quinta-feira, 25 de novembro de 2021

revistas imaginário!

 


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A astrologia e os quatro elementos


 Nova conclusão para o livro Devaneios da Imaginação Simbólica 

Antes da escrita e da história, havia diferentes ‘astrologias’: a chinesa, a indiana, a etno-astronomia dos povos pré-colombianos e a sumeriana - cujo modelo solar deu origem à astrologia e à astronomia contemporâneas. Essas astrologias pré-históricas das sociedades tradicionais tinham em comum a simultaneidade temporal (ou tempo circular lunar-solar), o geocentrismo (a terra do centro do universo) e a simetria entre o mundo e o cosmo (o homem como reflexo do universo). 

Com o aparecimento das escritas e do tempo contínuo da história, a ciência (ou o projeto de representação objetiva que o universo tem de si próprio) e a modernidade cultural (a imagem pretensamente objetiva que a sociedade faz de si mesma) passou lenta e progressivamente a construir um paradigma do observador onisciente, que o vê o universo de um ponto cego. 

Hoje este modelo astrológico não nos serve mais de paradigma de observação científica dos céus mas continua válido como ‘Themata’ ou paradigma simbólico. Assim, no paradigma objetivo da astronomia, sabemos que a Terra gira em torno do Sol; no entanto, continuamos dependendo simbolicamente do paradigma subjetivo da astrologia, que como uma linguagem do inconsciente, condiciona atitudes e comportamentos, através da associação de determinadas características psicológicas aos meses do ano, por exemplo. A ciência e o pensamento objetivo superaram apenas parcialmente o antigo paradigma de representação e esta ‘superação’ é uma questão muito relativa: ao contrário do que pensam os historiadores da ciência, a ideia de um sistema geocêntrico não significa que Ptolomeu acreditasse que o Sol girasse em torno da Terra, mas sim que ele colocava a questão da representação objetiva do universo em um segundo plano diante da ideia de decifração do destino através da observação especular das estrelas. 

Devido ao movimento de precessão do eixo da terra, os céus astrológico e astronômico não coincidem mais. 

O movimento de precessão da terra é causado pelas forças exercidas pela translação do Sol e pela da rotação da Terra e da Lua, fazendo com que o planeta se movimente em relação ao próprio eixo. Esse movimento muda as estrelas de lugar para o observador terrestre. A cada ano, a terra sofre uma precessão de cerca de 20 minutos. Em 2160 anos, a mudança é de 30 graus. Na época em que a astrologia foi concebida, o sol nascia às seis horas da manhã na constelação de Áries; durante muitos séculos, o sol nesse dia nasceu em Peixes; e nos dias atuais, a constelação que abre o equinócio de outono no hemisfério sul é a de Aquário.  

Tal fato, paradigmático da relação geral entre cosmologia científica e cosmogonia simbólica, divide atualmente os astrólogos em dois grandes grupos: os defensores de uma atualização do simbolismo ao céu real e os que dissociam completamente a linguagem astrológica da realidade astronômica.

Assim, fazemos duas representações do universo, uma consciente e pretensamente objetiva (em que a terra é uma bola de pedra que gira em torno de uma bola de fogo); e outra, inconsciente e subjetiva, povoada por símbolos, imagens e energias invisíveis. O paradigma astrológico perdura no campo morfogênico como uma linguagem simbólica do inconsciente. 

E, apesar das inúmeras diferenças dos modus operandi entre o conhecimento científico e o saber tradicional, ambos têm um único objetivo: evitar o infortúnio e a adversidade, procurando antecipar os acontecimentos para melhor enfrenta-los. A previsibilidade de um evento depende, ao mesmo tempo, do saber simbólico e do conhecimento científico. Do lunar e do solar. 

Partiu-se da metapoética de Gaston Bachelard e de seu desafio. Em um segundo momento, aceitou-se a provocação e imaginaram-se conceitos resultantes da inter-relação dos quatro elementos entre si: Calor, Trabalho, Linguagem, Sonhar, Luz, Riqueza, Imaginação Formal, Sensibilidade, Vida, Poder, Arquétipo, Imaginação Simbólica. 

Em seguida, aplicaram-se alguns desses conceitos a um universo empírico em particular: o preparo da Ayahuasca. Procedeu-se, então, a uma descrição subjetiva dessa experiência cognitiva, ressaltando sua semelhança ao tema do vinho alquímico dos sufis (tema bachelardiano, por sinal) e, principalmente, a presença dos quatro elementos durante todo percurso. 

Devaneando mais um pouco sobre a terra úmida, discutiu-se sobre o símbolo do útero (a caverna, a casa, o repouso) e sobre a inexistência do matriarcado arcaico; como também se defendeu a necessidade de um reajuste elemental entre os gêneros, com os homens se reconectando ao corpo e às emoções, e as mulheres resgatando o sagrado feminino e sua intelectualidade. 

Dando sequência à viagem, no capítulo “O mito do fogo”, investigou-se a relação entre Vida e Poder através do símbolo do Ferro. Nesse texto, aplica-se o modelo de análise estrutural de narrativas míticas de Lévi-Strauss a autores esotéricos e narrativas cabalísticas, demostrando-se sua curiosa equivalência simbólica. 

Porém, a demonstração da inexistência do matriarcado arcaico (na memória histórica e social) não convenceu aos que acreditam nela (como memória arquetípica). Para não cometer o mesmo erro do primeiro Bachelard (separando radicalmente a verdade da imaginação), sobrepõe-se à realidade histórica (o Ar: o matriarcado nunca existiu) a realidade mítica (a Água: o matriarcado está eternamente em nosso passado presente agora na forma de uma memória). E assim, em Narrativas do Sagrado Feminino, reescreveu-se algumas histórias da relação Ar-Água e se discutiu a noção de coprotagonismo narrativo entre os gêneros e valores masculinos e femininos. 

No texto “Estudos Cabalísticos”, problematizou-se a Árvore da Vida (a Luz dentro do Arquétipo) e o Apocalipse (o Arquétipo dentro da Luz). As relações entre Fogo e Ar também nos colocam a questão do desequilibrio entre o masculino e o feminino, a dissociação simbólica entre fogo sexual e espiritual e o aparecimento impiedoso do ferro e de suas ferramentas mortais. 

Segundo a mitologia suméria, o sistema de doze constelações zodiacais e de dez planetas (sim, os sumérios sabiam de Plutão e o consideravam um planeta) foi concebido pelo deus Enki e ensinado a seu filho Marduk, durante um retiro que fizeram na Lua. O mesmo sistema foi ensinado por Marduk aos homens, através de um personagem sumério semelhante ao Enoch bíblico. 

Sempre considerei um mistério o fato dos antigos sumérios dividirem o ano em doze meses e não por treze – seguindo o ciclo lunar de 28 dias com seria o lógico. 

Os astrólogos – que não pensam de forma de etnoastronômica – derivam a divisão por doze dos quatro elementos e das três qualidades (cardinal, fixo e mutável). Mas, se pensarmos em termos de observação astronômica do céu (e não classificação a partir de elementos simbólicos abstratos), a divisão do ano por doze meses (com uma médida de 29,5 dias) acarreta a perda de 11 dias por ano, ou sete meses a cada 19 anos. 

O mais provável é o apagamento astrológico do décimo terceiro mês pelos próprios sumérios. Entre Escorpião e Sagitário, está a décima terceira constelação zodiacal, Oficus, representada pela serpente e/ou pela águia. Caso algum dia voltemos aos 13 meses lunares de 28 dias + 1 dia fora do tempo, como no calendário maia, haverá um novo mês equivalente ao período entre outubro e novembro. 

A Serpente Alada fica a 180 graus de Orion, o berço das estrelas, entre as constelações de Gêmeos e Touro, ancorada pelo Cruzeiro do Sul. Se o Big-bang foi uma explosão de luz vinda de Orion, origem do universo; então o novo signo aponta para o desconhecido oceano escurdo, buraco negro e destino denso de todo universo. Entramos no universo pelas pleiades da ursa maior e vamos sair através deste ralo devorador de matéria e energia. 

O décimo terceiro elemento é a morte, ponto cego da imaginação simbólica. O dia de todos os santos e de finados, bem como tradições mais antigas como Halowwen e o dia da morte mexicana, podem ser considerados vestígios da celebração deste 'símbolo ausente'.

É possível que o apagamento simbólico da morte seja o motivo do desequilíbrio elemental. O planeta Terra corresponde ao elemento Terra e os céus, ao elemento Ar. A Lua, por sua vez, é universalmente associada à Água e ao feminino. O Sol é o Fogo original. Os quatro elementos nesse contexto astrológico estão em constante interação e suas interações correspondem às doze relações elementais que descrevemos. No entanto, essas relações são dinâmicas e não metafísicas. A transformação da natureza é permanente, a morte é eterna e é o 'motor contínuo' das interações. 

Para se tecer uma investigação meta simbólica, a imaginação, depurada de suas ilusões, ajuda a construção científica e lógica do sentido, da interpretação. Não se trata apenas de metapoesia (ou de teorizações esotéricas e/ou antropológicas), os devaneios de investigação simbólica também estudam as narrativas míticas e suas ressonâncias subjetivas. Para investigar o inconsciente arcaico, a imaginação simbólica procede a uma releitura das narrativas mitológicas, fazendo associações cognitivas entre os discursos teóricos, poéticos, esotéricos, tradicionais e filosóficos – por dentro. “Experimentando” as narrativas. 

E, dessa convergência discursiva e narrativa, nascem novas imagens, novas ideias. Somos seres miméticos, mimetizamos nossas histórias de outras. Um dia, seremos mimetizados também. Essa é nossa vida. Nossos sonhos são simulações de nossas vidas, de nossos medos e esperanças. As estruturas narrativas reduzem a complexidade dos sonhos a histórias que simulam a polaridade entre antagonismo e coprotagonismo, entre morte e amor, entre o passado e o futuro. 

As causas de existência de antagonistas em nossas vidas e sonhos são diversas e complexas. Alguns, com inclinação para biologia, acreditam que a consciência moral (ou a distinção entre o bem e o mal) surgiu a partir do desenvolvimento de uma parte da memória filogenética da espécie humana, usada para distinguir as plantas venenosas das nutritivas. 

Outros, habitantes de um universo mais físico, pensam que o que se chama de mal (oposto à luz) é a força entrópica dos buracos negros. Outros ainda, voltados para o interior, acreditam que a natureza é perfeita e que o mal é um ruído subjetivo que nos impede de viver plenamente essa perfeição. São histórias das origens do mal e das causas ocultas de nosso antagonismo conosco mesmo. 

Mais complexas ainda são as metanarrativas sobre coprotagonismo e sobre nossos sonhos de amor. Existem narrativas que desejam desmascarar a afetividade interesseira do amordependente e afirmam a superioridade do amor-dádiva; outras equiparam o amor à liberdade, consideram-no mais importante do que a própria vida. 


Ulisses

O mito é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus

É um mito brilhante e mudo -

O corpo morto de Deus,

Vivo e desnudo.


Este, que aqui aportou,

Foi por não ser existindo.

Sem existir nos bastou.

Por não ter vindo foi vindo

E nos criou.

Assim a lenda se escorre

A entrar na realidade.

E a fecundá-la decorre.

Embaixo, a vida, metade

De nada, morre.

(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

homenagem a um mestre feiticeiro


 

EU E ALEJANDRO


Marcelo Bolshaw Gomes


A primeira vez que ouvi falar de Alejandro Jodorowsky foi lendo O Incal. Nos anos 80, no Rio de Janeiro, meu amigo Mario Marcio Rocha tinha a coleção da revista Heavy Metal e eu havia lido O Homem é Bom?, de Jean Giraud (Moebius). Então, quando vi seu nome e seu desenho inconfundível em O Incal, devorei a história assim que pude. Publicado originalmente em dezembro de 1980 na revista Métal Hurlant e seus seis álbuns foram publicados entre 1981 e 1988 pela Les Humanoïdes Associés com o título Uma Aventura de John Difool. Em 1998, a série mudou de nome para O Incal. No Brasil, foi publicada no ano de 2012 de duas formas distintas; pela editora Devir. Em 2021 a série foi relançada (acrescida por novas histórias que Jodorowsky fez com outros desenhistas) pela editora Pipoca e Nanquim com o nome "Todo Incal".

Em um futuro imaginário, o detetive particular John Difool faz uma jornada espiritual do heroi (cerrtamente inspirada em Joseph Campbell) para defender o Incal, um cristal com o poder da luz, de vários antagonistas concorrentes e dos antagonistas sistêmicos, detentores do Incal das trevas. A narrativa iniciática do protagonista, com elementos mitológicos, está colocada em um contexto de ficção científica em que a consciência luta contra o mecânico, mas com referências políticas, econômicas e sociais da cultura pop. Ao longo do tempo, outras histórias são criadas dentro do mesmo universo narrativo de ficção científica psicodélica , o jodoverse, com elementos simbólicos em comum, como os Metabarões e os Tecnopadres.

Dez anos depois, em Natal, a amiga Milena Azevedo me deu os arquivos digitais dos filmes El Topo (1970)4 e Montanha Sagrada (1973), comparando a linguagem de Jodorowsky a de Glauber Rocha. El Topo é um western surrealista, com cenas bizarras de sexo e mutilação para criticar comportamentos religiosos, retoma o modelo da jornada espiritual do herói, agora com um Cowboy como protagonista, vencendo vários inimigos em seu percurso mítico. O filme foi elogiado por John Lenon e George Harrison, fato que abriu as portas para o financiamento da Montanha Mágica.

Achei os filmes herméticos, prolixos, cansativos – ou seja: não entendi nada. E fiquei com vergonha de não entender, me senti humilhado culturalmente. Como não podia conviver com esses sentimentos. Então, procurei me informar melhor e acabei encantado com as explicações críticas do próprio autor sobre seu trabalho.

Na sinopse da Montanha Sagrada descobri que se tratava dos “nove dos mais poderosos industriais e políticos do planeta desejam obter a imortalidade. Um Alquimista (interpretado por Jodorowsky) lhes fala da Montanha Sagrada e da busca pela imortalidade”. Jodorowsky acrescenta: “Esse filme é minha própria busca por iluminação”.

Então, munido dessas informações, assisti novamente aos filmes e (acho) que os entendi. De certa forma, os filmes aprofundam a estrutura narrativa (da jornada heroica) de O Incal, deslocando o contexto cenográfico da ficção cientifica para o faroeste e para o misticismo. Mas, continuava desconfortável a experiência de um cinema que tinha que ser explicado para ser entendido. Por vezes, pensei que era uma confusão entre metáforas e símbolos, que Jodorowsky fazia um cinema de metáforas pensando que fazia um cinema simbólico. Em outras ocasiões, imaginei que sua concepção de cinema era muito elitista e se aproximava de um teatro filmado, de um ritual ético/político e estético/psicológico, acessível apenas a alguns. Percebi que havia muita gente que se sentia (mal) como eu e que Jodorowsky não era uma unanimidade: havia quem achasse que ele era um gênio e havia quem pensasse que era apenas um artista confuso.

Só compreendi a grandeza e a importância de Alejandro como artista multimídia e pensador quando vi Jodorowsky's Dune (2013). 

'Dune de Jodorowsky' é um documentário americano 2013 dirigido por Frank Pavich. O filme conta a tentativa frustrada do diretor chileno Alejandro Jodorowsky de adaptar, para o cinema em meados dos anos 1970, o romance de ficção científica Dune, de Frank Herbert escrito em 1965. 

Jodorowsky queria que seu filme fosse como uma viagem de ácido lisérgico, que fosse uma experiência estéica capaz de mudar o comportamento das pessoas. Concepção Visual e storyboard de Moebius; trilha sonora do Pink Floyd (Dark side of the moon); artistas HR Giger, Chris Foss e Jean Giraud para set e para o projeto; Dan O'Bannon para efeitos especiais; e Salvador Dalí Orson Welles, Gloria Swanson, David Carradine, Mick Jagger, Amanda Lear, e outros para o elenco. Jodorowsky treinou seu próprio filho em artes marciais e esgrima. O filme nunca foi feito por falta de visão dos estúdios de Hollywood. 

Mas, a influência do trabalho de Jodorowsky/Moebius (a concepção visual, os figurinos, as naves, alguns efeitos especiais) é evidente em vários filmes de ficção científica que se seguiram, como Star Wars. Em 1982, no entanto, os direitos do filme foram comprados pelo cineasta italiano Dino De Laurentiis, que acabou lançando o filme Dune 1984, dirigido por David Lynch – que foi um grande fracasso de crítica e público. Apesar de tudo, Jodorowsky não guarda mágoas, conta a história de sua vida com uma paixão e uma compreensão generosas. E, no final do documentário 'Dune de Jodorowsky', o cineasta convida cineastas e desenhistas, com a ajuda dos computadores, a realizarem seu sonho: a produção do storyboard de Moebius. O que esperamos que aconteça em breve.

O filme é uma lição de vida. Além de ser a história do mais fantástico filme nunca realizado (pelo menos, por enquanto), com impacto na história do cinema e da ficção científica, mostra a relação de aprendizagem existencial do criador com sua criação.

Em seguida, descobri a psicomagia e sua proposta audiovisual de cura através da arte (2019). Jodorowsky se contrapoe à cartarse verbal psicanalítica, racional e bem comportada, que não favorece transformações orgânicas. Para ele a cartase libertadora é a artística, expressiva, corporal, encenada com a força simbólica necessária para despertar os sentimentos reprimidos dos traumas do passado. Ele também acredita na reconstrução teatral psicomágica das narrativas de vida. Devemos recontar a história de nossas vidas - “como na recapitulação de Carlos Casteneda” (1) e do xamanismo tolteca.

Jodorowsky é um xamã pós moderno! Por onde passa, ele trabalha com pessoas, dramatizando suas vidas em narrativas; fazendo grupos e oficinas sobre temas simbólicos; desencadeando mudanças de todos os tipos.

Será que Jodorowsky deseja curar as pessoas com seus filmes? (2)

Talvez em seus primeiros filmes, ele tenha tipo a pretensão de curar através do cinema, mas depois do episódio de Duna, seus filmes ficaram mais pessoais e terapeuticamente autoficcionais, com reinvenções explícitas de sua própria história. Nas cineautobiografias A dança da realidade (2013) e Poesia sem fim (2016), o diretor Alejandro Jodorowsky rememora e reimagina seu passado, recontando sua história com intervenções, curando a si mesmo “metagenealogicamente”, superando a “origem de seus problemas pessoais e coletivos através da arte”. Ele continua o mesmo, mas agora é o protagonista de suas histórias.

Em agosto de 2019, tive a honra de ser convidado como avaliador da banca de mestrado (em Comunicação e Culturas Midiáticas da Universidade Federal da Paraíba de Agamenon Porfirio de Lima Filho) que defendeu a dissertação: Escritas de Si e fabulação da memória no cinema autobiográfico de Alejandro Jodorowsky (2020).

Por tudo, passei a me identificar profundamente com o cineasta-xamã e a entender sua contribuição decisiva para o entrecruzamento entre arte, terapia e pensamento.

Porém, na minha perspectiva, a sua maior contribuição para posteridade (e também o ponto em nossa afinidade se torna mais profunda) é seu livro O Caminho Tarot (2016), escrito com Marianne Costa. Na verdade, toda criatividade arquetípica de personagens, ações e situações; todo trabalho narrativo (seja nos quadrinhos, no cinema, no teatro, na terapia e na literatura) de Jodorowsky é baseado nos arcanos do tarô. Na conclusão do livro, o velho xamâ faz uma espécie de testamento tarológico, em que justifica toda sua ética em relação ao outro e ao mundo - a partir da perspectiva de um jogador frente ao seu consulente.

Jodorowsky confirmou vários pontos (contra cartomancia, contra as adaptações esotéricas de outros sistemas simbólicos como a astrologia e a cabala, a perspectiva da psicologia analítica junguiana, entre outros) que desenvolvi em meu livro Cartografia Arquetípica, indo muito mais além no estudo do simbolismo do Tarô de Marselhe, principalmente em relação à leitura do sistema como um todo.

Hoje, vendo seu trabalho em panorâmica, vejo uma parte de mim mesmo em desenvolvimento paralelo. História em quadrinhos, cinema, tarô. Não havia ainda a internet, mas eu já compartilhava pela alma meus interesses com este mestre feiticeiro. Imagino que não seja o único e que sua herança ainda esteja para ser vislumbrada.

NOTAS

(1) Entrevista ao jornalista Fernando Sanchez Dragó . Primeira parte < https://youtu.be/Sm8xAlFF18c > e segunda parte < https://youtu.be/bZt4v4UIdv0 >.

(2) A monografia Cinema como instrumento de psicomagia – a cura do espectador, de Eric Mendonça Carraro (2017) faz um resumo destes textos < https://dspace.unila.edu.br/handle/123456789/2275 >


domingo, 8 de agosto de 2021