quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

As 12 Noites Santas


Segundo uma antiga tradição cristã, as 12 Noites Santas são o período que vai da noite de Natal até o dia de Reis.
Através da Luz Espiritual que brilha das estrelas do Zodíaco, as bênçãos divinas se derramam sobre aqueles que oram e vigiam. Os sonhos nestas noites se tornam mensageiros do Espírito!
Quando se acendeu no céu a estrela há muito tempo esperada, os Reis Magos iniciaram a jornada até a Criança que seria o novo Sol do Mundo. Após doze noites, consideradas sagradas a partir de então, eles puderam alcançá-la e ofertar o incenso, a mirra e o ouro, em nome de toda a Humanidade, acompanhados dos votos de que o Espírito Divino pudesse viver no pensar, sentir e querer humanos.
Dos pés à cabeça podemos vivenciar a transformação, de pessoas terrenas e materialistas, em pessoas espiritualizadas, que olham o mundo com uma visão espiritual. Vislumbramos a escada de expansão da consciência, que ajuda a dar nascimento, no último degrau, ao Ser Divino em cada um de nós.
A cada Natal temos a chance de um novo nascimento. E a cada ano, a oportunidade de uma nova vida. Não podemos nos esquecer disso, pois precisamos urgentemente de forças espirituais, não apenas para cada um de nós individualmente, mas para toda a Humanidade.
Na meditação das noites santas, podemos colocar na alma as sementes da Esperança em relação aos doze meses do ano que entra. Meditando dos pés em direção à cabeça, podemos almejar a consolidação das forças do nosso ser e a transformação dessas forças em qualidades verdadeiramente humanas e sagradas.
As 12 badaladas da meia-noite do Natal anunciam a vigília, que pode ser um preparo espiritual, como se as Noites Santas fôssem uma prévia dos 12 meses do ano que se inicia.
As inspirações recebidas das hierarquias espirituais nestas doze noites, através da meditação, injetam forças no desenvolvimento espiritual ao longo de todo o ano.
O Evangelho de Mateus nos remete aos mistérios espirituais da Antiguidade, etapa do desenvolvimento da humanidade na época do assentamento na região do Mediterrâneo, quando aqueles que eram iniciados desenvolviam a visão clarividente. Os corpos siderais eram vistos por eles como a manifestação de seres espirituais em atividade constante e transmutação contínua. A esse antigo estado de consciência clarividente está associado o surgimento da Astrologia, sabedoria baseada na analogia do movimento e posição dos astros com o destino humano. Ao fazermos a vigília das Noites Santas podemos retomar a jornada dos Reis Magos através da ligação com esta sabedoria, recebendo irradiações das 12 constelações do Zodíaco.
As hierarquias espirituais podem ser contempladas como esculturas, no portão sul da Catedral de Chartres, a mais importante catedral gótica da Idade Média. Neste portão, chamado de Portão da Transubstanciação, as hierarquias formam uma escada ascendente que representa o ensino espiritual.
O aluno vai de degrau em degrau se conectando a esses seres espirituais, que representam diferentes estados de Consciência. Neste aprendizado, o pensar e o sentir, integrados, se tornam órgãos de compreensão e de participação no mundo espiritual.
Os nomes das hierarquias se originaram de um manuscrito de Dionísio, o Aeropagita, que fundou a primeira escola esotérica cristã da Antiguidade. Dionísio, um iniciado nos antigos centros de mistérios gregos, renomeou os seres divinos, que eram chamados na Antiguidade como seres de Vênus, seres de Mercúrio e outros, a partir de uma revelação do Cristo feita a ele por Paulo de Damasco, em Atenas.
O Manuscrito escreve os nove níveis de seres divinos associados em grupos de três hierarquias que participaram da evolução da Terra e do ser humano.
A primeira hieraquia inclui os Serafins, Querubins e Tronos que iniciaram a evolução.
Eles atuam a partir do divino, da esfera macrocósmica, que é denominada a esfera do Pai, de Deus, de Alá, do amor divino, do grande mistério, da doação cósmica. Eles são seres de um estado evolutivo anterior ao nosso, tão avançados em sua evolução que foram capazes de fazer fluir de si a sua própria substância, dando nascimento ao atual estado do nosso sistema solar.
A segunda hierarquia é formada pelos Kyriotetes, Dynamis e os Exusiai, ou Elohins. Eles também são chamados de Dominios, Virtudes e Potestades, por Dionisio. Enquanto no processo de configuração do nosso Cosmos a primeira hierarquia atuou de fora, a segunda hierarquia, de dentro do processo, acolheu os planos divinos transformando-os em sabedoria, dando-lhes movimento e forma.
E por último a terceira hierarquia – os Arqueus, ou Principados, os Arcanjos e Anjos, próximos do ser humano, porque desenvolveram a sua essência nesta etapa evolutiva em que nós, Anthropos, nos encontramos, e na qual estamos destinados a nos tornar cocriadores da Evolução.
Rudolf Steiner chama a atenção para o fato de que o homem autoconsciente deveria reaprender a vivenciar as hierarquias na sua vida interna como realidades.
Ele diz que esses seres espirituais vêm ao nosso encontro quando nos preparamos para conhecê-los, e falarão à nossa alma primeiramente como pensamentos e sentimentos, e só então os perceberemos como realidades!
Sergei Prokofieff descreveu o ensino espiritual de Chartres na tradição da vigília das 12 noites santas.
Ele delineia a escada de expansão da consciência, que ajuda a dar nascimento, no último degrau, ao Ser Divino em cada um de nós.
Prokofieff faz uma analogia entre este caminho de transformação e o processo de desenvolvimento descrito por Rudolf Steiner como o caminho de Jesus a Cristo.
Jesus nasce como a criança arquetípica, destinada a se desenvolver como um Ser Humano, de tal forma que possa acolher em si o Eu do Cosmo, no Batismo do Jordão. Este acontecimento místico derramará sua influência por sobre toda a história da Humanidade, como um grande arquétipo de desenvolvimento espiritual.

Acompanhe o Soundcloud na belíssima voz de Mirna Grzich todas as noites

domingo, 21 de abril de 2019

EPÍGRAFE

Manoel Bandeira


Sou bem-nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.

Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida,
Rugia e como um furacão,

Turbou, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó -
Ah, que dor! Magoado e só,
- Só! - meu coração ardeu:

Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria...
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria.

- Esta pouca cinza fria.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Mito do Andrógino


 (Banquete de Platão[1])
No início, a raça dos homens não era como hoje. Era diferente. Não havia dois sexos, mas três: homem, mulher e a união dos dois. E esses seres tinham um nome que expressava bem essa sua natureza e hoje perdeu seu significado: Andrógino. Além disso, essa criatura primordial era redonda: suas costas e seus lados formavam um círculo e ela possuía quatro mãos, quatro pés e uma cabeça com duas faces exatamente iguais, cada uma olhando numa direção, pousada num pescoço redondo. A criatura podia andar ereta, como os seres humanos fazem, para frente e para trás. Mas podia também rolar e rolar sobre seus quatro braços e quatro pernas, cobrindo grandes distâncias, veloz como um raio de luz. Eram redondos porque redondos eram seus pais: o homem era filho do Sol. A mulher, da Terra. E o par, um filhote da Lua.
Sua força era extraordinária e seu poder, imenso. E isso tornou-os ambiciosos. E quiseram desafiar os deuses. Foram eles que ousaram escalar o Olimpo, a montanha onde vivem os imortais. O que deviam fazer os deuses reunidos no conselho celeste? Aniquilar as criaturas? Mas como ficar sem os sacrifícios, as homenagens, a adoração? Por outro lado, tal insolência era perfeitamente intolerável. Então...
O Grande Zeus rugiu: Deixem que vivam. Tenho um plano para deixá-los mais humildes e diminuir seu orgulho. Vou cortá-los ao meio e fazê-los andar sobre duas pernas. Isso com certeza irá diminuir sua força, além de ter a vantagem de aumentar seu número, o que é bom para nós. E mal tinha falado, começou a partir as criaturas em dois, como uma maçã. E, à medida em que os cortava, Apolo ia virando suas cabeças, para que pudessem contemplar eternamente sua parte amputada. Uma lição de humildade. Apolo também curou suas feridas, deu forma ao seu tronco e moldou sua barriga, juntando a pele que sobrava no centro, para que eles lembrassem do que haviam sido um dia.
E foi aí que as criaturas começaram a morrer. Morriam de fome e de desespero. Abraçavam-se e deixavam-se ficar assim. E quando uma das partes morria, a outra ficava à deriva, procurando, procurando...
Zeus ficou com pena das criaturas. E teve outra idéia. Virou as partes reprodutoras dos seres para a sua nova frente. Antes, eles copulavam com a terra. De agora em diante, se reproduziriam um homem numa mulher. Num abraço. Assim a raça não morreria e eles descansariam. Poderiam até mesmo continuar tocando o negócio da vida. Com o tempo eles esqueceriam o ocorrido e apenas perceberiam seu desejo. Um desejo jamais inteiramente saciado no ato de amar, porque mesmo derretendo-se no outro pelo espaço de um instante, a alma saberia, ainda que não conseguisse explicar, que seu anseio jamais seria completamente satisfeito. E a saudade da união perfeita renasceria, nem bem os últimos gemidos do amor se extinguissem.


sábado, 9 de fevereiro de 2019

mensageiros do vento


O livro perdido de Enki


Em inúmeras lendas e mitos, a liberdade aparece como um castigo ou como resultado de uma desobediência da humanidade em relação aos deuses. Em algumas narrativas, a liberdade é dada ao Homem por outros seres, como no mito de Prometeu, em que o fogo dos deuses é roubado para que o homem conquiste a própria liberdade; em outras, é a consciência que, mascarada por diferentes símbolos (o fogo, a bebida sagrada), é engendrada por conflitos entre seres de outra ordem evolutiva, em que alguns são favoráveis e outros contrários à humanidade.

Enquanto no hinduísmo, os Devas correspondem aos ‘bons’ e os Asuras, aos ‘maus’; na mitologia persa/zoroastrismo ocorre o contrário. Os anjos dos hindus são os demônios dos persas e vice-versa. As razões para essa inversão simétrica são complexas. É possível que se deva à rivalidade entre impérios vizinhos, mas também a interpretações diferentes do ‘complexo de Prometeu’ e da liberdade furtada pelos anjos decaídos e partilhada com a humanidade. Nesse aspecto, os Asuras persas são semelhantes a Lúcifer, aos titãs gregos e aos gigantes do gelo nórdicos do Ragnarök (o crepúsculo dos deuses germânicos), seres primordiais rebeldes em relação à criação, em virtude dos quais a liberdade (ou insubmissão da consciência do bem e do mal) chegou até os homens, tornando-os uma espécie transgressora e destrutiva.

Descobertas arqueológicas recentes apontam para uma convergência mitológica em torno da cultura suméria. Além de antecipar várias passagens da Bíblia (Adão e Eva, Caim e Abel, a torre de Babel, o final dos tempos), as religiões babilônicas também têm temas comuns aos Vedas, às narrativas egípcias (as histórias de Rá, Osiris, Isis, Horus, Set) e ao panteão astrológico da mitologia grega. A cultura suméria é a base da maioria das culturas antigas ocidentais, um sistema de crença complexo que antecipa e compreende outras mitologias posteriores, dela derivadas. 

Segundo o livro perdido de Enki de Zecharia Sitchin, compilação de centenas de tabuletas traduzidas da antiga escrita cuneiforme, os Anunnakis vieram de Nibiru em suas carruagens celestes para terra a procura de ouro para corrigir um desequilíbrio em seu planeta. Para minerar o metal, criaram e escravizaram outra espécie de seres – os Igigi (os gigantes). Eles, no entanto, se rebelaram contra Enlil e os Annunakis. Foi então que Enki sugeriu a criação da humanidade, inseminando o DNA Anunnaki a espécies de símios. Porém, os homens também se rebelaram e os alienígenas decidem acabar com todos, através de um dilúvio. Enki, sempre dissidente, conta aos homens dos planos de Enlil e os ensina a fazer um submarino e um banco de dados genéticos para sobreviver a catástrofe e repovoar a terra. O fato dos deuses serem astronautas não é tão interessante quanto a síntese mitológica que a narrativa engendra, explicando toda mitologia ocidental.

Os mitos sumérios, assírios e babilônicos têm muitas versões e interpretações, em que os deuses trocam de nomes e de papéis, se fundem em um só deus ou se dividem em dois. Enki é o "Senhor da Terra" e um deus de oposição aos céus: genro do usurpador Alalu; pai do rebelde Marduk, líder da revolta Igigi; ele é chamado de "ushumgal", a Grande Serpente.

Por exemplo: Anu proíbe que os Anunnakis ensinem segredos aos homens, que devem ser mantidos ignorantes e trabalhando na lavoura. Os Anunnakis, entretanto, conclui que os homens serão mais úteis se aprenderem os segredos do pão, do vinho, da cerveja e das roupas. Com este conhecimento, os homens passam a produzi-los para si e para os deuses. Inicialmente, os homens não consomem o pão e as bebidas, pois o deus Enlil lhes diz que morreriam se o fizessem, mas Enki lhes explica que não haveria problema. Há também uma versão em que o homem vivia no reino celestial e Anu lhe oferece o alimento que lhe daria vida eterna, mas ele o recusa porque Enki lhe diz que o alimento o mataria. O homem é então expulso do reino.

Outro exemplo interessante (de como os sumérios entendem o papel de Enki e o mito dos jardins do Éden) é o épico Gilgamesh. Enkidu (que personifica a humanidade) vive como um animal, comendo capim e bebendo água do rio. Mas, seduzido por uma prostituta do templo, Enkidu experimenta pão e vinho, passando a usar roupas e vai morar na cidade de Uruk, onde conhece Gilgamesh. Para a cultura sumeriana, a vida urbana era o ideal, a vida rural era selvagem e atrasada. Os deuses moravam em cidades e o Éden era o local onde a humanidade vivia como bicho, incessantemente trabalhando sem perceber para alimentação de seus senhores. Para os antigos sumérios, o atual desejo dos judeus, cristãos e muçulmanos de voltar para o Éden pareceria loucura.

Mais do que um conflito entre a terra e o céu (Nibiru), há uma oposição filosófica entre Destino (representado por Enlil) e Sorte (encarnado em Enki). O deus da terra sempre defende a liberdade e que somos nós que fazemos nosso destino; enquanto Enlil e Anu obedecem aos ciclos e suas determinações, repetindo o passado no futuro.


terça-feira, 8 de janeiro de 2019

A escolha


O JULGAMENTO DE PÁRIS[1]
Marcelo Bolshaw Gomes
Zeus, rei dos deuses gregos, deu um banquete em comemoração ao casamento de Peleu e Tétis (pais de Aquiles). Eris, a deusa da discórdia, não foi convidada, mas mesmo assim compareceu. Ela chegou à festa com uma maçã de ouro do Jardim das Hespérides, sobre a qual estava escrito "um presente para a mais importante das deusas".
Três deusas presentes ao banquete reivindicaram a maçã: Hera, Atena e Afrodite. Elas pediram a Zeus para decidir a disputa. Atena, nascida da cabeça de Zeus, é a deusa da sabedoria e do Poder. Deusa das estratégias em tempo de guerra e da cultura em tempo de paz. Hera, esposa de Zeus, deusa do casamento e da maternidade, cuja a potência maior está na coragem afetiva, nos sentimentos verdadeiros. E Afrodite, deusa da beleza e das artes.
Tratava-se de uma disputa entre a justiça, a verdade e a beleza. Quem seria a mais importante? Inicialmente, Zeus tentou decretar diplomaticamente um empate. Mas, nenhuma das participantes aceitou. Então ele decidiu eleger Paris, um mortal, príncipe de Troia, julgaria o caso, em seu lugar. Assim, Hermes, o deus mensageiro do Olimpo, foi encarregado de levar as deusas, individualmente, à presença de Páris – para que ele as conhecesse. E cada uma das deusas ofereceu ao príncipe um presente como suborno caso fosse a eleita. 
Hera lhe ofereceu a Coroa do Mundo e todo o poder por ela emanado. Além disso, concederia ainda o dom da felicidade e da vida longa, ao lado da esposa, da família e dos amigos.  
Atena lhe prometeu o poder sobre os homens, sabedoria e justiça equiparadas a de Zeus. Além disso, ele seria sempre vitorioso em qualquer disputa que travasse.
Por último, veio Afrodite e lhe prometeu Helena, a mais bela entre as mulheres mortais, esposa de rei Menelau de Esparta. 
Páris escolheu Afrodite[2]. Atena e Hera, ressentidas com a escolha, juraram vingança o que, posteriormente, culminou na destruição de Tróia. 




[1] Tal como acontece com muitos contos mitológicos, os detalhes variam de acordo com a fonte. A breve alusão ao Julgamento na Ilíada (24,25-30) mostrando que o episódio que iria iniciar a ação posterior já era familiar pelo público; uma versão mais completa foi contada na Cypria, uma obra perdida do ciclo épico, dos quais apenas fragmentos (e um resumo confiável) permanecem. Os escritores posteriores Ovídio (Heroides 16.71ff, 149-152 e 5.35f), Lucian (Diálogos dos Deuses 20), a Bibliotheca (Epitome E.3.2) e Higino (Fabulae 92), recontam a história com um olhar cético ou irônico. O mito apareceu no século VII a.C. em Cypselus em Olímpia, que foi descrito por Pausânias.
[2] Analisando a história “O julgamento de Páris”, McLean (1992, p. 91) afirma que Homero esquartejou “a antiga triplicidade lunar, subdividindo a deusa em Virgem (Atena), Mãe (Hera) e Amante (Afrodite)”. A ideia subjacente à narrativa é que cada mulher faz, em um momento, a escolha por um único arquétipo feminino, relegando os dois outros à sombra do inconsciente. Além da escolha masculina ser “naturalizada”: os homens preferem mesmo a beleza sexual do que a companhia das donas de casas ou das mulheres profissionalmente bem sucedidas.