O Livro da Transmutação
Marcelo Bolshaw Gomes
No início, era o Tao. Uno,
indivisível, absoluto e eterno; o Tao é o número 1.
Então, veio a Terra.
Receptiva, magnética e aberta à vida; a Terra é o número 2.
Em seguida, surgiu o Céu e
a luz das estrelas. Criativo, o Céu é o número 3.
E com base nesses números,
os antigos calcularam o valor de todas as coisas. Contemplaram as mutações na
escuridão e na luz e de acordo com elas estabeleceram os hexagramas. Provocaram
movimentos no firme e no maleável, dando origem, assim, às diferentes linhas.
Colocaram-se em harmonia com o Tao e a Vida estabelecendo, de acordo com isso,
a ordem do que é correto. Refletindo sobre a ordem do mundo externo até as
últimas consequências e explorando a lei de sua própria natureza interna em seu
núcleo mais profundo chegaram à compreensão do destino.
História
O I Ching,
o livro das mutações, é resultante da reflexão taoísta sobre as mudanças da
natureza. Como sistema complexo de relações, ele é um sistema de representação
de ‘momentos energéticos’, baseados na combinação da energia criativa (yang) com a energia receptiva (yin). Mais do que um simples oráculo, o I Ching é um livro de sabedoria e está
presente em toda cultura chinesa: na arquitetura tradicional (Feng Shui), nas artes marciais (Tai Chi Chuan e Kung Fu) e na medicina
(acupuntura, Shiatzu, Do in) taoísta.
Ele é formado por 64 hexagramas, diagramas de
seis linhas combinadas, que podem ser yin ou yang. Cada hexagrama possui três
tipos de texto: a Imagem, o Julgamento e as linhas. No caso de uma consulta ao
oráculo, o consulente joga (através de moedas ou varetas) e chega a um
determinado hexagrama, representando a resposta do livro à questão indagada. No
texto da imagem, o consulente lerá a situação em que se encontra diante da
natureza; no texto do julgamento, receberá conselhos de como agir em relação à
situação; e no texto das linhas, verá detalhada todas às mutações do ciclo que
o hexagrama representa.
Mas, esse formato é recente. O I Ching é um sistema de três mil anos,
composto por várias camadas sobrepostas ao longo do tempo. O I Ching surgiu na
pré-história chinesa como um conjunto de oito Kua, figuras formadas por três (oito trigramas) e seis linhas
sobrepostas (os 64 hexagramas).
A origem dos 64 hexagramas (o texto da Imagem) é
atribuída a Fu Hsi, o criador mítico chinês. O tempo obscureceu a compreensão
das linhas, e no começo da dinastia Chou (1150-249 a.C.) surgiram dois textos
anexados: o Julgamento, atribuído pela tradição ao rei Wên (em suas meditações
quando estava preso), e as Linhas, atribuídas a seu filho, o duque de Chou,
ambos fundadores desta dinastia. Mais tarde, quando o significado taoísta
desses textos também começou a ficar obscuro, foram acrescentadas as Dez Asas
(2006, p. 154-283), atribuídas a Confúcio e a Mêncio, no século VI a.C. O
taoísmo e o confucionismo são formas bastante diferentes de pensar. O taoísmo é
mais holístico, ligado à natureza e está ancorado na teoria dos cinco elementos
(água, metal, madeira, ar e fogo); enquanto o confucionismo é mais voltado para
ética de conduta em sociedade e para arte de governar. O livro escapou ainda da
grande queima de livros feita pelo tirano Ch'in Shih Huang Ti. Nessa época, o I Ching era considerado um livro de
magia e adivinhação, e a doutrina dualista do yin-yang foi sobreposta aos cinco
elementos mutantes e à visão holística do taoísmo.
Há duas grandes traduções do I Ching para o ocidente: a do filólogo
James Legge, a tradução comentada do chinês para o inglês (1882), que ressalta
o aspecto histórico e científico, mas acaba reproduzindo interpretações mais
recentes do texto (o confucionismo e o dualismo entre yin e yang); e a tradução
do místico taoísta, Richard Wilhelm, do chinês para o alemão (1923), com a
supervisão do mestre, Lao Nai Suan, que morreu na noite seguinte a ser
concluída a tradução.
Elementos e estrutura
O Criativo conhece através do fácil. O receptivo é capaz de agir através do simples. Aquilo que é fácil; é
fácil de conhecer. Aquilo que é simples; é simples de seguir. Aquele que é
fácil de conhecer; conquistará lealdade. Aquele que é simples de seguir;
conseguirá trabalho. Através do fácil e do simples pode-se aprender as leis do
mundo inteiro. Na compreensão das leis de todo o mundo; está a perfeição. Tachuan – o grande comentário (2006, p. 217)
O Criativo é dinâmico. Através do
movimento ele consegue com facilidade unir o que está dividido. Ele, portanto,
está livre do esforço, pois atua sobre o infinitesimal, orientando o movimento
a partir desse estado mínimo.
O Receptivo
é estático. Através do repouso o mais simples torna-se possível no âmbito do
espaço. Essa simplicidade que surge da pura receptividade torna-se o germe de
toda multiplicidade existente no espaço.
O Criativo é o Céu, e por isso é chamado o pai. O Receptivo é a Terra e por isso é
chamada a mãe. Na união entre a Terra e o Céu, nasceram seis filhos: três
homens (o Incitar ou o Trovão; o Abismal ou a Água; e a Quietude ou
a Montanha) e três mulheres (a Suavidade
ou o Vento; o Aderir ou o Fogo; e a Alegria ou o Lago).
O Criativo é forte. O Receptivo
é maleável. O Incitar significa
movimento. A Suavidade é penetrante.
O Abismal é perigoso. O Aderir significa dependência. A Quietude significa imobilidade. A Alegria significa contentamento.
O Criativo manifesta-se na cabeça; o Receptivo, no ventre; o Incitar,
no pé; a Suavidade, nas coxas; o Abismal, no ouvido; o Aderir (o resplendor), no olho; a Quietude, na mão; a Alegria, na boca. Shuo Kua (2006, p. 210)
O firme e o maleável sucedem-se uns aos outros no
interior dos oito trigramas. Assim, o firme torna-se maleável; o maleável
endurece, tornando-se firme. Desta forma os oito trigramas se convertem uns nos
outros numa sequência, e a alternância periódica dos fenômenos se processa.
Ao se praticar Tai Chi Chuan, algo semelhante acontece: a cada expiração a energia
yang deve ascender do centro motor ao mental; e a cada inspiração é a energia
yin deve subir, passando pelos três momentos.
A esse arranjo dos trigramas em pares de
filhos/filhas chama-se Sequência do Céu
Anterior ou Pa Kua Primordial.
Esse arranjo remonta a Fu Hsi. Isso significa que essa ordenação já existia na
época da compilação do Livro das Mutações, durante a dinastia Chou. Nesse
arranjo, o Criativo se localiza no
sul (representado do lado de cima) e o Receptivo
no norte (representado no lado de baixo), correspondendo ao verão e ao inverno,
respectivamente.
Há duas direções de movimento: a progressiva,
crescente, no sentido horário; e a retroativa, decrescente, no sentido anti
horário.
A primeira parte do ponto mais profundo, o
Receptivo, terra do passado para o presente; a segunda parte do ponto
culminante, o Criativo, céu, do futuro para o presente. Por exemplo: observando
que uma semente do passado se tornou árvore no presente (movimento
progressivo), podemos prever (regressivamente) que uma semente semelhante no
presente se tornará uma árvore semelhante do futuro.
Além disso, os trigramas em pares simétricos
(terra/céu, trovão/vento, água/fogo e montanha/lago) se completam e se anulam, garantindo
assim a ordem do cosmo, acima de suas mutações e do acaso.
Céu e Terra determinam a direção. Montanha e
Lago unem suas forças. Trovão e
Vento estimulam-se um ao outro. Água
e Fogo não se combatem. Assim, os oito trigramas se interligam.
Shuo Kua (2006, p. 205)
Os ciclos do tempo
O Pa Kua do Céu Anterior vem de um
tempo imemorial. Nos últimos três mil anos, o Taoísmo se modificou e apareceram
outros esquemas de organização dos trigramas, baseados na teoria dos cinco
elementos, que são adotados na arquitetura tradicional (Feng Shui) e na etnomedicina chinesa.
Por exemplo, o arranjo de trigramas conhecido
como o Pa Kua do Céu
Posterior ou Ordem Interna do Mundo – atribuído ao rei Wen e a
dinastia Chou. Nele, a distribuição dos trigramas se dá conforme as estações do
ano e há uma nova correspondência com os pontos cardeais. Os trigramas são retirados de seu agrupamento em pares de opostos e
apresentados segundo a sequência temporal em que se manifestam no plano
fenomênico durante os ciclos anual e diário.
Também se estabelecem correlações novas entre os
pontos cardeais e os trigramas. Agora o polo sul será o Aderir (fogo); e o norte, o Abismal
(água).
Todos os seres surgem no Incitar, que se encontra a leste. Eles
chegam à plenitude na Suavidade, que
se encontra a sudeste. O Aderir é a
luminosidade, na qual os seres percebem-se uns aos outros, e está no sul. O Receptivo significa cuidado, quando os
seres se ajudam uns aos outros, e está a sudoeste. A Alegria é o outono, que proporciona contentamento a todos os seres,
e está a oeste. Ele luta no Criativo,
quando o obscuro e o luminoso incitam-se um ao outro, e está no noroeste. O Abismal significa o esforço a que todos
os seres estão sujeitos, e está no norte. A Quietude, onde se consuma o começo e o fim de todos os seres, está
no nordeste.
Shuo Kua (2006,
p. 213)
O conceito de mutação
Mutação significa uma mudança de um estado para
outro: de um trigrama para outro ou de um hexagrama para outro. O Livro das
Mutações distingue três tipos de fenômenos: o Tao imutável, a mutação cíclica e
a mutação não recorrente.
Toda mutação supõe um ponto de referência. O Tao
imutável é espaço permanente que torna possível a mutação. Ele também é uma
opção constante e uma decisão permanente que estabelece um sistema de
correspondências que interliga todas as coisas. O mundo é um sistema de
referências integradas, um cosmos, não um caos; graças à ideia do Tao imutável.
A mutação cíclica consiste numa rotação de
fenômenos que se sucedem uns aos outros, até que se chega de volta ao ponto de
partida – seja no sentido horário (evolutivo) ou anti-horário (involutivo).
Trigrama
|
Natureza
|
Direção
|
Estação do ano
|
Horário
|
火 Fogo
|
麗 Aderir
|
Sul
|
Verão
|
10:30~13:30
|
地 Terra
|
順 Receptivo
|
Sudoeste
|
13:30~16:30
|
|
泽 Lago
|
悦 Alegria
|
Oeste
|
Outono
|
16:30~19:30
|
天 Céu
|
健 Criativo
|
Noroeste
|
19:30~22:30
|
|
水 Água
|
陥 Abismal
|
Norte
|
Inverno
|
22:30~01:30
|
山 Montanha
|
止 Quietude
|
Nordeste
|
01:30~04:30
|
|
雷 Trovão
|
動 Incitar
|
Leste
|
Primavera
|
04:30~07:30
|
風 Vento
|
入 Suavidade
|
Sudeste
|
07:30~10:30
|
A mutação cíclica é a mudança periódica que se
produz na vida orgânica, enquanto que a mutação não recorrente
nunca retorna a seu ponto de partida. É uma mudança irreversível, uma passagem
de um estado para outro fora das sequencias previstas. Ou, como define o
tradutor da versão brasileira: “é uma mudança determinada por uma causalidade
mecânica” – desconectada das sequências dos ciclos e do condicionamento
simultâneo que as forças da natureza exercem sobre si e sobre o todo universo.
A teoria dos
cinco elementos
A teoria dos cinco elementos (Wu Xing) é relativamente recente: foi
estabelecida e sistematizada por Tsou Yen
(Zou Yan), entre 350 e 270 a.C[1].,
integrando diferentes saberes tradicionais de forma filosófica.
Ao contrário da teoria dos quatro elementos do
ocidente, que acreditava que o fogo, a água, o ar e a terra seriam elementos
primários formadores do mundo material; a teoria chinesa pensa seus elementos
como 'estados' intermediários entre as mutações, 'mediações', semelhantes ao Pa
Kua do Céu Anterior.
A teoria segue a mesma lógica dos Pa Kua's,
em que há um movimento circular contínuo externo (nos dois sentidos)
representando as mutações cíclicas; e uma simultaneidade interna, 'a Estrela da
Dominação', que representa a interação e controle recíproco entre os cinco
elementos, determinando a estabilidade do mundo em constante mudança.
Ciclo da Nutrição *
|
Estrela da dominação
|
Madeira alimenta o Fogo
|
Madeira domina a Terra
|
Fogo alimenta a Terra
|
Terra domina a Água
|
Terra alimenta o Metal
|
Água domina o Fogo
|
Metal alimenta a Água
|
Fogo domina o Metal
|
Água alimenta a Madeira
|
Metal domina a Madeira
|
* Invertido, o Ciclo da Nutrição torna-se
Ciclo da Destruição e a Estrela da Dominação transforma-se na Estrela da
Liberação.
A teoria dos cinco elementos interage
diretamente com o Pa Kua do Céu Posterior e estabele um conjunto
de analogias simbólicas (ou correspondências 'elementais') entre objetos
distintos, gerando matrizes de associação que são utilizadas em diferentes
áreas (etnomedicina, arquitetura, artes marciais, etc).
Elemento
|
Direção
|
Clima
|
Cor
|
Gosto
|
Emoção
|
Madeira
|
Leste
|
Vento
|
Verde
|
Azedo
|
Raiva
|
Fogo
|
Sul
|
Calor
|
Vermelho
|
Amargo
|
Alegria
|
Terra
|
Centro
|
Úmido
|
Amarelo
|
Doce
|
Preocupação
|
Metal
|
Oeste
|
Seco
|
Branco
|
Picante
|
Tristeza
|
Água
|
Norte
|
Frio
|
Preto
|
Salgado
|
Medo
|
Etnomedicina chinesa
A medicina tradicional chinesa é a denominação
usualmente dada ao conjunto de práticas terapêuticas em uso na China,
desenvolvidas ao longo dos milhares de anos de sua história. Ela é bem mais
antiga que o I Ching e, antes dele,
se confundia com xamanismo taoísta arcaico do Pa Kua do Céu Anterior,
com o exorcismo de demônios e de espíritos animais.
Com o Pa
Kua do Céu Posterior, a medicina chinesa passa a se fundamentar em uma
estrutura teórica sistemática e abrangente, de natureza filosófica. Ela inclui
entre seus princípios o estudo da relação de yin/yang, da teoria dos cinco
elementos e do sistema de circulação da energia pelos meridianos do corpo
humano.
A medicina chinesa acredita na auto cura do
corpo humano e só utiliza a fitoterapia e outros medicamentos como seu último
recurso para combater os problemas de saúde. Para ela, o corpo humano dispõe de
um sistema sofisticado para localizar as doenças e redirecionar energia para
curar os problemas por si mesmo. Os procedimentos terapêuticos externos devem
sempre se focar em ajudar cuidadosamente as funções de regeneração e
resiliência do próprio corpo, sem interferências. São sete os principais
métodos de tratamento da medicina tradicional chinesa: massagens; acupuntura;
moxabustão; ventosaterapia; fitoterapia; terapia alimentar; e práticas físicas,
como Tai Chi Chuan: exercícios
integrados a prática de meditação relacionada à respiração e à circulação da
energia.
Tanto tratamento como o diagnóstico usa como
referência o sistema de correspondência baseado nos seguintes princípios do I Ching: a relação de Yin/Yang; o
esquema dos cinco elementos; e os oito princípios do Pa Kua;
acrescentados os meridianos principais de energia espalhados pelo corpo.
Há 12 meridianos principais, seis yin e seis
yang entrelaçados entre si em pares opostos; sendo que dez estão relacionados
aos cinco elementos e dois (o do pericárdio e o do triplo aquecedor)
desempenham um papel mais geral de supervisão e controle.
Sistema de meridianos dos órgãos - Yin
Meridiano
|
Localização
|
Elemento
|
Planeta
|
Fígado
|
Pés/tronco
|
Madeira/yin
|
Júpiter
|
Coração
|
Tronco/mãos
|
Fogo/yin
|
Sol
|
Baço- Pâncreas
|
Pés/tronco
|
Terra/yin
|
Saturno
|
Pulmão
|
Tronco/mãos
|
Metal/yin
|
Júpiter
|
Rins
|
Pés/Tronco
|
Água/yin
|
Vênus
|
Pericárdio
|
Tronco/mãos
|
O ‘grande yin’
|
Sistema de meridianos das
vísceras - Yang
Meridiano
|
Localização
|
Elemento
|
Planeta
|
Vesícula biliar
|
Cabeça/pés
|
Madeira/yang
|
Marte
|
Intestino delgado
|
Mãos/cabeça
|
Fogo/yang
|
Mercúrio/lua
|
Estomago
|
Cabeça/pés
|
Terra/yang
|
Saturno
|
Intestino grosso
|
Mãos/cabeça
|
Metal/yang
|
Mercúrio/lua
|
Bexiga
|
Cabeça/pés
|
Água/yang
|
Lua/Saturno
|
Triplo aquecedor
|
Mãos/cabeça
|
O ‘grande yang’
|
Arquitetura
tradicional
Feng
Shui
é a arte chinesa de organização espaço temporal da energia, que estuda a
relação do homem com o meio ambiente, baseado na observação das estrelas, dos
fatores externos diversos; e da disposição interior dos móveis, cores e objetos
de cada local. Esse saber teve sua origem em antigos mestres taoístas que
estudavam a natureza e entenderam como a energia se comporta e como pode ser
redirecionada para propiciar saúde e prosperidade.
Comparem-se os benefícios que o Feng Shui
pode proporcionar a um espaço aos resultados que a acupuntura pode oferecer a
um enfermo. Da mesma forma que o acupunturista, diagnostica os bloqueios na
circulação de energia de um paciente e aplica agulhas em uma parte do corpo
para curar outra, o consultor de Feng Shui detecta as influências em um
ambiente e recomenda medidas em uma área particular do imóvel que são capazes
de alterar as características da circulação de energia no todo.
As
práticas de Feng Shui também são anteriores ao aparecimento do texto do I
Ching, influenciando e sendo influenciadas por ele. Os mestres antigos
constataram que o ambiente era influenciado por duas forças fundamentais: vento
e água. Em um segundo momento, também consideraram as estrelas da data de
fundação do imóvel e do nascimento de seus habitantes (em geral, pelo método
dos quatro pilares: hora, dia, mês e ano).
Com
o passar dos séculos várias metodologias e técnicas foram criadas e esquecidas.
Além do estudo das forças fundamentais do ambiente e das diversas técnicas
astrológicas, o Feng Shui passou orientar a escolha do local em que a
edificação deve ser construída; determinar o polo norte através de uma bússola
astrológica, Lu Pan, associando-o sempre a entrada da casa; e,
finalmente, analisar e propor mudanças na organização interna do ambiente de
acordo com harmonia entre os cinco elementos.
As escolas de Feng Shui mais conhecidas
na atualidade são: a Escola da Forma, ou das Oito Casas (Ba Zhai) linha taoísta mais tradicional; a Escola da Bússola, ou
das Estrelas Voadoras (Fei Xin) da
tradição taoísta mais contemporânea e complexa; e a Escola do Chapéu Preto,
linha norte americana derivada do budismo tântrico tibetano.
Boa
parte do Feng Shui divulgado no
ocidente deriva dessa última escola, que simplifica consideravelmente a tradição
chinesa, eliminando sua referência macro-cósmica, e dando mais ênfase a
decoração interna de ambientes do que a construção de casas. Os consultores de Feng Shui dessa escola, de acordo com
isso, analisam qual o elemento dominante ou em desequilíbrio, e, conforme os
dois ciclos, adicionam ou retiram outros elementos harmonizando assim o ambiente.
O Feng Shui fica, assim, reduzido à
harmonização do ambiente interior através da teoria dos cinco elementos e de
seus dois ciclos.
Para as escolas taoístas, cada avaliação de Feng Shui é única, relativa às
influências magnéticas do local, da edificação e de seus habitantes. A base
para o entendimento dessas influências é a orientação do imóvel em relação aos
campos eletromagnéticos em geral (pontos cardeais, elementos, etc) e as
características (históricas e astrológicas) do momento em que foi construído.
As escolas taoístas têm metodologias e técnicas diferentes, mas não utilizam os
cinco elementos descontextualizados do meio ambiente no qual o imóvel se
encontra inserido.
Artes marciais
Embora na versão oficial da República Popular da
China, o Tai Chi Chuan tenha sido foi criado por Chen Wangting (1600-1680) na
passagem da dinastia Ming para a dinastia Qing; assim como a medicina
tradicional e o Feng Shui, as artes
marciais chinesas também são anteriores ao texto do I Ching. E também se baseiam no sistema de trigramas. Durante
séculos, assumiu várias formas e se inspirou de diferentes modos no Pa Kua (Oito
Trigramas), na relação de yin e yang, nos cinco elementos e no sistema de
meridianos.
As sequências de movimentos marciais mais
antigas conhecidas são parcialmente baseadas no Pa Kua do Céu Anterior;
em um período intermediário, os cinco elementos inspiraram estilos de luta e
movimentos miméticos dos cinco animais (tigre-metal, dragão-água, urso-terra,
macaco-madeira, grau-fogo); e mais recentemente, em suas aplicações mais
terapêuticas, há sequências de movimentos direcionadas para o alongamento e
energização dos meridianos. Os criadores originais do Tai Chi Chuan basearam
sua arte na observação da natureza - não apenas na observação dos animais, mas
também no estudo dos princípios da interação entre os diversos elementos
naturais.
Como arte marcial, o Tai Chi Chuan, em sua forma
atual, se baseia em treze conceitos fundamentais. Estas posturas/movimentos são
reconhecidas nas diversas formas praticadas pelos diferentes estilos. Cada
escola interpreta estes treze conceitos com pequenas variações. Os treze
movimentos são conhecidas como "as oito portas” (associadas aos trigramas
do Pa Kua) e “os cinco passos" (relacionados aos cinco elementos).
O uso oracular
Como oráculo, o I Ching tem algumas diferenças com outros métodos. O Tarô, por
exemplo, é formado por imagens iconográficas do inconsciente e é interpretado
por outra pessoa. Os hexagramas não são ‘imagens do inconsciente’, mas
diagramas que representam ideias sobre as transições e mudanças da natureza que
governam nossas vidas. E, o mais importante no livro das mutações, é o próprio
consulente que interpreta o oráculo, a partir dos textos e de sua imaginação.
O I Ching
nunca falha; quem pode falhar é o consulente! Se a pergunta não foi clara e
precisa, se a pessoa não tem clareza sobre o que deseja saber, então não
entende a resposta. Há pessoas que, para focar a atenção na consulta, rezam ou
fazem rituais antes de jogar. Assim, o livro das mutações, mesmo em seu uso
oracular, é uma forma de meditação sobre as mutações da natureza, sobre si
mesmo e sobre os contextos social e espiritual, em que se está inserida. O I Ching, abrangendo o significado
essencial das diferentes situações da vida, dá ao homem condições de construir
para si uma vida significativa, realizando, em cada caso, aquilo que a situação
exige - segundo uma ordem e sequência perfeitas.
Para o jogador recorrente, o essencial passa a
ser como dar à sua vida uma forma que corresponda a essas ideias, de modo a que
a própria vida se torne um com as mutações – ou melhor: uma transmutação. Nesse
sentido, o I Ching, ao invés de se
subintitular o Livro das Mutações, deve-se ser chamado de O Livro da
Transmutação.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
WILHELM, Richard. I Ching: o livro das mutações / tradução do chinês para o alemão,
introdução e comentários Richard Wilhelm; prefácio C. G. Jung; introdução à
edição brasileira Gustavo Alberto Corrêa Pinto; tradução para o português
Alayde Mutzenbecher e Gustavo Alberto Corrêa Pinto. São Paulo: Pensamento,
2006.
Muito bom o texto, parabéns Marcelo.
ResponderExcluirEsclareceu vários pontos..
Gratidão. _/\_