(Banquete
de Platão[1])
No início, a raça dos
homens não era como hoje. Era diferente. Não havia dois sexos, mas três: homem,
mulher e a união dos dois. E esses seres tinham um nome que expressava bem essa
sua natureza e hoje perdeu seu significado: Andrógino. Além disso, essa
criatura primordial era redonda: suas costas e seus lados formavam um círculo e
ela possuía quatro mãos, quatro pés e uma cabeça com duas faces exatamente
iguais, cada uma olhando numa direção, pousada num pescoço redondo. A criatura
podia andar ereta, como os seres humanos fazem, para frente e para trás. Mas
podia também rolar e rolar sobre seus quatro braços e quatro pernas, cobrindo
grandes distâncias, veloz como um raio de luz. Eram redondos porque redondos
eram seus pais: o homem era filho do Sol. A mulher, da Terra. E o par, um
filhote da Lua.
Sua força era extraordinária
e seu poder, imenso. E isso tornou-os ambiciosos. E quiseram desafiar os
deuses. Foram eles que ousaram escalar o Olimpo, a montanha onde vivem os
imortais. O que deviam fazer os deuses reunidos no conselho celeste? Aniquilar
as criaturas? Mas como ficar sem os sacrifícios, as homenagens, a adoração? Por
outro lado, tal insolência era perfeitamente intolerável. Então...
O Grande Zeus rugiu:
Deixem que vivam. Tenho um plano para deixá-los mais humildes e diminuir seu
orgulho. Vou cortá-los ao meio e fazê-los andar sobre duas pernas. Isso com
certeza irá diminuir sua força, além de ter a vantagem de aumentar seu número,
o que é bom para nós. E mal tinha falado, começou a partir as criaturas em
dois, como uma maçã. E, à medida em que os cortava, Apolo ia virando suas
cabeças, para que pudessem contemplar eternamente sua parte amputada. Uma lição
de humildade. Apolo também curou suas feridas, deu forma ao seu tronco e moldou
sua barriga, juntando a pele que sobrava no centro, para que eles lembrassem do
que haviam sido um dia.
E foi aí que as
criaturas começaram a morrer. Morriam de fome e de desespero. Abraçavam-se e
deixavam-se ficar assim. E quando uma das partes morria, a outra ficava à
deriva, procurando, procurando...
Zeus ficou com pena
das criaturas. E teve outra idéia. Virou as partes reprodutoras dos seres para
a sua nova frente. Antes, eles copulavam com a terra. De agora em diante, se
reproduziriam um homem numa mulher. Num abraço. Assim a raça não morreria e
eles descansariam. Poderiam até mesmo continuar tocando o negócio da vida. Com
o tempo eles esqueceriam o ocorrido e apenas perceberiam seu desejo. Um desejo
jamais inteiramente saciado no ato de amar, porque mesmo derretendo-se no outro
pelo espaço de um instante, a alma saberia, ainda que não conseguisse explicar,
que seu anseio jamais seria completamente satisfeito. E a saudade da união
perfeita renasceria, nem bem os últimos gemidos do amor se extinguissem.
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