1) Primeiro seja você mesmo, depois deseje melhorar. O importante é Ser e não ‘dever ser’. Geralmente, coloca-se o carro na frente dos bois: quando se pensa em desenvolvimento pessoal ou em mudança de hábitos, as pessoas tentam ‘corrigir os seus defeitos’ e não em desenvolver suas qualidades. Tentando ser aquilo que não são e, repetidamente, fracassando, tornando-se céticos ou mesmos fracassados renitentes. O ‘correto’, no entanto, é primeiro assumir-se como um todo e não negar-se em parte. Em contrapartida, se investir no desenvolvimento das qualidades, até mesmo os aspectos que considerados negativos ganham outro significado.
2) Mudar a relação vertical entre a Personalidade e a Individualidade. Somos naturalmente mentirosos porque negamos que somos realmente. No esforço para ser o que se é certamente a pessoa necessitará desenvolver a qualidade da sinceridade para consigo e com os outros. Assim, não basta simplesmente Ser, é preciso ser verdadeiro. Colocar a própria vida em suas ideias e as próprias ideias em sua vida.
3) Mudar a relação horizontal entre o Eu e o Outro. Se conscientemente assumir seus defeitos ao lado de suas qualidades e buscar ser coerente com o que diz, o sujeito da transformação já estará desencadeando uma grande mudança, não apenas na sua personalidade falsa que construiu para sobreviver, mas, sobretudo, com as pessoas de sua convivência mais próxima. Cuidado! Ser verdadeiro em um mundo falso pode ser bastante perigoso. As pessoas se sentem ameaças com alguém que realmente é o que efetivamente diz ser.
4) Integrando o Outro em Si, descobre-se que o mundo é um sonho coletivo. Boa parte da capacidade de transformação do ser humana está em mudar o Outro dentro de si. Quando descobrimos o outro em nós mesmos, então, começamos a trabalhar nossas mudanças através de diferentes polaridades: eu masculino x eu feminino, eu filho x eu pai, eu chefe e eu chefiado, etc ...
5) Ser generoso. Dar mais do que recebe é necessário seja em grupo ou em um relacionamento, não só para se ter liberdade, conquistar autonomia e escapar da codependência recíproca, mas, sobretudo, para ter poder pessoal, centralizar as trocas e obter mais energia. Trocamos energia com consciência. Sendo generosos também nos tornamos mais responsáveis e ricos, uma vez que colocamos em circulação todo energia que dispomos, o universo nos recompensa com mais energia.
6) Recordar e planejar das fases da vida. Recordar não é relembrar, é reviver as feridas do inconsciente e fechá-las. Entender o que pode ser modificado imediatamente e o que não pode é observar em que fase da vida a pessoa que deseja se transformar está. Cada fase da vida tem um objetivo, e a verdadeira sabedoria está em saber viver cada desafio ao seu tempo.
7) Viva a morte! Para viver intensamente a vida como um aprendizado aberto é preciso encarar a morte de frente. É preciso viver a morte a cada instante. As perdas nos ensinam a lidar com os excessos. É a morte que nos limita e nos incentiva a viver a vida. A viver como um passageiro navegante, que desce o rio sentindo o perfume das flores das margens, sem se prender aos sentimentos nem às imagens.
1. Primeiro seja você mesmo, depois deseje melhorar. O importante é Ser e não ‘dever ser’. Geralmente, coloca-se o carro na frente dos bois: quando se pensa em desenvolvimento pessoal ou em mudança de hábitos, as pessoas tentam ‘corrigir os seus defeitos’ e não desenvolver suas qualidades. Tentando ser aquilo que não são e, repetidamente, fracassam, tornando-se céticos ou mesmos fracassados renitentes. O ‘correto’, no entanto, é primeiro assumir-se como um todo e não negar-se em parte. Em contrapartida, se investir no desenvolvimento das qualidades, até mesmo os aspectos que considerados negativos ganham outro significado.
Ora, “tudo que se esconde, cresce; e tudo que se expõe, se for errado, desaparece” – afirma o líder espiritualista Bhagwan Shree Rajneesh, o Osho (OSHO, 1999, 163). A vulnerabilidade acaba com a falsidade do ego e permite retornar à inocência original com maturidade. No momento em que você se aceita, torna-se aberto, vulnerável e receptivo. Por isso, “viva a gratidão do ser e não a neurose do dever ser” (OSHO, 2004, 169). É preciso Ser e não ‘tornar-se’. A pessoa deve ser total em cada ato, procurar ser integral, espontâneo, intenso, autêntico – imediatamente e a cada segundo.
E ‘Ser-aquele-que-é’ é a consciência contínua da percepção imediata do presente. A consciência, o Ser, é a ‘lembrança de si’, como dizia o místico armênio George Ivanovitch Gurdjieff (OUSPENSKY, 1980, 53), e a mente, o esquecimento e a imaginação. A mente está sempre no passado e no futuro, a consciência é, ao menos parcialmente, a percepção contínua do presente. Digo ‘parcialmente’ porque a Consciência além da dimensão perceptiva tem também uma dimensão abstrata e deve levar em conta os valores que a contextualiza. Ser consciente não é exatamente a mesma coisa que perceber-se no mundo, mas ser no mundo e do mundo, referenciar a percepção em valores construídos culturalmente. Alguns filósofos chamam de consciência fenomenal à experiência da percepção, e de consciência de acesso ao processamento das coisas que vivenciamos durante a experiência. Enquanto a consciência-percepção remonta à cognição dos invertebrados, ao 'cérebro réptil' ou à capacidade de agir instintivamente; a consciência aliada à memória e à cognição coletiva “programa a percepção numa espécie de codificação dividida em coisas 'boas e nutritivas' (para as que se sente atraído) e 'perigosas e tóxicas' (as que evita ou ataca)" (WILSON, 1987, 1).
O desenvolvimento perceptivo da consciência se dá através do treinamento da Atenção. O desenvolvimento ético da consciência só é possível através de sucessivas mudanças pessoais de valores.
2. A relação vertical entre Personalidade e Individualidade. Somos naturalmente mentirosos porque negamos que somos realmente. No esforço para ser o que se é certamente a pessoa necessitará desenvolver a qualidade da sinceridade para consigo e com os outros. Assim, não basta simplesmente Ser, é preciso ser verdadeiro. Colocar a própria vida em suas ideias e as próprias ideias em sua vida.
Para o nagual mexicano Don Miguel Ruiz (2005)2, somos “domesticados através do medo”, nos tornamos escravos das expectativas alheias e de nossas próprias exigências. Medo não simplesmente de ser punido ou morto, mas principalmente de ser rejeitado, de não ser amado. A sociedade destrói nossa autoconfiança e nos ensina a confiar nas instituições e no sistema de crenças. Uma vez que se não confia em si, não confia mais em ninguém e se passa a crer em ideias abstratas, encaixando-se nas configurações sociais. A própria sociedade nada mais é que uma crença que depende de outras e toda sua estrutura é auto hipnótica. Com a socialização, se perde a confiança, se adota crenças e se elaboram máscaras para esconder nossa intimidade dos outros.
E mais: para Ruiz, o sistema de crenças é uma estrutura parasita de energia. Para ele, vivemos em um sonho coletivo fabricado que nos aliena de nossos sonhos pessoais e nos mantêm cativos na realidade. Somos prisioneiros uma ‘Matrix’ formado por nossas crenças e valores. Nos meios esotéricos chama-se de Personalidade a este ‘eu falso’, construído a partir do medo e das exigências da socialização, e de Individualidade ao ‘eu verdadeiro’.
O ponto de partida para Transformação é a oposição entre aparência e essência. Prefiro pensar na Personalidade como os 40% da identidade pessoal que pode ser modificada (as sinapses móveis entre os neurônios) e na Individualidade como o que não se pode mudar (os circuitos cerebrais fixos, que se formam ao longo da vida).
De toda forma, a Personalidade é uma estrutura identitária construída por nós (por nossa consciência) através do medo dos outros, um espelho para nos vermos através dos outros porque tememos olhar para nós mesmos, face-a-face. Embora algumas tradições recomendem a liquidação da Personalidade (ou do ego) para que a Individualidade (também chamado de Self ou Eu superior) possa emergir, é preferível reformar as máscaras a rasgá-las. A função da Personalidade é interpretar a Individualidade e não a esconder ou reprimir. É como uma vitrine que apresenta ao conteúdo da loja, não adianta quebra-la ou subtraí-la, é preciso reorganizá-la.
Atores e atrizes de teatro costumam ‘se trabalhar’ escolhendo personagens com aspectos semelhantes aos de suas personalidades, como uma forma de reinterpretá-los e superá-los, além de lapidar a própria individualidade.
Taisha Abelar (1995a) conta com seus instrutores em seu aprendizado para ser bruxa, a fizeram passar por quatro personagens diferentes através da loucura controlada. A principal diferença entre a arte dramática e essa técnica de desenvolvimento é que os atores de teatro assumem seus personagens durante os espetáculos e depois voltam a sua personalidade ordinária, enquanto os feiticeiros assumem um personagem como sua personalidade permanente durante longos períodos de tempo, como uma forma de reverter o condicionamento social a que foram submetidos na infância e adolescência. Para serem efetivos, os processos de transformação pessoal (e/ou de descondicionamento do aprendizado social através do medo) devem começar simultaneamente com a expressão da Individualidade (a aceitação das limitações e a exposição dos ‘defeitos’) e a reforma da Personalidade (a desprogramação de medos e desejos, reprogramação de novas rotinas). Porém, é mais importante a expressão de 60% da psique (ser-o-que-se-é) do que reformar sua fachada.
É como diz a conhecida prece: “Daí-me a força de vontade para mudar o que pode ser mudado; a humildade para aceitar o que não pode; e a consciência para discernir entre as duas situações”. Aceitar o que não pode ser mudado (a Individualidade) e investir no que pode ser modificado (a Personalidade). Aceitar a Individualidade não significa se conformar com aquilo que se é, mas simplesmente não esconder. E investir na Personalidade não é modelar comportamentos a esmo, sob o pretexto teatral ou da arte da loucura controlada. E sim conhecer e ampliar seus limites.
3. A relação horizontal entre o Eu e o Outro. Se assumirmos nossos defeitos ao lado de nossas qualidades e buscamos ser coerentes com o que dizemos já estaremos desencadeando um vigoroso processo de transformação, não apenas na personalidade falsa que construímos para sobreviver, mas, sobretudo, em nossa volta, com as pessoas de nossa convivência. Cuidado! Ser verdadeiro em um mundo falso pode ser bastante perigoso. As pessoas se sentem ameaças com alguém que vence o medo de não ser amado e realmente é o que efetivamente diz ser; e se apaixonam e/ou tentam destruí-las – e não necessariamente nessa ordem.
Como vimos, para vários autores esotéricos atuais, o tempo é horizontal e a eternidade é vertical. Horizontalmente, somos todos iguais, nivelados pela morte; porém, há alguns que estão mais próximos da eternidade do que outros. Gurdjieff diz que os animais vivem suas vidas horizontalmente, apenas alguns homens, ao entrar em contato vertical com a eternidade adquirem uma alma (OUSPENSKY, 1980, 89). Segundo Rajneesh, o homem que se move verticalmente é como um espelho (OSHO, 2005, 103), em que os outros homens (que se movem exclusivamente na horizontal) se veem. E esse efeito de espelho, ao mesmo tempo que confere uma autoridade natural sobre os homens indiferenciados, gera também várias ataques, projeções, mal-entendidos, transferências, paixões, agressões além de uma solidão ainda mais singularizante.
O trabalho conhecido como Método Pathwork para a Transformação do Eu Inferior é formado pela canalização das mensagens do Guia do Caminho pela médium Eva Pierrakos em um total de 258 palestras. Em português, as palestras foram compiladas nos livros: “O Caminho da Transformação” (2007) – com seus fundamentos teóricos, organizado por Judith Saly; e “Não temas o mal” (1993) organizada por Donovan Thesenga, com a parte mais prática do trabalho, que resumimos a seguir. A primeira parte trata dos parâmetros de auto-observação, ensinando a reconhecer a criança irracional e infeliz que vice dentro de cada um de nós, a perceber as máscaras e as falsas soluções que adotamos na tentativa de vencer a vida; a segunda parte concentra-se no mal pessoal como origem da infelicidade. A maioria das doutrinas e ensinamentos esotéricos incentiva o florescimento das virtudes e qualidades humanas. O Pathwork, no entanto, opta pelo caminho contrário, enfatizando a questão negatividade e incentivando seus usuários a expor o que eles têm de pior. O mal coletivo – que as religiões dualistas polarizam com o bem, enquanto outros afirmam não existir, sendo apenas uma ilusão – é para metodologia Pathwork resultante da soma de todos os males pessoais. Se cada individuo ‘desse conta’ da própria negatividade, não haveriam guerras ou conflitos sociais em grande escala.
O mal é o elo perdido entre psicologia e religião. Enquanto a religião encara os erros humanos como falhas morais e pecados, decorrentes do caráter, a psicologia as vê defeitos resultantes dos conflitos com os pais e com a sociedade, eximindo seus portadores de responsabilidade. “A mudança pessoal então ocorre quando compreendemos a origem da programação negativa que os outros nos infligiram, vivenciamos todos os sentimentos envolvidos (fundamentalmente, a raiva e o pesar) e então perdoamos a fonte externa de nossa negatividade, da qual ainda sofremos. E isso é uma parte crucial do processo de transformação” (1993, 13). Para psicologia, não somos mais responsáveis pela própria negatividade; e, para religião, somos ‘culpados’.
Então, o ponto de partida do Pathwork é o seguinte: A felicidade não advém da satisfação externa dos desejos, ao contrário, é preciso ser feliz antes, “dentro”, e depois a vida externa se tornará satisfatória. “Se posso admitir que não sou apenas uma vítima do mal que há no mundo, mas sim o responsável pela negatividade – então, o que fazer a respeito?” Resolvendo meu problema de infelicidade pessoal, estarei resolvendo o problema da violência do mundo.
E como vencer a negatividade? a) localizar, aceitar e observar as próprias atitudes negativas; b) reconhecer que gosta da negatividade, que se está viciado nela; e c) perceber o preço (pessoal e social) que se paga pelo prazer negativo, suas causas e efeitos, seus resultados e conexões. Esse processo teria quatro estágios de percepção (1993, 190-191): 1) o semi-adormecido, no qual você não sabe quem é e lutar contra o que odeia em si (consciente e inconscientemente); 2) o primeiro despertar, quando você reconhece que não é aquilo que odeia e identifica seus aspectos negativos; 3) a percepção da consciência como você, que identifica, cria e articula os aspectos negativos; e, finalmente, 4) a compreensão, a dissolução e a integração dos aspectos negativos pela consciência.
Para a metodologia do Pathwork não há uma negatividade pura. Há uma única corrente com dois polos. O mal é resultante das resistências em relação ao fluxo dos acontecimentos da vida. Por isso, é preciso tomar consciência tanto do desejo de saúde como do desejo de ser ficar doente é que produz a cura. Esse é o significado da frase: “Não resistas ao mal”. O negativo é sempre desejado por uma parte da personalidade e não por ela toda. É preciso saber que se quer as duas coisas – o positivo e o negativo – para se superar o conflito. O medo do positivo gera a negação. É preciso observa e aceitar o medo positivo para dissolver o negativo. (1993, 153) Por outro lado, se negadas, as emoções negativas tornando-se inconscientes. O medo de ter medo, negado, cria submissão. A raiva de ter raiva, negada, gera o ódio. A frustração repetida das expectativas produz a ansiedade permanente (1993, 201-202).
A identificação/negação da consciência com as formas estrutura o que chamamos de Ego. Há duas formas de compreender o ego: a oriental e a psicanalítica. A oriental deseja que ele seja transcendido pela consciência. Um belo exemplo atual dessa forma é a de Eckahart Tolle: “O ego é um conglomerado de formas de pensamento recorrentes e de padrões emocionais e mentais condicionados que estão investidos de uma percepção do Eu” (2007, 52-53).
Para Tolle, o Ego é o eixo do tempo/horizontal (uma sucessão de momentos – mas o passado só existe quando nos lembramos e o futuro só existe quando nós o imaginamos); a consciência (ou a presença, a sensação pessoal imediata) é o eixo místico agora/vertical.
A metodologia do Pathwork optou por outro modelo da noção de Ego:
FREUD - PATCHWORK - XAMANISMO HAVAIANO
ID - Eu Inferior (ou criança ferida) - Unihipili (criança/subconsciente)
EGO - Ego, Máscara ou Auto-imagem idealizada - Uhane (mãe/ consciente)
SUPERGO - Eu Superior (Centelha Divina) - Aumakua (pai/superconsciente).
Nesse modelo, o Ego ou máscara é uma mediação entre os dois Eus, inferior (sede dos impulsos instintivos) e superior (ou Centelha Divina): “Ocultando o Eu Inferior existe uma máscara, uma autoimagem idealizada, uma representação glorificada de quem achamos que deveríamos ser e que tentamos fingir que somos” (…) “são essas duas camadas da personalidade que escondem o Eu Superior”. (1993, 20).
Este modelo ternário apresenta vantagens e desvantagens em relação à oposição radical entre ego e consciência da tradição oriental. Ele descende da ideia de que temos um demônio pessoal (o eu inferior, o instinto animal, a criança interior) e um anjo da guarda (o eu superior, a intuição espiritual, a centelha divina); e sua grande vantagem consiste em colocar o ego como observador tanto em relação aos impulsos instintivos como às demandas espirituais.
Para o Pathwork, o Eu Inferior faz com que as atitudes das pessoas e as situações se repitam na vida aparentemente sem nenhuma responsabilidade por parte de seu portador-vítima, principalmente os Círculos Viciosos entre o amor egoísta inconsciente e o amor altruísta na consciência. A criança que amor exclusivo dos pais, o que é humanamente impossível. A frustração deste anseio gera o sentimento de rejeição e ódio, agressão, hostilidade, ressentimento. Gera-se assim um ciclo de amor e ódio. “Odeio quem eu amo”. Medo do castigo, medo da felicidade: o ódio de quem se ama gera a culpa (“eu mereço ser castigado) e daí o medo (inconsciente) de ser punido. Assim quando está feliz, a pessoa sente que não merece. A culpa por odiar aqueles quem mais ama faz com se evite a felicidade e acaba destruindo o que a pessoa mais deseja.
E mais: todos sofremos da compulsão de criar e superar as feridas infantis. Todo mundo quer ser mais amado do que amar. Escolhemos parceiros para tentar reproduzir e corrigir essa compulsão do “falso amor não correspondido”. “Inconscientemente, você saberá como escolher no parceiro aspectos semelhantes ao daquele dentre os pais que mais deixou a desejar em afeição e amor reais e genuínos”. (1993, 75) Você busca os pais novamente em seus relacionamentos: conjugue, amizades e parcerias. Você tentar reproduzir uma situação passada na tentativa de dominá-la.
James Redfield, na Profecia Celestina (2001), na quarta Visão, diz que vivemos involuntariamente tentando manipular ou dominar a atenção dos outros. “Quando se consegue conquistar a atenção de uma pessoa, absorve-se também a energia dela, o que nos torna mais fortes e a enfraquece”. Com frequência as pessoas se rebelam contra essa usurpação da sua força, gerando uma luta pelo poder, uma guerra invisível de todos contra todos. “Todos os conflitos do mundo têm origem nessa luta pela energia humana."
Em outro trabalho, Jogos de Competição pela Energia (2006), Redfield aprofunda ainda mais o tema.
“Cada pessoa é um campo de energia consistindo num conjunto de teorias e crenças, que se irradiam e influenciam o mundo. Todo mundo tem um conjunto único de teorias e estilo de interação, que chamo de dramas de controle".
O mais passivo dos dramas de controle é a estratégia da vítima, ou o Coitado de Mim. Nesse drama, a pessoa, em vez de competir diretamente pela energia, procura ganhar atenção e deferência manipulando o sentimento de solidariedade. Outro drama de controle, um pouco menos passivo, é o do Distante. A pessoa se mostra distante, desligada, misteriosa em suas respostas. Um drama de controle mais agressivo, é o do Interrogador. Nessa estratégia de manipulação, a pessoa usa a crítica para adquirir energia dos outros. E o drama de controle mais agressivo é a estratégia do Intimidador.
“A estratégia da pessoa intimidadora é ganhar a nossa atenção e assim a nossa energia, criando um ambiente em que nos sentimos tão ameaçados, que lhe damos toda a nossa atenção: quando alguém nos dá a impressão de que pode perder o controle ou fazer algo perigoso, nós fazemos questão de observá-la atentamente.”
O Amor próprio é a grande solução para vencer os dramas de controle e a manipulação mental, pois só reencontrando sua própria fonte de energia se consegue não necessitar da energia dos outros nem deixar que eles nos roubem a atenção. Como nos ensina o princípio basilar do cristianismo: Amar a Deus sobre todas as coisas (a relação vertical em primeiro lugar) e ao próximo como a si mesmo (a relação horizontal secundária), destacando-se que “como a si mesmo” significa na mesma proporção. Não se trata de amar a si mais que ao próximo (o egoísmo dos manipuladores) nem ao Outro mais que a Si mesmo (altruísmo dos manipulados). O importante, portanto, é investir no próprio desenvolvimento, aprofundando o vínculo com a fonte de energia e buscar se relacionar com pessoas que também buscam esta autonomia.
4. Integrando o Outro em Si, descobre-se que o mundo é um sonho coletivo. Boa parte da capacidade de transformação do ser humana está em mudar o Outro dentro de si. Quando descobrimos o outro em nós mesmos, então, descobrimos que é a consciência que cria o universo e começamos a trabalhar nossas mudanças através de diferentes polaridades: eu masculino x eu feminino, eu filho x eu pai, etc ... E, quando integramos o outro em nós mesmos, descobrimos que o mundo é uma projeção subjetiva coletiva, um sonho, sustentada pelo sistema de crenças. Don Miguel Ruiz (2005) diz que sonhamos o tempo todo. Quando estamos acordados, nosso sonho tem um enquadramento perceptivo, a realidade, mas nossos pensamentos e sentimentos, todo sistema de crenças de nossa sociedade, fazem parte da atividade onírica, sendo que de forma coletiva. Para Ruiz, há, assim, um sonho coletivo - ''sonho do inferno'' ou ''sonho do planeta'' – e nossos sonhos pessoais. Ruiz acredita que podemos romper com o sonho social de medo tecendo um novo sonho pessoal. Já Rajneesh e Gurdjieff pregam o despertar da consciência no interior deste pesadelo.
O certo é que se aprende a sonhar este hiper-sonho através da imitação dos pais e professores e só conhecendo novos modelos pode-se alterá-lo. Modelação significa a adaptação/mudança por mimese criativa de comportamentos, isto é, através da imitação reinterpretada de atitudes, gestos, idéias, afetos. Todo aprendizado social se dá por modelação de comportamento. O termo ‘mimese’ foi utilizado por Platão e Aristóteles (e por vários teóricos da arte e filósofos como Paul Ricoeur) para designar o mesmo que ‘modelação’: a apreensão criativa (e muitas vezes involuntária) de condutas alheias para incorporação no próprio comportamento. Trata-se de “aprender a aprender” através da observação e modelação de comportamentos.
Da mesma forma que nos relacionamentos amorosos entre duas pessoas, em que no primeiro momento há uma grande ganho energético (o casal é mais que a soma dos dois) quando as pessoas se doam e ajudam o outro a se transformar, e um segundo momento em que a atenção e o controle do ‘patrimônio energético’ passa a ser disputada; nos grupos, há um momento primeiro de libertação e um segundo momento de aprisionamento.
Somos partes de redes de relacionamentos de desenvolvimento espiritual. Para conseguir nos transformarmos precisa de energia. Ninguém pode se desenrolar sozinho das redes de relações em que se envolveu. Quando várias pessoas têm um propósito comum, a energia total é mais do que a energia individual de cada um. Esse ganho de energia propicia que cada um tenha mais energia para cumprir sua mudança do que se a tivesse intentado sozinho.
Por outro lado, se as pessoas se organizam em grupos e/ou em instituições, o ganho inicial acaba se tornando um capital coletivo e as pessoas passam a depender uma das outras, perdendo a autonomia e entrando nos ‘dramas de poder’. Ou seja: a soma das partes (ou das energias individuais) é mais (autonomia) e menos (dependência) que o todo (ou da energia do grupo). Resumindo: recapitular sozinho é quase impossível (pelo menos inicialmente e por muito tempo), no entanto, a participação contínua em grupos de recapitulação (ou de Tensegridade) acaba por enquadrar a experiência e impedindo, durante períodos mais longos, o aprofundamento individual.
Para Ruiz, é preciso retomar nossa capacidade de sonhar, libertando nosso sonho pessoal do sonho coletivo do medo de exclusão, sonho de domesticação social engendrado pela sociedade humana; e também é necessário, em conjunto com outros sonhadores consciente, compreender e transformar esse sonho social de destruição planetária, dando um salto evolutivo de grandes proporções para consciência humana. O sonho do medo coletivo só poderá ser transformado com grande número de sonhadores que desejem a liberdade pessoal.
É o que nos diz as últimas visões da Profecia Celestina: se aprofundarmos nossa relação com a fonte interior, encontrará outros que também se conectaram. E cada vez um número maior pessoas engrossará o caldo de nossa transformação pessoal e da mudança do mundo em que vivemos. Quando a maioria dos homens sonharem com lucidez, talvez então o sonho coletivo sobre o planeta também se transformará, tornando-se consciente de si e de seu papel no universo. Se desenvolvermos a capacidade de sonhar conscientemente, vislumbraríamos um universo de possibilidades inimagináveis para a humanidade atual.
5) Ser generoso. Dar mais do que recebe é necessário seja em grupo ou em um relacionamento, não só para se ter liberdade, conquistar autonomia e escapar da codependência recíproca, mas, sobretudo, para ter poder pessoal, centralizar as trocas e obter mais energia. Trocamos energia com consciência. Sendo generosos também nos tornamos mais responsáveis e ricos, uma vez que colocamos em circulação todo energia que dispomos, o universo nos recompensa.
Esse é o tema do Ensaio sobre a Dádiva (1974), de Marcel Mauss, um marco no desenvolvimento da sociologia da religião e da antropologia. Mauss coloca a noção de Dádiva no centro de uma 'aliança' arcaica universal – em oposição aos pensadores que fundamentam as relações sociais na exploração e na violência (Platão, Maquiavel, Marx). Porém ao contrário do contrato social de Rousseau, não se trata de acordos entre indivíduos racionais mas de regras da organização de uma aliança coletiva entre o grupo e a Divindade e/ou entre grupos vizinhos. A vida, nessa perspectiva, seria, verticalmente, um presente dos deuses; a cultura (ou o consenso da ordem social), a retribuição deste presente e a celebração desta aliança através de sacrifícios e da religião. E, horizontalmente, a Dádiva fundamentaria ainda às trocas entre os homens. A Dádiva seria um 'fato social total', o fundamento religioso das trocas sociais (econômicas, políticas e culturais).
O argumento central do Ensaio é de que a dádiva produz um laço social, não só no sentido de troca de mercadorias e de bens de consumo, mas sobretudo em alianças matrimoniais, políticas (trocas entre chefes ou diferentes camadas sociais), jurídicas e diplomáticas (incluindo-se aqui as relações pessoais de hospitalidade).
Ao receber alguém estou me fazendo anfitrião, mas também crio a possibilidade de vir a ser hóspede deste que hoje é meu hóspede. A mesma troca que me faz anfitrião, faz-me também um hóspede potencial. Isto ocorre porque “dar e receber” implica não só uma troca material mas também uma troca espiritual, uma comunicação entre almas. Ao dar, dou sempre algo de mim mesmo. Ao aceitar, o recebedor aceita algo do doador. A Dádiva é, por definição, gratuita; para funcionar como vínculo, não é objeto de negociação nem pode ser explicitamente pressuposta uma restituição; mas, ao mesmo tempo, ela gera uma dívida subjetiva, um desejo de retribuição.
Mauss teorizou a Dádiva nas sociedades primitivas como a conjugação de três obrigações socialmente instituídas: obrigação de dar; obrigação de receber; obrigação de retribuir. Para ele, dar e receber são obrigações universais, mas a obrigação de retribuir varia bastante de acordo com a época e o local. Aliás, essa parece ser a diferença entre as 'sociedades primitivas' e a nossa, em que a principal forma de retribuição é monetária. O objeto do Ensaio, assim, não é a economia primitiva, mas a circulação de valores como um momento do estabelecimento do contrato social.
Para Mauss, o mercado capitalista “enfraqueceu” a Dádiva (1974, 132), tornando-a compulsória através da mercadoria, mas as trocas podem ser re-encantadas e re-significadas culturalmente através da generosidade espiritual de todos com todos. As trocas não são apenas objetivas mas também intersubjetivas e é preciso valorizar sua dimensão transpessoal. A Dádiva nas sociedades atuais, está “embutida na relação de compra e venda” e não anexa ou desconexa desta. Se, em determinados contextos, há conflito entre as lógicas da Dádiva e da Mercadoria, em outros pode haver complementaridade. Essas lógicas não se excluem porque “as coisas vendidas tem uma alma” (Mauss, 1974, p. 164). Não se trata de uma visão nostálgica ou que veja na dádiva uma explicação para sociedades anteriores ao capitalismo. A dádiva é uma opção pessoal e uma atitude de agradecimento diante da vida.
E mais: a Dádiva explica o passado, dá sentido ao presente e projeta o futuro. Mauss acredita que, através da intensificação das trocas e do espírito de generosidade, a Dádiva nos levará a uma sociedade melhor no futuro, uma vez que o aumento da reciprocidade generalizada corresponderá à diminuição dos conflitos, que o comércio vencerá a guerra.
Hoje, vemos que o Ensaio tem problemas incontornáveis. Primeiro a definição de Dádiva é muito abrangente. Ele inclui não só presentes como também visitas, festas, comunhões, esmolas, heranças, até mesmo os tributos como uma forma de dádiva. Outro problema, conexo com essa abrangência desmedida, é que, devido ao seu caráter descontínuo, assistemático e com referência culturais múltiplas (os nativos da polinésia, os índios norte-amercianos, o império romano), várias leituras bem diferentes podem ser feitas do Ensaio sobre a Dádiva.
Entre as importantes e polêmicas interpretações do Ensaio da Dádiva, está a leitura do antropólogo Claude Lévi-Strauss (1949), que faz dessa noção o fundamento das estruturas elementares do parentesco (entendido como princípio da reciprocidade), dissociando-a da trocas de bens (e das regras da economia) e da troca de mensagens (e das regras linguísticas). É famosa a censura crítica de Lévi-Strauss, no prefácio das edições recentes do Ensaio, sobre o fato de Mauss adotar a noção de mana (energia, axé) específica dos nativos da costa noroeste americana em sua teoria antropológica, misturando o particular com o universal e, principalmente, sucumbindo ao misticismo.
O sociólogo Pierre Bourdieu (2009), por sua vez, no clássico A Economia das Trocas Simbólicas, critica o objetivismo estruturalista de Lévi-Strauss porque ao transformar a dádiva numa simples troca, ignora a importância da representação subjetiva da liberdade da restituição. Em cada processo de dádiva a retribuição é incerta. E é essa incerteza, o carácter não contratual nem coercivo da restituição, que cria o vínculo pessoal e superioriza aquele que dá (o investe de capital simbólico) consoante os recursos de que dispõe e a adequação estratégica das suas jogadas.
Porém, a concepção de Bourdieu - a dádiva como jogo estratégico de conquista e manutenção do poder simbólico - ainda não contempla os valores de amizade, o desinteresse, a gratidão, o reconhecimento mútuo e a confiança implicados no processo de dádiva e retribuição. Esses fatores subjetivos, afetivos, são as bases indispensáveis da Dádiva como vínculo social primário e solidariedade social generalizada, tal qual foi pensado por Marcel Mauss. Faltou tanto a Lévi-Strauss quanto a Bourdieu a noção de 'áurea', desenvolvida por Walter Benjamim, sobre as mudanças que a reprodutividade técnica dos objetos propiciou na percepção humana da realidade, principalmente na dessacralização da obra de arte. Para ele, no entanto, a industrialização generalizada (ou a produção de objetos iguais em série) destituía as coisas de sua alma, enquanto para Mauss, esta carga afetiva continua embutida nas mercadorias.
Dos autores não esotéricos quem melhor entendeu o espírito da coisa - que as coisas permutadas guardam e transportam energia psíquica, que as trocas são eróticas além de econômicas, que a Dádiva é um complexo de significações sagradas e políticas - foi o filósofo francês Georges Bataille.
Em seus primeiros trabalhos, principalmente no livro A parte maldita (1949/1975) Bataille desenvolve uma 'economia genérica' em que o consumo precede a produção e, de modo geral, a destruição precede a construção. Há uma inversão do modo tradicional de compreensão da troca utilitária. Essa forma não utilitária de pensar as trocas é caudatária do Ensaio, mas Bataille coloca a noção da despesa (e não de dádiva) como o motor da economia nas sociedades arcaicas e pré-capitalistas. Para ele, há uma pressão permanente provinda de um excesso que perturba os organismos vivos, havendo então a exigência do desperdício, do gasto ou da descarga. A energia excedente constituir-se-á em uma "parte maldita", já que não é usada para o crescimento ou para a conservação dos sistemas. Trata-se de uma maldição pelo fato de o dispêndio ser exigência da própria sobrevivência do sistema.
Outra forma de colocar a mesma questão (GOMES, 2006) é dizer que um grupo é mais e menos que a soma dos esforços dos seus componentes. O trabalho coletivo é mais que a soma dos trabalhos individuais gerando um excedente (o resto que sobra do todo menos as partes ou o Capital). Porém, o grupo também é menos que a soma das suas partes e recalca as qualidades de seus componentes. A esse déficit (o inibido das partes através do todo) chama-se Inconsciente. A disputa política pelo excedente simbólico do grupo e o recalque da energia psíquica é que torna nosso vínculo social tão violento. Nossas perdas e nossos excessos são as causas de nossos conflitos. Dito assim parece simples. Bastaria (para viver em uma paz dinâmica) reinvestir o excedente do todo para compensar o inibido das partes?
Mauss é um pensador otimista: a noção de Dádiva realiza esse reinvestimento do (excedente) social no (reprimido) psíquico. Já Bataille é abertamente trágico: a noção de despesa/perda (a expropriação social do excedente biológico) produz apenas luxo (status quo) ou a dilapidação. Mauss remitifica uma solução metateológica para sociologia da religião; Bataille desmitifica o problema de sociabilidade humana a partir do consumo e do desejo de destruição. E em seus derradeiros trabalhos, Bataille também usará essa noção de despesa/perda de energia em seus estudos sobre o erotismo e o sagrado.
6. Recordar e planejar das fases da vida. Recordar não é relembrar, é reviver as feridas do inconsciente e fechá-las. Entender o que pode ser modificado imediatamente e o que não pode é observar em que fase da vida a pessoa que deseja se transformar está. Cada fase da vida tem um objetivo, e a verdadeira sabedoria está em saber viver cada desafio ao seu tempo.
De acordo com o modelo antroposófico, subdividimos as biografias em três fases (formação, maturidade e sabedoria), cada um com três setênios (sete anos).
No texto Steiner e Biografia há um resumo de cada um dos setênio e as perguntas correspondentes a cada etapa, desenvolvidas pela Dra. Gudrun Burkhard, a grande codificadora da teoria biográfica, no livro Tomar a Vida nas próprias mãos (2000).
Agora o importante é entender que a Personalidade se forma no primeiro período (0-21), geralmente se mantem equilibrada com a Individualidade no segundo (22-42) e começa a ser desconstruída no terceiro período (43-63). Aos 42 anos, há a possibilidade de construir uma alma imaginativa (ou manas) a partir do corpo astral (ou de reconstruir os aspectos emocionais da personalidade construídos na adolescência); aos 49 anos, há possibilidade de desenvolver uma alma inspirativa (ou buddhi) a partir da mente (ou de repensar os aspectos morais adquiridos dos sete aos 14); e aos 56, há possibilidade de formar uma alma intuitiva (ou atma) a partir do corpo vital (ou de reviver os aspectos mais profundos da formação da personalidade, moldados durante a primeira infância). Há um espelhamento dos três aspectos (motor, mental e emocional) da Personalidade entre a primeira e a última das etapas da vida.
Ao invés do desabrochar potencial de várias almas a partir dos diversos corpos esotéricos, como pensava Rudolf Steiner e a Dra. Gudrun Burkhard, pensa-se agora em termos de desenvolvimento de circuitos cerebrais da consciência e da reforma da Personalidade. Mas trata-se apenas de uma diferença de linguagem. O importante é a consciência das etapas e fases da vida, das crises etárias e possibilidades de mudanças pelas quais todos passam. E, é claro, das estratégias de desenvolvimento e objetivos de vida que traçamos para cada situação.
A recapitulação dos eventos da vida no estilo tolteca consiste em revisar a própria vida com ajuda da respiração visando resgatar a energia presa no passado. Recapitular é resgatar e desembaraçar a energia gasta com as feridas emocionais do passado, permitindo reestruturar a memória, para que possamos nos servir energia excedente para sonhar. Este processo também é chamado, principalmente nos primeiros livros de Castaneda de "apagando a história pessoal". Ela faz parte da Arte da Espreita, que em conjunto com a Arte do Sonhar, formam os dois pilares do xamanismo tolteca. A recapitulação enquanto prática de re-organização da memória e expansão gradativa da consciência é bem detalhada no livro de Victor Sanches (1997). Ela, ao contrário da reestruturação biográfica da Antroposofia, é realizada de trás para frente, do presente para o passado, através de listas específicas (locais, trabalhos, pessoas) com ênfase nos relacionamentos sexuais e nos conflitos com pequenos tiranos; e não é discursiva como a psicanálise. Aliás, é a fala que transforma a memória em narrativa, se simplesmente contarmos nossa estória, oscilaremos entre os papéis de vítima e de herói. Na recapitulação, por outro lado, feita em estado de silêncio interior, sem interlocutor ou escuta analítica externa, as lembranças emergem objetivas, permitindo a reintegração emocional dos momentos vividos com distanciamento, vistos de fora, como em um filme narrado por outro.
Advogo uma sobreposição dessas duas metodologias - da reestruturação biográfica através de setênios propostas pela Antroposofia e da recapitulação de eventos da vida no estilo tolteca - em um único processo de autoconhecimento. Nesse arranjo, a metodologia antroposófica serviria para organizar, através de entrevista biográfica, um roteiro completo de eventos para ser ‘navegado’ através da respiração tolteca, de regressão hipnótica e/ou do uso de plantas de poder em uma segunda etapa.
7) Viva a Morte! Para viver intensamente a vida como um aprendizado aberto é preciso encarar a morte de frente. É preciso viver a morte a cada instante. As perdas nos ensinam a lidar com os excessos. É a morte que nos limita e nos incentiva a viver a vida. A viver como um passageiro navegante, que desce o rio sentindo o perfume das flores das margens, sem se prender aos sentimentos nem às imagens.
Negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Observando os doentes terminais, os médicos chegaram a constatação de cinco rea coes emocionais em relação a morte. No estagio de negação e Isolamento, não acreditamos: “Isso não pode estar acontecendo comigo”. No estagio de Cólera (Raiva), reclamamos: “Por que eu? Não é justo.” Depois negociamos: “Me deixe viver apenas ate meus filhos crescerem.” Em seguida vem a depressão: “Estou tão triste. Por que se preocupar com qualquer coisa?” E, finalmente, compreendemos a situação e a aceitamos: “Vai tudo acabar bem.”
Originalmente aplicaram-se estes estágios para qualquer forma de perda pessoal catastrófica, desde a morte de um ente querido e ate o divorcio ou separações entre amigos antigos e familiares. Com o tempo, no entanto, se percebeu que qualquer mudança pessoal significativa pode levar a estes estágios. Por exemplo, advogados criminalistas de defesa experientes estão cientes de que réus que estão enfrentando a possibilidade de punições severas com pouca possibilidade de evitá-las frequentemente experimentam estes estágios, sendo desejável que atinjam o estagio de aceitação antes de se declararem culpados.
Também se observou que estes estágios nem sempre ocorrem nesta ordem, nem são todos experimentados por todos os pacientes, mas afirmou que uma pessoa sempre apresentara pelo menos dois. Ha pessoas que vencem suas doenças mortais pela negação obstinada. Outras são derrotadas pela aceitação precoce, outras ainda vitimadas pela própria piedade durante o estagio de tristeza ou sucumbem afogados na própria raiva. Os estágios são progressivos, mas não são hierárquicos. Um não e melhor que outro.
A raiva e a tristeza são, na verdade, em minha opinião de ser vivente diante da morte, intervalos entre estágios mentais mais organizados, sao descargas emocionais, mais que estágios em si: a raiva transforma a negação em negociação, a tristeza faz com que a negociação se torne aceitação. Osho diz que são humores polares e aconselha que sejam utilizados um contra o outro, para neutralizá-los mutuamente: quando estiver com raiva, tente se entristecer com o que lhe enraivece; em contrapartida, quando estiver triste procure se indignar com os motivos que te deprimem.
Isto e particularmente valido se pensarmos que ha pessoas com uma maior propensão a tristeza (que geralmente tem dificuldades em lutar por seus objetivos) e também pessoas com um caráter predominantemente colérico, pouco sensíveis a reconhecer as próprias falhas como resultantes de suas acoes. Raiva e tristeza são reações emocionais contrarias, que todos temos em maior ou menor proporção, diante de nossas perdas irreversíveis e da eterna impermanência do tempo de vida. Alias, o ciclo maniaco-depressivo, descoberto por Willis e Freud e reinventado como transtorno bipolar atualmente, e uma prova de que esses estágios devem ser vistos como momentos opostos de reequilíbrio emocional do corpo e não como reações especificas diante da morte e da perda.
Portanto, excluídos a raiva e a tristeza de nosso modelo dos estágios de luto, restam três momentos genuínos de reação a morte: a negação, a negociação e a aceitação. Talvez se trate apenas de uma questão de correlação de forcas: quando temos muita energia, negamos a morte; quando não temos, a aceitamos; na duvida, negociamos. Estágios universais, e verdade, mas com variações infinitas refletindo uma grande diversidade de pessoas e reações. Em uma tipologia ternaria geral, como a tipologia do Eneagrama de Naranjo, por exemplo, pode-se dizer que as pessoas mais mentais são mais propensas ao medo, que as pessoas do tipo sentimental são mais ansiosas e que as pessoas com enfase na motricidade e que tem, principalmente, essa oscilação polar dos temperamentos agressivos e deprimidos. Alias, pode-se inclusive reconhecer uma tipologia ternaria com base nos diferentes tipos de reação precoce a própria morte: os negadores neuróticos (ou os contestadores), os negociadores compulsivos (ou os dominadores) e os aceitadores profissionais (ou os submissos)3.
Acontece que o momento de enfrentamento da morte é um momento de superação das neuroses e das recorrências psicológicas.
E muitos comportamentos padrões automatizados sao reconhecidos, aceitos e dissolvidos. Todos os caminhos levam a aceitação (ate mesmo a aceitação neurótica, que acredita poder perdoar antes de sofrer, leva, apos outros estágios dramáticos, a aceitação verdadeira). As pessoas e as formas de reação ao catastrófico são muitas, mas a morte e sua aceitação nivelam tudo a dois pontos comuns: o fim do tempo e a necessidade de mudança.
Nesse contexto, a consciência ocupa um lugar central. Antigamente, evitava-se contar aos doentes terminais sua situação porque se acreditava que isso aceleraria seu processo. Depois, em uma onda humanista, investiu-se na atitude contraria, dizendo aos doentes suas chances reais (ou não) de recuperação e quando tempo de vida lhes restava. Hoje, os dois procedimentos sao utilizados dependendo da maturidade das pessoas, dos princípios éticos do medico e, principalmente, do interesse particular das famílias envolvidas (o que, muitas vezes, é ‘particularmente’ cruel).
Consciência tanto no sentido de ter acesso a informação (consciouness) como no sentido da percepção direta (conscience), afetiva e efetiva, de seu estado terminal. Uma coisa é a informação (“fumar faz mal a saúde” - por exemplo), outra é a percepção. Alias, a própria definição do ‘momento da morte’ e uma questão complexa4.
Geralmente, percebemos inconscientemente que estamos morrendo, ou que (uma vez que todos estão morrendo desde que nascem) estamos próximos de partir do mundo material. Trata-se de assumir mentalmente o que ja percebemos involuntariamente através do corpo.
Os grandes mamíferos (elefantes, baleias), não apenas sabem o momento de sua morte mas também aceitam seu destino com uma sabedoria que nos, seres humanos, dificilmente alcançamos.
Isto porque são (foram e serão) raros os homens que conhecem o dia da própria da morte e varias são as tradições consideram o ‘conhecimento e a aceitação do dia determinado’ como uma prova de espiritualização humana incontestável. Ha, inclusive, varias narrativas lendárias e literárias sobre o tema de conhecer e aceitar o próprio destino.
Eis aqui o primeiro ponto que gostaria de firmar: a flor já existe na semente, a morte e imanente a vida, e não sua transcendência para outro plano. E, nesse sentido imanente, ela não apenas um mecanismo de aperfeiçoamento genético da evolução biológica, mas, sobretudo, um mecanismo de aperfeiçoamento ético e evolução espiritual da consciência. Ou seja: a morte não se refere so a vida mas também a consciência.
Assim, a verdadeira questão não é se existe vida apos a morte, mas sim se ha consciência apos a morte. E essa e a segunda questao que eu gostaria de abordar. O conceito de Experiencia de Quase-Morte (EQM), que refere-se a um conjunto de sensações associadas a situações de morte iminente, associadas a hipoxia cerebral, como o efeito ‘tunel de luz’ e a ‘experiencia fora-do-corpo’ (autoscopia). O termo foi cunhado pelo Dr. Raymond Moody em seu livro escrito em 1975, “Vida Depois da Vida”.
Para nos, o importante e que, apos a EQM os pacientes parecem alterar o próprio ponto de vista em relação ao mundo e as outras pessoas. As mudanças comportamentais são significativamente positivas. O principal fator para a mudança e a perda do medo da morte; passam a valorizar mais as suas vidas e a dos outros; reavaliam os seus valores, etica e prioridades habituais; tornam-se mais serenos, confiantes e … conscientes.
Em outros tempos, essas EQMs eram rituais de iniciação. O confronto com a própria morte era um mecanismo social para qualificação da consciência e fazia parte das ‘tradições cívicas da tribo’. Na verdade, nossa sociedade não aboliu completamente esse mecanismo,ela pulverizou esse rito de passagem em diversas micro-mortes, em diversas perdas e frustrações pelos quais nos lembramos da vida e afiamos nossa consciência. ‘Quase-morremos’ varias vezes em uma única vida.
E isto nos leva a um terceiro ponto: a vida pós-moderna e a morte da morte. Edgar Morin, na esteira da morte de Deus (postulada por Nietzsche) e a morte do Homem (sustentada por Foucault) tentou assassinar a própria morte, com a noção de ‘amortalidade cientifica’ (em oposição a ‘imortalidade’ tradicional). A medicina e a ciências atuais querem estender o tempo de vida ao máximo, querem vencer a morte. Tanto a Tradição como a Ciência querem vencer a morte, mas enquanto a primeira, romântica, aspira a imortalidade dos deuses na eternidade, a ultima, mais realista, estuda modos de aumentar a longevidade e de diminuir a dor, o sofrimento e os efeitos do envelhecimento no próprio mundo material. E a esse projeto cientifico da modernidade, neurótico e sem sabedoria, Morin chamou ‘amortalidade’. Outra grande diferença entre as sociedades tradicionais e a nossa e que, enquanto antes enfrentávamos principalmente perigos e ameaças externas, atualmente nos fabricamos artificialmente nossos riscos para otimizar nossa vida em sociedade. “Nossa época não e mais perigosa ou menos arriscada que as de gerações precedentes, mas o equilíbrio entre riscos e perigos se alternou”. (GIDDENS, 2003, p. 44) E mais: agora somos nos mesmos a nossa maior ameaça: hoje o risco de uma catástrofe ecológica provocada pelo crescimento industrial; ontem, vivemos o risco de uma guerra termonuclear; amanha, viveremos o risco de uma vida de crescentes incertezas (e a incerteza e um risco que não pode ser calculado). Os motivos que nos assustam são reais, mas são também artificiais.
A experiencia da morte imanente a da própria vida. Ela e, simultaneamente, uma meta e um limite: não se trata de uma ameaça eventual ou um medo inconsciente, mas de uma presença constante a cada segundo que mantem todos internamente submissos as redes sociais. E como se a vida fosse uma corrida de maratona, em que, para chegarmos ao final, precisamos dosar respiração, cuidar da postura, da hidratação para não sairmos machucados ou doentes.
Na vida contemporânea e preciso sempre ‘estar no limite’ e manter um cuidado obsessivo com o corpo. A noção de morte como risco permanente e uma nova forma de produção de sentido existencial. A morte como companhia constante, que antes era uma experiencia exclusiva de poucos misticos, se tornou agora um modo de sujeição das elites na cultura contemporânea. E um modo fragmentado em vários micro-mortes simuladas, em vários choques existenciais do corpo em risco, em vários momentos finais antecipados de um único tempo irreversível. Não se trata mais de ‘viver a morte’ mas sim de sobreviver as muitas mortes. E não adianta negar ou negociar, ter raiva ou ficar triste, e preciso aceitar as mudanças e se adaptar a transformação.
Então, esses são os três pontos que queria ressaltar sobre a morte e sobre o morrer contemporâneo: a morte e imanente a vida; ela existe em função do desenvolvimento da consciência; e, atualmente, foi (ou e) fragmentada e dramatizada em vários eventos parciais menores, ao mesmo tempo em que a vida e artificialmente estendida pela ciência e pela cultura atual.
E a Ayahuasca?
Certamente desempenha um papel muito importante nesse processo. Não apenas porque nos permite vislumbrar essas relações que descrevemos, sobretudo porque pode propiciar essa nova experienciade morte a prazo a um grande numero de pessoas, ou melhor, pode potencializar um processo social em curso neste sentido de tornar a experiência de morte mais intensa e mais segura.
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Que preciosidade! Obrigado por dividir! li aqui, mas guardei para estudar melhor e me aprofundar! Sabedoria!!! Grato pela partilha!!! Amauri Marques
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