![]() |
segunda-feira, 13 de abril de 2015
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
Aforismos Elementais
Devaneios
de Investigação Metamítica
1. Gaston Bachelard
2. Fogo no Divã
3. Mergulho nos sonhos
4. Os movimentos do Ar
5. Força e Repouso
6. Colecionador de ecos
1. O cru e o cozido
2. Ciência + Tradição
3. Relacionando os
elementos
4. Arranjos simbólicos
Conceituais
1. O Vinho do Espírito
2. Inveja do Útero
3. Matriarcado Arcaico
1. Mito + Realidade
2. O Dilúvio
3. Do mito ao tipo
4. Édipo tupiniquim
5. O desequilíbrio do
Fogo
domingo, 30 de novembro de 2014
A Metapoética dos Quatro Elementos
1. Gaston Bachelard
Para Gaston Bachelard, o instante
poético (e, consequentemente, o momento de criação artística em geral ou
insight criativo) é uma verticalização do tempo, que se torna mais simultâneo e
menos contínuo, comparada ao transe místico e à experiência do sagrado.
Bachelard é um pensador duplo: tem textos diurnos dedicados à epistemologia da
ciência e textos noturnos sobre o universo simbólico da poesia. Nos textos
noturnos, ele adota uma perspectiva junguiana, em que o inconsciente é coletivo
e habitado por arquétipos, formas transculturais recorrentes nos sonhos e nas
artes. Há ainda, na estética bachelardiana, uma experiência cognitiva visual
(ou a imaginação dos olhos) e uma experiência cognitiva material (ou a
imaginação das mãos). Para Bachelard, essa imaginação material e dinâmica,
expressa através dos padrões recorrentes dos quatro elementos alquímicos
(terra, água, ar e fogo), é a linguagem primária do inconsciente.
A psicanálise foi seu ponto de partida.
Durante sua fase diurna, de 1912 a 1938, Gaston Bachelard desejava estabelecer,
em sintonia com as novas teorias relativistas desenvolvidas pela física
teórica, um novo espírito científico (1990c). Nesta perspectiva, a verdade
objetiva era sempre o desmascarar de uma ilusão aparente, era sempre a crítica
do senso comum e da ideologia. A alquimia baseada nos quatro elementos era uma
forma de conhecimento ideológica; quando se descobriu número atômico e a tabela
periódica dos elementos químicos então se passou ao conhecimento científico. A
essa ruptura com as ilusões subjetivas ideológicas que revela a objetividade
científica, Bachelard chamou ‘corte epistemológico’. Nessa época, ele utilizava
a psicanálise para exorcizar a imaginação, considerada como um ‘obstáculo
epistemológico a superar’.
É curioso que a passagem do Bachelard
diurno (em que a crítica racional desvenda a imaginação) para o Bachelard
noturno (que investiga a poesia através da imaginação) se deu sem grandes
cortes nem rupturas radicais.
2. Fogo no divã
O livro A Psicanálise do Fogo (1990b) pode ser considerado uma transição
inicial, mas houve um longo processo gradual, cumulativo e contínuo de
construção do projeto de uma poética elementar da imaginação. Neste livro,
escrito em 1939, a intenção de Bachelard é desmistificar o fogo, elucidando os
diferentes 'complexos subjetivos' que impedem a compreensão do objeto. Seu alvo
é a permanência secreta de uma idolatria do fogo, uma vez que até cientistas
recorrem a imagens primitivas para explicá-lo. Os complexos são organizados em
referência a diferentes narrativas míticas sobre o fogo: o complexo de
Prometeu, o desejo de possuir o fogo contra a vontade dos deuses (1999b, 11-19; 1990b, 89-112); o
complexo de Empédocles, o desejo irracional de se deixar
consumir pelo fogo (1999b,
21-31; 1990b, 113-142); o complexo de Novalis, o fogo associado ao
amor correspondido (1999b,
33-63), o complexo da dissociação entre o fogo sagrado, a luz divina; e as
chamas que queimam nos infernos, o sexo (1999b, 24).
Bachelard,
após psicanalisar as imagens do fogo, chega a uma conclusão curiosa: não aceita
que a descoberta do fogo pelos povos primitivos tenha sido causada pela fricção
de dois pedaços de madeira ao acaso. Para ele, "o amor é a primeira
hipótese científica para a reprodução objetiva do fogo" (1999b, 47);
"uma criação do desejo e não uma criação da necessidade" (1999b, 24).
No final da vida,
após escrever livros sobre a água, o ar e a terra, Bachelard escreveu ainda
mais dois livros sobre o elemento fogo: Fragmentos
de uma poética do fogo (1999b), deixado inacabado; e A chama de uma vela (1989), em que trabalha com imagens-lembranças
de sua própria vida e com as relações entre a imaginação poética e a memória. O
fogo, nesses livros, se confunde com a vida, combustível que move os corpos, os
aquece e traz recordações sobre si mesmo.
3. Mergulho nos sonhos
Já em A água e os sonhos (1998),
segundo livro da série escrito em 1942, não se trata mais de desmistificar as
ilusões em torno do elemento, mas sim de imaginar, devanear através de imagens,
a partir da água. Há também complexos de imagens aquáticas, como o complexo de
Ofélia ou o complexo de Caronte (1998, 73), mas esses são formados pelo
recalcamento e sublimação dos arquétipos (no caso, dos arquétipos da água e da
morte), e não mais por ilusões subjetivas que precisam ser decifradas.
Ofélia é uma personagem da peça Hamlet,
de Shakespeare, que se suicida por se sentir rejeitada pelo protagonista. Os
psicanalistas em geral a consideram como um símbolo da mulher submissa, uma
contraparte feminina do complexo de Édipo encarnado por Hamlet. Para Bachelard,
esse complexo se expressa na ondulação da água nas pedras de um riacho,
formando uma imagem semelhante aos cabelos de uma mulher afogada. Já Caronte é
o barqueiro de Hades, que, na mitologia grega, leva os mortos de balsa aos
infernos. Para Bachelard, Caronte é o guardião do limiar, não apenas da morte,
mas também dos sonhos profundos das águas pesadas.
Há uma diferença entre a noção de
arquétipo de C. G. Jung e os complexos de imagens simbólicas dos elementos de
Bachelard. Para Jung, o arquétipo se refere às representações coletivas e
primordiais do Inconsciente coletivo, formando um modelo básico de
comportamento instintivo. Já as imagens poéticas que Bachelard estuda são
sublimações individuais dos arquétipos coletivos e dependem da subjetividade do
sonhador:
“é
essa contribuição pessoal que torna os arquétipos vivos; cada sonhador repõe os
sonhos antigos em uma situação pessoal. Assim se explica porque um símbolo
onírico não pode receber, em psicanálise, um sentido único” (BACHELARD, 1990a,
174).
Para Bachelard, o arquétipo da água se
confunde com a própria imaginação, com o quase-substrato da imaginação
material, o plasma onde ela acontece. A água é, ao mesmo tempo, fluída,
solvente, homogênea e coesa; representando o ideal alquímico Solve e Coagula, a imaginação do concreto
sublimado e a materialização do imaginário.
Assim, a água ocupa, na meta poética do
devaneio de Bachelard, um lugar intermediário entre o sólido e o gasoso, entre
a materialidade compacta da terra e a suave leveza do ar (BACHELARD, 1998, 7).
Também com a água, surge a distinção
entre imaginação material (ou das mãos) e formal (ou dos olhos).
Expressando-nos
filosoficamente desde já, poderíamos distinguir duas imaginações: uma
imaginação que dá vida à causa formal e uma imaginação que dá vida à causa
material; ou, mais brevemente, a imaginação formal e a imaginação material.
(BACHELARD, 1998, 1)
A imaginação formal valoriza o modelo
teórico matemático e a formalização lógico-empírica da tradição aristotélica,
cartesiana e positivista das ciências naturais. Centrada no sentido
da visão, ela resulta no exercício constante da abstração. O homem é um
espectador passivo e ocioso em relação ao mundo que o rodeia.
Já a imaginação material, o homem é um
agente ativo em conflito com os elementos da matéria; é uma filosofia ativa das
mãos, provocada e provocante por um universo sólido e concreto. É a imaginação
dos trabalhadores-artistas que modelam o mundo através de suas vontades de
poder.
Nesse sentido, aproxima-se de
Nietzsche, que pensa a marteladas, a quem considera um pensador aéreo
(BACHELARD, 2001c, 127-162), em virtude de suas imagens vertiginosas e
abissais.
4. Movimentos no Ar
Com o elemento ar, surgem as noções de
imaginação dinâmica[1],
de poética do movimento, de verticalização do tempo e de psicologia
ascensional. Enquanto a imaginação material refere-se à materialização do
imaginário, a imaginação dinâmica, no polo oposto, e à volatização quântica dos
objetos concretos.
“A
imaginação dinâmica ganha então a dianteira sobre a imaginação material. O
movimento imaginado, desacelerando-se, cria o ser terrestre; o movimento
imaginado, acelerando-se, cria o ser aéreo” (BACHELARD, 2001c, 109).
Em segundo momento, no entanto,
Bachelard considera uma imaginação dinâmica dos movimentos (associada a esse
efeito desmaterializante do elemento Ar) e uma imaginação dinâmica das forças - que é desenvolvida no livro A terra e os devaneios da vontade (2001b). E nesse novo esquema, a
imaginação material vai se opor, como complemento e polo oposto, às duas
imaginações dinâmicas (do movimento desmaterializante e das forças em combate
contra a dureza e solidez do mundo material).
E, em um terceiro momento, a imaginação
material corresponderá aos devaneios de repouso e as imagens da intimidade -
que são estudadas no livro A terra e os devaneios
do repouso (1990a)[2].
O livro O Ar e os Sonhos (2001c) é dedicado à imaginação dinâmica do
movimento. Bachelard recolhe imagens aéreas: horizontes sem fim, vacuidades,
espaços abertos, imensidões celestes, sonhos em voo e de queda, árvores
gigantescas, mas principalmente do movimento desmaterializante e das imagens de
verticalização do tempo: os lampejos da eternidade, os instantes absolutos em
que o mundo para, o insight poético, o momento de sincronicidade em que
elementos diversos e até contrários formam uma unidade. Nas imagens aéreas de
movimento, o mundo dos objetos se torna um universo de relações, de frequências
vibracionais – e isso faz Bachelard sonhar, no final do livro, com uma ‘nova
fenomenologia’, em que o tempo seja uma dimensão do espacial, considerando a
duração e a intensidade dos eventos e em que o pensamento se reconcilie com a
imaginação.
Mas, essa ideia logo irá cair por terra
...
5. Força e Repouso
As imagens que o elemento terra suscita em Bachelard ocorrem em dois
planos. O plano da extroversão que se refere à imaginação dinâmica e diz
respeito aos devaneios ativos que agem sobre a matéria; e o plano da
introversão, formado pelas imagens de intimidade. Dedicou a cada plano um
livro.
A
terra, com efeito, ao contrário dos outros três elementos, tem como primeira
característica uma resistência. Os outros elementos podem ser hostis, mas não
são sempre hostis. A resistência da matéria terrestre, pelo contrário, é
imediata e constante (BACHELARD, 2001b, 8).
Em A
terra e os devaneios da vontade (2001b), Bachelard imagina o impacto da
matéria sobre o impulso criador humano. O martelo (o metal) nos ensina a
disciplina da regularidade, a firmeza de propósito, a vitória gradativa sobre a
matéria. As vontades de poder aram a terra e são por ela formatadas. A
subjetividade também é forjada pela resistência material. A matéria resiste à
força humana e o corpo se adapta, muscularmente, às resistências da matéria.
E o livro A terra e os devaneios do
repouso (1999a), no contraponto do desenvolvimento dessas vontades em
confrontos com o mundo material, estuda as imagens da beleza íntima da matéria;
o espaço afetivo que há no interior das coisas; e principalmente a
tranquilidade que aí reside: a casa, o ventre e a gruta.
É
ao sonhar com essa intimidade que se sonha com o repouso do ser, com um repouso
enraizado, um repouso que tem intensidade e que não é apenas essa imobilidade
inteiramente externa reinante entre as coisas inertes. É sob a sedução deste
repouso íntimo e intenso que algumas almas definem o ser pelo repouso, pela
substância, em sentido oposto ao esforço que fizemos, em nossa obra anterior,
para definir o ser humano como emergência e dinamismo (BACHELARD, 1990a, 4).
Ao que parece, o combate (e o repouso)
da imaginação de Bachelard contra a matéria realmente o tornou mais sábio, uma
vez que nesses dois livros, e nos que se escreverá em seguida, ele abandona
qualquer pretensão científica e se limita devanear através das imagens.
6. O Sonhador
“Arauto da pós-modernidade” (ARAUJO, 2003), Bachelard abriu
caminho para as teorias contemporâneas do imaginário. Gilbert Durand, Mircea
Eliade e Paul Ricouer foram admiradores confessos de sua coragem e liberdade
poética e filosófica. Também foi alvo de várias críticas devido a sua falta de
sistematicidade. Porém, possivelmente, a verdade é que Bachelard queria apenas
devanear e provocar devaneios. Aliás, o elemento provoca o sonhador, cujo
devaneio nos provoca.
A meta poética bachelardiana é uma
relação dialógica entre o homem e a matéria, inspirada na alegoria materialista
alquímica. C.G. Jung (2003) já desconfiava que os alquimistas não
operassem apenas com metais, mas sim o próprio corpo, através do simbolismo
astrológico e elemental; e que o ideal alquímico de transformar chumbo em ouro,
nada mais era do que elevar a matéria densa para sutil dentro de si mesmo, como
um laboratório vivo.
Talvez Bachelard se sentisse culpado
(por que não psicanalisá-lo também?) com sua desconstrução da física
aristotélica dos quatro elementos através da epistemologia científica e
tentasse oferecer a compensação de inserir novamente os elementos em o que
muitos chamam de uma ‘metafísica’. Na verdade, uma protofísica, pois colocou as
imagens simbólicas dos elementos aquém e não além dos objetos representados.
Da mesma forma que é falsa a tentativa
classifica-lo como filósofo metafísico, também parece equivocado tentar
enquadrá-lo como crítico literário. Bachelard não analisa livros ou poemas
completos, mas apenas versos soltos; Edgar Alan Poe é o único poeta que é
estudado em profundidade (pois é um poeta da água). Mais do que um crítico
literário, Bachelard é um poeta se que utiliza de outros poetas, agregando a
eles sua poesia.
Daí porque preferirmos o nome de
‘metapoética’ para caracterizar seu trabalho, do que a metafísica ou crítica
literária. Porém, o essencial é que Bachelard encarna uma estética da
atividade, que nos incita a também devanear, que nos encoraja a também sonhar.
Por isso, a melhor crítica é também a melhor homenagem: aceitar o desafio e
também lutar, também lançar a imaginação ao devaneio metapoético.
[1] Freitas (2006) identifica cinco configurações
da imaginação poética nos devaneios dos quatro elementos de Bachelard: 1) a
imaginação material; 2) a imaginação dinâmica do movimento; 3) a imaginação
dinâmica das forças; 4) as imagens-lembrança; e 5) a imaginação
arquetipal. Para ele, essas
configurações se sobrepõem umas as outras ao longo do trabalho do
filósofo-poeta.
[2]
Os devaneios de repouso e as imagens de intimidade são retomados em A poética do espaço (2000), mas sem o
apelo simbólico aos elementos.
As Relações Elementais
1. Ciência + Tradição
Lévi-Strauss (1976) afirma que o
pensamento selvagem classifica as coisas (cores, sons, cheiros, animais, datas,
pessoas) segundo critérios subjetivos derivados de experiências sensoriais; em
oposição ao pensamento científico domesticado, que classifica o mundo segundo
critérios objetivos universais.
Viveiros de Castro (2001) nos alerta
que o pensamento selvagem de Strauss não é o pensamento dos selvagens, mas sim
o pensamento em estado selvagem, ainda não domesticado. Ele não é incompatível
com o pensamento científico. O pensamento selvagem se refere a propriedades sensíveis;
o pensamento científico se refere às propriedades abstratas.
Para o conhecimento científico atual, o
Fogo é uma reação química; a Água, um fluído universal; o Ar, um gás raro e
rarefeito; e a Terra, um sistema biológico. Com a física relativista, o tempo
se tornou uma dimensão do espaço. E com a física quântica, a matéria passou a
ser compreendida como uma forma de energia.
Sendo assim, se estivermos em um
universo eletromagnético, como acredita a física atual, pode-se pensar que o
polo elétrico corresponde ao Fogo e é ativo; enquanto o polo magnético é
receptivo e corresponde ao elemento Terra. O Ar e Água, nesse caso, seriam
elementos intermediários e condutores de eletricidade e magnetismo. Além disso,
grosso modo, o Fogo corresponde ao Nitrogênio; a Água ao Hidrogênio; o Ar ao
Oxigênio; e a Terra ao Carbono. A polaridade Fogo-Terra, assim, equivale às
trocas químicas entre a vida orgânica (carbono) e a existência inorgânica
(nitrogênio). E muitas versões mitológicas e esotéricas subdividem o elemento
Terra em reinos (animal, vegetal e mineral) em função do desenvolvimento e da
complexidade do carbono – e de sua interação com o hidrogênio e com oxigênio.
Portanto, é possível pensar sobre os quatro elementos dentro de um quadro de
referências objetivas.
Mais recentemente começou-se a falar em
biosfera, hidrosfera, atmosfera e ... ‘noosfera’ (o mundo das ideias) – termo
criado por Teilhard de Chardin e popularizado atualmente por Edgar Morin. Mas,
as ideias são apenas unidades subjetivas (devaneios cristalizados) de
frequências vibratórias acústicas e luminosas, de ondas elétricas do elemento
Fogo. O termo ‘ionosfera’, por sua vez, enfocando apenas o aspecto externo do
universo elétrico, exclui o homem das trocas ambientais entre os elementos,
ignorando seu papel determinante no jogo de construção do mundo material.
Por outro lado, há vários esoterismos (a
Cabala, a Rosacruz, a Teosofia, a Antroposofia), que entendem o universo como
um processo de involução (ou criação) progressiva de quatro estágios/mundos: as
idades da terra (planeta). Nessas concepções, os quatro elementos representam a
presença de três desses estágios anteriores no interior do presente mundo
material. Assim, primeiro houve a era do ouro e do fogo celeste, depois a era
de prata e da água divina; a era do cobre e do ar cósmico; e agora, o mais
denso dos tempos, o kali-yuga, a era do ferro e da matéria formado pelos quatro
elementos. Cada estágio/universo de desenvolvimento do planeta corresponde
também a um 'corpo'. Assim, temos uma centelha divina no mundo arquetípico das
emanações; uma alma que habita o mundo espiritual da criação e dos sonhos; uma
mente operando no astral inferior; e um corpo na matéria.
2. Relacionando os elementos
|
NOOSFERA
Fogo exterior
|
HIDROSFERA
Água exterior
|
ATMOSFERA
Ar exterior
|
BIOSFERA
Terra exterior
|
ESPÍRITO
Fogo interior
|
REI DE PAUS
FOGO PURO
|
DAMA DE PAUS
Água
dentro de fogo
O CALOR
|
CAVALEIRO DE PAUS
Ar
dentro de fogo
A LUZ
|
SERVO DE PAUS
Terra
dentro do fogo
A VIDA
|
ALMA
Água interior
|
REI DE COPAS
Fogo
dentro de Água
O SONHAR
|
DAMA DE COPAS
ÁGUA PURA
|
CAVALEIRO DE COPAS
Ar
dentro da Água
IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA
|
SERVO DE COPAS
Terra
dentro da Água
A SENSIBILIDADE
|
MENTE
Ar interior
|
REI DE ESPADAS
Fogo
dentro de Ar
O ARQUÉTIPO
|
DAMA DE ESPADAS
A Água
dentro de Ar
IMAGINAÇÃO FORMAL
|
CAVALEIRO DE ESPADAS
AR PURO
|
SERVO DE ESPADAS
Terra
dentro de Ar
A LINGUAGEM
|
CORPO
Terra interior
|
REI DE OUROS
Fogo
dentro de Terra
O PODER
|
DAMA DE OURO
Água
dentro da Terra
A RIQUEZA
|
CAVALEIRO DE OUROS
Ar
dentro da Terra
O TRABALHO
|
SERVO DE OUROS:
TERRA PURA
|
Propomos aqui um exercício
teórico-poético, com o objetivo de investigar através da imaginação simbólica
as relações dos quatro elementos entre si – tendo como referência as 16 cartas
figuradas dos Arcanos Menores do Tarô: os naipes correspondem às esferas
elementais (Paus = Noosfera, Copas = hidrosfera, Espadas = Atmosfera e Ouros =
Biosfera); enquanto as figuras são associadas ao microcósmico (Rei = Espírito,
Dama = Alma, Cavaleiro = Mente e Pajem = Corpo).
Assim, no Naipe de Paus (a
noosfera/ionosfera), encontramos quatro manifestações do elemento Fogo: O Rei
de Paus, representando o elemento puro; A Dama de Paus (a Água dentro do Fogo)
associada à ideia de Calor; O
Cavaleiro de Paus (o Ar dentro do Fogo) representação da Luz; e o Servo de Paus (Terra dentro do Fogo) simbolizando a Vida.
O elemento Água no interior do universo
ígneo se evapora em ondas de vapor úmido. É um fogo que queima e se alastra.
Não é apenas um calor térmico, é também pressão, expansão. A alma sua memória
purifica no espírito: a água quando se evapora, se destila, eliminando suas impurezas[1].
Por isso, também corresponde à qualidade psicológica da sublimação. Essa
relação corresponde ao fogo dinâmico, contínuo e ao signo astrológico de Áries.
Já o elemento Ar dentro da noosfera corresponde ao signo astrológico de Leão,
ao Fogo fixo, estático e extático: a luz. Em várias mitologias, há uma oposição
nítida entre o fogo que queima e o que ilumina, entre o fogo sexual e o
espiritual. Essa oposição, no entanto, é equilibrada pelo Fogo mutável, a Terra
dentro do Fogo, a vida, que corresponde ao signo astrológico de Sagitário,
representado por Centauro, cuja parte inferior (o cavalo) corresponde ao fogo
animal dos desejos e a parte superior (o guerreiro com arco e flecha), ao fogo
espiritual.
Também se podem ver as três relações do
fogo como diferentes tipos de ‘energia’: a vida orgânica produz a energia Chi (ou ki, japonês); a energia inorgânica (dos diferentes aspectos da
natureza) é o Axé; e a energia das
estrelas é o prana (ou reiki), a energia quântica. Nessa
analogia, a energia das estrelas é a luz (fogo fixo); o axé corresponde ao
calor (fogo dinâmico); e a energia orgânica, à vida (fogo mutável).
As águas seguem um ciclo bem conhecido:
elas caem dos céus como sonhos (a água dinâmica, o signo de Câncer); escorrem
pelos rios como a imaginação (a água mutável, Peixes); e desaguam no mar de
emoções (a água fixa, Escorpião) e, após salgadas, novamente evaporarem pela ação do
sol. Impossível não lembrar as deusas nagôs Yansã, Oxum e Yemanjá – adotadas
pelo candomblé brasileiro.
Eliade demonstra (1992, 153-174), a
universalidade da relação entre o simbolismo da água com a Lua e com o
feminino. No esoterismo em geral, o simbolismo das águas está associado ao
universo da emoção e dos sentimentos. O Rei de Copas, representando o elemento
Fogo dentro deste mundo emocional, o espírito dentro da alma, nos evoca a noção
de Sonhar, de um corpo astral através
do qual a consciência navega em outros universos. A Dama de Copas corresponde
ao elemento Água puro. O Cavaleiro de Copas, o Ar (a mente) no interior do
universo emocional é uma representação da Imaginação
Simbólica. O símbolo do espelho (GOMES, 2010, 21-46) também participa deste
complexo de imagens. E, finalmente, o Servo de Copas, a terra dentro da água,
nos lembra do sal e da Sensibilidade,
o aspecto sensorial do universo afetivo.
O naipe de espadas simboliza o universo
mental, onde encontramos o ar fixo em relação com o fogo, o signo de Aquário; o
ar mutável (Gêmeos), em relação com a água; e o ar dinâmico (Libra), em relação
com o elemento terra. O Rei de Espadas, representando a presença do espírito
dentro da mente, nos remete à noção de Arquétipo
e às imagens de relâmpagos e descargas elétricas no céu. A Dama de Espadas, a
alma dentro da mente, nos faz lembrar a imagem de uma gota de orvalho e nos
remete à ideia de Imaginação formal,
da formalização dos sentimentos. O Cavaleiro de Espadas representa o elemento
Ar em seu estado puro. E o Servo de Espadas, a Terra dentro do Ar, é a Linguagem, a materialização do
pensamento.
O Rei de Ouros, fogo dentro do mundo
material, a terra Dinâmico (Capricórnio) é representado pelas imagens
vulcânicas da terra ctônica, pelos metais, pedras preciosas e pela ideia de Poder. Poder não no sentido de dominação
do outro, mas sim de capacidade imanente de fazer. A Dama de Ouros, a água
dentro da biosfera, corresponde à terra mutável (Virgem), à ideia de Riqueza e às imagens de solos argilosos
e férteis. Riqueza não no sentido de acumulação de bens materiais, mas sim de
variedade e complexidade de recursos. O Cavaleiro de Ouros, o ar dentro da
matéria, a terra fixa (Touro) representa a ideia de Trabalho e das imagens de pedras sólidas e solos arenosos. Trabalho
não só no sentido de atividade transformadora do mundo material, mas também no
sentido de ser transformada por essa mesma mudança. E o Servo de Ouros
simboliza o elemento Terra puro.
Assim, na biosfera, o poder (fogo
imanente de uma terra constante) está em oposição ao trabalho (o ar em
movimento em torno da terra fixa, o planeta). O resultado é a riqueza, a fertilidade
e a abundância.
Ao estudar as relações elementais,
abordaram-se os quatro elementos em séries de três, observando como cada
elemento atua dentro de um único elemento de modo dinâmico, fixo e mutável.
Pode-se também tomar os elementos por colunas, investigando como um mesmo
elemento atua no interior dos outros três.
O elemento Fogo dentro da esfera das
emoções se manifesta como Sonho, no
interior do plano mental como Arquétipo
e dentro da matéria como Poder. A
Água no interior da esfera espiritual é Sublimação;
dentro da mental, Imaginação; e nas
entranhas da matéria, Riqueza. O
elemento Ar na esfera espiritual explode em Luz;
na esfera emocional se vê em um Espelho
Simbólico; e dentro da esfera material, trabalha.
A Terra no interior do plano espiritual é Vida,
dentro do plano emocional, Sensibilidade;
e no interior do plano mental, Linguagem.
3. Arranjos simbólicos conceituais
Bem estabelecido esses conceitos,
vários arranjos simbólicos podem ser desenvolvidos em devaneios poéticos. A
sequência dos signos das constelações do zodíaco astrológico, por exemplo, nos
mostra os conceitos simbólicos embutidos na passagem do ano.
O Calor
(o fogo cinético) é necessário para a arrancada dos começos, no equinócio da
primavera; que se perpetua através do Trabalho
(a terra estática) em abril e maio; estabelece-se então uma Linguagem (o ar mutável) comum no
solstício de inverno; que nos permite Sonhar (a água dinâmica) em julho. A
simplicidade majestosa da Luz (o fogo
fixo) de agosto contrasta com a multiplicidade e com a complexidade da Riqueza (a terra mutável). No outono, a imaginação Formal (o ar cinético) tenta
uniformizar as coisas, criando padrões e modelos; mas consegue apenas uma
explosão de Sensibilidade (a água fixa) em novembro. Então, no
final do ano a Vida (o fogo mutável)
é combustível do Poder (a terra
cinética) que tenta perpetuá-la, através do Arquétipo
(o ar fixo) e da Imaginação Simbólica
(a água mutável).
Ou ainda se colocarmos os signos
zodiacais em pares opostos (180º): O Calor
deseja incendiar os padrões da Imaginação
Formal que a aprisiona; o Trabalho
forma e é formatado pela Sensibilidade;
a Linguagem imita a Vida que também a imita; Sonho e Poder brigam apaixonadamente; a Luz
emana o Arquétipo que a protege; e a Riqueza
e a Imaginação Simbólica travam uma
luta silenciosa na construção dos valores.
Mas os arranjos de símbolos mais
significativos são os que combinamos conceitos dos mesmos elementos.
O caráter oposto e complementar entre a
Imaginação Simbólica (a
mente no plano emocional) e a Imaginação
Formal (a alma no plano mental) fica então bem definido. Enquanto a
primeira pode ser representada pela bolha da percepção, a última lembra uma
gota de orvalho em queda livre. A Imaginação Formal produz sentido dinamizando
Arquétipos, enquanto a Imaginação Simbólica produz Sensibilidade a partir dos
Sonhos.
A relação do Trabalho (a
mente dentro do plano material) com a
Linguagem (o corpo no interior do plano mental) também formam
contradições de simetria invertida, as duas atividades combinam ar e terra em
dinamizações diferentes, sendo que, no Trabalho, o labor corporal está
inteligentemente orientado e, na Linguagem, a cognição se esforça dar sentido
ao concreto.
O mesmo acontece na relação do Sonhar (o espírito dentro do plano emocional)
com o Calor/sublimação (a alma no
interior do plano espiritual): no sonho, o espírito navega em um mar de
emoções; na sublimação, a alma destila suas dores no inferno/paraíso. E a relação da
Sensibilidade (o corpo dentro da esfera emocional) com a Riqueza (o coração no
interior do plano material) retrata a simetria invertida entre os elementos
Terra e Água, representando a consciência de nossa finitude diante da grandeza
do universo; o aprendizado afetivo de aceitação do mundo. As relações do
Arquétipo (o espírito dentro do plano mental) com a Luz (a mente no interior do plano
espiritual) e da
Vida (o corpo dentro do plano espiritual) com o Poder (o espírito no interior do plano
material), além de formarem contradições de simetria invertida como as outras
quatro acima, também são opostos zodiacais e se constituem como arranjos
simbólicos conceituais bastante significativos.
A relação do conceito simbólico
‘Arquétipo’ com a noção de ‘Luz’ representa a simetria invertida dos elementos
Fogo e Ar. Os Arquétipos se assemelham às brasas e a fumaça, formas que emergem
rapidamente das brasas. São imagens passageiras. Já a Luz é eterna, fixa,
estática e apolar. A mente é apenas o ambiente em que ela se perpetua. Tratamos
dessa relação mais adiante, no capítulo intitulado Estudos Cabalísticos. E a
relação entre os conceitos simbólicos Vida e Poder expressa a simetria
invertida mais importante de todas, a dos elementos Terra e Fogo. O Poder tenta
controlar a Vida, mas é eternamente derrotado pela morte. Por outro lado, a vontade
de poder é afirmação do desejo de realização aceito em sua fragilidade efêmera.
Abordamos a relação entre Poder e Vida no final desse trabalho.
A Terra é o elemento que reúne o maior
número de imagens arquetípicas. A rigor, todas as imagens são materiais, mesmo
as de movimento e força. E da mesma forma que associamos as três relações
elementais ao reino mineral (metal, argila e calcário), também se pode
associá-las aos reinos vegetal (os vegetais, os fungos e os corais) e animal
(os peixes, as aves e os mamíferos).
Há, no entanto, algumas imagens chave
do elemento Terra, imagens de repouso que extrapolam as ideias de acolhimento e
proteção - como o útero e o vinho – que também escapam aos arranjos dos
conceitos simbólicos simétricos e transbordam a imaginação com outras formas de
pensar.
[1]
Há também poetas e mitologias que consideram o ‘imaginário do frio’ como sendo
uma referência ao mal absoluto e/ou a morte eterna.
Assinar:
Postagens (Atom)