao outro. Água e Fogo não se combatem. Assim, os oito trigramas se interligam.

Shuo Kua (2006, p. 205)

 

Os ciclos do tempo

O Pa Kua do Céu Anterior vem de um tempo imemorial. Nos últimos três mil anos, o Taoísmo se modificou e apareceram outros esquemas de organização dos trigramas, baseados na teoria dos cinco elementos, que são adotados na arquitetura tradicional (Feng Shui) e na etnomedicina chinesa.

Por exemplo, o arranjo de trigramas conhecido como o Pa Kua do Céu Posterior ou Ordem Interna do Mundo – atribuído ao rei Wen e a dinastia Chou. Nele, a distribuição dos trigramas se dá conforme as estações do ano e há uma nova correspondência com os pontos cardeais. Os trigramas são retirados de seu agrupamento em pares de opostos e apresentados segundo a sequência temporal em que se manifestam no plano fenomênico durante os ciclos anual e diário.

Também se estabelecem correlações novas entre os pontos cardeais e os trigramas. Agora o polo sul será o Aderir (fogo); e o norte, o Abismal (água).

Todos os seres surgem no Incitar, que se encontra a leste. Eles chegam à plenitude na Suavidade, que se encontra a sudeste. O Aderir é a luminosidade, na qual os seres percebem-se uns aos outros, e está no sul. O Receptivo significa cuidado, quando os seres se ajudam uns aos outros, e está a sudoeste. A Alegria é o outono, que proporciona contentamento a todos os seres, e está a oeste. Ele luta no Criativo, quando o obscuro e o luminoso incitam-se um ao outro, e está no noroeste. O Abismal significa o esforço a que todos os seres estão sujeitos, e está no norte. A Quietude, onde se consuma o começo e o fim de todos os seres, está no nordeste.

Shuo Kua (2006, p. 213)

 

O conceito de mutação

Mutação significa uma mudança de um estado para outro: de um trigrama para outro ou de um hexagrama para outro. O Livro das Mutações distingue três tipos de fenômenos: o Tao imutável, a mutação cíclica e a mutação não recorrente.

Toda mutação supõe um ponto de referência. O Tao imutável é espaço permanente que torna possível a mutação. Ele também é uma opção constante e uma decisão permanente que estabelece um sistema de correspondências que interliga todas as coisas. O mundo é um sistema de referências integradas, um cosmos, não um caos; graças à ideia do Tao imutável.

A mutação cíclica consiste numa rotação de fenômenos que se sucedem uns aos outros, até que se chega de volta ao ponto de partida – seja no sentido horário (evolutivo) ou anti-horário (involutivo).

 Trigrama
 Natureza
 Direção
Estação do ano
Horário
Fogo
Aderir
Sul
Verão
10:30~13:30
Terra
Receptivo
Sudoeste
13:30~16:30
Lago
Alegria
Oeste
Outono
16:30~19:30
Céu
Criativo
Noroeste
19:30~22:30
Água
Abismal
Norte
Inverno
22:30~01:30
Montanha
Quietude
Nordeste
01:30~04:30
Trovão
Incitar
Leste
Primavera
04:30~07:30
Vento
Suavidade
Sudeste
07:30~10:30

 

A mutação cíclica é a mudança periódica que se produz na vida orgânica, enquanto que a mutação não recorrente nunca retorna a seu ponto de partida. É uma mudança irreversível, uma passagem de um estado para outro fora das sequencias previstas. Ou, como define o tradutor da versão brasileira: “é uma mudança determinada por uma causalidade mecânica” – desconectada das sequências dos ciclos e do condicionamento simultâneo que as forças da natureza exercem sobre si e sobre o todo universo.

A teoria dos cinco elementos

A teoria dos cinco elementos (Wu Xing) é relativamente recente: foi estabelecida e sistematizada por Tsou Yen (Zou Yan), entre 350 e 270 a.C[1]., integrando diferentes saberes tradicionais de forma filosófica.

Ao contrário da teoria dos quatro elementos do ocidente, que acreditava que o fogo, a água, o ar e a terra seriam elementos primários formadores do mundo material; a teoria chinesa pensa seus elementos como 'estados' intermediários entre as mutações, 'mediações', semelhantes ao Pa Kua do Céu Anterior.

A teoria segue a mesma lógica dos Pa Kua's, em que há um movimento circular contínuo externo (nos dois sentidos) representando as mutações cíclicas; e uma simultaneidade interna, 'a Estrela da Dominação', que representa a interação e controle recíproco entre os cinco elementos, determinando a estabilidade do mundo em constante  mudança.

 

O ESQUEMA DOS CINCO ELEMENTOS

Ciclo da Nutrição *
Estrela da dominação
Madeira alimenta o Fogo
Madeira domina a Terra
Fogo alimenta a Terra
Terra domina a Água
Terra alimenta o Metal
Água domina o Fogo
Metal alimenta a Água
Fogo domina o Metal
Água alimenta a Madeira
Metal domina a Madeira

 

 

 

 

   * Invertido, o Ciclo da Nutrição torna-se Ciclo da Destruição e a Estrela da Dominação transforma-se na Estrela da Liberação.

 

A teoria dos cinco elementos interage diretamente com o Pa Kua do Céu Posterior e estabele um conjunto de analogias simbólicas (ou correspondências 'elementais') entre objetos distintos, gerando matrizes de associação que são utilizadas em diferentes áreas (etnomedicina, arquitetura, artes marciais, etc).

Elemento
Direção
Clima
Cor
Gosto
Emoção
Madeira
Leste
Vento
Verde
Azedo
Raiva
Fogo
Sul
Calor
Vermelho
Amargo
Alegria
Terra
Centro
Úmido
Amarelo
Doce
Preocupação
Metal
Oeste
Seco
Branco
Picante
Tristeza
Água
Norte
Frio
Preto
Salgado
Medo

 

Etnomedicina chinesa

A medicina tradicional chinesa é a denominação usualmente dada ao conjunto de práticas terapêuticas em uso na China, desenvolvidas ao longo dos milhares de anos de sua história. Ela é bem mais antiga que o I Ching e, antes dele, se confundia com xamanismo taoísta arcaico do Pa Kua do Céu Anterior, com o exorcismo de demônios e de espíritos animais.

Com o Pa Kua do Céu Posterior, a medicina chinesa passa a se fundamentar em uma estrutura teórica sistemática e abrangente, de natureza filosófica. Ela inclui entre seus princípios o estudo da relação de yin/yang, da teoria dos cinco elementos e do sistema de circulação da energia pelos meridianos do corpo humano.

A medicina chinesa acredita na auto cura do corpo humano e só utiliza a fitoterapia e outros medicamentos como seu último recurso para combater os problemas de saúde. Para ela, o corpo humano dispõe de um sistema sofisticado para localizar as doenças e redirecionar energia para curar os problemas por si mesmo. Os procedimentos terapêuticos externos devem sempre se focar em ajudar cuidadosamente as funções de regeneração e resiliência do próprio corpo, sem interferências. São sete os principais métodos de tratamento da medicina tradicional chinesa: massagens; acupuntura; moxabustão; ventosaterapia; fitoterapia; terapia alimentar; e práticas físicas, como Tai Chi Chuan: exercícios integrados a prática de meditação relacionada à respiração e à circulação da energia.

Tanto tratamento como o diagnóstico usa como referência o sistema de correspondência baseado nos seguintes princípios do I Ching: a relação de Yin/Yang; o esquema dos cinco elementos; e os oito princípios do Pa Kua; acrescentados os meridianos principais de energia espalhados pelo corpo.

Há 12 meridianos principais, seis yin e seis yang entrelaçados entre si em pares opostos; sendo que dez estão relacionados aos cinco elementos e dois (o do pericárdio e o do triplo aquecedor) desempenham um papel mais geral de supervisão e controle.

 

Sistema de meridianos dos órgãos - Yin

Meridiano
Localização
Elemento
Planeta
Fígado
Pés/tronco
Madeira/yin
Júpiter
Coração
Tronco/mãos
Fogo/yin
Sol
Baço- Pâncreas
Pés/tronco
Terra/yin
Saturno
Pulmão
Tronco/mãos
Metal/yin
Júpiter
Rins
Pés/Tronco
Água/yin
Vênus
Pericárdio
Tronco/mãos
O ‘grande yin’

 

Sistema de meridianos das vísceras - Yang

Meridiano
Localização
Elemento
Planeta
Vesícula biliar
Cabeça/pés
Madeira/yang
Marte
Intestino delgado
Mãos/cabeça
Fogo/yang
Mercúrio/lua
Estomago
Cabeça/pés
Terra/yang
Saturno
Intestino grosso
Mãos/cabeça
Metal/yang
Mercúrio/lua
Bexiga
Cabeça/pés
Água/yang
Lua/Saturno
Triplo aquecedor
Mãos/cabeça
O ‘grande yang’

 

Arquitetura tradicional

Feng Shui é a arte chinesa de organização espaço temporal da energia, que estuda a relação do homem com o meio ambiente, baseado na observação das estrelas, dos fatores externos diversos; e da disposição interior dos móveis, cores e objetos de cada local. Esse saber teve sua origem em antigos mestres taoístas que estudavam a natureza e entenderam como a energia se comporta e como pode ser redirecionada para propiciar saúde e prosperidade. 

Comparem-se os benefícios que o Feng Shui pode proporcionar a um espaço aos resultados que a acupuntura pode oferecer a um enfermo. Da mesma forma que o acupunturista, diagnostica os bloqueios na circulação de energia de um paciente e aplica agulhas em uma parte do corpo para curar outra, o consultor de Feng Shui detecta as influências em um ambiente e recomenda medidas em uma área particular do imóvel que são capazes de alterar as características da circulação de energia no todo.

As práticas de Feng Shui também são anteriores ao aparecimento do texto do I Ching, influenciando e sendo influenciadas por ele. Os mestres antigos constataram que o ambiente era influenciado por duas forças fundamentais: vento e água. Em um segundo momento, também consideraram as estrelas da data de fundação do imóvel e do nascimento de seus habitantes (em geral, pelo método dos quatro pilares: hora, dia, mês e ano).

Com o passar dos séculos várias metodologias e técnicas foram criadas e esquecidas. Além do estudo das forças fundamentais do ambiente e das diversas técnicas astrológicas, o Feng Shui passou orientar a escolha do local em que a edificação deve ser construída; determinar o polo norte através de uma bússola astrológica, Lu Pan, associando-o sempre a entrada da casa; e, finalmente, analisar e propor mudanças na organização interna do ambiente de acordo com harmonia entre os cinco elementos.

As escolas de Feng Shui mais conhecidas na atualidade são: a Escola da Forma, ou das Oito Casas (Ba Zhai) linha taoísta mais tradicional; a Escola da Bússola, ou das Estrelas Voadoras (Fei Xin) da tradição taoísta mais contemporânea e complexa; e a Escola do Chapéu Preto, linha norte americana derivada do budismo tântrico tibetano.

Boa parte do Feng Shui divulgado no ocidente deriva dessa última escola, que simplifica consideravelmente a tradição chinesa, eliminando sua referência macro-cósmica, e dando mais ênfase a decoração interna de ambientes do que a construção de casas. Os consultores de Feng Shui dessa escola, de acordo com isso, analisam qual o elemento dominante ou em desequilíbrio, e, conforme os dois ciclos, adicionam ou retiram outros elementos harmonizando assim o ambiente. O Feng Shui fica, assim, reduzido à harmonização do ambiente interior através da teoria dos cinco elementos e de seus dois ciclos.

Para as escolas taoístas, cada avaliação de Feng Shui é única, relativa às influências magnéticas do local, da edificação e de seus habitantes. A base para o entendimento dessas influências é a orientação do imóvel em relação aos campos eletromagnéticos em geral (pontos cardeais, elementos, etc) e as características (históricas e astrológicas) do momento em que foi construído. As escolas taoístas têm metodologias e técnicas diferentes, mas não utilizam os cinco elementos descontextualizados do meio ambiente no qual o imóvel se encontra inserido.

Artes marciais

Embora na versão oficial da República Popular da China, o Tai Chi Chuan tenha sido foi criado por Chen Wangting (1600-1680) na passagem da dinastia Ming para a dinastia Qing; assim como a medicina tradicional e o Feng Shui, as artes marciais chinesas também são anteriores ao texto do I Ching. E também se baseiam no sistema de trigramas. Durante séculos, assumiu várias formas e se inspirou de diferentes modos no Pa Kua (Oito Trigramas), na relação de yin e yang, nos cinco elementos e no sistema de meridianos.

As sequências de movimentos marciais mais antigas conhecidas são parcialmente baseadas no Pa Kua do Céu Anterior; em um período intermediário, os cinco elementos inspiraram estilos de luta e movimentos miméticos dos cinco animais (tigre-metal, dragão-água, urso-terra, macaco-madeira, grau-fogo); e mais recentemente, em suas aplicações mais terapêuticas, há sequências de movimentos direcionadas para o alongamento e energização dos meridianos. Os criadores originais do Tai Chi Chuan basearam sua arte na observação da natureza - não apenas na observação dos animais, mas também no estudo dos princípios da interação entre os diversos elementos naturais.

Como arte marcial, o Tai Chi Chuan, em sua forma atual, se baseia em treze conceitos fundamentais. Estas posturas/movimentos são reconhecidas nas diversas formas praticadas pelos diferentes estilos. Cada escola interpreta estes treze conceitos com pequenas variações. Os treze movimentos são conhecidas como "as oito portas” (associadas aos trigramas do Pa Kua) e “os cinco passos" (relacionados aos cinco elementos).

O uso oracular

Como oráculo, o I Ching tem algumas diferenças com outros métodos. O Tarô, por exemplo, é formado por imagens iconográficas do inconsciente e é interpretado por outra pessoa. Os hexagramas não são ‘imagens do inconsciente’, mas diagramas que representam ideias sobre as transições e mudanças da natureza que governam nossas vidas. E, o mais importante no livro das mutações, é o próprio consulente que interpreta o oráculo, a partir dos textos e de sua imaginação.

O I Ching nunca falha; quem pode falhar é o consulente! Se a pergunta não foi clara e precisa, se a pessoa não tem clareza sobre o que deseja saber, então não entende a resposta. Há pessoas que, para focar a atenção na consulta, rezam ou fazem rituais antes de jogar. Assim, o livro das mutações, mesmo em seu uso oracular, é uma forma de meditação sobre as mutações da natureza, sobre si mesmo e sobre os contextos social e espiritual, em que se está inserida. O I Ching, abrangendo o significado essencial das diferentes situações da vida, dá ao homem condições de construir para si uma vida significativa, realizando, em cada caso, aquilo que a situação exige - segundo uma ordem e sequência perfeitas.

Para o jogador recorrente, o essencial passa a ser como dar à sua vida uma forma que corresponda a essas ideias, de modo a que a própria vida se torne um com as mutações – ou melhor: uma transmutação. Nesse sentido, o I Ching, ao invés de se subintitular o Livro das Mutações, deve-se ser chamado de O Livro da Transmutação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

WILHELM, Richard. I Ching: o livro das mutações / tradução do chinês para o alemão, introdução e comentários Richard Wilhelm; prefácio C. G. Jung; introdução à edição brasileira Gustavo Alberto Corrêa Pinto; tradução para o português Alayde Mutzenbecher e Gustavo Alberto Corrêa Pinto. São Paulo: Pensamento, 2006.




[1]    Wikipedia: 

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Lenda de Ogum

Conta uma lenda que ao chegar a cidade de Ifé, Ogum ficou furioso. Ele falava com as pessoas, mas ninguém o respondia. Isto aconteceu sucessivas vezes, e sempre que se dirigia a um morador da aldeia só tinha silêncio. Ele achou que as pessoas da aldeia estavam zombando dele e num ato de fúria usou seu poder e matou a todos que ele pensava estarem o humilhando.

Um dia ao passar por outra aldeia ele contou a um ancião o ocorrido e este lhe disse que na aldeia por onde Ogum passara as pessoas, naquela época do ano, faziam um voto de silêncio por alguns dias.

Ao saber de seu engano, Ogum ficou envergonhado e enfurecido. E empunhando sua espada contra si mesmo, como um guerreiro desonrado disposto a acabar com a própria vida, gritou; "Ogunhê!" Então, o chão se abriu o rei-guerreiro se tornou um Orixá do ferro, protetor dos mais fracos e todos aqueles que sofrem injustiças e perseguições.

TALVEZ

Há um conto Taoísta sobre um velho fazendeiro que trabalhou em seu campo por muitos anos. Um dia seu cavalo fugiu. Ao saber da notícia, seus vizinhos vieram visitá-lo.
 
"Que má sorte!" eles disseram solidariamente.
 
"Talvez," o fazendeiro calmamente replicou. Na manhã seguinte o cavalo retornou, trazendo com ele três outros cavalos selvagens.
"Que maravilhoso!" os vizinhos exclamaram.
 
"Talvez," replicou o velho homem. No dia seguinte, seu filho tentou domar um dos cavalos, foi derrubado e quebrou a perna. Os vizinhos novamente vieram para oferecer sua simpatia pela má fortuna.
 
"Que pena," disseram.
 
"Talvez," respondeu o fazendeiro. No próximo dia, oficiais militares vieram à vila para convocar todos os jovens ao serviço obrigatório no exército, que iria entrar em guerra. Vendo que o filho do velho homem estava com a perna quebrada, eles o dispensaram. Os vizinhos congratularam o fazendeiro pela forma com que as coisas tinham se virado a seu favor.
 
O velho olhou-os, e com um leve sorriso disse suavemente:
 
"Talvez."

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

A porta aberta

Há ainda um conhecida anedota sufi sobre um jovem casal, que, chegando em sua casa nova, logo após o casamento, para passar a primeira noite da lua de mel, se esqueceu de fechar a porta de entrada. Quando já iam em beijos, a noiva lembrou:
 
- Meu amor, a porta está aberta.
- Pois é, meu bem, a porta está aberta.
- Vá fechar.
- Eu não. vá você.
- Eu não. vá você.
- Eu não. vá você.
- Eu não. vá você.
 
Combinaram, então, que o primeiro a se mexer teria que fechar a porta e ficaram parados, qual duas estátuas, imóveis no centro da sala de estar.
 
Acontece que passavam por ali alguns ladrões e vendo aquela casa nova, cheia de presentes, completamente aberta e com tudo acesso; decidiram levar algumas coisas.
 
Os vizinhos avisaram a polícia, que quando chegou só encontrou a casa vazia, ou melhor, com o jovem casal parado imóvel no centro da sala vazia. O policial, então, perguntou:
- O que houve aqui?
 
Como não obteve resposta, o oficial ia levar o noivo quando então a mulher falou:
- Por favor, seu policial, não leve meu noivo.

Foi então que esse disse com cara de vitorioso:
- Você falou primeiro, agora feche a porta!

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A estória de Bal Shem Tov


O amado Bal Shem Tov estava à morte e mandou chamar seus discípulos.

- Sempre fui o intermediário de vocês e agora, quando eu me for, vocês terão de fazer isso sozinhos. Vocês conhecem o lugar da floresta onde eu invoco a Deus? Fiquem parados naquele lugar e ajam do mesmo modo. Vocês sabem tudo isso, e Deus virá.

Depois que o Bal Shem Tov morreu, a primeira geração obedeceu exatamente às suas instruções, e Deus sempre veio. Na segunda geração, porém, as pessoas já se haviam esquecido de como se acendia a fogueira do jeito que o Bal Shem Tov lhes ensinara. Mesmo assim, elas ficavam paradas no local especial da floresta, diziam a oração, e Deus vinha.

Na terceira geração, as pessoas já não se lembravam de como acender a fogueira, nem do local na floresta. Mas diziam a oração assim mesmo, e Deus ainda vinha.

Na quarta geração, ninguém se lembrava de como se acendia a fogueira, ninguém sabia mais em que local exatamente da floresta deveriam ficar e, finalmente, não conseguiam se recordar nem da própria oração. Mas uma pessoa ainda se lembrava da história sobre tudo aquilo e a relatou em voz alta. E Deus ainda veio.

ESTES, Clarissa Pinkola. O dom da história – uma fábula sobre o que é suficiente. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998. Pág.s 08-09

o amor suficiente


Há uma antiga estória que conta um casal muito pobre iria comemorar o Natal. O rapaz, trabalhador, incansável desejava levar algo para ceia e um presente para sua amada, mas não tinha o suficiente. A moça, por sua vez, também queria dar um presente para seu dedicado esposo, embora não tivesse como. Seu único bem era um relógio de bolso, herança de seu avô, que carregava sempre nas calças. O jovem, então, decidiu vender o relógio para comprar um panetone, cidra e um belo pente artesanal para sua esposa pentear seu longo cabelo preto. Ela, do outro lado, para comprar uma corrente para relógio do marido vendeu sua cabeleira a um peruqueiro.
Naquela noite de natal, quando descobriu que cada um havia dado o que tinha de mais valioso para si em troca de algo que não mais seria útil para o outro, o casal descobriu que o amor verdadeiro, a dádiva, era o mais importante dos presentes. E que aquilo era suficiente.

Resumo da estória contada por ESTES, Clarissa Pinkola. O dom da história – uma fábula sobre o que é suficiente. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998. Pág.s 19-27

sábado, 15 de dezembro de 2012

A RODA DA PAIXÃO


por Keith Dowman



Keith Dowman estudou com S. S. Dudjom Rinpoche, é o tradutor da biografia de Yeshe Tsogyel (retirada do ciclo de termas descobertos por Taksham Nuden Dorje e publicada em inglês com o título "Sky Dancer"), e atualmente organiza peregrinações pelos lugares sagrados do Budismo Vajrayana. Neste excelente ensaio retirado de seu site na Internet (http://www.keithdowman.com) ele fala com muita propriedade da sexualidade humana no contexto dos venenos mentais.

 

Há muitos ciclos no fluxo de nossa experiência. Os ciclos macrocósmicos são os incontáveis renascimentos, o ciclo do nascimento até a morte, ciclos (ou uma espiral) de sete anos de amadurecimento do corpo-mente, o ciclo anual das estações, o ciclo lunar com seu ciclo feminino correspondente, o ciclo diário, etc. Os ciclos internos microcósmicos são a rotação entre atração, aversão, desinteresse e de novo atração, da felicidade até a tristeza e de volta, da aberta extroversão social à introversão anti-social. Todos estes ciclos de experiência compõe a roda da vida, também chamada de roda do tempo, já que as mudanças da vida têm origem no tempo em constante mutação. A roda externa gira devagar, a roda interna muito rápido. A velocidade giratória da roda interna é determinada por muitos fatores diferentes. Emoções voláteis aceleram a roda, consciência plena de cada momento de experiência emocional a retarda. Ações impulsivas a aceleram, paciência a retarda. Indulgência acelera, disciplina retarda. Gira depressa na juventude, quando as mudanças acontecem em rápida sucessão, e paulatinamente fica mais devagar enquanto envelhecemos e as mudanças diminuem. Independente da velocidade, a roda da vida compõe nossa vida interior e nossa experiência, e dentro dela somos controlados por nossas emoções.
 
É simples ilusão acreditar que estamos em controle da roda, que o ego que pensa a domina, olhando de perto fica evidente que nossos pensamentos são reflexos de nossos sentimentos. É como se o volante fosse guiado pelas curvas na estrada, não pelas mãos que o seguram. O rabo do cachorro é o nosso pensamento, o cachorro é nossa emoção, e é o cachorro que abana o rabo, não o rabo que abana o cachorro. Mesmo quando nossos sentimentos são profundamente reprimidos e a mente racional domina, ainda assim nossos pensamentos são determinados de forma sutil por nossos sentimentos inconscientes.

A roda da vida gira veloz e furiosa especialmente na juventude, quando podemos estar sentados no topo do mundo em um minuto e logo nos encontramos jogados num espaço alienado solitário de raiva e ódio. Particularmente na adolescência as oscilações emocionais do processo são ativadas pelos impulsos sexuais e a carga emocional tem uma fonte sexual. O sentimento de autoconfiança num mundo colorido surge mais freqüentemente de uma sensação de satisfação sexual no qual um corpo-mente juvenil é lisonjeado pelo amor, pela concessão de simpatia e sensualidade. Quanto maior a sensação de auto-admiração e auto-congratulação mais intensa a dor e perda quando nosso objeto de amor está compartilhando prazer com outra pessoa. A inveja obceca a mente completamente. Retirado do objeto de amor e sem nenhuma chance de satisfação, o estado de mente equivocado em que estamos recebe reações negativas de outros parceiros, e a frustração aumenta. A angústia dessas algemas torna o mundo inteiro negro e mesmo amigos parecem inimigos, seus comentários comuns tornam-se dardos ameaçadores. Ira e violência inconscientes contra pessoas ou coisas é geralmente uma saída possível dessa armadilha, e giramos num mundo frio fechado em si mesmo onde somos presas igualmente de nossos amigos e inimigos. Quando essa catarse completa-se, a energia desgasta-se, podemos retornar a humanidade novamente para encontrar a possibilidade do amor e da comunicação. São estágios no ciclo do amor-apego adolescente e a roda pode girar completa em um minuto, uma hora ou um dia.

Então a roda da vida pode ser articulada como a roda do desejo sexual e apego. Força vital, luxúria pela vida e sexo com um apetite voraz por prazer são seus mecanismos, e toda a gama de emoções é posta em movimento. Enquanto envelhecemos nossos padrões de hábitos sexuais estabelecem-se, nossas preferências sexuais ficam mais explícitas, e torna-se evidente qual emoção, qual disposição de mente na roda do apego sexual nos domina. Podemos ficar presos num mesmo estado por dias, meses ou mesmo anos, e de acordo com nossas personalidades sexuais aproximamo-nos dos arquétipos que nos definem sexual e socialmente. Somos a vítima ou virgem eterna, o sensualista, o competidor, o viciado em sexo, o demônio ou terrorista sexual, o predador — ou o iogue do amor búdico. Estes rótulos denotam tipos psicossexuais, tipos de personalidade sexual. Cada personalidade é dominada por uma emoção daninha particular, que colocadas na vida sexual geram um complexo psicossexual tirânico. Estas emoções são especificamente ansiedade, orgulho, luxúria, inveja, raiva e medo.

A Eterna Virgem

A ansiedade está na raiz da psique de todos nós e o medo é o veneno da mente. Todas nossas respostas sexuais surgem da ansiedade. Esta é estabelecida de nosso sentido de separação, de nossa solidão, que surge no nascimento com o fim de nossa unidade com a mãe no útero e a entrada num mundo alienígena. Enquanto crescemos e nossa consciência amadurece, ficamos mais e mais conscientes de nossa separação e isolamento do exterior. Há um rompimento entre o "Eu" e o outro, "Nós" e "o inimigo", e, olhando para o mundo de dentro de uma bolha, a ansiedade surge com todas as percepções. Quando algo ameaçador é percebido fora, quando "o outro", "o desconhecido", ameaça invadir nosso espaço, então a ansiedade gira rápido e a adrenalina jorra em nosso corpo-mente. Quando o desconhecido é um homem ou mulher excitado ameaçando a invasão de nossos corpos, o medo cria um muro de proteção que nos "protege" de seus avanços.

A virgem, incerta de sua identidade sexual, é muito consciente desse mecanismo, mas ele aflige — e protege — todos nós. Quando encontramo-nos num estado de ansiedade, inseguros de nossa identidade pessoal, social e sexual, a ansiedade surge na mente. Se temos egos imaturos, como na juventude, então precisamos escalar uma montanha de mente de forma a ganhar um sentido de quem somos. Não podemos nos engajar sexualmente ao menos que haja confiança suficiente para banir essa ansiedade básica. E a perda do ego só é possível depois que o ego formou-se e possui um forte sentido individual e, da mesma forma, o orgasmo não é atingível até que um limiar de tensão seja alcançado onde o relaxamento permita alívio e ejaculação. Se nossos egos estão formados, como quando somos adultos, mas um sentido de inferioridade ou baixa auto-estima nos contamina, novamente somos presas da ansiedade que inibe o ato sexual.
Abuso sexual na infância, experiências dolorosas ou traumáticas na adolescência, repetida rejeição, relacionamentos infelizes, qualquer um destes pode induzir a ansiedade que reforça uma resposta habitual negativa aos avanços sexuais. O desejo não é forte o bastante para romper através da resistência e a rejeição torna-se uma resposta automática. O desejo é reprimido e um celibato indesejável, ou pelo menos equivocado, é forçado. Porém podem surgir circunstâncias externas em que as barreiras se rompem — através do álcool, pelo sentimento de segurança completa com um determinado parceiro que gera aumento incomum na autoconfiança — e a paralisia enfim relaxa. A perda da virgindade pode então ocorrer, mas neste caso impotência, ejaculação prematura e incapacidade para alcançar o orgasmo podem acontecer. Tire todas as condições externas e estamos de volta à velha síndrome da virgindade perpétua e da mentalidade "chá de cadeira". Se nossa excitação heterossexual é freqüentemente frustrada pela ansiedade, se o medo do sexo oposto é um obstáculo insuperável à realização, então o fluxo do desejo pode desviar-se para a opção menos ameaçadora do apego ao mesmo sexo, e forma-se um hábito homossexual. Falta de experiência pode levar a atrasar nosso desenvolvimento sexual e podemos ficar presos numa prática pré-adolescente aparentemente inofensiva que leva ao sexo com crianças. Podemos também tomar refúgio no auto-amor e narcisismo que torna a masturbação o escape comum.

A ansiedade vem juntamente com cada resposta sexual, mas a irrepreensível, inegável, emoção da luxúria, alimentada pelo orgulho e inveja, geralmente a dissolve e supera. Se fatores de inibição evitam este processo, a excitação heterossexual desvia-se. Mas há outra forma de desvio — a síndrome de vítima. Virgens eternas de ambos os sexos podem cair nesta armadilha, mas como a natureza fez a mulher com uma psique mais frágil e a fazem mais propensa a passividade e a submissão, sua vulnerabilidade maior torna-a mais suscetível. A vítima não precisa mais do que obedecer, permitindo que suas tendências de rejeitora sejam ofuscadas, sem tomar responsabilidade por suas ações. Se ela tem uma história de abuso na infância, estupro ou tratamento indelicado de corpo ou de mente em algum ponto de sua existência —qualquer experiência sexual que destrua a auto-estima — então a síndrome já está parcialmente formada. Ela pode cair vítima de qualquer dos tipos psicossexuais: ao sensualista que a utilizará como um brinquedo ou como um estimulante erótico, ao competidor que exige total obediência e a mantém sob seu completo domínio, ao viciado em sexo que nela despeja sua frustração, ao demônio sádico que pode levá-la as mais baixas de suas espúrias inclinações, e ao predador que a possui e abandona de acordo com sua vontade. A vítima pode fazer um casamento desigual, onde ela é usada e abusada ou pode ser forçada à opção mais torpe — prostituição.

Os Sensualistas ou Deuses do Amor

Amor é um meio eficaz de dissolver a ansiedade e romper a paralisia dos efeitos do medo. É um antídoto eficaz contra o veneno mental do medo. Ser amado é sentir-se seguro sexualmente e induz a confiança na qual mutualidade sexual pode surgir. Perdemos todas as inibições. Estar amando é um estado aberto onde o dar e receber físico são uma alegria. Neste estado podemos preencher as necessidades sexuais tanto nossas quanto de nosso parceiro e entregarmo-nos a nossos caprichos sexuais. Pode não ser na primeira noite, no leito de núpcias, que as coisas se ajeitem, mas na lua-de-mel de um casamento ou de um caso amoroso, há tempo e meios para experimentações e explorações que levem a uma compreensão e resposta física às necessidades e preferências mútuas. As preferências eróticas são reveladas, zonas erógenas exploradas, posições sexuais testadas, e os parâmetros mais satisfatórios de tempo e espaço são determinados — tudo isto como um fim em si mesmo, não como um meio de estabelecer um padrão físico de comportamento. Com o conhecimento crescente dos corpos-mente de cada um, nossas identidades sexuais são focalizadas, e isto aumenta a auto-confiaça, incrementa a auto-estima e cria um ambiente para o desenvolvimento dos elementos básicos do amor erótico que já foram estabelecidos.

Talvez, neste ponto, se somos confiantes o suficiente em nós mesmos, então o elemento emocional no relacionamento torna-se menos significativo. Somos apanhados pela simples intensidade sensorial do toque e da sensação nas preliminares e união física que se prolongam por horas em múltiplas sessões diárias de brincadeiras sensuais. Sexo e amor são a razão para existir e tornam-se prioridade. Apreciamos e elogiamos a beleza um do outro. Nossos corpos respondem de maneiras anteriormente inimagináveis. Nos completamos através da comunicação entre nossos corpos e da troca de fluidos sexuais. O orgasmo nos dá um gostinho de prazer divino, e a satisfação mútua insinua a totalidade divina do ser. Fantasias são realizadas — o que quer que façamos é nossa fantasia realizada instantaneamente. A adoração mútua amplifica a sensação de ser um deus e uma deusa num paraíso sensual. Porque não podemos prevenir um fluxo de felicidade para fora de nossa bolha de união — e todos amam um amante — nosso estado paradisíaco de ser reforça-se socialmente.

Até quando isto durará? Quando começará a apodrecer? Quanto demora para virar rotina? Quanto demora até que o amor seja contaminado por incompatibilidades de personalidade? Quanto demorará até que a rotina e diminuição da interação diária criem dúvidas mesquinhas, medos e sementes de desconfiança? Pode ser uma hora ou uma vida inteira, mas eventualmente aquele brilho inicial de prazer inocente declina. Geralmente é um sentido de "eu" que anuncia esta perda. Tornamo-nos empanturrados de ego, pensando que é um "Eu" que cria a situação. A vaidade introduz-se. Perdemos a vergonha ao fazer amor, todo sentido de humildade a frente do grande enigma do amor é perdido, e ostentamos nosso sexo para nosso parceiro e para o mundo em geral. Já não há frescor e pureza na exploração sensual e o desabrochar do amor se dissolve. Levados por um hábito condicionado e pela ânsia de reconquistar as alturas da fase de lua-de-mel, continuamos com a mesma paixão desinibida, mas nossos sentidos estão cansados. Aos outros nossa persona é feia e perdemos credibilidade e apoio social.
Ainda com um orgulho e autoconfiança inabaláveis, recebendo continuamente prazer, permanecemos neste reino de prazer divino, e juntamo-nos aos muitos sensualistas de carreira. Não mais precisamos de nosso primeiro e pequeno amante e a variedade da experiência sexual torna-se o tempero do prazer. Então ficamos presos em um paraíso sensual com uma sucessão de amantes — ou cônjuges — que concedem-nos mais da mesma satisfação e também, até certo ponto, satisfação emocional. Tornamo-nos aristocratas sexuais, prima donnas e estrelas, experimentados e fáceis num ambiente sibarítico, alguém com sorte no amor. Este é o mundo do playboy, da cortesã e da gueisha. Tomamos isto como garantido e ficamos desdenhosos de um parceiro que ainda tenha um mínimo de vergonha e conseqüente inibição. A massa dos neuróticos sexuais é tratada com desprezo e ao sibarita entediado a vontade de fazer jogos de poder com deuses menores e meros mortais suscetíveis à inveja ou levados a competição é um prazer. Nenhuma pena ou compaixão modifica essas atitudes ou ameniza as regras dos jogos, e nossos parceiros sofrem. Usamos e abusamos do sexo oposto como brinquedos, como prostitutas ou gigolôs. Uma sem-vergonhice que pode parecer aos outro como obscena ou lasciva distingue nossa atividade sexual. Ficamos com múltiplos parceiros ou programamos orgias para maior estímulo erótico. Qualquer orifício é tão bom quanto qualquer outro para penetração e gratificação. A bissexualidade é um recurso para o apetite entediado, e o sexo anal ou oral se tornam finalidades e não meros aspectos de preliminares. Os charmes de virgens, jovens, e parceiros exóticos podem ser particularmente tentadores ou atraentes. Os dogmas do Maquês de Sade podem tornar-se nosso credo como uma fuga do declínio inevitável do corpo envelhecido e da desilusão mental.

Os Competidores

A fase lua-de-mel dura somente o enquanto o tecido do relacionamento permanece inteiro. Quando aparecem rupturas na mutualidade da vivência sexual, quando desigualdades percebidas surgem, fracassos no dar e receber recíprocos, desentendimentos de motivo e intenção, o amor está envenenado e a desconfiança dá espaço para ciúmes reais ou imaginários. O ciúme desenvolve-se de nossa desconfiança. Aqui não há necessidade de um terceiro. Se duvidamos da motivação de nosso parceiro então nosso ciúme primeiro surge simplesmente como uma constante vigilância acompanhada de uma atitude de defesa. Se os fracassos em nosso amor persistem então a atenção ansiosa torna-se possessividade, que pode ser criada pelo amor, mas é contraproducente e aumenta a tensão no espaço entre nós e nosso parceiro. Neste espaço a competitividade se desenvolve. Se somos objeto de ciúmes, percebemos uma vantagem emocional perante nosso parceiro possessivo e defensivo e a exploramos. Se somos aquele marcado pelos ciúmes, então o domínio de nosso parceiro aumenta a desconfiança, nossos ciúmes exacerbam-se e precisamos da sensação de controle para contra-atacar a insegurança presente. O palco agora está pronto para uma guerra dos sexos por controle e dominação. Alguma forma de amor degenerado ainda está presente, ela nos gruda ao relacionamento, e esse apego —talvez seja apenas a memória de uma fase mais generosa de relacionamento — exclui a possibilidade de apenas ir-se embora.

Ainda lembrando a sensação de poder e saciedade divina da fase de lua-de-mel, ainda auto-satisfeitos e convencidos pela memória destes momentos de divindade, ficamos amargos por sua perda. Sentido-se ameaçados no espaço da separação, procuramos nosso ego como refúgio, elevando-nos e colocando o parceiro e adversário para baixo com desprezo e desdenho. Confrontação física e verbal marcam nosso relacionamento. Tecemos redes de intriga alistando aliados para a guerra. A mulher— com maior suscetibilidade aos ciúmes — e o inferno não conhece fúria igual a de uma mulher traída — corroendo seu coração nesta era de feminismo, pode alistar um exército de mulheres a seu lado e o relacionamento torna-se uma guerra dos sexos na qual o caminho da opção pelo lesbianismo pode tornar-se uma desagradável arma estratégica. Outros objetos de amor ou parceiros sexuais podem ser trazidos para o relacionamento como armas táticas. O macho, porém, retirado de sua equanimidade, crescentemente toma refúgio numa atávica mente masculina para combater as trapaças da mulher, o que por sua vez leva a ainda maiores excessos da parte dela.

Toda essa castração ciumenta pode impedir a prática sexual. Mas logo ontem estávamos satisfazendo um ao outro todas as noites com resposta mútua intuitiva e sensível, e a partir do hábito e do desejo energizados pelo combate, a batalha pode tomar formas físicas e emocionais na cama. Aqui a paixão do ciúmes transporta-se para o desejo, e a amargura mútua torna-se estímulo e satisfação recíprocos. A ânsia para controlar focaliza a atenção em técnicas de sedução, excitação e fuga, que refinam e sofisticam as preliminares e a união. Tais técnicas podem refinar-se em jogos sadomasoquistas nos quais ambos parceiros conseguem gratificação em posições de submissão e dominação. Mas tais momentos de reaproximação e gratificação mútua tornam-se menos freqüentes a medida que a espiral de combate alarga-se e cada mais aumenta a distância entre os parceiros, o que causa uma desconfiança idêntica a uma paranóia, e então chega o momento da separação ou do divórcio.

O hábito da competição nos seguirá após o relacionamento de origem até a arena da procura por outro parceiro. Aqui a energia de nossa ambição de dar-se bem e vencer, não só numa competição sexual, mas em todos os aspectos da vida, será vista como uma qualidade desejável por um parceiro igualmente ambicioso. Mas se nossa sorte acabar e se somos rejeitados por nosso escolhido, trocados por um amigo talvez, e então nossa outra melhor escolha nos abandona por um par na corrida dos ratos, a velha propensão para o ciúme é inflamada num espaço sem amor, solitário, onde podemos facilmente virar presas de um ciúmes obsessivo. A inveja daqueles que ainda nadam em seus ambientes sibaríticos de gratificação mútua é sentida como arames-farpados em nossa carne. Aqui somos os amargos cínicos que de caso pensado incendiam os balões de outras pessoas, frustramos seus planos, afundamos seus negócios, promovemos a motivação negativa e tentamos desviá-los a cada momento num jogo constante de um homem só. A política sexual e o próprio sexo são aqui um jogo sem amor, jogado com uma desconsideração sem misericórdia pelos sentimentos envolvidos na competição. Acumulando habilidades verbais e políticas nesta dança de ciúmes e inveja tornamo-nos o político da cama, o manipulador sexual, o jogador obcecado pela derrota do competidor e pelo troféu, ou nosso parceiro. Mas durante os procedimentos uma paranóia assustadora nos compele a olhar repetidas vezes sobre nossos ombros vigiando atrás, e nos entupimos de suspeitas. Estamos alienados constantemente, e com esta sensação de exclusão da sociedade e do sexo oposto, nossa frustração e ansiedade aumentam paulatinamente.

Viciados em Sexo

O viciado em sexo pensa no assunto como se fosse o elixir da vida. Ele é obcecado por seu desejo ao ponto da exclusão de todo o resto. Mas ele não consegue se dar bem. Ele precisa, mas não consegue. A intensidade dessa ânsia insaciável impede a gratificação. Se através da intervenção divina ele consegue, não encontra satisfação alguma. Ele divaga invisivelmente numa busca constante de alívio num deserto sexual sem romance, erotismo ou estímulo sensual. A intensidade grosseira de sua necessidade o torna repugnante aos parceiros potenciais. Se ele encontra uma mulher que tem pena dele o suficiente, ou que não tem discernimento, e que concederá para ele, sua luxúria indiscriminada, sua obsessão auto-direcionada e focalizada, a deixarão frígida. Se ela consegue ignorar sua urgência patética, as preliminares são um ritual pálido auto-consciente e seu desejo nervoso o deixa impotente. Se seu mecanismo sexual automático permite uma ereção, ele não consegue penetrá-la. Se eventualmente consegue, seu orgasmo é prematuro ou mesmo com esforço árduo e prolongado ele não consegue ter um. Se ele ejacula não há satisfação no ato, nenhuma gratificação e nenhuma diminuição do desejo. Sua parceira fica angustiada e insatisfeita e ele volta a divagar solitário novamente num deserto com um desgosto miserável. Apesar de virtualmente invisível aos outros, ele pode observar seus romances, suas brincadeiras eróticas, suas gratificações mútuas, o que aumenta ainda mais sua luxúria inquietável. Seu recurso a masturbação é ameaçado pelos mesmos mecanismos, e também pela ineficácia de suas fantasias sexuais, e ela deixa-o somente com um desejo ainda maior.

A viciada sexual é afligida de forma semelhante, divagando pelos terrenos baldios sexuais em busca de gratificação. Sua ânsia inibe a demonstração de sinais sutis e linguagem corporal que poderiam atrair os parceiros apropriados. Sua obsessão única a torna feia e repugnante. Mas já que seu papel na dança sexual é mais passiva e os homens estão menos interessados em seu estado mental do que em seus genitais ela ainda consegue atrair parceiros potenciais. Suas respostas verbais grosseiras, de mau-gosto, auto-piedosas ou lascivas, eliminam a excitação de muitos dos que ela atrai, mas ainda assim ela tem oportunidades de engajar-se sexualmente. Mas ela é completamente insaciável e nenhuma quantidade ou intensidade a gratificarão. Para ela um orgasmo ou catarse satisfatórios são impossíveis, apesar de todas as mínimas potencialidades de prazer a levarem em busca de satisfação. A urgência de sua necessidade física é acompanhada de comandos autoritários. Inflamada e insatisfeita com um ato sexual, com ou sem um parceiro, ela imediatamente busca outro. Sexo é a única coisa que substancia sua sensação de existência. Ela é a ninfomaníaca.

A causa dessa ânsia sexual frustrada não parece surgir do medo — embora o medo possa estar em sua raiz — mas sim como uma separação dos outros. Nos sentimos cortados, ilhados, isolados além dos relacionamentos. Quando nossa energia sexual é estimulada e intensificada por uma ligação emocional e sexual e então nos vemos privados da fonte de nossa gratificação por uma rejeição no amor ou fracasso sexual, ou apenas por um tempo dado em um relacionamento, somos deixados com uma sensação amplificada de eu e uma consciência hipertrofiada das diferenças que separam-nos de nosso amante anterior. A infidelidade é a forma mais eficiente de aumentar o espaço entre nós e um parceiro com quem estamos comprometidos. Ao procurar restabelecer um relacionamento, através do prender e agarrar, nós apenas empurramos o objeto de amor para mais longe e criamos um ciclo vicioso de apego — quanto mais ansiamos e buscamos, maior a distância entre nós e maior a necessidade pela união. O viciado em sexo equivoca-se entre uma necessidade espiritual e emocional e uma satisfação sexual, e já que alguma comunicação humana precisa anteceder a prática sexual, a união é sempre inatingível.

Mas antes que a luxúria obsessiva nos domine completamente, e antes que a satisfação seja calculadamente ameaçada por uma busca unidirecional de orgasmo e alívio sexual, podemos apenas recorrer aos extremos do estímulo sexual para nos excitar. A conexão entre sexo e violência pode ser explorada em sadomasoquismo, e no extremo da impotência e frustração, inflingir ou sofrer dor física é um meio de excitação. A realização de fantasias sexuais, como amarras ou regressão infantil, pode ser utilizada pelo viciado em sexo para excitar os sentidos entediados ou a sexualidade inibida de forma a sugar um pouquinho de alívio sexual e gratificação. Nosso parceiro pode ser um viciado de outro sexo que está suscetível a nossas necessidades e que de fato dará boas-vindas a atenção que damos, mas ele também pode ser uma vítima vulnerável sobre a qual podemos despejar a força completa da luxúria frustrada.

O Terrorista Sexual

A ânsia frustrada é aliviada pelo relaxamento a um nível de consciência humana onde a comunicação com os outros seres é restaurada e a mutualidade num relacionamento sexual torna-se possível novamente. Mas e se o relaxamento nos escapa e o ciclo vicioso de separação e desejo continua a focalizar a consciência de nosso eu como uma entidade isolada, secionada? Já que ninguém e nada nos dá nenhuma sensação de liberdade e somos incapazes de discernir até mesmo uma diminuta partícula de simpatia, uma aversão pelo mundo inteiro surge. A raiva pela injustiça de nossa situação miserável comparada com a felicidade dos outros deixa-nos ainda mais amargos e mordazes. Solitários e alienados do mundo e da humanidade ficamos apavorados, e um grão de medo entra a cada momento de percepção envenenando-nos contra qualquer estímulo positivo. Começamos a odiar, não somente o que é odioso, mas o que quer que surja em nossos sentidos. A paranóia estabelece-se.

Se ainda estamos em um relacionamento quando o medo e a raiva nos possuem então nosso parceiro vai ter de agüentar a maior parte de nossa dor. Confundimos as atitudes de nosso parceiro solidário com o relho de um inimigo e reagimos cruelmente. Queremos punir nosso amante por criar este estado. "O outro" é o culpado. Expressamos nossa alienação, nossa raiva e medo, em abuso verbal, perseguição mental, o/a excomungando sexualmente, nos recusando e negando comunicação. Projetando nosso próprio estado mental sobre nosso parceiro reagimos como se ele/ela tivesse conscientemente nos infectado com AIDS, percebendo ele/ela como um demônio, nos torturando, procurando nos infligir o máximo de dor. Esta é a reação reflexo de um paranóico incapaz de distinguir entre o inferno ilusório que ele/ela mesmo/a fez e a realidade externa. Se possuímos uma noção da miserável impropriedade de nossas ações, odiamos as amarras em que estamos, causando ainda mais uma volta de comportamento violento.

Neste estado de aversão e medo crônicos não há possibilidade de contato sexual mútuo. É um estado de paralisia sexual. Mas esta dormência da resposta sexual pode ser facilmente quebrada. Quando medo e ódio entram em espiral além da tolerância da consciência nossa raiva torna-se violência física — aqui estão o homem que bate na mulher, o amante esbofeteador que perde as estribeiras —a violência torna-se um estímulo sexual e o estupro é a forma que toma. Perdendo o controle, o terrorista sexual é o sádico, o estuprador, o assassino sexual e o produtor de filmes snuff (N. do T. — filmes onde violência, estupros e mortes reais acontecem.).

Os Predadores
 
O inferno do medo e da raiva paranóicos também passa. A roda gira, e emergindo daquele buraco escuro no chão, rastejamos da aversão excessiva para dentro do mundo negro do predador. Nossa raiva já queimou a si própria, e nossos impulsos e ânsias destrutivas estão saciados. Em seu lugar há uma energia instintiva pela sobrevivência e uma astúcia grosseira. Nossa ânsia sexual é desinibida e descontrolada. Não temos auto-estima e não temos nenhuma responsabilidade moral ou discriminação, então homem ou mulher, sexo anal ou oral, são igualmente aceitáveis nesta esfera bissexual. O homem pode utilizar sua força bruta para conseguir o que quer. Um traço implícito de violência física é suficiente para efetuar uma intimidação física inicial. Este tipo de sexo é luxúria bruta, fisicamente grosseira. Neste mundo crepuscular a virgem eterna é particularmente vulnerável.

O macho predador possui qualquer fêmea que consegue dominar. Sua parceira é a vítima mais acessível. Se ele não tem uma parceira, então uma mulher com uma ausência parecida de auto-estima num estado similar de excitação é acessível, já que neste estado instintivo somos muito sensíveis aos ferormônios e somos naturalmente atraídos a parceiros de mentalidade similar — o predador não é necessariamente um estuprador. Prostitutas e prostitutos, e trabalhadores sexuais em geral atendem ao predador que têm alguma sensibilidade para relações. Qualquer parceira será usada sem remorso ou restrição alguma, num nível instintivo de sexo grosseiro, com o orgasmo e a ejaculação como única finalidades. O homem preso neste estado aprende a usar sua força física, identifica a vítima como um leão a sua presa, rejeita qualquer preliminar, e conclui o ato sexual em muito pouco tempo, provavelmente com ejaculação prematura.

A predadora fêmea neste estado é a desvairada mulher pornográfica, grosseiramente expondo seu sexo e focalizada unicamente na satisfação de ser inseminada. Mas ela pode ser tão ardilosa quanto o homem em sua caça, uma víbora que alimenta-se de homens inocentes e burros. A força física não é sua arma, embora o tamanho e a energia possam igualmente servir para intimidar sua vítima masculina. Mas é mais provável que seja com sua fria e penetrante mente que o seduza, como uma aranha atraindo a mosca para a teia. Uma vez que seu desejo for saciado ele é abandonado, jogado na pilha de seus rejeitados. Como uma vampira ela suga os fluidos sexuais que lhe dão vitalidade e então o descarta, e como a vítima de um vampiro, ele é condicionado a seguir o mesmo método no futuro.

A Oportunidade do Iogue

Da mesma forma que alguns animais podem ser domesticados e seu instinto "sobrevivência do mais forte", "mate ou seja morto" subjugado por uma promessa de segurança e estabilidade, o predador sexual pode ser socializado pela promessa de um maior prazer a ser alcançado através da sensibilidade e conseqüente mutualidade de um relacionamento. Seguimos um processo parecido quando temos estado perdidos numa neblina de inércia e preguiça, onde nossas respostas sexuais são lentas e diretas, nosso prazer abreviado, e onde os relacionamentos são difíceis de cultivar. Através da intervenção de um novo parceiro potencial uma janela abre-se para os prazeres de uma sexualidade refinada, erótica, com uma sensibilidade moral e um aspecto emocional satisfatório, e esta cenoura balançando a nossa frente é suficiente para revitalizar nossa sexualidade e nos conduzir para uma nova dimensão de satisfação.
Nesta dimensão absolutamente humana há segurança emocional, e podemos relaxar e explorar as promissoras possibilidades de um relacionamento sexual. Podemos treinar fisicamente, com ioga ou algum tipo de exercício, e experimentar diferentes posições sexuais, estilos, respirações, aumentando ou diminuindo o tempo da atividade sexual e assim por diante. Dentro e fora do quarto estamos mais conscientes das nuanças do relacionamento entre os sexos e os benefícios que uma resposta sensível e altruísta pode conceder, e nossa consciência desta dimensão da sexualidade é alargada e amplificada. Neste processo de sensibilização e socialização alguma culpa e vergonha por nosso passado de grosserias, egoísmos e crueldades pode ser útil ao nos motivar para um estado onde a mutualidade desabroche. Algumas pessoas ficarão presas neste processo de treinamento sexual, onde a atividade sexual é um ritual físico agradável sem qualquer chance de espontaneidade. Mas se este poço é evitado, nossa sexualidade desenvolvida e amadurecida através do autodesenvolvimento, chegamos em um lugar onde um parceiro potencial acena de um paraíso de sensualidade, prazer elevado e alegre satisfação. A maioria de nós seguirá esta opção e mover-se-á para um outro ciclo na roda da paixão sexual. Mas alguns dirão, "De novo não!", "Nunca mais!" e tomarão o caminho do Amor Vajra.

(Traduzido do inglês por Padma Dorje. Comentários e correções para pdorje@hotmail.com. Visite http://bodisatva.org)