quinta-feira, 28 de março de 2019
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019
Mito do Andrógino
(Banquete
de Platão[1])
No início, a raça dos
homens não era como hoje. Era diferente. Não havia dois sexos, mas três: homem,
mulher e a união dos dois. E esses seres tinham um nome que expressava bem essa
sua natureza e hoje perdeu seu significado: Andrógino. Além disso, essa
criatura primordial era redonda: suas costas e seus lados formavam um círculo e
ela possuía quatro mãos, quatro pés e uma cabeça com duas faces exatamente
iguais, cada uma olhando numa direção, pousada num pescoço redondo. A criatura
podia andar ereta, como os seres humanos fazem, para frente e para trás. Mas
podia também rolar e rolar sobre seus quatro braços e quatro pernas, cobrindo
grandes distâncias, veloz como um raio de luz. Eram redondos porque redondos
eram seus pais: o homem era filho do Sol. A mulher, da Terra. E o par, um
filhote da Lua.
Sua força era extraordinária
e seu poder, imenso. E isso tornou-os ambiciosos. E quiseram desafiar os
deuses. Foram eles que ousaram escalar o Olimpo, a montanha onde vivem os
imortais. O que deviam fazer os deuses reunidos no conselho celeste? Aniquilar
as criaturas? Mas como ficar sem os sacrifícios, as homenagens, a adoração? Por
outro lado, tal insolência era perfeitamente intolerável. Então...
O Grande Zeus rugiu:
Deixem que vivam. Tenho um plano para deixá-los mais humildes e diminuir seu
orgulho. Vou cortá-los ao meio e fazê-los andar sobre duas pernas. Isso com
certeza irá diminuir sua força, além de ter a vantagem de aumentar seu número,
o que é bom para nós. E mal tinha falado, começou a partir as criaturas em
dois, como uma maçã. E, à medida em que os cortava, Apolo ia virando suas
cabeças, para que pudessem contemplar eternamente sua parte amputada. Uma lição
de humildade. Apolo também curou suas feridas, deu forma ao seu tronco e moldou
sua barriga, juntando a pele que sobrava no centro, para que eles lembrassem do
que haviam sido um dia.
E foi aí que as
criaturas começaram a morrer. Morriam de fome e de desespero. Abraçavam-se e
deixavam-se ficar assim. E quando uma das partes morria, a outra ficava à
deriva, procurando, procurando...
Zeus ficou com pena
das criaturas. E teve outra idéia. Virou as partes reprodutoras dos seres para
a sua nova frente. Antes, eles copulavam com a terra. De agora em diante, se
reproduziriam um homem numa mulher. Num abraço. Assim a raça não morreria e
eles descansariam. Poderiam até mesmo continuar tocando o negócio da vida. Com
o tempo eles esqueceriam o ocorrido e apenas perceberiam seu desejo. Um desejo
jamais inteiramente saciado no ato de amar, porque mesmo derretendo-se no outro
pelo espaço de um instante, a alma saberia, ainda que não conseguisse explicar,
que seu anseio jamais seria completamente satisfeito. E a saudade da união
perfeita renasceria, nem bem os últimos gemidos do amor se extinguissem.
sábado, 9 de fevereiro de 2019
O livro perdido de Enki
Em inúmeras lendas e mitos, a liberdade aparece como um castigo ou como resultado de uma desobediência da humanidade em relação aos deuses. Em algumas narrativas, a liberdade é dada ao Homem por outros seres, como no mito de Prometeu, em que o fogo dos deuses é roubado para que o homem conquiste a própria liberdade; em outras, é a consciência que, mascarada por diferentes símbolos (o fogo, a bebida sagrada), é engendrada por conflitos entre seres de outra ordem evolutiva, em que alguns são favoráveis e outros contrários à humanidade.
Enquanto no hinduísmo, os Devas correspondem aos ‘bons’ e os Asuras, aos ‘maus’; na mitologia persa/zoroastrismo ocorre o contrário. Os anjos dos hindus são os demônios dos persas e vice-versa. As razões para essa inversão simétrica são complexas. É possível que se deva à rivalidade entre impérios vizinhos, mas também a interpretações diferentes do ‘complexo de Prometeu’ e da liberdade furtada pelos anjos decaídos e partilhada com a humanidade. Nesse aspecto, os Asuras persas são semelhantes a Lúcifer, aos titãs gregos e aos gigantes do gelo nórdicos do Ragnarök (o crepúsculo dos deuses germânicos), seres primordiais rebeldes em relação à criação, em virtude dos quais a liberdade (ou insubmissão da consciência do bem e do mal) chegou até os homens, tornando-os uma espécie transgressora e destrutiva.
Descobertas arqueológicas recentes apontam para uma convergência mitológica em torno da cultura suméria. Além de antecipar várias passagens da Bíblia (Adão e Eva, Caim e Abel, a torre de Babel, o final dos tempos), as religiões babilônicas também têm temas comuns aos Vedas, às narrativas egípcias (as histórias de Rá, Osiris, Isis, Horus, Set) e ao panteão astrológico da mitologia grega. A cultura suméria é a base da maioria das culturas antigas ocidentais, um sistema de crença complexo que antecipa e compreende outras mitologias posteriores, dela derivadas.
Segundo o livro perdido de Enki de Zecharia Sitchin, compilação de centenas de tabuletas traduzidas da antiga escrita cuneiforme, os Anunnakis vieram de Nibiru em suas carruagens celestes para terra a procura de ouro para corrigir um desequilíbrio em seu planeta. Para minerar o metal, criaram e escravizaram outra espécie de seres – os Igigi (os gigantes). Eles, no entanto, se rebelaram contra Enlil e os Annunakis. Foi então que Enki sugeriu a criação da humanidade, inseminando o DNA Anunnaki a espécies de símios. Porém, os homens também se rebelaram e os alienígenas decidem acabar com todos, através de um dilúvio. Enki, sempre dissidente, conta aos homens dos planos de Enlil e os ensina a fazer um submarino e um banco de dados genéticos para sobreviver a catástrofe e repovoar a terra. O fato dos deuses serem astronautas não é tão interessante quanto a síntese mitológica que a narrativa engendra, explicando toda mitologia ocidental.
Os mitos sumérios, assírios e babilônicos têm muitas versões e interpretações, em que os deuses trocam de nomes e de papéis, se fundem em um só deus ou se dividem em dois. Enki é o "Senhor da Terra" e um deus de oposição aos céus: genro do usurpador Alalu; pai do rebelde Marduk, líder da revolta Igigi; ele é chamado de "ushumgal", a Grande Serpente.
Por exemplo: Anu proíbe que os Anunnakis ensinem segredos aos homens, que devem ser mantidos ignorantes e trabalhando na lavoura. Os Anunnakis, entretanto, conclui que os homens serão mais úteis se aprenderem os segredos do pão, do vinho, da cerveja e das roupas. Com este conhecimento, os homens passam a produzi-los para si e para os deuses. Inicialmente, os homens não consomem o pão e as bebidas, pois o deus Enlil lhes diz que morreriam se o fizessem, mas Enki lhes explica que não haveria problema. Há também uma versão em que o homem vivia no reino celestial e Anu lhe oferece o alimento que lhe daria vida eterna, mas ele o recusa porque Enki lhe diz que o alimento o mataria. O homem é então expulso do reino.
Outro exemplo interessante (de como os sumérios entendem o papel de Enki e o mito dos jardins do Éden) é o épico Gilgamesh. Enkidu (que personifica a humanidade) vive como um animal, comendo capim e bebendo água do rio. Mas, seduzido por uma prostituta do templo, Enkidu experimenta pão e vinho, passando a usar roupas e vai morar na cidade de Uruk, onde conhece Gilgamesh. Para a cultura sumeriana, a vida urbana era o ideal, a vida rural era selvagem e atrasada. Os deuses moravam em cidades e o Éden era o local onde a humanidade vivia como bicho, incessantemente trabalhando sem perceber para alimentação de seus senhores. Para os antigos sumérios, o atual desejo dos judeus, cristãos e muçulmanos de voltar para o Éden pareceria loucura.
Mais do que um conflito entre a terra e o céu (Nibiru), há uma oposição filosófica entre Destino (representado por Enlil) e Sorte (encarnado em Enki). O deus da terra sempre defende a liberdade e que somos nós que fazemos nosso destino; enquanto Enlil e Anu obedecem aos ciclos e suas determinações, repetindo o passado no futuro.
parte 3
https://www.youtube.com/watch?v=R3wK0xkQ5rg
parte 4https://www.youtube.com/watch?
https://www.youtube.com/watch?
https://www.youtube.com/watch?
https://www.youtube.com/watch?
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https://www.youtube.com/watch?
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https://www.youtube.com/watch?
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parte 14
parte 15
https://www.youtube.com/watch?
VEJA TAMBÉM: Enuma Elish (o livro de Enki) como Opera rock; Banda: Mensageiros dos Ventos
terça-feira, 8 de janeiro de 2019
A escolha
O JULGAMENTO DE PÁRIS[1]
Marcelo Bolshaw Gomes
Zeus, rei dos deuses gregos, deu um
banquete em comemoração ao casamento de Peleu e Tétis (pais de Aquiles). Eris, a
deusa da discórdia, não foi convidada, mas mesmo assim compareceu. Ela chegou à
festa com uma maçã de ouro do Jardim das Hespérides, sobre a qual estava
escrito "um presente para a mais importante das deusas".
Três deusas presentes ao banquete reivindicaram
a maçã: Hera, Atena e Afrodite. Elas pediram a Zeus para decidir a disputa. Atena, nascida da cabeça de Zeus, é a deusa da sabedoria e do Poder.
Deusa das estratégias em tempo de guerra e da cultura em tempo de paz. Hera,
esposa de Zeus, deusa do casamento e da maternidade, cuja a potência maior está
na coragem afetiva, nos sentimentos verdadeiros. E Afrodite, deusa da beleza e
das artes.
Tratava-se de uma disputa entre a
justiça, a verdade e a beleza. Quem seria a mais importante? Inicialmente, Zeus
tentou decretar diplomaticamente um empate. Mas, nenhuma das participantes
aceitou. Então ele decidiu eleger Paris, um mortal, príncipe de Troia, julgaria
o caso, em seu lugar. Assim, Hermes, o deus mensageiro do Olimpo, foi
encarregado de levar as deusas, individualmente, à presença de Páris – para que
ele as conhecesse. E cada uma das deusas ofereceu ao príncipe um presente como
suborno caso fosse a eleita.
Hera
lhe ofereceu a Coroa do Mundo e todo o poder por ela emanado. Além disso, concederia
ainda o dom da felicidade e da vida longa, ao lado da esposa, da família e dos
amigos.
Atena
lhe prometeu o poder sobre os homens, sabedoria e justiça equiparadas a de
Zeus. Além disso, ele seria sempre vitorioso em qualquer disputa que travasse.
Por
último, veio Afrodite e lhe prometeu Helena, a mais bela entre as mulheres
mortais, esposa de rei Menelau de Esparta.
Páris escolheu
Afrodite[2]. Atena e Hera, ressentidas com a escolha, juraram vingança o que,
posteriormente, culminou na destruição de Tróia.
[1]
Tal como acontece com muitos contos mitológicos, os detalhes variam de acordo
com a fonte. A breve alusão ao Julgamento na Ilíada (24,25-30) mostrando que o
episódio que iria iniciar a ação posterior já era familiar pelo público; uma
versão mais completa foi contada na Cypria, uma obra perdida do ciclo épico,
dos quais apenas fragmentos (e um resumo confiável) permanecem. Os escritores
posteriores Ovídio (Heroides 16.71ff, 149-152 e 5.35f), Lucian (Diálogos dos
Deuses 20), a Bibliotheca (Epitome E.3.2) e Higino (Fabulae 92), recontam a
história com um olhar cético ou irônico. O mito apareceu no século VII a.C. em
Cypselus em Olímpia, que foi descrito por Pausânias.
[2]
Analisando a história “O julgamento de Páris”, McLean (1992, p. 91) afirma que
Homero esquartejou “a antiga triplicidade lunar, subdividindo a deusa em Virgem
(Atena), Mãe (Hera) e Amante (Afrodite)”. A ideia subjacente à narrativa é que
cada mulher faz, em um momento, a escolha por um único arquétipo feminino,
relegando os dois outros à sombra do inconsciente. Além da escolha masculina
ser “naturalizada”: os homens preferem mesmo a beleza sexual do que a companhia
das donas de casas ou das mulheres profissionalmente bem sucedidas.
sábado, 29 de dezembro de 2018
astrosociologia?
Marcelo
Bolshaw Gomes[1]
O presente texto retoma a discussão sobre a cientificidade dos saberes
alternativos, principalmente a astrologia, tentando demonstrar que a ciência
contemporânea pode (e deve) explicar e compreender esses saberes ao invés de
simplesmente refutá-los. Para tanto, discute-se a relação da astrologia com a
modernidade e a sua possível compatibilidade com a sociologia. O texto concluí
que é possível traçar paralelos entre as duas disciplinas e sugere alguns
parâmetros.
1) Introdução
Existem vários textos apaixonados
sobre se a astrologia é ou não é uma ciência. Mas, trata-se de uma diálogo
entre surdos, pois nem os astrólogos escutam os argumentos científicos quanto
os cientistas se recusam a entender o ponto de vista dos que gostam da
astrologia. No entanto, é rara uma abordagem que coloque a questão dentro de
uma quadro de referências mais gerais, por exemplo, sobre a relação entre a
epistemologia contemporânea e a reinvenção atual de saberes meta tradicionais
(como acupuntura ou homeopatia). Tais saberes não-científicos do ponto de vista
da física e da química, no entanto, tem comprovação pessoal e
estatístico-histórica (da mesma forma que a economia e a psicologia, que
atendem apenas a esse tipo de validação para serem consideradas ‘ciência’). Há
vários saberes não-científicos que funcionam objetivamente como formas práticas
de conhecimento.
Karl Popper demonstra, por exemplo,
que o marxismo e a psicanálise não são científicos epistemologicamente. Mas,
sua ‘falta de cientificidade’ em nada diminui a eficácia prática explicativa e
compreensiva desses saberes frente a realidade. Porém, a ciência deve(ria) investigar
'como' e 'em que condições' tal saber é válido - e não simplesmente dizer que
não é científico porque não se enquadra em seus métodos de análise específicos.
A ciência deve(ria) incluir, compreender, todos os saberes tradicionais e
alternativos em sua teoria e não simplesmente excluir os elementos lógicos e as
informações que não consegue explicar.
Há inclusive textos que compilam a
comparação entre astrologia e astronomia (ou em relação à epistemologia e
geral), sistematizando suas discordâncias: a ilusão de que a força
gravitacional ou o eletromagnetismo dos corpos celestes influenciarem os corpos
terrestres e as personalidades humanas; a descoberta científica de uma décima
terceira constelação zodiacal (e de outros elementos astronômicos gigantescos
como buracos negros, nebulosas, supernovas – aparentemente sem nenhum
significado astrológico); e, principalmente, o movimento de precessão da terra[2].
O movimento de precessão é causado
pelas forças exercidas pela translação do Sol e pela da rotação da Terra e da
Lua, fazendo com que o planeta se movimente em relação ao próprio eixo. Esse
movimento muda as estrelas de lugar para o observador terrestre. A cada ano, a
terra sofre uma precessão de cerca de 20 minutos. Em 2160 anos, a mudança é de
30 graus. Na época em que a astrologia foi concebida, o sol nascia às seis
horas da manhã na constelação de Áries; durante muitos séculos, o sol nesse dia
nasceu em Peixes; e nos dias atuais, a constelação que abre o equinócio de
outono no hemisfério sul é a de Aquário.
Ou seja: céu astronômico não coincide
mais com o céu astrológico!
Tal fato é o principal argumento dos
cientificistas – uma vez que não havendo coincidência também não há causalidade
nem observação da realidade. O fato também levou a uma minoria dos astrólogos a
uma pretensão atualização[3].
Mas, a grande maioria passou a entender que não são os astros que determinam os
acontecimentos, mas que são a linguagem dos símbolos que condicionam nossas
vidas. A astrologia, assim, não seria uma ciência do sentido estrito, mas sim
uma linguagem, uma arte de interpretação. Para esses, a astrologia não é uma ciência
e a ideia simplificada de que os corpos celestes determinam a vida das pessoas
é falsa. Mas, isto não significa que ela não faça sentido em determinado nível,
tanto no que diz respeito à relação entre a personalidade e as características
dos signos zodiacais, como em relação aos contextos complexos formados por
símbolos astrológicos que influenciam os acontecimentos.
2) Astrologia e ciência
Antes da escrita e da história, havia
diferentes ‘astrologias’: a chinesa, a indiana, a etno-astronomia dos povos
pré-colombianos e a sumeriana - cujo modelo solar deu origem à astrologia e à
astronomia contemporâneas. Essas astrologias pré-históricas das sociedades
tradicionais tinham em comum a simultaneidade temporal (ou tempo circular lunar-solar),
o geocentrismo (a terra do centro do universo) e a simetria entre o mundo e o
cosmo (o homem como reflexo do universo).
Com o aparecimento das escritas e do
tempo contínuo da história, a ciência (ou o projeto de representação objetiva
que o universo tem de si próprio) e a modernidade cultural (a imagem
pretensamente objetiva que a sociedade faz de si mesma) passou lenta e
progressivamente a construir um paradigma do observador onisciente, que o vê o
universo de um ponto cego.
Hoje este modelo astrológico não nos serve mais de
paradigma de observação científica dos céus mas continua válido como ‘Themata’
ou paradigma simbólico. Assim, no paradigma objetivo da astronomia, sabemos que
a Terra gira em torno do Sol; no entanto, continuamos dependendo simbolicamente
do paradigma subjetivo da astrologia, que como uma linguagem do inconsciente,
condiciona atitudes e comportamentos, através da associação de determinadas
características psicológicas aos meses do ano, por exemplo.
A ciência e o pensamento objetivo superaram apenas
parcialmente o antigo paradigma de representação e esta ‘superação’ é uma
questão muito relativa: ao contrário do que pensam os historiadores da ciência,
a ideia de um sistema geocêntrico não significa que Ptolomeu acreditasse que o
Sol girasse em torno da Terra, mas sim que ele colocava a questão da
representação objetiva do universo em um segundo plano diante da ideia de
decifração do destino através da observação especular das estrelas.
Devido ao movimento de precessão do eixo da terra, os
céus astrológico e astronômico não coincidem mais. Tal fato, paradigmático da
relação geral entre cosmologia científica e cosmogonia simbólica, divide
atualmente os astrólogos em dois grandes grupos: os defensores de uma
atualização do simbolismo ao céu real e os que dissociam completamente a
linguagem astrológica da realidade astronômica (GOMES, 1998, 04).
Assim, fazemos duas representações do
universo, uma consciente e pretensamente objetiva (em que a terra é uma bola de
pedra que gira em torno de uma bola de fogo); e outra, inconsciente e
subjetiva, povoada por símbolos, imagens e energias invisíveis. O paradigma
astrológico perdura no campo morfogênico como uma linguagem simbólica do
inconsciente.
Atualmente, vivemos um terceiro
momento epistemológico: a pós-escrita[4].
A partir dos anos 60, voltamos a viver na simultaneidade de tempo, acrescida
agora da sua irreversibilidade histórica. A internet e as redes digitais em
suportes móveis (como o celular, o GPS, o tablete) aprofundaram ainda mais a
revolução que a linguagem audiovisual já havia começado. Esta nova concepção corresponde a noção de
‘múltiplos tempos simultâneos compreendidos dentro de um único tempo
irreversível’ proveniente da mecânica quântica e oferece um novo paradigma de
representação onde a previsibilidade de um evento depende, ao mesmo tempo, do
simbólico e do científico. E, apesar das inúmeras diferenças dos modus operandi entre o conhecimento
científico e o saber tradicional, ambos têm um único objetivo: evitar o
infortúnio e a adversidade, procurando antecipar os acontecimentos para melhor
enfrenta-los.
3) Sociologia e ciência
E a sociologia? É uma ciência? Sim e
não. Depende do que entendemos por sociologia e ciência. A sociologia de
Durkheim, que tem por objeto o ‘fato social’ e busca explicar as causas últimas
dos fenômenos, se pretende científica. Ele pressupõe um corte epistemológico
com o senso comum, uma ruptura com a percepção do imediato.
Já a sociologia de Max Weber, que tem
por objeto a ‘ação social’ e busca compreender a realidade social a partir da
observação direta engajada, não tem a mesma pretensão de objetividade e de
cientificidade que Durkheim e seus seguidores. Weber define uma sociologia
interpretativa, mais preocupada em compreender os motivos do que determinar e
explicar as causas.
A ciência também pode ser entendida
como uma forma de saber racionalista e empirista, superespecializada e sem
noção de conjunto (a ciência determinista e mecanicista do paradigma imposto
pela escrita); e como uma ciência da complexidade, relativista
(multi-subjetiva) e integral, como um saber geral que tenta englobar
compreensivamente os outros saberes específicos: o saber universal por consenso[5].
Edgar Morin, no livro O retorno dos astrólogos (1972), foi o
pioneiro na possibilidade de aproximação da sociologia interpretativa com a
astrologia, entendida como uma linguagem simbólica popular universalizada pela
mídia. Há também outras iniciativas interdisciplinares nos estudo do imaginário
e da mitologia. Devaneios da Imaginação Simbólica (GOMES, 2017), por exemplo, faz uma aproximação entre
os quatro elementos e antropologia.
Porém, falta ainda quem sugira um
modelo de equivalência dos elementos astrológicos com os sociológicos,
estabelecendo parâmetros operacionais explícitos para comparações e analogias
diferentes.
Tabela 1: A
equivalência de elementos astrológicos e sociológicos
PLANETA
|
SIGNIFICADO
|
EQUIVALENTE
|
ROTAÇÃO
|
Planetas transpessoais (Modernidade)
|
|
||
Plutão
|
A
IMPERMANÊNCIA
|
TRANSFORMAÇÃO
|
248 anos
|
Netuno
|
A
TRANSCENDÊNCIA
|
PSICODELIA
|
164 anos
|
Urano
|
A
UNIDADE
|
TECNOLOGIA
|
84 anos
|
Planetas sociais (países, classes sociais, gerações)
|
|
||
Saturno
|
SEVERIDADE
|
CICLOS
ECONOMICOS
|
29 anos
e 167 dias
|
Júpiter
|
BENEVOLÊNCIA
|
POLÍTICAS
PÚBLICAS
|
11,86
anos
|
Planetas pessoais (age mais individualmente)
|
|
||
Marte
|
AGRESSIVIDADE
|
POLÍCIA/EDUCAÇÃO
|
687 dias
|
Lua
|
VITALIDADE
|
SAÚDE/ALIMENTAÇÃO
|
28 dias
|
Vênus
|
SEXUALIDADE/
LINGUAGEM
|
MEIOS DE
COMUNICAÇÃO
|
224,65
dias
|
Mercúrio
|
TROCAS
|
COMÉRCIO/TRANSPORTE
|
88 dias
|
Sol
|
ESPIRITUALIDADE
|
GOVERNO/RELIGIÃO
|
365,24
dias
|
Fonte:
elaborado pelo próprio autor
Para o sociólogo contemporâneo Anthony
Giddens (1991), as sociedades tradicionais têm uma reflexibilidade entre o
passado e o presente, onde a memória formata o vivido e o agora confirma o
passado. A modernidade se caracteriza pelo risco e pela imprevisibilidade, uma
reflexibilidade entre o presente e o futuro, entre a simulação do devir e a
reconfiguração do atual. Para ele, a modernidade e a tradição convivem lado a
lado em nossos dias. As tradições culturais ainda modelam nossa identidade
enquanto o risco transforma nossas vidas em aventuras. Estamos em um estágio
avançado da modernidade ou pós-modernidade, em que os aspectos significantes da
linguagem (a imagem, os sentimentos, os sons, as impressões subjetivas) –
festejados nos tempos tradicionais e reprimidos em função dos significados
durante toda ditadura do emissor imposta pela escrita – retornam mesclados com
feminismo e com a democratização das relações pessoais.
4)
Modelo astro sociológico
No modelo aqui proposto, os planetas
transpessoais representam a reflexibilidade moderna e os sete planetas
clássicos correspondem a reflexibilidade tradicional. Urano representa a
tecnologia e a eletricidade. Plutão, a impermanência, a eterna mudança. E
Netuno, a consciência transcendente. Essa discussão (sobre Netuno, Urano e
Plutão em relação à modernidade) foi desenvolvida (pasmem) pelo ideólogo
ultradireitista Olavo de Carvalho[6],
adepto da astrologia tradicional.
Urano, por exemplo, recebe uma interpretação já muito
ligada ao próprio espírito moderno. Certas organizações esotéricas agem,
ritualmente, no sentido da interpretação que elas próprias atribuíram ao
planeta. Os ciclos destes astros começam a trabalhar mais neste sentido, porque
são reforçados pela ação humana. Eu não acredito, realmente, que um planeta
possa trazer a ideologia da revolução francesa. Agora, quando se quer realizar
uma grande mudança no mundo, saber da existência de um novo planeta pode ser
maravilhoso, já que possibilita a realização de toda uma reinterpretação da
história, com base nos significados que você mesmo quis atribuir a ele.
Acontece a mesma coisa com Netuno e Plutão, mas isto não quer dizer que estas
interpretações não funcionem, porque parcialmente estes efeitos podem
corresponder ao dos planetas, embora sejam apenas uma parte destacada do
significado total daquele astro. Até o sétimo planeta, os astrólogos contavam
com uma interpretação estável entre várias civilizações e não dá para
justificar estas interpretações apenas como produto ideológico de tais
civilizações. Mas nestes últimos, você tem interpretações específicas da
astrologia ocidental, feita quase que totalmente por sociedades secretas. Essas
interpretações não tem universalidade, apesar de poderem ser parcialmente
válidas.
Reparem que o argumento de Carvalho é
que ‘planetas modernos’ rompem com a reflexibilidade tradicional e não existem
em diferentes tradições, se confundindo com a própria ação social que deseja
transformar o mundo. A revolução moderna é baseada nas mudanças tecnológicas de
Urano, na destruição das velhas estruturas sociais por Plutão e no sonho
encantado de Netuno. Para ele, não há sentido nos ciclos astrológicos de longa
duração em relação aos movimentos históricos.
Outra distinção relevante do modelo
de analogia proposto entre elementos astrológicos e sociológicos é
diferenciação entre os planetas Saturno e Júpiter - que devido a sua rotação
lenta representam elementos coletivos (estados nacionais, classes sociais,
gerações); dos planetas pessoais, que, mais rápidos, correspondem as relações
sociais mais individualizadas.
Na antiguidade não havia o que chamamos de
‘adivinhação individual’. Até mesmo os oráculos dos reis não se referiam a eles
como pessoas mas como instituições. Nas artes divinatórias primitivas o que
importava era a interpretação e a manipulação das forças naturais e não o
destino individual dos consulentes. Ao contrário: o destino individual era
constantemente ‘sacrificado’ em nome da harmonia cósmica (GOMES, 1998, 03).
E, assim, os ‘deuses planetários’ (personificações
de forças naturais, representavam simultaneamente lugares, vocações, dramas
arquetípicos que fundam costumes e tradições) foram reduzidos a meros ‘tipos
psicológicos’ modernos, os signos zodiacais modernos. A astrologia contemporânea,
nesse sentido, é anti-sociológica, porque compreende a sociedade como um
conjunto de indivíduos autônomos. Na verdade, não havia ‘indivíduos’ assim como
entendemos antes da revolução francesa, mas pessoas e identidades coletivas.
No modelo astro sociológico proposto,
o percurso do sol está associado ao ano litúrgico e à agenda do governo. O
estado laico é uma tentativa de desvincular as duas agendas, marcadas pela
passagens das estações. A atividade econômica, o trabalho, o consumo e a
organização do tempo em função do corpo são atributos regidos pela lua em seu
ciclo de 28 dias. O sol é a política; a Lua, economia. E Vênus, do ponto de
vista sociológico, é representada pelos meios de comunicação, no sentido que
essas instituições controlam as imagens que agentes fazem de si e a sua
‘energia sexual’. O planeta Mercúrio, comumente associado à comunicação, figura
no modelo como um mediador das trocas sociais, representando as atividades do
comércio de bens e serviços, bem como o sistema de transporte da sociedade.
Pode parecer arbitrário associar Marte às instituições policiais e educacionais
ao mesmo tempo, mas se pensarmos em termos de administração da agressividade
social, essa associação fará o maior sentido. Porém, os dois parâmetros mais
importantes para uma análise histórica e sociológica baseada em elementos
astrológicos está na observação dos planetas Saturno (macro ciclos econômicos)
e Júpiter (planejamento de políticas públicas e/ou ação
governamental/institucional involuntária).
(CONTINUA)
Bibliografia
ELIADE, M. Tratado
Histórico das Religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
GIDDENS, Anthony. As
consequências da modernidade. 1ª ed. São Paulo: Editora UNESP, 1991.
GOMES, Marcelo Bolshaw. O
Hermeneuta - Uma introdução ao estudo de Si. Dissertação de mestrado em
Ciências Sociais (1997). Livro, v.01. p.164. Natal: Editora Universitária
da UFRN (EDUFRN),
2010a. <https://www.academia.edu/34061443/O_HERMENEUTA.pdf>
___ Hermenêutica e os erros
de interpretação (Segunda parte de O hermeneuta). Revista Vivência v.12,
n.02; p.05-18. Natal: UFRN, 1998. <https://www.academia.edu/1583736/Os_Tr%C3%AAs_Erros_de_Le%C3%B4nidas_Princ%C3%ADpios_de_Interpreta%C3%A7%C3%A3o_Dial%C3%B3gica> último acesso em 16/07/2015.
Devaneio da Imaginação Simbólica. Natal: Editora Universitária da UFRN, 2017, v.1.
p.120
MORIN,
Edgar. O retorno dos astrólogos. Lisboa: Moraes, 1972.
ZOHAR, D. Através
da Barreira do Tempo - um estudo sobre a precognição e a física moderna.
São Paulo: Pensamento, 1982.
VON FRANZ,
M. L. Adivinhação e sincronicidade. São Paulo: Pensamento, 1990.
[1]
Professor de Comunicação Social com doutorado em ciências sociais.
[4]
A pós-escrita é uma noção definida por Flusser, mas já existia de forma parcial
em muitos outros autores. Mc Luhan é o pioneiro em perceber que a televisão nos
levaria a uma aldeia global. Pierre Levy estabelece três modos de interação: o
um-um (a oralidade); o um-muitos (um emissor, muitos receptores); e
muitos-muitos (redes em que todos os pontos se ligam). Kerckhove fala de
contexto, texto e hipertexto. Pross prefere mídia primária (corporal),
secundária e elétrica. E assim por diante.
[5] E
não o universal imposto pelo etnocentrismo cultural sobre os saberes regionais.
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