domingo, 30 de novembro de 2014

Estudos Cabalísticos




1. A Árvore da Vida
Mircea Eliade (1993, 213-265) demonstra a universalidade do simbolismo vegetal da Árvore da Vida em diferentes mitologias: como árvore da imortalidade e da regeneração, como árvore-imagem do cosmo, como altar ao ar livre, e, finalmente, como Axis Mundi, um centro do mundo e suporte do universo, em que o tempo se verticaliza permitindo a passagens para outros mundos, seja infernal ou celestial.
A árvore cabalística, no entanto, é a mais complexa e abrangente de todas essas representações. A Árvore da Vida é um diagrama da estrutura do universo da cabala hebraica de tempos imemoriais, que os ocultistas e bruxos dos séculos XIX e XX transformaram em um eixo arquetípico vertical, um centro simbólico sobre o qual se organizam os diversos níveis da manifestação. A árvore, nesta versão, não forma um sistema fechado; ela é um método de correspondência universal ou uma chave analógica para decifrar outros sistemas simbólicos.
Segundo a tradição, a árvore cabalística foi ensinada pelos anjos aos homens para que eles conseguissem voltar ao paraíso primordial. Para outros, ela foi recebida por Set, o terceiro filho de Eva; ou também entregue a Abraaão por Melkisedk. Há também versões de que ela diretamente ditada por Jeová a Moisés, durante os 40 dias no monte Sinai. Do ponto de vista histórico, no entanto, sabemos que o símbolo da árvore cabalística, como tradição oral do misticismo hebraico, data da época do segundo cativeiro babilônico, sendo uma espécie de adaptação do simbolismo astrológico dos caldeus ao monoteísmo judaico. Por muitos séculos, ela foi transmitida oralmente como um tipo de exegese mística do Torah até que, por volta de 100 d.C., surgiram o Sepher Yetzirah e o Zohar – livros tradicionais que tratam do diagrama da árvore. Desde então, a árvore cabalística teve vários ciclos distintos dentro da tradição judaica, com características bastante diferentes (o ciclo mágico da floresta negra, o ciclo filosófico especulativo da Espanha no século XII, o ciclo monástico de Safed dirigido por Isaac Luria), mas só se popularizou quando foi apropriada e universalizada pelos ocultistas nos séculos XIX e XX (principalmente Eliphas Levi e Alesteir Crowley). 
Muitos cabalistas da tradição hebraica criticam a apropriação feita da Árvore da Vida pelos ocultistas. Mas a verdade é que, se os esotéricos beberam na tradição hebraica para elaborar sua própria versão universalista do simbolismo tradicional, o misticismo judaico também se reciclou e influenciou com a abordagem ocultista e, mais recentemente, com o desenvolvimento da psicologia analítica. Um exemplo atual desta recíproca é Z’ev Ben Shimom Halevi (1992), um cabalista genuinamente hebraica fortemente influenciada pelo esoterismo e por Jung.
No diagrama da árvore, as dez Sephiroth (plural de Sephirah) são esferas de energia em que a manifestação se desenvolve. Cada sephirath está contida na anterior e contem, em si, a possibilidade da próxima.
A Árvore da Vida
Kether ­ A Coroa, onde o Incognoscível se manifesta como uma luz estática e apolar, a chama eterna da vida, o centro de todos os círculos. O ponto.
Chokmah ­ A Sabedoria corresponde à luz que entra em movimento e se torna uma força cinética. É representado geometricamente pela reta ou pelo círculo. É a primeira expansão do universo e está no topo da coluna da misericórdia.
Binah ­ A Inteligência, onde a força encontra resistência ao seu movimento e gera a forma, representada pelo triângulo ou prisma. É a primeira contração do universo e está no topo da coluna da severidade.
Cheseed ­ A Bondade, esfera onde, equilibrando as restrições impostas pela forma, a manifestação se realiza através da misericórdia divina. É a segunda expansão do universo. Essa esfera é simbolizada pelos deuses jupiterianos, como Zeus e Xangô.
Geburah ­ A Severidade, esfera onde a força, seja física ou moral, se manifesta com energia e impetuosidade. É a segunda contração do universo. É simbolizado pela Espada e pelos deuses guerreiros, como Ares e Ogum.
Tiphareh ­ A Beleza, esfera que harmoniza a contradição ética entre a severidade e a clemência. Ela é geralmente representada pelos deuses solares e redentores, que se sacrificam em benefício ao Todo.
Netzach ­ A Eternidade, esfera que representa os sentimentos e os instintos, o fogo sexual e o planeta Vênus. É a última expansão do universo.
Hod ­ A Reverberação, esfera que representa o pensamento consciente e a mente concreta e o planeta mercúrio, e é a última contração do universo.
Yesod O Fundamento, esfera que representa a Lua e a essência da vida orgânica, o duplo­etéreo.
Malkuth ­O Reino, esfera que representa a essência inorgânica da materialidade, a imagem sensorial da realidade, o planeta Terra, o corpo físico concebido dentro do mundo material.

Temos, portanto, uma série de dez círculos concêntricos, uns dentro dos outros, mantendo uma relação de polaridade em função à esfera anterior que o engloba e também em função à esfera que o contem em seguida. E esse conjunto de círculos pode ser disposto de vários modos.
As disposições ‘por três colunas’ verticais (a severidade ou contração, o equilíbrio e a graça ou expansão) ‘por três tríades’ horizontais (um triangulo voltado para cima e dois para baixo) são as mais comuns e dão ao iniciante uma visão do funcionamento geral da árvore como símbolo integrado de outros símbolos.
Nessa disposição, os mundos cabalísticos aparecem como níveis: o primeiro triângulo, o voltado para cima, está no mundo das emanações arquetípicas; a segunda tríade, o primeiro triângulo invertido, representa o reflexo do primeiro mundo da criação, governado por Arcanjos; e a terceira tríade corresponde ao um segundo reflexo da eternidade no mundo das formas, em que habitam os anjos e outras criaturas. Nessa disposição, o mundo material corresponde à décima esfera (Malkuth), o reino.
Também é bastante comum a disposição das esferas uma tríade superior e sete esferas inferiores: enquanto as três primeiras Sephiroth (Kether, Chokmah e Binah) formam um conjunto denominado ‘rosto maior’, formado pelas três causas primárias; as outras Sephiroth, por sua vez, formam o ‘rosto menor’ e as sete causas secundárias – o Menorah, o castiçal de sete velas.
Imaginemos que desejamos fazer um bolo. Este motivo, quando vem à mente, equivale à primeira tríade, onde Kether representa o desejo, Chokmah, à ideia, e Binah, a sua imagem formal. Porém, o bolo só sairá da imaginação para a realidade se cruzar o abismo, chegando ao sétimo nível de materialização: Cheseed corresponderá à escolha dos ingredientes; Geburah, ao esforço necessário à preparação da massa; Tiphareh, ao equilíbrio entre a quantidade dos ingredientes e sua correta preparação; Netzach, ao toque artístico necessário e à intuição; Hod, às instruções técnicas da receita; Yesod, ao cozimento no forno; e, finalmente, Malkuth, à forma final do bolo, à sua materialidade.
Além dos processos descendentes e materializantes que baixam da luz para concretude, a que se chama 'criativos'; existem os processos 'evolutivos', que partem da matéria em busca de uma realidade mais sutil. Os ocultistas chamam o sentido ascendente da árvore de ‘O Caminho da Serpente da Sabedoria’ e o sentido descendente de ‘O Caminho da Espada Flamejante’.
A árvore cabalística representa este duplo circuito dos processos criativos e evolutivos. As sephiroth ou esferas de manifestação funcionam como ‘transistores’ deste circuito, unidades que recebem e emitem energia transformando suas características. Os cabalistas analisam todos os fenômenos à luz destes critérios, reduzindo-os sempre aos mesmos elementos, as dez esferas da manifestação.
Pode-se ascender pela Árvore de dois modos: o caminho do místico, em que o aspirante se eleva verticalmente chegando ao Deus imanifesto, ao nada; e o caminho do feiticeiro, em que o neófito ascende, em um zig-zag lento e tortuoso, através dos diferentes aspectos da manifestação, as forças da natureza. O místico se funde com o nada que há por trás de todas as coisas; o feiticeiro combina todas as coisas manifestas segundo sua energia para realizar as operações necessárias ao seu desenvolvimento e de sua comunidade.
O místico ascende à divindade através do pilar central da Árvore da Vida, o caminho do renunciante; enquanto o feiticeiro deve oscilar através dos pilares laterais, os eixos da bondade e da severidade, alternando uma rigorosa disciplina espiritual ao exercício da generosidade e da gratidão. Quando se diz que o místico 'sobe a árvore' pelo pilar central, significa que o neófito controla os instintos do corpo (Malkult), domina os desejos da alma (Yesod) e chega ao coração de self (Tiphareh), ele precisa ainda cruzar o grande abismo para se integrar à luz (Kether) e sumir no Ain Soph (o 'sem fim'). Em contrapartida, o feiticeiro, subindo a árvore lentamente pelos lados, oscilando entre os pilares do karma e da graça, dominando as sete forças da natureza; para em um segundo estágio, ser capaz de interagir com a tríade superior: a forma, a força e a luz.
Na árvore, o conhecimento é o casamento da sabedoria com a inteligência: Daath, a sephirah invisível, que fica no centro superior da Árvore. A esfera de Daath fica no pilar central do equilíbrio, abaixo da coroa de Kether (a luz) e a cima da esfera solar de Tiphareh (a beleza, o self). A esquerda, no alto do pilar da severidade, está Binah (a inteligência); e a direita, no alto do pilar da generosidade, está Chokmah (a sabedoria). Daath representa o fruto proibido.
Na tradição ocultista, tanto os místicos como os feiticeiros, antes de cruzar o portal de luz de saída do universo manifesto para o nada devem se iniciar na esfera do Conhecimento. Caso o neófito se deixe atrair pela inteligência do lado esquerdo, perderá a sabedoria e se tornará cruel e cínico.
Por outro lado, caso ele se deixe levar pela esfera da sabedoria, perdendo a sagacidade e a esperteza, poderá enlouquecer.
Na cabala, Deus é o nada absoluto existente por trás da manifestação. A Luz (Kether) é relativa, a manifestação primordial, mas não é transcendente e sim imanente, está ‘dentro’ das esferas seguintes, cada vez mais exteriores.
A imagem de uma cebola com várias cascas é representa essa concepção de universos embutidos em camadas sobrepostas, em que a luz imanente é a semente; e a casca mais externa, o mundo material.
Há também o importante símbolo da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, reflexo invertido da Árvore da Vida. Na estória de Adão e Eva, a árvore proibida era essa árvore secundária e não a Árvore da Vida, ambas ficavam no centro dos jardins do Éden. Sendo que a Árvore da Vida está no mundo das emanações arquetípicas; e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal está invertida, de cabeça para baixo, com suas raízes brotando dos céus e que seus galhos mergulhando nas dimensões mais densas: nos mundos espiritual, astral e material.
2. A Escada de Jacó
Eliphas Levi, pseudônimo do padre Alfonsé Louis Constant, foi o primeiro ocultista a interessar pela Cabala hebraica em l856 e associou-a ao baralho de Tarô. Para o ocultista, os arcanos maiores do Tarô correspondem às 22 letras do alfabeto hebraico e aos caminhos subjetivos que interligam as esferas. Além disso, Levi associou também os quatro naipes do baralho aos quatro mundos cabalísticos, relacionando as suas 16 cartas de figura ao Tetragrama Sagrado (o ‘IHVH’) e as suas 40 cartas numeradas às 10 esferas da Árvore da Vida. Haveria, portanto, quatro árvores de dez esferas cada. O número quarenta representa a totalidade da existência e da experiência humana. Os períodos medidos por este número são frequentes na tradição judaico-cristã: os 40 dias do dilúvio de Noé, os 40 anos durante os quais os israelitas erraram pelo deserto, os 40 dias que Moisés passou no Sinai, os 40 dias do jejum de Cristo, entre outros. Todas essas experiências têm o mesmo significado: a reintegração mística com Deus às viagens empreendidas por Enoch através dos palácios celestiais que antecedem o trono do Altíssimo onde Criador e Criatura se encontrarão frente a frente.
Shimon Halevi estabelece uma relação diferente da expressa pelo número quarenta, mais complexa e desigual, entre os quatro mundos cabalísticos e as árvores da Vida e do Conhecimento entrelaçadas.
A primeira árvore também é chamada de Adão Kadmo, e suas emanações arquetípicas correspondem a partes do seu corpo. Assim, a sexta esfera da Árvore da Vida (o Self cósmico) corresponde ao plexo solar do Adão Kadmo e à primeira esfera da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal (as portas dos Jardins do Eden).
A décima esfera do mundo arquetípico (os pés do corpo espiritual do Adão Kadmo) corresponde à sexta esfera do segundo mundo (Self universal da humanidade) e à primeira esfera do mundo astral (ponto que corresponde ao mito da torre de Babel).
O mesmo esquema se repete em relação ao quarto mundo: a primeira esfera do mundo material (a glândula pineal) coincide com a sexta do mundo astral (o Self cultural coletivo) e com a décima do terceiro mundo (o corpo emocional). Além disso, a última esfera do mundo astral (o corpo sonhador) coincide com a sexta do mundo material (o Self individual). E esse conjunto simbólico, a passagem do terceiro mundo para realidade material, é que está associado, na cabala, à terceira queda da humanidade, ao evento do dilúvio e ao desequilíbrio elemental desencadeado pelo uso do fogo como tecnologia de guerra.

3. O Tetragrama IHVH
A lenda conta que quatro grandes rabis (Akiva, Ben Zoma, Ben Azai e Aher) se dedicaram a estudos esotéricos e “entraram no paraíso”. A estória afirma que “Aher viu e morreu; Bem Azai viu e perdeu a razão; Ben Zoma viu e corrompeu-se. Apenas rabi Akiva entrou e saiu em paz”.

Há várias interpretações diferentes do significado e do papel do sagrado nome de Deus (IHVH) dentro da cabala hebraica. O nome Jeová deriva do anagrama, cuja pronúncia correta teria sido proibida no passado, uma vez que seria capaz de invocar a presença do Altíssimo. Uma das interpretações possíveis sugere que o Tetragrama (formado pelas letras hebraicas Iod, He, Vau e novamente He) resume um método de subida pela árvore, que é basicamente formada por tríades de esferas concêntricas.
Segundo o Zohar há quatro níveis de decifração hermenêutica no estudo das Sagradas Escrituras: PESCHAT ou sentido literal; REMEZ ou sentido alegórico; DERASCHÁ ou sentido tradicional; e SOD ou sentido místico. Porém, este método de extração do sentido através de quatro leituras sucessivas é bem mais antigo. Ele já era utilizado por Filon de Alexandria, por volta do ano zero, na tradução do velho testamento para o grego. O Hermeneuta (GOMES, 1996) atualiza e redefine este método de interpretação através de quatro leituras para o ambiente das ciências humanas atuais: a leitura literal (objetiva), a alegórica (simbólica), a tradicional (contextual) e mística (ou teatral). 
·         No primeiro nível, tratamos a linguagem como objeto: como uma ‘realidade concreta’, como algo tátil, material, que produz uma sensação, que tem um peso e uma quantidade, como algo que tem um cheiro. É a linguagem em suas dimensões física e biológica. Neste primeiro momento, deve-se esquecer do conteúdo e medir as formas destes discursos de um ponto de vista quantitativo. Também neste nível observa-se o que o discurso quer dizer literalmente, o que ele significa do ponto de vista de quem o proferiu, ou seja, como ele foi ‘codificado’. Neste nível de decifração, estuda-se o aspecto material e o aspecto de significação intencional consciente de uma linguagem determinada: O QUE e COMO os discursos se realizam.
·         No segundo nível, a linguagem é vista subjetivamente como a expressão de uma consciência humana. Assim, o segundo procedimento de nossa pesquisa é discutir o conteúdo dos discursos. O QUEM e O PORQUÊ da comunicação, os interlocutores e a ‘causalidade’ da linguagem. Situar-se em um universo de perpétua transformação exige do ser humano uma constante adaptação ao meio ambiente e a transmissão desta experiência entre grupos e gerações. E nesse nível de leitura, os discursos não são meras representações do real, mas também são mensagens involuntárias.
·         No terceiro nível, trata-se de observar os rituais que perpetuam a linguagem. É o discurso reduzido aos seus verbos, às suas paixões, à ação histórica e suas ressonâncias intersubjetivas. Ocultas pelas realidades física e subjetiva dos discursos surgem as estruturas inconscientes de repetição da linguagem. A relação entre a forma imposta pela transmissão e os múltiplos conteúdos percebidos do discurso, entre o aspecto físico e o psicológico da linguagem, é sempre histórica e faz parte de uma tradição determinada socialmente. Assim, o terceiro procedimento de nossa pesquisa consiste em determinar o ONDE e o QUANDO dos discursos, em localizar e entender o discurso dentro do quadro histórico em que ele está inserido.
·         No quarto nível de leitura, a linguagem vive no espírito dos seus discursos, na experiência existencial que eles transmitem, nas suas diferentes respirações frente à morte. O sentido aqui é trágico, não reativo, para além da representação: um sentido que apesar de partilhar o drama não encena seu sofrimento. Neste nível, a intensidade e a duração interrogam sobre o ritmo, a respiração e sobre a consciência que o discurso tem de si. Acima de todas as formas, além de todas as ideias e paixões, os discursos têm um significado existencial, um sentido revivido pela experiência humana cravada nas profundezas inconscientes, onde se, descobre o aspecto universal da linguagem entre as aparentes diferenças culturais. Zeus, Júpiter e Xangô são diferentes representações históricas do arquétipo da justiça, que tem suas raízes em um dispositivo psicológico que equilibra transgressão e culpa.

Pode-se dizer, seguindo a lenda dos quatro rabis e o método das quatro leituras, que a palavra mata, o símbolo enlouquece, o exemplo perverte e apenas o arquétipo realmente explica a linguagem, pois ao comparar o real ao ideal, revela como a realidade extrapola seus modelos. Mais que um conjunto de leituras e procedimentos técnicos sobre decifração de códigos, o método das quatro leituras tem por objetivo a compreensão de si e dos outros, que pode ser aplicado à Árvore da Vida, à Escada de Jacó e não apenas às Escrituras.
A imagem de Jesus Cristo (o arquétipo do solar, Tiphareh), por exemplo, pode ser vista como um fato histórico, como um símbolo de sacrifício e renúncia ou como um elemento ideológico de uma religião, mas só fará sentido se for vivido como uma experiência do Self. Se o sacrifício pessoal for vivido e compreendido como uma experiência do Self, a pessoa poderá então se defrontar com a própria violência represada pelas limitações e restrições do mundo. Chegará assim à esfera do arquétipo do guerreiro (Geburah), centro da agressividade e resistência. Ser guerreiro significa disciplinar a própria força e é uma necessidade da vida, vivida como uma aventura heroica e profissão real; que só faz sentido ao ser reinventado no cotidiano. Ao viver e superar os desafios da esfera solar e da esfera de marte, o sacrifício e a disciplina, o aprendiz poderá se defrontar com a esfera da autoridade. O arquétipo do pai e o complexo de Édipo (representados pela esfera de Cheseed) são simultaneamente uma imposição, uma válvula de escape e um modelo estruturante para quem se coloca na posição de filho. Porém, apenas assumindo a posição de pai de outros é que vivemos o arquétipo e o transformamos. No caso, sendo um pai que reinventa o recalque, a sublimação e o exemplo a que foi submetido.
A meditação da árvore consiste justamente em respirar quatro vezes consecutivas em cada esfera, começando por Kether no alto da cabeça, descendo até Malkuth nos pés e retornando no sentido ascendente até o ponto de partida. A prática desta meditação trará em si novos elementos embutidos (palavras-mantra, imagens de cada esfera) para serem incorporados por cada praticante. A cabala, em profundidade, só é recebida através de revelação.


Essa meditação é atribuída a Issac Luria, de Safed, mas tem características universais, apresentando semelhanças no escaneamento do corpo pela respiração com a técnica da meditação budista Vipassana e dos pontos de concentração de energia com a ioga tântrica dos ‘Chakras’. O mais importante é a concentração durante as descidas/subidas na árvore interior com a respiração e o entendimento dos conceitos das esferas.

lenda da oliveira


Conta a lenda que, certo dia, dois deuses gregos, Atena e Posídon, reindicaram o lugar de padroeiro da capital da Trácia, a cidade de Atenas. Para resolver o conflito, o Tribunal do Olimpo, composto por doze deuses, decidiu que o controle da cidade seria entregue a quem criasse a obra mais fantástica.
 
Posídon pegou no seu tridente e batendo com ele numa rocha transformou-a em um magnífico cavalo-Pégaso.
 
Atena por sua vez afugentou o cavalo e fez nascer uma árvore de porte médio e modesta aparência, mas carregada de frutos negros e luzidios que continham um precioso liquido que se parecia com ouro incandescente.
 
O tribunal de deuses decidiu a favor da deusa da sabedoria e da guerra, tornando-a protetora da cidade, sendo a oliveira um símbolo de paz, prosperidade e da própria cidade de Atenas. A devoção dos atenienses ao azeite de oliveira chegou ao exagero de só permitir que mulheres virgens e homens celibatários pudessem se encarregar do cultivo da oliveira e da produção do azeite.
 
O azeite tornou-se então a base da culinária mediterrânea, conhecida por propiciar a longitividade.
 
Outros povos (e outras lendas) também reinvidicam a sagralidade da oliveira. Os Egípcios atribuíam a Ísis a invenção do modo de extração do azeite. Para os romanos, a árvore é um presente de Minerva, deusa da paz e da sabedoria. No Islã, a oliveira é a árvore central, o eixo do mundo, símbolo do Homem universal, do Profeta, e está associada à Luz. Para os Japoneses, a oliveira é a árvore da vitória, simbolizando a amabilidade e o sucesso. Na China, a madeira de oliveira neutraliza alguns venenos e maus-olhados, o que lhe confere a qualidade de protetora.

terça-feira, 8 de julho de 2014

I CHING




O Livro da Transmutação

 

Marcelo Bolshaw Gomes

 

No início, era o Tao. Uno, indivisível, absoluto e eterno; o Tao é o número 1.

Então, veio a Terra. Receptiva, magnética e aberta à vida; a Terra é o número 2.

Em seguida, surgiu o Céu e a luz das estrelas. Criativo, o Céu é o número 3.

E com base nesses números, os antigos calcularam o valor de todas as coisas. Contemplaram as mutações na escuridão e na luz e de acordo com elas estabeleceram os hexagramas. Provocaram movimentos no firme e no maleável, dando origem, assim, às diferentes linhas. Colocaram-se em harmonia com o Tao e a Vida estabelecendo, de acordo com isso, a ordem do que é correto. Refletindo sobre a ordem do mundo externo até as últimas consequências e explorando a lei de sua própria natureza interna em seu núcleo mais profundo chegaram à compreensão do destino.         

 

História

O I Ching, o livro das mutações, é resultante da reflexão taoísta sobre as mudanças da natureza. Como sistema complexo de relações, ele é um sistema de representação de ‘momentos energéticos’, baseados na combinação da energia criativa (yang) com a energia receptiva (yin). Mais do que um simples oráculo, o I Ching é um livro de sabedoria e está presente em toda cultura chinesa: na arquitetura tradicional (Feng Shui), nas artes marciais (Tai Chi Chuan e Kung Fu) e na medicina (acupuntura, Shiatzu, Do in) taoísta.

Ele é formado por 64 hexagramas, diagramas de seis linhas combinadas, que podem ser yin ou yang. Cada hexagrama possui três tipos de texto: a Imagem, o Julgamento e as linhas. No caso de uma consulta ao oráculo, o consulente joga (através de moedas ou varetas) e chega a um determinado hexagrama, representando a resposta do livro à questão indagada. No texto da imagem, o consulente lerá a situação em que se encontra diante da natureza; no texto do julgamento, receberá conselhos de como agir em relação à situação; e no texto das linhas, verá detalhada todas às mutações do ciclo que o hexagrama representa.

Mas, esse formato é recente. O I Ching é um sistema de três mil anos, composto por várias camadas sobrepostas ao longo do tempo. O I Ching surgiu na pré-história chinesa como um conjunto de oito Kua, figuras formadas por três (oito trigramas) e seis linhas sobrepostas (os 64 hexagramas).

A origem dos 64 hexagramas (o texto da Imagem) é atribuída a Fu Hsi, o criador mítico chinês. O tempo obscureceu a compreensão das linhas, e no começo da dinastia Chou (1150-249 a.C.) surgiram dois textos anexados: o Julgamento, atribuído pela tradição ao rei Wên (em suas meditações quando estava preso), e as Linhas, atribuídas a seu filho, o duque de Chou, ambos fundadores desta dinastia. Mais tarde, quando o significado taoísta desses textos também começou a ficar obscuro, foram acrescentadas as Dez Asas (2006, p. 154-283), atribuídas a Confúcio e a Mêncio, no século VI a.C. O taoísmo e o confucionismo são formas bastante diferentes de pensar. O taoísmo é mais holístico, ligado à natureza e está ancorado na teoria dos cinco elementos (água, metal, madeira, ar e fogo); enquanto o confucionismo é mais voltado para ética de conduta em sociedade e para arte de governar. O livro escapou ainda da grande queima de livros feita pelo tirano Ch'in Shih Huang Ti. Nessa época, o I Ching era considerado um livro de magia e adivinhação, e a doutrina dualista do yin-yang foi sobreposta aos cinco elementos mutantes e à visão holística do taoísmo.

Há duas grandes traduções do I Ching para o ocidente: a do filólogo James Legge, a tradução comentada do chinês para o inglês (1882), que ressalta o aspecto histórico e científico, mas acaba reproduzindo interpretações mais recentes do texto (o confucionismo e o dualismo entre yin e yang); e a tradução do místico taoísta, Richard Wilhelm, do chinês para o alemão (1923), com a supervisão do mestre, Lao Nai Suan, que morreu na noite seguinte a ser concluída a tradução.

Elementos e estrutura

O Criativo conhece através do fácil. O receptivo é capaz de agir através do simples. Aquilo que é fácil; é fácil de conhecer. Aquilo que é simples; é simples de seguir. Aquele que é fácil de conhecer; conquistará lealdade. Aquele que é simples de seguir; conseguirá trabalho. Através do fácil e do simples pode-se aprender as leis do mundo inteiro. Na compreensão das leis de todo o mundo; está a perfeição. Tachuan – o grande comentário (2006, p. 217)

 

O Criativo é dinâmico. Através do movimento ele consegue com facilidade unir o que está dividido. Ele, portanto, está livre do esforço, pois atua sobre o infinitesimal, orientando o movimento a partir desse estado mínimo.

    O Receptivo é estático. Através do repouso o mais simples torna-se possível no âmbito do espaço. Essa simplicidade que surge da pura receptividade torna-se o germe de toda multiplicidade existente no espaço.

O Criativo é o Céu, e por isso é chamado o pai. O Receptivo é a Terra e por isso é chamada a mãe. Na união entre a Terra e o Céu, nasceram seis filhos: três homens (o Incitar ou o Trovão; o Abismal ou a Água; e a Quietude ou a Montanha) e três mulheres (a Suavidade ou o Vento; o Aderir ou o Fogo; e a Alegria ou o Lago).

O Criativo é forte. O Receptivo é maleável. O Incitar significa movimento. A Suavidade é penetrante. O Abismal é perigoso. O Aderir significa dependência. A Quietude significa imobilidade. A Alegria significa contentamento.

O Criativo manifesta-se na cabeça; o Receptivo, no ventre; o Incitar, no pé; a Suavidade, nas coxas; o Abismal, no ouvido; o Aderir (o resplendor), no olho; a Quietude, na mão; a Alegria, na boca.  Shuo Kua (2006, p. 210)

 

O firme e o maleável sucedem-se uns aos outros no interior dos oito trigramas. Assim, o firme torna-se maleável; o maleável endurece, tornando-se firme. Desta forma os oito trigramas se convertem uns nos outros numa sequência, e a alternância periódica dos fenômenos se processa.







Ao se praticar Tai Chi Chuan, algo semelhante acontece: a cada expiração a energia yang deve ascender do centro motor ao mental; e a cada inspiração é a energia yin deve subir, passando pelos três momentos.

A esse arranjo dos trigramas em pares de filhos/filhas chama-se Sequência do Céu Anterior ou Pa Kua Primordial. Esse arranjo remonta a Fu Hsi. Isso significa que essa ordenação já existia na época da compilação do Livro das Mutações, durante a dinastia Chou. Nesse arranjo, o Criativo se localiza no sul (representado do lado de cima) e o Receptivo no norte (representado no lado de baixo), correspondendo ao verão e ao inverno, respectivamente.

Há duas direções de movimento: a progressiva, crescente, no sentido horário; e a retroativa, decrescente, no sentido anti horário.

A primeira parte do ponto mais profundo, o Receptivo, terra do passado para o presente; a segunda parte do ponto culminante, o Criativo, céu, do futuro para o presente. Por exemplo: observando que uma semente do passado se tornou árvore no presente (movimento progressivo), podemos prever (regressivamente) que uma semente semelhante no presente se tornará uma árvore semelhante do futuro.

Além disso, os trigramas em pares simétricos (terra/céu, trovão/vento, água/fogo e montanha/lago) se completam e se anulam, garantindo assim a ordem do cosmo, acima de suas mutações e do acaso.

Céu e Terra determinam a direção. Montanha e Lago unem suas forças. Trovão e Vento estimulam-se um ao outro. Água e Fogo não se combatem. Assim, os oito trigramas se interligam.

Shuo Kua (2006, p. 205)

 

Os ciclos do tempo

O Pa Kua do Céu Anterior vem de um tempo imemorial. Nos últimos três mil anos, o Taoísmo se modificou e apareceram outros esquemas de organização dos trigramas, baseados na teoria dos cinco elementos, que são adotados na arquitetura tradicional (Feng Shui) e na etnomedicina chinesa.

Por exemplo, o arranjo de trigramas conhecido como o Pa Kua do Céu Posterior ou Ordem Interna do Mundo – atribuído ao rei Wen e a dinastia Chou. Nele, a distribuição dos trigramas se dá conforme as estações do ano e há uma nova correspondência com os pontos cardeais. Os trigramas são retirados de seu agrupamento em pares de opostos e apresentados segundo a sequência temporal em que se manifestam no plano fenomênico durante os ciclos anual e diário.

Também se estabelecem correlações novas entre os pontos cardeais e os trigramas. Agora o polo sul será o Aderir (fogo); e o norte, o Abismal (água).

Todos os seres surgem no Incitar, que se encontra a leste. Eles chegam à plenitude na Suavidade, que se encontra a sudeste. O Aderir é a luminosidade, na qual os seres percebem-se uns aos outros, e está no sul. O Receptivo significa cuidado, quando os seres se ajudam uns aos outros, e está a sudoeste. A Alegria é o outono, que proporciona contentamento a todos os seres, e está a oeste. Ele luta no Criativo, quando o obscuro e o luminoso incitam-se um ao outro, e está no noroeste. O Abismal significa o esforço a que todos os seres estão sujeitos, e está no norte. A Quietude, onde se consuma o começo e o fim de todos os seres, está no nordeste.

Shuo Kua (2006, p. 213)

 

O conceito de mutação

Mutação significa uma mudança de um estado para outro: de um trigrama para outro ou de um hexagrama para outro. O Livro das Mutações distingue três tipos de fenômenos: o Tao imutável, a mutação cíclica e a mutação não recorrente.

Toda mutação supõe um ponto de referência. O Tao imutável é espaço permanente que torna possível a mutação. Ele também é uma opção constante e uma decisão permanente que estabelece um sistema de correspondências que interliga todas as coisas. O mundo é um sistema de referências integradas, um cosmos, não um caos; graças à ideia do Tao imutável.

A mutação cíclica consiste numa rotação de fenômenos que se sucedem uns aos outros, até que se chega de volta ao ponto de partida – seja no sentido horário (evolutivo) ou anti-horário (involutivo).

 Trigrama
 Natureza
 Direção
Estação do ano
Horário
Fogo
Aderir
Sul
Verão
10:30~13:30
Terra
Receptivo
Sudoeste
13:30~16:30
Lago
Alegria
Oeste
Outono
16:30~19:30
Céu
Criativo
Noroeste
19:30~22:30
Água
Abismal
Norte
Inverno
22:30~01:30
Montanha
Quietude
Nordeste
01:30~04:30
Trovão
Incitar
Leste
Primavera
04:30~07:30
Vento
Suavidade
Sudeste
07:30~10:30

 

A mutação cíclica é a mudança periódica que se produz na vida orgânica, enquanto que a mutação não recorrente nunca retorna a seu ponto de partida. É uma mudança irreversível, uma passagem de um estado para outro fora das sequencias previstas. Ou, como define o tradutor da versão brasileira: “é uma mudança determinada por uma causalidade mecânica” – desconectada das sequências dos ciclos e do condicionamento simultâneo que as forças da natureza exercem sobre si e sobre o todo universo.

A teoria dos cinco elementos

A teoria dos cinco elementos (Wu Xing) é relativamente recente: foi estabelecida e sistematizada por Tsou Yen (Zou Yan), entre 350 e 270 a.C[1]., integrando diferentes saberes tradicionais de forma filosófica.

Ao contrário da teoria dos quatro elementos do ocidente, que acreditava que o fogo, a água, o ar e a terra seriam elementos primários formadores do mundo material; a teoria chinesa pensa seus elementos como 'estados' intermediários entre as mutações, 'mediações', semelhantes ao Pa Kua do Céu Anterior.

A teoria segue a mesma lógica dos Pa Kua's, em que há um movimento circular contínuo externo (nos dois sentidos) representando as mutações cíclicas; e uma simultaneidade interna, 'a Estrela da Dominação', que representa a interação e controle recíproco entre os cinco elementos, determinando a estabilidade do mundo em constante  mudança.

 

O ESQUEMA DOS CINCO ELEMENTOS

Ciclo da Nutrição *
Estrela da dominação
Madeira alimenta o Fogo
Madeira domina a Terra
Fogo alimenta a Terra
Terra domina a Água
Terra alimenta o Metal
Água domina o Fogo
Metal alimenta a Água
Fogo domina o Metal
Água alimenta a Madeira
Metal domina a Madeira

 

 

 

 

   * Invertido, o Ciclo da Nutrição torna-se Ciclo da Destruição e a Estrela da Dominação transforma-se na Estrela da Liberação.

 

A teoria dos cinco elementos interage diretamente com o Pa Kua do Céu Posterior e estabele um conjunto de analogias simbólicas (ou correspondências 'elementais') entre objetos distintos, gerando matrizes de associação que são utilizadas em diferentes áreas (etnomedicina, arquitetura, artes marciais, etc).

Elemento
Direção
Clima
Cor
Gosto
Emoção
Madeira
Leste
Vento
Verde
Azedo
Raiva
Fogo
Sul
Calor
Vermelho
Amargo
Alegria
Terra
Centro
Úmido
Amarelo
Doce
Preocupação
Metal
Oeste
Seco
Branco
Picante
Tristeza
Água
Norte
Frio
Preto
Salgado
Medo

 

Etnomedicina chinesa

A medicina tradicional chinesa é a denominação usualmente dada ao conjunto de práticas terapêuticas em uso na China, desenvolvidas ao longo dos milhares de anos de sua história. Ela é bem mais antiga que o I Ching e, antes dele, se confundia com xamanismo taoísta arcaico do Pa Kua do Céu Anterior, com o exorcismo de demônios e de espíritos animais.

Com o Pa Kua do Céu Posterior, a medicina chinesa passa a se fundamentar em uma estrutura teórica sistemática e abrangente, de natureza filosófica. Ela inclui entre seus princípios o estudo da relação de yin/yang, da teoria dos cinco elementos e do sistema de circulação da energia pelos meridianos do corpo humano.

A medicina chinesa acredita na auto cura do corpo humano e só utiliza a fitoterapia e outros medicamentos como seu último recurso para combater os problemas de saúde. Para ela, o corpo humano dispõe de um sistema sofisticado para localizar as doenças e redirecionar energia para curar os problemas por si mesmo. Os procedimentos terapêuticos externos devem sempre se focar em ajudar cuidadosamente as funções de regeneração e resiliência do próprio corpo, sem interferências. São sete os principais métodos de tratamento da medicina tradicional chinesa: massagens; acupuntura; moxabustão; ventosaterapia; fitoterapia; terapia alimentar; e práticas físicas, como Tai Chi Chuan: exercícios integrados a prática de meditação relacionada à respiração e à circulação da energia.

Tanto tratamento como o diagnóstico usa como referência o sistema de correspondência baseado nos seguintes princípios do I Ching: a relação de Yin/Yang; o esquema dos cinco elementos; e os oito princípios do Pa Kua; acrescentados os meridianos principais de energia espalhados pelo corpo.

Há 12 meridianos principais, seis yin e seis yang entrelaçados entre si em pares opostos; sendo que dez estão relacionados aos cinco elementos e dois (o do pericárdio e o do triplo aquecedor) desempenham um papel mais geral de supervisão e controle.

 

Sistema de meridianos dos órgãos - Yin

Meridiano
Localização
Elemento
Planeta
Fígado
Pés/tronco
Madeira/yin
Júpiter
Coração
Tronco/mãos
Fogo/yin
Sol
Baço- Pâncreas
Pés/tronco
Terra/yin
Saturno
Pulmão
Tronco/mãos
Metal/yin
Júpiter
Rins
Pés/Tronco
Água/yin
Vênus
Pericárdio
Tronco/mãos
O ‘grande yin’

 

Sistema de meridianos das vísceras - Yang

Meridiano
Localização
Elemento
Planeta
Vesícula biliar
Cabeça/pés
Madeira/yang
Marte
Intestino delgado
Mãos/cabeça
Fogo/yang
Mercúrio/lua
Estomago
Cabeça/pés
Terra/yang
Saturno
Intestino grosso
Mãos/cabeça
Metal/yang
Mercúrio/lua
Bexiga
Cabeça/pés
Água/yang
Lua/Saturno
Triplo aquecedor
Mãos/cabeça
O ‘grande yang’

 

Arquitetura tradicional

Feng Shui é a arte chinesa de organização espaço temporal da energia, que estuda a relação do homem com o meio ambiente, baseado na observação das estrelas, dos fatores externos diversos; e da disposição interior dos móveis, cores e objetos de cada local. Esse saber teve sua origem em antigos mestres taoístas que estudavam a natureza e entenderam como a energia se comporta e como pode ser redirecionada para propiciar saúde e prosperidade. 

Comparem-se os benefícios que o Feng Shui pode proporcionar a um espaço aos resultados que a acupuntura pode oferecer a um enfermo. Da mesma forma que o acupunturista, diagnostica os bloqueios na circulação de energia de um paciente e aplica agulhas em uma parte do corpo para curar outra, o consultor de Feng Shui detecta as influências em um ambiente e recomenda medidas em uma área particular do imóvel que são capazes de alterar as características da circulação de energia no todo.

As práticas de Feng Shui também são anteriores ao aparecimento do texto do I Ching, influenciando e sendo influenciadas por ele. Os mestres antigos constataram que o ambiente era influenciado por duas forças fundamentais: vento e água. Em um segundo momento, também consideraram as estrelas da data de fundação do imóvel e do nascimento de seus habitantes (em geral, pelo método dos quatro pilares: hora, dia, mês e ano).

Com o passar dos séculos várias metodologias e técnicas foram criadas e esquecidas. Além do estudo das forças fundamentais do ambiente e das diversas técnicas astrológicas, o Feng Shui passou orientar a escolha do local em que a edificação deve ser construída; determinar o polo norte através de uma bússola astrológica, Lu Pan, associando-o sempre a entrada da casa; e, finalmente, analisar e propor mudanças na organização interna do ambiente de acordo com harmonia entre os cinco elementos.

As escolas de Feng Shui mais conhecidas na atualidade são: a Escola da Forma, ou das Oito Casas (Ba Zhai) linha taoísta mais tradicional; a Escola da Bússola, ou das Estrelas Voadoras (Fei Xin) da tradição taoísta mais contemporânea e complexa; e a Escola do Chapéu Preto, linha norte americana derivada do budismo tântrico tibetano.

Boa parte do Feng Shui divulgado no ocidente deriva dessa última escola, que simplifica consideravelmente a tradição chinesa, eliminando sua referência macro-cósmica, e dando mais ênfase a decoração interna de ambientes do que a construção de casas. Os consultores de Feng Shui dessa escola, de acordo com isso, analisam qual o elemento dominante ou em desequilíbrio, e, conforme os dois ciclos, adicionam ou retiram outros elementos harmonizando assim o ambiente. O Feng Shui fica, assim, reduzido à harmonização do ambiente interior através da teoria dos cinco elementos e de seus dois ciclos.

Para as escolas taoístas, cada avaliação de Feng Shui é única, relativa às influências magnéticas do local, da edificação e de seus habitantes. A base para o entendimento dessas influências é a orientação do imóvel em relação aos campos eletromagnéticos em geral (pontos cardeais, elementos, etc) e as características (históricas e astrológicas) do momento em que foi construído. As escolas taoístas têm metodologias e técnicas diferentes, mas não utilizam os cinco elementos descontextualizados do meio ambiente no qual o imóvel se encontra inserido.

Artes marciais

Embora na versão oficial da República Popular da China, o Tai Chi Chuan tenha sido foi criado por Chen Wangting (1600-1680) na passagem da dinastia Ming para a dinastia Qing; assim como a medicina tradicional e o Feng Shui, as artes marciais chinesas também são anteriores ao texto do I Ching. E também se baseiam no sistema de trigramas. Durante séculos, assumiu várias formas e se inspirou de diferentes modos no Pa Kua (Oito Trigramas), na relação de yin e yang, nos cinco elementos e no sistema de meridianos.

As sequências de movimentos marciais mais antigas conhecidas são parcialmente baseadas no Pa Kua do Céu Anterior; em um período intermediário, os cinco elementos inspiraram estilos de luta e movimentos miméticos dos cinco animais (tigre-metal, dragão-água, urso-terra, macaco-madeira, grau-fogo); e mais recentemente, em suas aplicações mais terapêuticas, há sequências de movimentos direcionadas para o alongamento e energização dos meridianos. Os criadores originais do Tai Chi Chuan basearam sua arte na observação da natureza - não apenas na observação dos animais, mas também no estudo dos princípios da interação entre os diversos elementos naturais.

Como arte marcial, o Tai Chi Chuan, em sua forma atual, se baseia em treze conceitos fundamentais. Estas posturas/movimentos são reconhecidas nas diversas formas praticadas pelos diferentes estilos. Cada escola interpreta estes treze conceitos com pequenas variações. Os treze movimentos são conhecidas como "as oito portas” (associadas aos trigramas do Pa Kua) e “os cinco passos" (relacionados aos cinco elementos).

O uso oracular

Como oráculo, o I Ching tem algumas diferenças com outros métodos. O Tarô, por exemplo, é formado por imagens iconográficas do inconsciente e é interpretado por outra pessoa. Os hexagramas não são ‘imagens do inconsciente’, mas diagramas que representam ideias sobre as transições e mudanças da natureza que governam nossas vidas. E, o mais importante no livro das mutações, é o próprio consulente que interpreta o oráculo, a partir dos textos e de sua imaginação.

O I Ching nunca falha; quem pode falhar é o consulente! Se a pergunta não foi clara e precisa, se a pessoa não tem clareza sobre o que deseja saber, então não entende a resposta. Há pessoas que, para focar a atenção na consulta, rezam ou fazem rituais antes de jogar. Assim, o livro das mutações, mesmo em seu uso oracular, é uma forma de meditação sobre as mutações da natureza, sobre si mesmo e sobre os contextos social e espiritual, em que se está inserida. O I Ching, abrangendo o significado essencial das diferentes situações da vida, dá ao homem condições de construir para si uma vida significativa, realizando, em cada caso, aquilo que a situação exige - segundo uma ordem e sequência perfeitas.

Para o jogador recorrente, o essencial passa a ser como dar à sua vida uma forma que corresponda a essas ideias, de modo a que a própria vida se torne um com as mutações – ou melhor: uma transmutação. Nesse sentido, o I Ching, ao invés de se subintitular o Livro das Mutações, deve-se ser chamado de O Livro da Transmutação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

WILHELM, Richard. I Ching: o livro das mutações / tradução do chinês para o alemão, introdução e comentários Richard Wilhelm; prefácio C. G. Jung; introdução à edição brasileira Gustavo Alberto Corrêa Pinto; tradução para o português Alayde Mutzenbecher e Gustavo Alberto Corrêa Pinto. São Paulo: Pensamento, 2006.




[1]    Wikipedia: