sábado, 27 de fevereiro de 2010

Adão e Eva

Nos primórdios da história da terra, havia um casal de macacos, Adão e Eva, que viviam felizes, brincando inocentes, em uma floresta daqueles tempos: cheia de árvores frutíferas, plantas e seres encantados. A floresta era vizinha de um grande sertão, deserto e misterioso, semelhante a esse que hoje conhecemos.

No meio daquele sertão arcaico, havia um pé de jurema preta, aonde se escondia uma serpente, que se alimentava dos mamíferos comedores de insetos, que se aproximavam da árvore. E quando a seca chega, já viu, fica tudo seco e só a jurema tem água. Tudo gira em torno dela – para beneficio da cobra, que como guardiã da árvore, devorava todos que se aproximavam de sua sombra.

Na mesma jurema preta também morava uma coruja, que, para se proteger dos gaviões, fez seu ninho entre os galhos cheios de espinhos. A coruja se alimentava dos insetos que viviam na árvore e também era guardiã da árvore, mas do seu aspecto espiritual. Juntas, as duas guardiãs da árvore sagrada guardavam o segredo da consciência do bem e do mal – desconhecido então de todos os outros animais.

Certo dia, Adão e Eva saíram da floresta em busca de aventuras e chegaram ao centro do grande sertão, onde ficava a jurema preta e encontraram a serpente e a coruja.

- “Eu sou a guardiã da consciência do mal” – disse então a serpente – “se vocês descerem até aqui, vou lhes ensinar sobre o Tempo e sobre a Morte”.

- “Eu sou a guardiã da consciência do bem” – disse depois a coruja – “se vocês comerem desta árvore, lhes darei um mistério chamado Liberdade”.

Adão teve medo da morte e quis desistir, mas Eva, que era mais inteligente, ficou curiosa sobre a liberdade. Então, o desejo de saber venceu o medo de mudar e eles acabaram comendo da árvore, e se transformando em homem e mulher . Assim, eles não puderam voltar à floresta encantada e tiveram que viver no sertão para sempre, Adão com vergonha e Eva com culpa, lembrando do paraíso perdido.

A Arca de Noé

No sertão, os homens, filhos de Adão, apesar das terríveis doenças invocadas pelos animais, não se arrependeram de seus atos e seguiram em sua história de destruição da terra e de maldade consigo mesmo. Um dia, um homem, de nome Noé, dormiu e sonhou com a árvore do bem e do mal, a jurema preta no centro do grande sertão. No sonho, havia uma escada por dentro da árvore que subia para o céu e descia até o inferno, com dez andares diferentes em que viviam diferentes criaturas. Noé foi subindo, subindo pela árvore como se ela fosse uma escada. Os andares eram como se fossem galhos da árvore e salões de um grande palácio ao mesmo tempo. Primeiro, Noé encontrou os demônios dos quatro elementos: Belzebu da terra, Asmodeu do ar, Satã da água e Satanás do fogo. Depois encontrou os arcanjos cardeais: Ariel do norte, Rafael do oeste, Gabriel do sul e Miguel do leste. Até que no nono galho da árvore sagrada, na ante-sala do salão principal do palácio, Noé encontrou Enoch, sentado no trono que um dia foi do príncipe Lúcifer.

- Olá, Noé! – disse o Guardião do Limiar.

- Você me conhece?

- Sim, eu sou Enoch, seu primo, que subi aos céus interiores e estou sentado Nono Trono do Universo, à direita da Luz Eterna, a porta para o Nada Infinito. Quando cheguei aqui, o lugar estava vago e eu acabei ficando com medo de cruzar a última porta e desaparecer para sempre.

- E eu, o que estou fazendo aqui?

- Você está aqui porque vai haver um grande dilúvio e toda terra ficará inundada. E para que haja sobreviventes, você vai ter que construir uma grande arca de madeira com as juremas-pretas daqui, com dez compartimentos grandes, com essa árvore do sonho e coloque um casal de animais mágicos em cada um – disse Enoch, acrescentando - Mas, não deixe, em hipótese alguma, que os animais confinados se alimentem da madeira da arca porque ela se transformará em uma nave espacial e vocês poderão viajar sem retorno por muitos universos paralelos. Enoch, então, enumerou os animais mágicos que eram necessários e como fazer para chamá-los. E quando Noé acordou do sonho no meio do juremal, começou a providenciar a Arca e os animais para enfrentar o dilúvio.

Moises

Durante o grande dilúvio, a arca de Nóe navegou a deriva durante 40 dias e 40 noites. Nela, os dez casais de animais mágicos eram alimentados por Noé e seus filhos. Todos os dias, ele lembrava da recomendação a todos de que ninguém poderia comer da madeira da arca, sob pena de não voltarem ao mundo após o dilúvio. E como tudo que é proibido, tem um sabor especial; alguém as alimentou da madeira e desencadeou uma viagem transdimencional da arca por vários mundos durante 40 anos. Alguns homens conseguiram se salvar. Algum tempo depois das águas baixarem, um garoto chamado Moises foi brincar perto do juremal do sertão habitado pelos seres humanos e encontrou uma pequena arca de madeira talhada. “Um navio de brinquedo” pensou. Noé finalmente tinha conseguido chegar, mas todos os viajantes da Arca haviam encolhido.

Moises resolveu levar a Arca consigo, “mas antes preciso limpa-la”. E como ela estivesse bem acabada, ele acabou com uma farta no dedo, fazendo com o espírito da Árvore do Bem e do Mal penetrasse em sua alma e ele entrasse em transe profundo. Moises fez então uma viagem semelhante ao sonho de Noé, subindo pelos dez estágios da árvore e conhecendo seus habitantes, os animais aprisionados na Arca. E, quando chegou à décima porta, Moises viu a Luz, sentiu seu silêncio e perguntou:

- Quem é você?

- Eu sou aquele que é – respondeu Jeovah - Eu sou eu e sou um grande vazio. Sou a Luz Eterna, única e universal, por isso, não tenha outros deuses senão Eu. Sou a Força sem Forma, por isso não faças imagens de mim, nem invoque meu nome em vão.

- Sou a Bondade e a Disciplina, santifica o sétimo dia e honra teu pai e tua mãe. Eu sou o Amor e por mim não matarás. Eu sou a Beleza e por mim não trairás. Eu sou o Saber que não pode ser furtado. Eu sou a Vida, pela qual não darás falso testemunho contra o teu próximo. Eu sou o Poder para o qual não há cobiça - concluiu.

Moises ouviu tudo aquilo e entendeu que a arca era a morada daquele espírito, que cada um de seus dez compartimentos representa uma lei para os que desejam subir através da Arvore do Conhecimento do Bem e do Mal. E quando acordou no sonho fantástico induzido pela jurema, Moises correu para mostrar aos outros, sua arca e suas dez leis.

Davi e Salomão

Certo dia, príncipe Salomão pediu ao seu pai, o rei Davi, um exemplo simples da inter-relação de todas as coisas. O rei sábio esperou o anoitecer e levou o príncipe a um salão térreo do grande Templo, cujas paredes, o teto e o chão estavam inteiramente cobertos por espelhos. Davi, então, acendeu uma vela no centro do aposento e a luz da chama se refletiu até o infinito. Depois mostrou a Salomão um diamante e perguntou o que ele via refletido em uma de suas faces.

- Cada mínima parcela da diversidade do universo é um reflexo particular da unidade que engloba todas as coisas - explicou o rei sábio.

- O Um no Todo, o Todo no Um: Um no um, Todo em todos - recitou o jovem, feliz por afinal ter entendido o significado da frase.

- Tenha calma, príncipe! Hoje você entendeu o que é o infinito. Para compreender a eternidade é necessário subir os nove pisos do Templo até onde está guardada a arca de nossos ancestrais - disse Davi, acrescentando - porque os reflexos fixos da luz da vela são incapazes de representar o movimento perpétuo e multidimensional do universo.

- E o diamante? Qual seu significado? – perguntou Salomão.

- Da mesma forma que, em cima há o céu, embaixo há a terra. Há o Templo e a Arca. Os mundos estão uns dentro dos outros, como as cascas de uma cebola – explicou o rei pastor, continuando - O homem se reencontra no universo olhando para dentro de si.

- Não entendi nada – reclamou Salomão – Não somos apenas um bicho mais inteligente entre outros bichos?

- Não, Salomão, nós somos as testemunhas através dos quais a Árvore da Vida adquire consciência de si – continuou o rei Davi - através de nossos olhos o universo se percebe a si mesmo. Somos seres percebedores. Ou fomos ...

- Não somos mais? – indagou o príncipe curioso.

- Na Arca está o livro com a história de nossos antepassados. Você conhece as estórias: como Adão e Eva perderam o acesso à Árvore da Vida por provar da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, como Noé se perdeu nos tempos e como Moisés redescobriu o caminho de retorno ao sagrado ...

- Mas, como iremos voltar à Árvore da Vida e à Floresta Encantada se ainda estamos prisioneiros da maldição da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal? – questionou Salomão, indignado - Porque veneramos a Arca da Aliança se estamos presos para sempre dentro dela?

- “Para sempre” não – corrigiu o rei Davi – até o fim dos tempos, quando a Arca se transformar em uma cidade celestial e quando o espírito da verdade que habita no Sol retornar ao trono de nossos corações.

- O “retorno do Messias” – zombou Salomão.

- Neste dia – concluiu o rei - o nosso corpo será nosso templo, puro como esse diamante. E poderemos voltar a viver na floresta a céu aberto.


Recapitulando Castaneda

Apresentar o pensamento de Castaneda de forma analítica é, de certa forma, traí-lo, uma vez que sempre enfatiza o caráter prático e irracional do ensinamento tolteca. E uma enorme dificuldade inicial é caracterizar as idéias de Castaneda, uma vez que seu pensamento não é nem esotérico nem acadêmico, mas reúne elementos de ambos em conceitos sofisticados - como 'ponto de encaixe da percepção' ou 'seres inorgânicos' - sem apresentá-los de forma sistemática. Porém, em alguns raros momentos, é possível vislumbrar suas referências teóricas. Nos cadernos Lectores del Infinito - Un diario de Hermenéutica aplicada, por exemplo, Castaneda confessa sua admiração pela fenomenologia:

“Trató que la Fenomenología fuera un método de acercamiento a la experiencia de la vida tal como ocurre en el espacio y en el tiempo. Es una tentativa de describir directamente nuestra experiencia tal y como ocurre, sin detenerse a considerar sus orígenes o sus explicaciones causales.“

Também não se pode classificar o texto de Castaneda de literário ou de sub-literário (no sentido de um gênero comercial ou modismo), no entanto, é evidente que ele se utiliza artifícios literários autobiográficos para passar seus conceitos chaves de modo subliminar. Por exemplo, Castaneda passe imagem que é tolo e demasiadamente racional, levando seus leitores a subestimá-lo e a se imaginarem que seriam mais espertos como aprendizes de Don Juan. Por detrás desta manobra de desvalorização de sua intelectualidade atrapalhada, Castaneda, na verdade, coloca sorrateiramente sofisticados conceitos na boca de Don Juan. Ele oculta seu esforço teórico enfatizando o caráter pragmático, relativo e misterioso mundo da feitiçaria, mas, na verdade, cunha modos de vê-la e de entendê-la de modo bastante abstrato e preciso.

Outro artifício interessante é que Castaneda em praticamente todos os livros conta a mesma história, a história de seu aprendizado com Don Juan, mas a cada vez narra os mesmos acontecimentos com enquadramentos e sintaxes completamente diferentes. Dentro de seu propósito, tal fato se dá devido à lembrança posterior dos acontecimentos vividos em outro estado de consciência. Este também é um efeito literário interessante, uma vez que para entender a história, é preciso conhecer suas diferentes versões; e, ao mesmo tempo, um método de pesquisa da própria experiência de vida, em que há uma ampliação da sintaxe de sua memória e do seu modelo de interpretação da realidade.

Embora poucos cientistas reconheçam, Castaneda é um marco na antropologia. Aliás, esta poderia ser subdividida em três grandes estágios: o período evolucionista e etnocêntrico, em que os antropólogos consideravam os outros povos primitivos; o período funcionalista-estruturalista, em que Franz Boas e Levi-Strauss, entre outros, se descobriram iguais aos selvagens que estudavam; e o período etnoantropológico, em que, invertendo a perspectiva inicial, o antropólogo se conhece cultural e psicologicamente através de tradição que estuda. E neste sentido, o esforço teórico de Castaneda ainda é muito mal compreendido. Mas, além de ser um cientista social do novo paradigma de conhecimento, Castaneda também é "o novo nagual" (ou nagual das três pontas), iniciando uma nova linhagem de feiticeiros sem fetiches. E mais: sua interpretação teórica do xamanismo mexicano se deu em um ambiente globalizado, fazendo com que este saber se desterritorializasse, se espalhando pelo planeta em milhões de grupos sem nenhuma relação cultural ou física com as linhagens tradicionais. Entre as diferentes contradições geradas por esta situação destaca-se o fato de Castaneda ter se tornado uma ‘celebridade invisível’, isto é, um personagem público que apagou sua história pessoal (1). Armando Torres observa que devido a esta estratégia de se tornar invisível, Castaneda teve que reformular sua relação com as ‘plantas de poder’ (parte essencial do xamanismo mexicano), pois ela ameaçava sua imagem pública e colocava como secundário, o ensinamento que considerava essencial.

Dito isto, resta ainda explicar que aqui, mais do que uma exposição sistemática ou crítica do pensamento de Carlos Castaneda, nosso objetivo aqui é utilizar suas idéias para reler outros pensadores e formular algo bastante diferente do que ele pensou e escreveu. Minha intenção não é confirmar ou criticar, mas sim avançar criativamente no desenvolvimento de um novo saber, em que ciência e tradição dialoguem.

Há uma grande diferença de enfoque entre o esoterismo da nova era (ou nova gnose) e o ensinamento de Castaneda e D. Juan: para esses últimos não existe transcendência, platonismo ou imagens-idéias permanentes – de modo semelhante aos autores pós-modernos. Não existe nada além deste mundo (arquétipos, espíritos ou dimensões) e a realidade é apenas uma descrição (na verdade, um inventário) feita pela mente.

Castaneda nega a reencarnação e a lei do karma? Não. Ele as considera irrelevantes para seus objetivos espirituais estratégicos. Ele também não nega a criação de uma alma imortal, simplesmente se percebe com um conglomerado de eu’s que lutam para se unificar. Alias, acho que essa espiritualidade ‘sem telos’ existe em vários autores contemporâneos (incorretamente apontados como tendo sido influenciados pelo budismo e pelo pensamento oriental) (2). Pode-se até dizer que esses autores desconsideram a dimensão transpessoal da psique, que, para eles, ela é apenas ilusão ou ideologia das religiões institucionalizadas.

Por outro lado, nos livros de Armando Torres (discípulo de Castaneda) e de Merlyn Tunnshende (do grupo do D. Juan), os personagens de Genaro e Soledad são bem diferentes. Um trabalha com cura e a outra é cartomante - algo inconcebível para ética do guerreiro de Castaneda. A ênfase da luta contra a autopiedade e a importância pessoal levou a uma concepção pouco generosa. E muitos acusam Castaneda de ter reinterpretado a tradição tolteca de uma forma muito ... ‘pós-moderna’ (3).

O livro mais chocante é o de Amy Wallace, filha do famoso escritor Irving Wallace. O livro, ao contrário dos outros, não trata de feitiçaria, mas sim do desenvolvimento de sua relação amorosa com Castaneda, apresentado-o como uma pessoa indisciplinada e imatura afetivamente, mulherengo, um líder dominador e cruel. Além de desmascarar várias mentiras (4), o livro traz uma cópia de atestado de óbito de Castaneda, para provar que ele morreu de câncer no fígado (uma morte vergonhosa para um guerreiro) e não se transformou em uma bola de fogo, dando um salto para o infinito, como alguns de seus seguidores passaram a propagar. Amy acha também que as três bruxas que seguiam o nagual – Carol Tiggs, Taisha Abelar e Florinda Donner – se suicidaram. Alguns dos leitores dos livros de Castaneda e de suas ajudantes (5) não acreditam na narrativa de Amy Wallace. Aliás, consideram inclusive que ela pode estar deliberadamente mentindo para esconder o verdadeiro destino de Castaneda e das bruxas – o que certamente combina com suas idéias e sua estratégia de guerreiro.

Para nós, no entanto, nada disso importa. Relevantes são as idéias abstratas que pretendemos analisar e não as fofocas de ex-namoradas ou as crenças de seus admiradores. Porém, não há como negar o papel que a contra-informação desempenha em relação a tudo que envolve Castaneda. É como se ele trabalhasse seus conceitos de forma tão discreta, como se sugerisse suas noções de forma tão delicada, que no final ficasse a dúvida: “Bom talvez esse cara não exista mesmo, seja apenas um truque do mercado editorial americano, mas quem será que pensou tudo isso?”

Os conceitos de Tonal e Nagual, por exemplo, representam por tanto princípios e campos perceptivos opostos e complementares, em que o primeiro é a ordem, o racional, o conhecido; e o último, o caos, o irracional e o desconhecido. O tonal é nossa percepção ordinária (sensorial-mental) do mundo como algo formado por objetos concretos, pessoas e coisas sólidas. O nagual é quando percebemos que estamos em um universo de relações, que tudo é feito de energia em diferentes níveis de organização e de adaptação.

Na verdade, há três posições perceptivas: o conhecido (tonal ou primeira atenção), o desconhecido (nagual ou segunda atenção) e o incognoscível ou terceira atenção, ou Intento. Atenção aqui entendida como a capacidade de enfocar o que desejamos perceber.

Três mil anos atrás havia um ser humano, que vivia perto de uma cidade cercada de montanhas. (...) Um dia, enquanto dormia numa caverna, sonhou que viu o próprio corpo dormindo. Saiu da caverna numa noite de lua nova. O céu estava claro e ele enxergou milhares de estrelas. (...) Olhou para suas mãos, sentiu seu corpo e escutou sua própria voz dizendo: “Sou feito de luz; sou feito de estrelas.” Olhou novamente para o alto e percebeu que não eram as estrelas que criavam a luz, mas sim a luz que criava as estrelas. “Tudo é feito de luz”, acrescentou ele, “e o espaço no meio não é vazio.” (...)  Então, ele compreendeu que, embora fosse feito de estrelas, ele não era essas estrelas. “Sou o que existe entre elas”, pensou. Assim, chamou as estrelas de tonal e o espaço entre os dois nagual, e percebeu que a harmonia e o espaço entre os dois eram criados pela Vida ou Intento. RUIZ, Miguel; 2005: p. 13 e 14.

Em muitos textos o tonal é comparado a uma ilha (ou bolha da percepção) e o nagual a um oceano-universo que o engloba: o mar escuro da consciência. Neste contexto, o sonhar é a base de toda experiência cognitiva: estamos sonhando o tempo todo, seja dormindo ou quando estamos acordados. A diferença é o enquadramento mental-sensorial no estado de vigília (ou tonal) da percepção da energia sem realidade sensorial dos estados alterados de consciência (ou nagual). Aliás, enquanto campos perceptivos podem-se inclusive comparar a relação entre Tonal e Nagual às de consciência algorítmica e consciência quântica, em voga entre os neurocientistas.

Também se chama de Nagual ao líder de um grupo de guerreiros na tradição xamânica mexicana. Nos grupos, os guerreiros se subdividem em sonhadores e espreitadores; e o nagual é o único que tem a mestria nas duas artes. Ele é o líder porque tem seu segundo eu enraizado no campo nagual e tem energia suficiente para desferir o "golpe do nagual", isto é, uma descarga de energia no meio das omoplatas dos guerreiros, onde fica o ponto de aglutinação dos guerreiros, deslocando sua percepção para o nagual e tornando irreversível seu desenvolvimento posterior. O ‘golpe’ também pode ser um acontecimento (a morte de um parente próximo ou um acidente fatal com a própria pessoa) que faça o desconhecido emergir na vida do golpeado, deslocando a sua percepção de tempo e de seu propósito de vida.

Há ainda a ‘regra do Nagual’, mais que um conjunto de normas da tradição oral, uma determinada configuração energética das linhagens xamânicas que regula as relações entre o líder e o grupo de dezesseis guerreiros, com dois espreitadores e dois sonhadores para cada ponto cardeal. Alguns praticantes chamam de Nagualismo ao conjunto de práticas e idéias associadas a esta tradição.

Aliás, os termos 'xamanismo tolteca' - nome mais associado às práticas anteriores a Castaneda e a outros grupos paralelos ao de D. Juan, como os de Miguel Ruiz - e 'tensegridade' (este termo mais associado às suas sucessoras, Florinda Donner, Carol Tiggs e Taisha Abelar) nunca pareceram nos seus livros. O ensinamento professado pelo Sr. Carlos Castaneda é a Arte da Feitiçaria, redefinida como a arte de acumular e redistribuir energia com o propósito de escapar à segunda morte - independente dos sistemas de crenças, das tradições ou das práticas mágicas. E a feitiçaria se subdivide em duas grandes partes: a Espreita e o Ensonhar.

A arte da espreita é a capacidade de fixar conscientemente o ponto de aglutinação da percepção através do campo da cognição ordinária, também chamada de primeira atenção ou tonal. Esta arte apresenta diferentes técnicas e estágios (o não-fazer, o pequeno tirano, a arte da loucura controlada através de disfarces, a recapitulação) e torna o praticante liberto de sua auto-importância pessoal (ou do uso inadequado de seu ego) através de mudanças de comportamento que diminuam o desperdício de energia psíquica. A espreita implica em tomar tudo como presa, inclusive às próprias fraquezas, implica em agir de modo estratégico em relação ao próprio comportamento e à sua transformação permanente. “A arte da espreita está ligada ao coração, assim como a mestria da consciência está ligada à mente, e a mestria do intento ao espírito”. É uma batalha silenciosa para “conseguir os objetivos” da melhor forma em cada situação. A espreita pode ser aplicada a tudo, mas espreitar a si mesmo é a sua maior expressão.

Para espreitar é preciso ter um propósito, ser impecável, sair da auto-importância, banir hábitos e praticar a loucura controlada (fingir-se imerso na ação, mas sem se identificar, nem ser notado). A recapitulação é o ponto forte dos espreitadores, pois é uma forma especializada de espreitar as rotinas internas. É regida por sete princípios (6) e tem quatro passos de aprendizado (implacabilidade, esperteza, paciência e doçura).

A arte do ensonhar consiste na capacidade de deslocar deliberadamente o ponto de aglutinação da percepção através do campo da cognição extraordinária, também chamada de segunda atenção ou nagual. Através desta arte, o praticante deve construir um 'segundo eu' ou Duplo, que poderá tomar outras formas e subsistir ao seu desaparecimento físico. A esta experiência - de se reconhecer como um conglomerado de campos de energia - chama-se "perder a forma humana" e é considerado um passo irreversível no desenvolvimento dos sonhadores que passam então, a ver o universo como energia viva e perdem todos seus condicionamentos sociais.

Para Castaneda, percebemos apenas uma descrição consensual da realidade, a ilha tonal. Para ultrapassar os limites perceptivos desta ilha temos que aprender a nos ver como um campo energético, como um outro eu ou corpo sonhador, construído através do desenvolvimento da consciência e de diferentes estados de percepção.

Esta é a manobra dos feiticeiros, isto é, preparar o corpo sonhador para sobreviver à morte física e continuar existindo (de modo semelhante à alma penada do suicida, que fica presa no astral até o dia em que deveria realmente morrer, mas por tempo indeterminado e com poderes de materialização entre outros) até o momento de mergulhar do infinito e trocar a consciência pela liberdade.

Esta idéia é que certamente o que há de diferente e de mais polêmico neste ensinamento. Ao contrário do corpo astral, o duplo etéreo e os outros corpos percebidos (ou imaginados) no esoterismo tradicional, o corpo sonhador do nagualismo é uma entidade a ser construída. E a melhor forma de construir um corpo sonhador no sentido proposto com Castaneda e D. Juan é buscar se conhecer obsessivamente a si mesmo.

Na verdade, é preciso reconhecer que existe aí um ‘telos’, um universal, uma transcendência no sonhar. A verdade é que o judeu reza pela vinda do messias; o cristão deseja ser bom para antecipar a utopia social; o budista medita porque crê no nivarna e o tolteca intenta um corpo que sobreviva à morte e a formação de um grupo.

Todo mundo tem uma transcendência que dá sentido a sua vida, mesmo que não goste de admitir. Embora o budismo e o nagualismo tolteca acreditem que empíricos, a finalidade que dá sentido a vida das pessoas que seguem esses sistemas não é melhor do daqueles que acreditam na volta do messias ou na Jerusalém celeste.

Para sonhar ou espreitar, ou seja, deslocar o foco da consciência para diferentes pontos de fixação da percepção, o praticante viaja através de um horizonte vertical pelos diferentes aspectos de uma única realidade. Segundo Taisha Abelar (7) existem “nove formas de mover o ponto de aglutinação” que podem ser praticadas separadas ou em combinação umas com as outras: Tensegridade; Recapitulação; Não-Fazeres (‘Não fazer’ significa, essencialmente, não usar itens de nosso velho inventário); Pequenos Tiranos; Técnicas de observação; o Silêncio interior; Disciplina e ações impecáveis; Sonhar; e Espreita. As nove formas estão listadas em ordem ascendente, em relação à energia necessária para se conseguir praticar adequadamente. Assim, começa-se pelos passes, pela recapitulação e pelo inventário; em seguida, consegue-se enfrentar os desafios do poder; e, finalmente, chega-se ao patamar energético que permite atual o par espreita-sonhar. Na prática, para deslocar o ponto de encaixe da percepção é preciso reunir a energia necessária através de duas práticas simultâneas e constantes: a recapitulação e os passes mágicos.

Os passes mágicos são seqüências de gestos, movimentos e respirações para intensificar a consciência, como também dinamizar e redistribuir a energia do corpo físico e ajudar a construir o segundo eu. Os passes mágicos também são conhecidos por Tensegridade - outro conceito sofisticado de Castaneda importado da arquitetura e da biomecânica, onde é sinônimo de integridade tensional, uma propriedade presente em objetos cujos componentes usam a tração e a compressão de forma combinada, de forma a proporcionar-lhes estabilidade e resistência.

A Recapitulação é um tipo especial de passe mágico que consiste em revisar a própria vida com ajuda da respiração visando resgatar a energia presa no passado. Recapitular é resgatar e desembaraçar a energia gasta com as feridas emocionais do passado, permitindo reestruturar a memória, para que possamos nos servir energia excedente para sonhar. Este processo também é chamado, principalmente nos primeiros livros do nagual, de "apagando a história pessoal".

A recapitulação enquanto prática de re-organização da memória e expansão gradativa da consciência é mais detalhada nos livros de Taisha Abelar e Victor Sanches do que nos de Castaneda. O objetivo destas práticas (de ganho e redistribuição energética) e do desenvolvimento do Duplo e da mestria no deslocamento do ponto de aglutinação da percepção (na espreita e no ensonhar) é se capacitar para saltar para o infinito e entrar na terceira atenção, sobreviver à morte física.

Ao contrário do reencarnacionismo, Castaneda afirma que a morte pode ser o fim definitivo e que a grande maioria da humanidade, após ter sido sugada por toda vida através de Predadores de Energia, está fadada a servir de alimento aos Seres Inorgânicos - demônios ou espíritos da terra e da lua que se alimentam da vida orgânica em uma escala evolutiva paralela.

Assim, pode-se dizer que o pensamento de Castaneda é duplamente contrário à visão humanista e antropocêntrica do esoterismo, que sempre viu o Ser Humano com um pequeno deus, no ápice da evolução do universo, pois postula que além, da existência de outras criaturas que não são moralmente nem superiores nem inferiores ao homem, o objetivo de deixar de ser humano para não ser alimento destes seres. Alguns indivíduos, no entanto, após perderem a forma humana e forjarem corpos sonhadores ou Duplos, sobrevivem e recebem o Presente da Águia, a possibilidade de continuar se desenvolvendo e habitar em reinos inorgânicos em outra ordem evolutiva.

Uma das conseqüências diretas desta consciência permanente com a Morte (eterna, como fim da existência) é o Caminho do Guerreiro e sua luta pela impecabilidade. Mais do que um simples código de conduta comportamental, a ética do guerreiro é uma determinada configuração energética em que o praticante, através de seu propósito inflexível alinha-se ao Intento, uma energia inteligente que pode treiná-lo e guia-lo até seu salto para o infinito.

O Guerreiro deve aprender a agir por agir, sem esperança nem desespero, a dar o melhor de si sem esperar retribuição, a crer sem crer, a viver deliberadamente através de desafios constantes, a sempre escolher o caminho de seu coração, entre outros preceitos.

Há ainda muitas várias outras práticas (o inventario de crenças, parando o diálogo interno ou o mundo) e outros conceitos (Silêncio Interior, O Brilho da Consciência, as Emanações da Águia). Não vamos detalhar todos aqui todos esses termos e etapas de desenvolvimento. Para nós, o importante é perceber que se, por um lado, há uma metafísica oculta no pragmatismo dos que se acreditam empiristas e amantes do concreto (a Iluminação é a escatologia do budismo e do Osho, a ‘regra do nagual’ é a teleologia da tradição tolteca); por outro lado, é preciso também reconhecer que há também, nos ensinamentos professados por Castaneda, uma nova sintaxe para percepção (8), ou pelo menos, uma nova forma de colocar as velhas questões.

Por exemplo, a diferença entre a projeção astral e o sonhar. Há uma única atividade cognitiva ou um estado de consciência que é interpretado por sistemas de pensamento diferentes. E do ponto de vista prático também surgem diferenças a partir dai. A primeira é que se pode sonhar acordado e a projeção geralmente acontece durante o sono. Na verdade, sonhamos o tempo todo, sendo que, na vigília, com um enquadramento sensorial. Sonhar juntos não é apenas se encontrar durante o sono, mas, sobretudo ter objetivos comuns de vida. O sonhar e a projeção astral são apenas formas diferentes de sonhar o sonho, diferentes interpretações sobre a abrangência do sonhar.

Outra diferença é que no sonhar de Castaneda há um outro eu com várias possibilidades (animais xamânicos, sonhar ser outra pessoa, se reconhecer como uma bola de energia); na projeção, há um outro corpo (o corpo astral) com o mesmo eu. Nas experiências ligadas à projeção astral há uma continuidade entre o eu da realidade ordinária e o eu projetado. O próprio termo projeção astral sugere uma continuidade, uma extensão. Já nas experiências do sonhar, há uma interrupção do eu ordinário e um tipo de consciência diferente da vida cotidiana.

Outro aspecto bastante relevante em relação aos ensinamentos de Castaneda, pelo menos em minha opinião, é o desafio de dosar autonomia radical (espreita individual) e sonhar junto. Quando várias pessoas têm um propósito comum - a transformação - a energia total é mais do que a energia individual de cada um. Esse ganho de energia propicia que cada um tenha mais energia para cumprir sua mudança do que se a tivesse intentado sozinho. A isso Castaneda chama 'massa crítica'. Por outro lado, se as pessoas se organizam em grupos e/ou em instituições, o ganho energético inicial acaba se tornando um capital coletivo e as pessoas passam a depender uma das outras, perdendo a autonomia e entrando na neurose.

Há uma passagem conhecida em que Castaneda se torna um corvo. Depois pergunta a Don Juan: “Realmente me tornei um corvo ou imaginei ter me tornado um?”. Ao que índio respondeu: “Qual a diferença?”. Como sabemos, toda objetividade é uma leitura subjetiva. Inconformado, Castaneda ainda perguntou: “E se houvesse comigo alguém do meu lado, ele me veria como corvo ou como um homem que imagina ser corvo?” E Don Juan explicou que o ponto de encaixe da percepção funciona por indução e que se alguém estivesse a seu lado provavelmente também teria seu ponto de encaixe deslocado para o mesmo ponto, e não só veria Castaneda como corvo mas também se veria como outro corvo.

Se você acredita que é um ovo luminoso, ou se o grupo de pessoas com que partilha uma forma alternativa de ver o mundo pensa isso, é possível que se vejam realmente como tal. Se partilharmos de imagens de animais xamânicos ou de outros arquétipos, é com elas que vamos nos reconhecer. Existe um pacto cognitivo que diz que somos homens. Pode-se propor um pacto alternativo dizendo que somos ovos ou bichos, mas sozinho, não tenho capacidade de dizer que sou nada. Depende-se sempre de uma energia de massa crítica para se definir como algo. Eis porque continuamos sempre e sempre acreditando apesar de não acreditarmos realmente em nada. Eis porque não conseguimos superar o sistema de crenças e sonhar um novo sonho, uma nova sintaxe.

Tentar sistematizar pensadores irracionalistas se parece com dar voltas em círculos, escrever sempre a mesma coisa sem conseguir concluir. Mas, se há alguma mensagem no ensinamento de Castaneda é que precisamos modificar nosso ponto de encaixe de percepção coletivo, temos mudar nosso sonho do planeta. Aliás, o período de ‘celebridade invisível’ e o súbito desaparecimento do nagual e do seu grupo fazem parte desta estratégia de aumentar a massa crítica em torno de suas idéias e, ao mesmo tempo, apagar sua história pessoal.

NOTAS

(1) Biografia e principais entrevistase em português: < http://www.consciencia.org/castaneda/castext.html >


(2) Na verdade, a ênfase na imanência espiritual no Ocidente (ou no anti-transcendentalismo platönico) tem uma longa lista de adeptos, com destaque para Spinoza e Nietzsche.

(3) Domigues Delgado, por exemplo, distingue a ‘toltequidade’ do penseamento casteniano < http://www.perceptica.com.mx/ >

(4) Uma das "mentiras" de Castaneda, e justamente a que mais polêmica causou, foi a história da Mulher Nagual (Carol Tiggs, na verdade era Muni Alexander, ou melhor Elizabeth Austin ou ainda Kathleen A. Pohlman), que teria desaparecido na "Segunda Atenção" durante 12 anos, de 1973 a 1985, quando ela ressurgiu. Mas, na verdade, ela estava matriculada em uma escola de acupuntura, era casada e se divorcia exatamente na mesma época. Para um balanço das contradições da cronologia biográfica de Castenda, veja: < http://jol28.vilabol.uol.com.br/cronolog.htm >

(5) Todos os livros podem ser adquiridos no link: < http://www.cleargreen.com/mirrors/portuguese/index.html >

(6) Eleger o campo de batalha, entrar em batalha apenas quando se saiba tudo o que se possa sobre o campo de luta. Eliminar todo o desnecessário. Estar disposto e pronto para entrar na última batalha, em qualquer hora e lugar. Não se apegar a si mesmo. Não temer a nada. Não se deixar levar pela corrente. Comprimir o tempo, tudo conta, cada segundo. Não desperdiçar nenhum instante. Jamais deixar ver o jogo, não se exponha.

(7) Palestra em seminário de Tensegridade, Maio de 1995. Instituto Omega. Transcrito das anotações de Rich Jennings.

(8) Sintaxe é a estrutura das palavras na frase e das frases no discurso. Nos dois casos, o termo sintaxe se refere à organização espacial da linguagem em padrões. Na lingüística contemporânea, sintaxe é o eixo analógico oposta ao repertório (ou ao léxico) na organização da linguagem. Foi daí que Castaneda tirou o termo sintaxe, dando um sentido mais abrangente ao termo: as regras do jogo da percepção. E trocando a palavra 'repertório' pela de 'inventário'.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABELAR, Taisha A Travessia das Feiticeiras. Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1995.
CASTANEDA, Carlos. Readers of Infinity: A Journal of Applied Hermeneutics - 1996 - Diários do trabalho de Castaneda com suas discípulas ainda não traduzido.
____ O Lado Ativo do Infinito (The Active Side of Infinity - 1999). Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 2000a.
_____ Roda do Tempo (The Wheel Of Time: The Shamans Of Mexico - 2000) - uma antologia de citações comentadas. Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 2000b.
DONNER, Florinda Donner: Sonhos Lúcidos. Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1993.
_______ Shabono. Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1994.
_______ A bruxa e a arte do sonhar. Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1998.
SANCHES, Victor. Os ensinamentos de Don Carlos – as aplicações práticas dos trabalhos de Carlos Castaneda. Rio de Janeiro: Record/Nova Era, 1997.
TORRES, Armando. Encontro com o Nagual. Tradução coletiva através da lista Ventania, 2003.
WALLACE, Amy. Aprendiz de Feiticeira – minha vida com Carlos Castaneda. São Paulo: Nova Era, 2007.

Gurdjieff e o Eneagrama

Um Sistema Complexo para estudar a cognição

Esse capítulo resume e atualiza o livro Um mapa, uma bússola - Hipertexto, Complexidade e Eneagrama (GOMES, 2000) e apresenta a noção de Eneagrama como um modelo de sistema complexo capaz medir ruído e auto-organização, associando os fatores dinâmico e sincrônico aos aspectos objetivo e subjetivos. E, no final, em um apêndice inédito, aplica-se o modelo do eneagrama ao pensamento de Carlos Castaneda.

Os livros estão caros porque existem poucos leitores e existem poucos leitores porque os livros são caros; estou doente porque não tenho qualidade de vida e não tenho auto-estima porque estou doente; os biscoitos não vendem porque são velhos e estão velhos porque não foram vendidos. A vida é cheia de Círculos Viciosos, isto é: de ciclos de recorrência em que os fatores causais se condicionam mutuamente impedindo o desenvolvimento ou o funcionamento regular do sistema em questão.

Em contrapartida, também existem os Círculos Virtuosos, ou ciclos de excelência, em que os fatores causais se retroalimentam determinando uma crescente otimização do sistema: muitos leitores = livros baratos = mais leitores; qualidade de vida = saúde = auto-estima; biscoitos fresquinhos = boas vendas = novos biscoitos fresquinhos. Então, essa é a questão central de que me coloco (tanto do ponto de vista teórico como do existencial) há algum tempo: como transformar os ciclos viciosos em ciclos virtuosos? E mais: como e porque a ordem dos fatores causais altera o resultado do sistema? Quais os fatores da excelência comuns a um 'sistema ótimo' e à vida criativa? É possível estabelecer uma teoria centrada no desenvolvimento pessoal?

Os estudiosos apontam a antiga Mesopotâmia como o provável berço do símbolo do Eneagrama. Ele teria sido preservado misteriosamente a várias civilizações, chegando aos nossos dias através dos sábios sufis, os místicos do Islã. O Eneagrama, neste contexto, era um sistema combinado de nove virtudes e nove paixões. Teria sido com eles que o místico armênio G. Gurdjieff (OUSPENSKY, 1980) aprendeu o símbolo e os fundamentos de seu ensinamento.

Gurdjieff utilizava o modelo do Eneagrama como uma síntese do Universo e do Homem, visto como um processo de três níveis em três etapas. A aplicação deste modelo ao corpo humano resultava na teoria das três oitavas (ou eneagramas secundários) e da associação das atividades biológicas de alimentação, respiração e percepção através de vibrações como os três principais processos da máquina humana a serem desautomatizados. Esses processos, por sua vez, seriam interdependentes dentro de uma grande oitava (ou eneagrama principal).


Gurdjieff


Input


Output


Feedback



Oitava


Alimento


Fezes


Biosfera


Líquido


Urina


Hidrosfera



Oitava


Oxigênio


Gás carbônico


Atmosfera



Oitava


Luz e Som


Idéias


Noosfera



Esta bio-máquina tinha três entradas e três saídas, produzindo três ciclos cibernéticos de reatroalimentação intricados em um mesmo processo. E realizar a grande oitava através da desmecanização das três oitavas menores, para Gurdjieff e seus seguidores, é a principal finalidade humana no ecossistema, nossa missão fotossintética e espiritual: a produção do hidrogênio número um (1).

O Eneagrama, neste contexto, era uma estrutura geral do universo visto como um processo de três níveis e três etapas – tanto no micro como no macrocosmo. O sistema do Eneagrama, assim, aparece o entrecruzamento de três centros cognitivos ou “inteligências” - o mental, o sensível e o motor – com três campos ou esferas – a biosfera, a atmosfera e a ionosfera. Nessa época, os nove pontos de fixação do eneagrama não se constituíam em uma tipologia própria. O Eneagrama era um diagrama-síntese da idéia matemática da oitava musical como modelo de desenvolvimento universal.

Tipologia Psicológica

O 'Eneagrama da Personalidade' e a aplicação do símbolo do Eneagrama especificamente ao estudo do caráter só vai surgir nos anos 70 com Oscar Ichazo e a Escola de Arica. Porém é com o trabalho do psicólogo Cláudio Naranjo (1986) que o Eneagrama chegará a se constituir como uma tipologia psicológica rigorosamente fundamentada.

Segundo ele, em algum ponto da vida, nos fixamos em um dos nove pontos da circunferência e, a partir deste ponto, construímos nossa personalidade. A cada ponto de fixação (ou recorrência cognitiva), há uma paixão (ou motivação de deficiência) correspondente. Paixão e fixação se retroalimentam, então, formando um tipo de personalidade do Eneagrama e nos afastando de nossa essência, de nosso verdadeiro Ser.

Nessa lógica, durante o desenvolvimento humano haveria, em algum momento traumático, uma perda, uma limitação, um fracasso no crescimento do potencial pleno, uma fixação do ego em relação à circulação de energia psíquica. A personalidade funciona como uma forma para perpetuar a inconsciência a partir de 'um ponto cego', em que a canalização energia se daria de forma desequilibrada, em que "a percepção está cega da própria cegueira".

Assim, personalidade e inconsciência também formam em um círculo vicioso: a personalidade condicionada conduz à uma interferência específica no organismo biológico (reforçando o ponto de fixação); essa interferência no organismo causa uma perda da experiência (da totalidade) do Ser; e, finalmente, a perda da experiência de Ser alimenta à paixão dominante e à perpetuação da personalidade condicionada.


Tipo


Personalidade


Ponto de Fixação ou
recorrência cognitiva


Paixão ou
motivação de deficiência


1


Perfeccionista


A ordem


Raiva


2


Prestativo


O outro


Orgulho


3


Bem-sucedido


A imagem


Vaidade


4


Individualista


As formas


Inveja


5


Observador


O saber


Avareza


6


Questionador


A autoridade


O medo


7


Sonhador


A palavra


Gula


8


Confrontador


A justiça


Luxuria


9


Pacifista


O corpo


Preguiça


Neste sistema tipológico, o primeiro passo consiste em descobrir qual o centro cognitivo predominante em si: o mental, o emocional ou o motor. A partir daí, observar a predominância de um ego introvertido, extrovertido e ambivalente.


 


EXTROVERTIDO


AMBIVALENTE


INTROVERTIDO


MOTOR


8


9


1


EMOCIONAL


2


3


4


MENTAL


7


6


5


E o segundo passo, nesse sistema, é descobrir qual centro que negligenciamos e definir em qual dos nove pontos do eneagrama estamos fixados.


Tipo


Centro Principal


Centro Secundário


Centro Reprimido


1


MOTOR


EMOCIONAL


MENTAL


2


EMOCIONAL


MOTOR


MENTAL


3


EMOCIONAL


-


EMOCIONAL


4


EMOCIONAL


MENTAL


MOTOR


5


MENTAL


MOTOR


EMOCIONAL


6


MENTAL


-


MENTAL


7


MENTAL


MOTOR


EMOCIONAL


8


MOTOR


MENTAL


EMOCIONAL


9


MOTOR


-


MOTOR



RESUMOS DOS TIPOS ENEAGRAMÁTICOS

O Perfeccionista (tipo 1): tipo com preferência pelo centro motor (introvertido) que negligencia o centro mental. Fixação: É extremamente organizado e trabalhador, com padrões de exigências muito altos - nas áreas de seu interesse. Sério e sincero, procura ser independente dos outros e evita que os outros dependa dele. Estabelece fronteiras claras em relação aos territórios físicos e mentais, acreditando que é possível controlar todas situações através da organização. Paixão: valoriza a "moral e bons costumes", julga tudo e todos, muitas as vezes com críticas destrutivas. Quando as coisas não saem segundo seus planos ou ordens, explode em raiva irracional, por isso a 'Ira' foi o pecado capital escolhido para sua caracterização.

O Prestativo (tipo 2): tipo com preferência pelo centro emocional (extrovertido) que negligencia o centro mental. Fixação: Identifica-se facilmente com os problemas e com desejos alheios, tendo dificuldade de dizer 'não' quando se trata de ajudar alguém. Paixão: porém essa empatia afetiva nunca é verdadeiramente desinteressada, ao contrário faz parte de uma estratégia de manipulação que tenta fazer com os outros dependam de si. O 'número dois' dá, dá, dá ... para ser aceito. Em compensação, cuidam tanto dos outros que se esquecem de si e não se atem as suas próprias necessidades, desejos e anseios. Eles não precisam disso. E por isso o 'Orgulho' é sua característica principal.

O Bem Sucedido (tipo 3): tipo com preferência pelo centro emocional (ambivalente) que negligencia o próprio centro emocional. Fixação: Assim tem facilidade em disfarçar seus sentimentos verdadeiros (raiva, medo, ansiedade, etc.), usando várias máscaras (uma para cada ocasião). Por isso, também é chamado de 'Camaleão'. Quer ser admirada a qualquer custo e vê tudo em função dessa disputa por admiração e reconhecimento. Geralmente são pessoas exigentes e preocupadas em alcançar seus objetivos. Paixão: a 'Vaidade' ou capacidade emocional de falsificar a verdade a partir de realidades relativas e subjetivas, transferindo a responsabilidade de seus erros para os outros.

O Individualista (tipo 4): tipo com preferência pelo centro emocional (introvertido) que negligencia o centro motor. Fixação: Geralmente são pessoas muito sensíveis e com pouco contato com o mundo exterior, identificando e explicando melhor as coisas através de símbolos. Gosta de ser especial, única e singular, cultivando gostos diferentes e estranhos. Prezam o status social e tem carência de atenção; porém, ao mesmo tempo, que sentem superior aos outros, sofrem devido ao isolamento. Paixão: Têm uma tendência à depressão e à melancolia. Desejar é mais importante que possuir, pois tão logo conseguem o objeto de seus desejos, sentem-se frustrados. Por isso, a 'Inveja' é seu pecado capital.

O Observador (tipo 5): tipo com preferência pelo centro mental (introvertido) que negligencia o centro motor. Fixação: São pessoas extremamente objetivas e racionais, mas que têm certa dificuldade em relacionar-se com os outros. Pode ignorar facilmente as pessoas ao seu redor, incomodando-as. Gostam de se isolar para solver o conhecimento aprendido e detestam quando usurpam-lhes o tempo ou a liberdade com detalhes ou tarefas pequenas. Paixão: a Avareza. Porém, não se trata simplesmente de dinheiro, mas, sobretudo de tempo e de conhecimento. O ego do número cinco se recusa a dividir sua experiência de mundo, que acredita ser mais racionalizada do que a da maioria.

O Questionador (tipo 6): tipo com preferência pelo centro mental (ambivalente) que negligencia o próprio centro mental. Fixação: são pessoas que procuram ficar mentalmente ocupadas para não pensar. Daí serem tanto muito questionadoras (os 'advogados do Diabo') como também intuitivas. Paixão: O medo. Os ' número seis' são pessoas dependentes e inseguras, que precisam sempre de um referencial ( um chefe, uma instituição) como sustentação. Entre os mentais, são mais leais e confiáveis em relação aos preceitos de seu grupo do que aos amigos individualmente. Dividem-se em fóbicos (ou covardes assumidos) e contrafóbicos (aparentemente destemidos), que podem chegar a extremos.

O Sonhador (tipo 7): tipo com preferência pelo centro mental (extrovertido) que negligencia o centro emocional. Fixação: São pessoas sempre entusiasmadas e alegres, mas que alimentam muitas ilusões e fantasias. Na verdade, com essa 'inocência' o tipo número 7 evita entrar em contato com qualquer eventual dor ou sofrimento, só observando o lado bom dos acontecimentos e da vida. São, geralmente, oradores muito loquazes e manipuladores. Paixão: A gula, não apenas de alimentos, mas de pessoas, informações e aventuras. Os 'número 7' têm gula de qualquer coisa que lhe dê prazer.

O Confrontador (tipo 8): tipo com preferência pelo centro motor (extrovertido) que negligencia o centro emocional. Fixação: Pessoas que vêm o mundo em relação à justiça e poder, e se consideram capazes de dirimir e vingar suas injustiças. E muitas vezes cometem absurdos em nome dos desprotegidos que pretendem defender. Paixão: Buscam o confronto como forma de impor sua supremacia, muitas vezes por simples prazer. Gostam de conquistar mais e mais territórios e de serem vistos como pessoas fortes, capazes de proteger aqueles que os ajudarem. Nunca pedem perdão. A princípio, são sempre contrários a qualquer novidade.

O Pacifista (tipo 9): tipo com preferência pelo centro motor (ambivalente) que negligencia o próprio centro motor. Fixação: Este tipo se caracteriza por evitar os conflitos a todo custo. Ao contrário dos outros tipos motores (1 e 8) tem uma relação democrática em relação aos territórios físicos e mentais, tanto invadindo como deixando invadir seus domínios. São pessoas que não estabelecem fronteiras nem limites do espaço/tempo. Paixão: A Preguiça. Mas não a simples preguiça do ócio em relação ao trabalho. Trata-se aqui de uma indolência mental, de uma 'preguiça de ser', muitas vezes oculta sobre a capa de muitas atividades não essenciais. O pecado do pacifista é postergar coisas importantes.

Os tipos eneagramáticos são modelos ideais, generalizações abstratas de pessoas concretas e singulares, de uma gama gigantesca de fatores e traços culturais de várias épocas e locais (2). Podem-se ainda destacar três grandes contribuições de Naranjo ao Eneagrama:

A - A abordagem terapêutica e o papel de não-interferência do ministrante. Enquanto Gurdjieff (certamente um número oito) interagia instintivamente com seus discípulos através da confrontação, apresentando provas e exercícios segundo suas fixações; Oscar Ichazo se utilizava da técnica de diagnóstico autorizado, indicando o tipo de cada um dos seus alunos e clientes. Naranjo defende o autodiagnóstico, ou seja, cada um deve descobrir seu próprio tipo dentro do sistema de classificação supervisionado por simples coordenador. O papel de ministrante do Eneagrama evoluiu do guru espiritual para o psicólogo e deste para o facilitador terapêutico.

B - Uma teoria da neurose meta-instintiva, baseada em estratégias gerais de adaptação. Estabelecendo analogias entre a Protoanálise de Oscar Ichazo e outras tipologias psicológicas em uma única taxonomia científica, Naranjo construiu uma engenhosa ‘teoria da neurose e da degradação da consciência’. Freud construiu sua teoria da neurose a partir da idéia de repressão da vida instintiva, principalmente da sexualidade: a neurose era uma forma de sublimação patológica de nossos desejos. Para Naranjo, a neurose (ou a fixação em um ponto de recorrência) também se origina em uma experiência traumática a partir da qual se fixa uma reação obsoleta (um mecanismo de defesa recorrente) aliada à perda da capacidade de agir criativamente.

C – Naranjo, no entanto, reconhece a importância da vida instintiva sobre a formação das personalidades neuróticas e adiciona ao sistema do Eneagrama a idéia de que, independentemente do eneatipo, somos marcados por uma das três formas específicas de restrições instintivas que sofremos: a sexual (Freud), a relacional (Lacan) e a sobrevivência (Marx). Instintos desenvolvidos em relação ao Outro (e à natureza), aos outros (aos grupos) e ao próprio a si mesmo como indivíduo diante da sociedade.

Por mais consistente e interessante que seja a tipologia de Naranjo e o Eneagrama visto como um sistema de compulsões dos vícios e virtudes do ego, a tipologia psicológica fez com que o símbolo perdesse sua fluidez original e em seu conjunto cognitivo (a exemplo do que aconteceu também com a astrologia, com os orixás e outras mitologias tradicionais que se tornaram tipologias psicológicas modernas). Assim, não somos um único tipo. 'Estamos' um, sete ou três – dependendo da época, do local e das pessoas com as quais interagirmos. É comum, a pessoa ter um ponto de fixação no trabalho, outro em casa, um terceiro com os amigos.

Para recuperar a essência do Eneagrama é necessário retornar ao simbolismo original. Assim, retomando as idéias de Bennett (1999) e as recolocando em um contexto científico contemporâneo, desenvolvemos a noção de 'Bússola Complexa', como um modelo de sistema complexo, levando em conta tanto os aspectos dinâmico/sincrônico como os objetivo/subjetivos (3).

Sistema e Processo Circular

Bennett volta ao modelo gurdjieffiano de Eneagrama, anterior ao modelo tipológico, regido por duas leis: a lei dos três e a lei dos sete (ou lei da oitava).

A Lei dos Três (ciclos externos). Pela teoria do eneagrama devemos observar o movimento externo de um determinado acontecimento em três etapas sucessivas. Seguindo nosso exemplo de um eneagrama cognitivo: caso este movimento seja centrífugo e agregue energia ao sistema, teremos o padrão motor-emocional-mental, produzindo sentimentos; caso seja centrípeto, teremos um padrão em que o mental se antecipa ao emocional, gerando emoções. Os sentimentos brotam do corpo para o campo afetivo ou ‘coração’ (a tristeza, a alegria, por exemplo), enquanto as emoções são sempre racionalizações perniciosas, em que as imagens e os pensamentos antecedem o campo afetivo, porque drenam a energia e poder pessoal do guerreiro. Assim, não só emoções negativas (a raiva, o orgulho, a inveja, a vaidade), mas, sobretudo, a idéia de uma identidade interpretante do ego (a auto-importância) deve ser combatida com tenacidade.

A Lei dos Sete (ciclos internos). Seguindo o mesmo modelo circular de rotações opostas, o Eneagrama também descreve a ordem dos movimentos internos ao sistema aparentemente caóticos através da divisão da unidade pelo número sete e pela dízima periódica 1428571 ... E as somas sucessivas de sétimos reproduzem esse padrão complexo, mas começando com algarismos diferentes, correspondendo aos pontos internos do Eneagrama. Dessa foram, cada fração representa um dos pontos secundários do eneagrama e também o movimento entre eles, tanto no sentido horário quanto no anti-horário.


FRAÇÃO


NÚMERO


NOTA


7/7 =


1


DO


1/7 =


1428571 ...



2/7 =


285714 ...


MI


3/7 =


428571 ...



4/7 =


571428 ...


SOL


5/7 =


714285 ...



6/7 =


857142 ...


SI


A esse padrão complexo, Gurdjieff chamou de 'Lei da Oitava', em uma comparação explícita com as escalas musicais ascendentes e descendentes. Essas propriedades vistas em conjunto (a circularidade dos três pontos externos e o movimento interno das suas oitavas) formam o símbolo do Eneagrama. Ao contrário, muitas vezes a tendência à conservação de energia de um sistema é reacionária em relação às mudanças, enquanto os fatores caóticos e o ruído demandam uma desorganização necessária ao crescimento.

De modo que, além dos ciclos Virtuoso e Vicioso de três fatores exteriores e objetivos, o modelo do Eneagrama apresenta ainda a possibilidade de representação dos elementos subjetivos de diferentes agentes em cada ponto do processo, tanto no sentido horário como no anti-horário. É claro que, na prática, a realidade se constitui simultaneamente de tendências centrípetas e centrifugas.

Bennett tratava apenas de processos em que o fator tempo fosse contado de trás para frente, como um cronômetro, empresas de produto diário, por exemplo, padaria, bancos, jornais, em que os processos seqüenciais sejam orientados pela contagem regressiva do tempo, em processos cíclicos. Um exemplo clássico da aplicação do Modelo do Eneagrama como um sistema é o da 'Cozinha em funcionamento'.

Na 'cozinha pronta para funcionar' (ponto 1), atividade preliminar de organização de todas ferramentas necessárias para o início do processo, temos que antecipar o que vamos preparar (ponto 4) e como vamos servir (ponto 7). Já com a 'Cozinha em funcionamento' (ponto 2), mantemos nossa atenção no que estamos preparando (ponto 4), mas deslocamos nosso imaginação do aspecto formal da apresentação da comida para seu sabor, seu tempero, como ela será degustada (ponto 8).

A introdução dos Alimentos (ponto 3) corresponde ao início de uma nova oitava, além de dar seqüência ao ciclo já iniciado. Do mesmo modo a 'Preparação da comida' (ponto 4) é diretamente condicionada pela organização (ponto 1) e funcionamento (ponto 2) da cozinha; o cozimento dos alimentos implica em sua aparência (ponto 7) e sabor (ponto 8); e a introdução dos Comensais também nos remete ao início de um novo ciclo e na continuação dos ciclos precedentes. Aliás, é importante ressaltar que a Cozinha (ponto 9), os Alimentos (ponto 3) e os Comensais (ponto 6) são elementos externos fundamentais. Eles tanto representam a sucessão cronológica dos eventos como as diferentes equipes ou agentes no processo (ciclo dos ajudantes, ciclo dos cozinheiros, ciclo dos comensais) cada um guarda uma autonomia interna de processo, simbolizado por três oitavas secundárias).


 


SEQÜÊNCIA EXTERNA


RELAÇÕES INTERNAS


OITAVA


9


Cozinha


Três e Seis


Ciclo I


1


Cozinha pronta para funcionar


Quatro e Sete


Ajudante


2


Cozinha funcionando


Quatro e Oito


Ajudante


3


Alimentos crus


Seis e Nove


Ciclo II


4


Preparação da comida


Dois e Um


Cozinheiro


5


Cozinhar os alimentos


Sete e Oito


Cozinheiro


6


Os Comensais


Nove e Três


Ciclo III


7


Servir a refeição


Cinco e Um


Comensal


8


Comer a refeição


Cinco e Dois


Comensal


Assim, além do ciclo objetivo dos elementos exteriores, o Eneagrama apresenta assim a possibilidade de representação dos elementos subjetivos de diferentes agentes em cada ponto do processo. Pensemos, por exemplo, que ao ver e comer a refeição (pontos 7 e 8), os Comensais imaginam o trabalho dos cozinheiros (ponto 5) e dos ajudantes (ponto 1 e 2) da cozinha; e, a partir desses elementos subjetivos, reconstituem todo processo objetivo.

Além dessas relações externas cronológicas e seus insights circunstanciais, existe ainda uma grande oitava, representando o processo mental de planejamento geral de tudo que será executado. Esse ciclo é representado pela dízima: 1758241, ou seja, organizar a cozinha (1) pensando em servir a refeição (7); cozinhar os alimentos (5) pensando em comer a refeição (8); colocar a cozinha em funcionamento (2) pensando em preparar a comida (4); e, finalmente, limpar e arrumar novamente a cozinha (1). Mas, o Eneagrama é uma ferramenta, não apenas para medir a organização (a conservação de energia), mas, sobretudo, para localização do ruído e da entropia. Representamos esses fatores caóticos, que surgem tanto no ciclo objetivo quanto nos subjetivos, pelo movimento circular centrípeto.

No aspecto ternário objetivo, equivaleria aos Comensais (ponto 6, fator mental) serem introduzidos no processo antes dos Cozinheiros (ponto 3, fator emocional), que chegaram atrasados. Esta inversão dos fatores mental e emocional sempre caracteriza objetivamente o círculo vicioso. E no aspecto subjetivo, o pensamento de um pessimista crônico seguiria o modelo 1428571, ou seja, uma organização inadequada na cozinha (1) atrapalha a preparação da comida (4); isto certamente também prejudica o funcionamento correto da cozinha (2) e a própria refeição (8); uma vez que atrasa o 'cozinhar os alimentos' (5) e o 'servir a refeição' (7). Depois de tanta bagunça resta ainda limpar tudo e arrumar novamente a cozinha (1). Neste exemplo, Bennett elabora todo um jogo de relações que podemos retomar agora para um modelo de Eneagrama como um sistema complexo e não apenas como uma metodologia de análise sistemática de processos circulares.


CICLOS


Virtuoso


Vicioso e/ou Criativo


OBJETIVO


9-3-6-9


9-6-3-9


SUBJETIVO


1-7-5-8-2-4-1


1-4-2-8-5-7-1 



Quando os fatores causais resultarem em uma concentração de energia do sistema dizemos que eles giram para dentro, no sentido horário; em contrapartida, quando os fatores causais se retroalimentarem de forma a provocarem expansão e a crescente perda de energia do sistema, dizemos que eles giram para fora, no sentido anti-horário. Chama-se de Círculo Virtuoso todos os ciclos centrípetos que se aperfeiçoa, que busca a excelência, dentro de determinadas regras e situações dadas, e de Círculo Vicioso (ou de Círculo das Paixões), aqueles ciclos centrífugos que não se desenvolvem dentro das condições determinadas e que permanecem em condição de estagnação. Os Círculos Criativos, ou auto-poéticos, são os ciclos centrífugos que, ao invés de simplesmente aceitar ou negar as condições pré-estabelecidas, as modificam, instituindo assim uma nova ordem a partir do ruído.

A diferença entre a Sistemática de Bennett e a abordagem fundamentada na complexidade é que qualquer processo é passível de análise e que passa-se de um contexto voltado para engenharia mecânica para um paradigma preocupado com a dissipação de energia. Também é importante compreender que nem sempre fatores restritivos e entrópicos são maléficos e fatores sinérgicos, benéficos. Ao contrário, muitas vezes a tendência à conservação de energia de um sistema é reacionária em relação às mudanças, enquanto os fatores caóticos e o ruído demandam uma desorganização necessária ao crescimento.

Mas, feitas essas observações, transpostos os cenários dos tempos da sistemática para o da complexidade, voltemos ao foco cognitivo do Eneagrama, representando os dois ciclos contrários de ordem e ruído pelos nomes de:

• O Caminho dos Sentimentos – Ciclo centrípeto ou de conservação de energia: OBJETIVO (9-3-6) e SUBJETIVO (1-7-5-8-2-4-1). No movimento centrípeto há um caminho ético - em que a relação consigo mesmo, com o corpo e com o meio ambiente (ou ‘o lado de fora’ - 8, 9 e 1), desperta a relação com o Outro (ou ‘o lado de dentro’ - 2, 3 e 4) e com os outros (ou as ‘formas discursivas’ - 5, 6 e 7).

• O Caminho das Emoções – Ciclo centrífugo ou de dissipação de energia: OBJETIVO (9-6-3) e SUBJETIVO (1-4-2-8-5-7-1), subdividindo esse último em emoções reativas e criativas, pois, além de seu caráter destrutivo, o ruído e suas desorganizações são essenciais para mudanças de padrões e para o desenvolvimento de autonomia. Nesses dois tipos de movimento centrífugo há um caminho moral, em que a relação com o grupo antecedesse a relação com o Outro individual. Sendo que, o comportamento reativo é se observar o lado de fora através de um filtro cultural, enquanto o criativo compreende seus sentimentos e o mundo através das formas discursivas.

Ambas as atitudes são morais, pois o subjetivo antecede o objetivo. A diferença está em se estar consciente das emoções ou vive-las (na verdade, sofre-las) involuntariamente.

Eneagrama e Castaneda

A partir do modelo do Eneagrama também é possível definir a Arte da Espreita matematicamente como um giro anti-horário 6-3-9 e a Arte do Sonhar como um giro horário 3-6-9; ou mesmo, adotar um enea-círculo para cada movimento - sendo que a Espreita começa na mente (6,666) e o Sonhar, no coração (3,333).

O Circulo da Espreita, de giro centrípeto, representa a luta criativa contra os círculos viciosos e nossa capacidade de fixar o ponto de aglutinação da percepção através do campo da cognição ordinária, também chamada de primeira atenção ou tonal (6 = pequeno tirano, 3 = não-fazer, 9 = recapitulação).

E Circulo do Sonhar é virtuoso, isto é, de giro centrifugo (3 = sonhos lúcidos, 6 = o duplo sonhador, 9 = salto para o infinito) e consiste na capacidade de deslocar o ponto de aglutinação da percepção através do campo da cognição extra-ordinária, também chamada de segunda atenção.

Armando Torres chama a atenção para a Arte do Intento (a arte da manipulação consciente dos desejos) como um domínio intermediário entre o Sonho e a Espreita. O “domínio do intento” ou “o ponto zero do horizonte vertical” é a percepção entre os objetos e a energia. Fixar a percepção neste ponto permite entrever o vazio e o silêncio sem perder de vista a ordem do tonal, como um mundo de polaridades entre a realidade das coisas e o universo das relações. Se o nagual ou universo de relações corresponde ao infinito transcendente (ponto 3,333 ...) e o tonal, sua duplicação, o infinito imanente (ponto 6,666), então o ponto 9,999 é o ponto da loucura controlada, isto é, o infinito visto como polaridade.

O ponto zero é o centro do círculo, infinito total, o não-ser. a diferença entre o grau zero (o nada) e o ponto 9,999 (ou quase nada) é a mesma entre a loucura e a loucura controlada. Se tomarmos a Espreita e o Ensonhar como dois movimentos circulares polares (e também em suas formas reduzidas como loucura controlada através de disfarces e sonhos lúcidos) pode-se colocar todas essas práticas no modelo do eneagrama em dois grandes ciclos objetivos.


 


TONAL –
ESPREITA


NAGUAL - ENSONHAR


1


Inventário


Perder a forma humana


2


Não-fazer


Reinos Inorgânicos


3


Loucura Controlada


Sonhos lúcidos


4


Silêncio Interior


Aliados


5


Técnicas de
Observação


Ver


6


Pequeno Tirano


Duplo Sonhador


7


Passes mágicos


Voar


8


Disciplina e Impecabilidade


Achar as mãos


9


Recapitulação


Salto para o Infinito



No Ciclo da Espreita, começa-se fazendo o inventário (1) das ações e pensamentos que gastam energia desnecessariamente. O segundo passo é simples: não fazer (2) essas ações e economizar esta energia. A Loucura controlada (3) é arte dos disfarces e das mudanças para atitudes contrárias as habituais. Após, subtrair os hábitos e ações dissipativas de energia, o praticante da espreita deve agora adotar comportamentos contrários aos que adquiriu no decorrer de sua vida. A Espreita é uma arte em que o ego é a presa e a consciência, a caçadora.

Assim, além das mudanças comportamentais é preciso desenvolver um profundo silêncio interior (4) e várias técnicas de observação (5) para compreender os movimentos da presa e planejar o desenvolvimento de uma estratégia. O Pequeno Tirano (6), isto é, a autoridade e o poder de alguém sobre o praticante, é a forma mais eficaz de disciplinar o espreitador. Para vencer esta relação e chegar ao seu desenvolvimento ótimo, o guerreiro precisará do máximo de energia, obtido através da prática dos passes mágicos (7) e da impecabilidade em todas as suas ações (8). A Recapitulação (9) coroa todo processo.

Já no Ciclo objetivo do Ensonhar, começa-se achando as mãos ou o ponto abaixo do umbigo (8) durante o sonho (na verdade, achando a motricidade do sonhar). Em seguida, naturalmente, sonhador começará a voar (7). Perceberá então que possui um corpo sonhador (6) e que pode Ver (5) o universo como energia em movimento. Para consolidar sua situação, o sonhador precisará de Aliados (4), seres que podem ajudá-lo a expandir ainda mais sua consciência em troca de energia. Com o tempo também terá Sonhos Lúcidos (3), isto é, sonhos durante o estado de vigília e viajará pelos Reinos Inorgânicos (2), até perder definitivamente a forma humana (1) e saltar irreversivelmente para o Infinito (9).

E os ciclos subjetivos? Representados pela seqüência 1-4-2-8-5-7-1? Através da analogia entre cinema e percepção de Maharshi, vamos observar o processo cognitivo no sentido descendente e por dentro através do Eneagrama. O místico Ramana Maharshi (1972) acredita na eternidade da alma, ao contrário de Castaneda e Gurdjieff, mas enfatiza a idéia de auto-inquirição como uma forma de autoconhecimento capaz de levar a construção de uma nova identidade espiritual. “Quem sou eu? Quem é este que pergunta? E este terceiro que questiona sobre o primeiro perguntador?” Deus, a realidade e tudo mais é maia, só há o eu superior (em um sentido de Self, ou de eu construído pela auto-inquirição). Há uma interessante analogia entre o cinema e a percepção humana estabelecida por outro autor, Maharshi, que ilustra bem este processo neurolingüístico de ênfase no sujeito cogniscente.

Em um primeiro momento (correspondente ao ponto 1 do eneagrama), a consciência é a percepção. Representa a luz que será projetada sob diferentes objetos. Se prestarmos atenção ao que vemos, os olhos se iluminam; se buscarmos perceber os sons, a consciência se focará em nossa capacidade auditiva; e assim por diante. Nesta analogia, a consciência é um brilho que se desloca segundo nossa percepção seletiva.

Mas, quem é consciente? Assim, como a luz é produzida por uma lâmpada, a consciência é produzida por uma esfera luminosa, também chamada em outras tradições de Self, Eu superior ou centelha divina. E esta é o segundo momento (ponto 4) da comparação de Mararshi: para se perpetuar, ao invés de apenas brilhar alternadamente sobre diferentes objetos, a consciência precisa construir seu suporte: o eu superior.

O terceiro momento (ponto 2) desta analogia consiste na lente que a luz da lâmpada transpassa na projeção de um filme e a mente coletiva e externa por onde consciência do self passa ao perceber as diferentes dimensões (racional, sentimental, sensorial) da realidade. A mente aqui não é individual, mas um filtro social, culturalmente construído.

Os fotogramas do filme projetado no cinema correspondem às variadas formas mentais (arquétipos, memórias, imagens) que formam o pensamento - na quarta etapa da analogia (ponto 8). Também aqui não há individualidade: o pensamento é coletivo e externo ao processo cognitivo.

No quinto passo (ponto 5) da analogia, no entanto, surge a comparação entre a projeção do filme e o "Observador", isto é, um eu-foco formado para observar o pensamento, a mente e as percepções da consciência. Este observador é um determinado enquadramento autoconsciente que criamos para nos tratar na terceira pessoa e existe em várias meditações. No sistema de Castaneda, observador corresponde à distinção entre espreitador e presa. A realidade que percebemos é semelhante a projeção das imagens na tela do cinema.

Ou simplesmente: a tela é a realidade que vemos neste sexto momento da percepção. A diferença é apenas no modo de representação: no cinema as imagens são bidimensionais e a realidade é holográfica (e sólidas). Mas, também, tanto no cinema como na percepção, há vários tipos de imagens segundo uma variedade de fatores. As imagens de referências externas (sensoriais, mentais, emocionais); há imagens produzidas pela memória, outras pela imaginação.

O sétimo nível da percepção (e também ponto 7 no ciclo subjetivo do eneagrama), então, é esta interpretação seletiva das imagens, uma determinada descrição subjetiva da realidade em que classificamos involuntariamente os diferentes itens de nossa percepção.

E finalmente, há o mecanismo responsável pela projeção das imagens, a máquina ou o Eu Inferior (retorna ao ponto 1). Este mecanismo recebe as imagens automaticamente e não tem consciência plena de seu significado. Apenas através da progressiva desmecanização e do desdobramento de sua atenção em diferentes níveis de consciência poderá compreender as imagens emanadas da fonte de luz e qual nosso papel em relação a todo processo.


 


CINEMA


PERCEPÇÃO


1


A
luminosidade acessa ou ausente.


A
consciência


4


A
lâmpada no interior do equipamento


O Eu
superior, self ou esfera luminosa


2


A
lente diante da lâmpada


A mente
pura (sattvic)


8


O
filme, os fotogramas


O
fluxo das tendências latentes


5


A
lente, a luz que a atravessa e a lâmpada formando a luz em foco


A
mente, sua iluminação e o eu superior, formam juntos o
observador ou jiva


7


A luz que
atravessa a lente e ilumina a tela


A luz
do eu superior emerge da mente através dos sentidos e ilumina o mundo


1


Os
vários tipos de imagem na tela


Varias
formas e nomes, que surgem como objetos percebidos à luz do mundo.



Há atualmente várias iniciativas teóricas interessadas em integrar o Eneagrama com os modelos da SDI e dos Quadrantes (que veremos a seguir) em supermodelo metateórico. Para nós, no entanto, o importante é colocar a hipótese da simetria cognitiva, isto é, da simetria entre tonal e nagual, entre a realidade sensorial e a realidade sonhada, entre a cognição ordinária e a extraordinária.

NOTAS

(1) Nesta lógica, aqueles que não conseguem chegar a estágios de consciência superiores, capaz de produzir essa refinada substância alquímica (muitas vezes comparadas aos sentimentos nobres como o amor) terão seus espíritos fatalmente reabsorvidos pela Lua, serão ceifados como árvores estéreis pelo universo. Gurdjieff cultivava a idéia de que apenas através do desenvolvimento pode o homem escapar da morte eterna.


(2) Questionários de tipo: < http://www.fredport.com/enea.htm>

(3) As idéias de Bennett & Blake sobre o eneagrama, a Sistemática, v. em: < http://duversity.org/ >


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENNETT, J. G. O Eneagrama - um estudo pormenorizado do eneagrama usado Gurdjieff para simbolizar o trabalho da consciência tanto na vida diária como nos níveis esotéricos. São Paulo: Ed. Pensamento, 1999.

CHABRENIL, P. & F. A Empresa e seus colaboradores - Usando o Eneagrama para Otimizar Recursos. São Paulo: Editora Madras, 1999.

GOMES, Marcelo Bolshaw. Um Mapa, Uma Bússola – Hipertexto, Complexidade e Eneagrama. Rio de Janeiro, Editora Mileto, 2001.

NARANJO, C. Os Nove Tipos de Personalidade - Um estudo do caráter humano através do Eneagrama. Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 1996.

OUSPENSKY, P. D. Fragmentos de um ensinamento desconhecido - Em busca do milagroso. Coleção Ganesha. São Paulo: Pensamento, 1980.

______Psicologia da Evolução Possível ao Homem. São Paulo: Pensamento, 1986.

PALMER, H. O Eneagrama: compreendendo a si mesmo e aos outros em sua vida. São Paulo: Edições Paulinas, 1993.