Mostrando postagens com marcador estórias sagradas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador estórias sagradas. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

mitologia da ayahuasca


A história dos índios Tukano – Primeira descrição - Dr. Ralph Metzner da Green Earth Foundation

http://nocastelo.zip.net/index.html

Os índios Tukano, da região Vaupés, na Colômbia, dizem que as primeiras pessoas vieram do céu numa canoa em forma de serpente, e o Pai-Sol prometeu-lhes uma bebida mágica que os ligaria aos poderes radiantes dos céus. Enquanto os homens estavam na Porta das Águas, tentando preparar a bebida, a primeira mulher foi para a floresta para dar à luz. Ela voltou com um rapaz que irradiava luz dourada, e ela esfregou o corpo dela com folhas.

Este rapaz luminoso era a planta trepadeira, e cada um dos homens cortou um pedaço deste ser vivo, que se tornou o seu pedaço da linhagem da planta. Numa variação deste mito pelos índios Desana (da mesma região), a canoa serpente veio da Via Láctea, trazendo um homem, uma mulher, e três plantas para as pessoas - mandioca, coca e B. caapi. Também a viram como uma oferta do Sol, uma espécie de contentor para a luz amarela-dourada do astro, que ensinou às primeiras pessoas as regras de viver e falar. (Metzner 2006)

A história dos índios Tukano – Segunda descrição - Dr. R.E. Schultes e Dr. A. Hofmann

Era uma vez, há muito, muito tempo, uma mulher que vivia com os índios Tukano, a primeira mulher da criação do mundo, que afogou os homens em visões. Para os índios Tukano o sexo é uma experiência visionária, durante a qual os homens são “afogados em visões”.

A primeira mulher engravidou do Deus-Sol, que a fecundou pelos olhos. A criança nasceu num raio de luz. A mulher, cujo nome era Yajé, cortou o cordão umbilical e esfregou o corpo do bebé com ervas mágicas que lhe moldaram o corpo. A criança tornou-se conhecida como Caapi, uma planta narcótica, e viveu até se tornar um homem velho. Ele guarda enciumadamente os seus poderes alucinógenos, a sua Caapi, a qual é a fonte do sémen dos homens da tribo Tukano.

O mito conta essencialmente a história de um casamento alquímico, no qual a mulher e o homem procuram a união com o Deus-Fonte, a força divina da criação do mundo. Por isso a experiência religiosa é sempre também sexual. Citando Schultes e Hofmann: Para o índio, “a experiência alucinógena é essencialmente sexual… torná-la sublime, passando do erótico, do sensual, à união mística com a era mítica, ao estado intra-uterino, é o objectivo final, obtido apenas por poucos mas desejado por todos”.

Mais mitos

Em “Encounters with the Amazon's Sacred Vine”, por L. E. Luna & S. F. White:

"A planta da ayahuasca tem a sua origem sobrenatural no tempo mítico: ou provém da união incestuosa do Pai-Sol com da sua filha, ou da sabedoria secreta do reino subaquático, ou do cadáver de um xamã, ou da cauda de uma serpente gigante que une o céu e a terra. Estas várias tribos índias acreditam que a planta visionária é um veículo que torna o primordial acessível à humanidade”.

"Um exempo deste fenómeno é o mito dos índios Desana (transcrito por G. Reichel-Dolmatoff) sobre a canoa-serpente que desceu da Via Láctea com os primeiros habitantes do mundo, que se transformou na canoa do rio de fogo que transportou o povo yagé (ayahuasca).

"Foi uma mulher. O nome dela era Gaphi Mahso, a Mulher-Yajé. Foi no princípio do tempo, quando a canoa-anaconda desceu aos rios para espalhar a humanidade por toda a terra, que apareceu a Mulher-Yajé. A canoa chegara a um lugar chamado Porta das Águas, e os homens estavam sentados na primeira maloca (uma espécie de cabana central da aldeia), quando a Mulher-Yajé chegou. Ela pôs-se em frente da maloca, e ali deu à luz o seu filho; sim, foi ali que ela deu à luz.

A Mulher-Yajé pegou numa planta e com ela limpou-se a si e ao seu filho. A parte de baixo das folhas desta planta é vermelha como o sangue, e ela pegou nestas folhas e com elas limpou a criança. As folhas eram de um vermelho brilhante, assim como o cordão umbilical. Esta era vermelho e amarelo e branco e muito brilhante. Era um grande cordão umbilical. Ela é a mãe da planta de yajé".

A lenda do rato saltador


Era uma vez um ratinho. Ele e seus amigos gostavam de passar as noites ouvindo os velhos ratos contando suas histórias. E a história favorita do ratinho era, de longe, a história das terras distantes, para além das altas montanhas. Tanto é que ele gostava dessa história que todas as noites, sonhava em ir viver nas terras distantes.

Um dia, o ratinho disse para si mesmo:

- Eu simplesmente preciso ver essas terras distantes!

Naquela mesma manhã, partiu em sua jornada. Ele viajou quase o dia inteiro, parando apenas para descansar e comer. Até que chegou a um grande rio, largo e profundo, impossível de ser cruzado pelo pequeno ratinho.

- Oh, como eu nunca atravessar este rio? - disse para si mesmo.

De trás dele, ele ouviu uma voz grave.

- Você não sabe nadar?

Ele olhou e viu um sapo tomando sol deitado em uma Vitória-Régia.

- Nadar? O que é isso? - perguntou o rato.

O sapo pulou na água e começou a bater as pernas.

- Isto é a natação, idiota - disse o sapo.

- Agora, me diz por que você quer para atravessar o rio afinal?

- Eu tenho o sonho de viver nas terras distantes por muitas noites. Eu simplesmente preciso ver isso! - explicou o rato.

- Meu nome é Kambô - disse o sapo - e eu vou ajudá-lo. Vou te dar dois dons mágicos. O primeiro te fará capaz de dividir seus sentidos com os outros e o segundo passará minha capacidade de pular para você. Se agache e pule o mais longe que puder.

O rato pulou e sentiu uma sensação estranha nas pernas. Elas pareciam muito mais fortes do que antes e percebeu que ele tinha saltado mais longe do que ele já tinha conseguido antes.

- Obrigado, amigo! Que bom esse remédio que você deu para mim.

- Você vai experimentar muitas dificuldades em sua viagem, mas se você mantiver a esperança viva dentro de você, você vai chegar às terras distantes - disse Kambô - e eu dar-lhe um novo nome. Você agora será chamado de rato saltador.

E acenou, pulando de volta para dentro da suas plantas. Enquanto o rato saltador pulou para o outro lado do rio e seguiu viagem. Em sua mente, ele ainda podia ouvir palavras mágicas de Kambô: "Manter viva a esperança dentro de você ..." O rato saltador continuou andando até o anoitecer, e, em seguida, cavou um buraco e foi dormir.

No dia seguinte, o rato chegou a uma pradaria. Ele estava caminhando quando viu uma pedra enorme pela frente. Ao se aproximar, ele viu que não era uma pedra, mas um grande búfalo deitado no chão.

- Meu amigo - disse o rato - por que você está deitado ai como se estivesse morrendo?

- Estou morrendo - disse o búfalo - eu bebi de um poço com água envenenada e eu perdi minha visão, não posso encontrar as águas frias a beber ou a erva-doce para comer. Estou aqui deitado esperando o fim.

- Eu sou rato saltador. Meu amigo Kambô me deu alguns poderes da medicina. Eu não sou tão forte como ele, mas vou ajudá-lo. Eu te nomeio “Os olhos de um rato”, passando par a você minha visão.

Mal o rato disse isso quando o búfalo levantou, olhou em volta e piscou os olhos de espanto. Ele bufou com a felicidade. Rato saltador ouviu isso, mas não podia mais vê-lo, pois ele tinha doado a vista e ficado cego.

- Como posso agradecer a você, meu pequeno amigo? - disse ‘Olhos de um rato’ - Este é um dom maravilhoso que você me deu. Em retribuição, vou levá-lo à beira da pradaria.

E o rato saltador subiu no búfalo e, desta forma, chegou à beira da pradaria.

Quando eles chegaram, ‘Olhos de um rato’ disse:

- Eu sou uma criatura das pradarias, então eu devo parar por aqui. Meu amigo, como você vai fazer sobre as montanhas, se você não pode ver?"

- Não sei, mas tenho uma esperança viva dentro de mim.

Rato saltador deu adeus ao amigo ‘Olhos de um rato’ e, mesmo sem enxergar, tomou o caminho para as montanhas. E quando a noite caiu, ele sentiu frio e cavou um buraco para dormir.

Acordou com o sol já alto e saiu tateando o longo caminho até as montanhas, cheirando e, ocasionalmente, mordiscando gramíneas de pequeno porte. Repente, ele bateu em algo. Sentiu pele sob as patas pequenas. Ele cheirou e percebeu que tinha tropeçado em cima de um lobo.

- Olá! Estou o rato saltador. Quem é você?

- Eu sou apenas um lobo.

- Por que você está sentado lá no meio do caminho? - perguntou o rato.

- Eu era uma vez uma criatura muito orgulho, com muito bom senso do olfato - suspirou o lobo - Porque fui muito orgulhoso, tive esse dom tirado. Eu aprendi a ser humilde, mas agora não posso cheiro para encontrar comida para comer. Eu certamente vou morrer.

O rato ficou triste com a história do lobo.

- Meu amigo Kambô me deu alguns poderes da medicina. Eu não sou tão forte como ele, mas vou ajudá-lo. Eu te nomeio “Nariz de um rato”, passando par a você meu olfato. E o lobo farejou o ar da montanha e uivou de alegria, dançando em círculo.

- Eu posso cheirar as árvores e as flores de novo!

E o rato saltador ouviu alegria do lobo, mas, infelizmente, não podia mais cheirar as árvores e flores, tinha dado o seu sentido ao amigo.

- Este é verdadeiramente um dom maravilhoso que você me deu - disse o ‘Nariz de um rato’ - Deixe-me retribuir. Suba em mim e te levo para as montanhas perto das terras distantes.

E o lobo levou o rato em suas costas até as altas montanhas, perto das terras distantes. Quando chegaram, lobo ajoelhou-se com cuidado para que o amigo pudesse descer e disse:

- Pequeno amigo, eu sou uma criatura das montanhas, por isso não posso ir em frente. Mas você ... como você vai seguir até as terras distantes, não sendo capaz de cheirar ou ver?

- Não sei, mas a esperança está viva dentro de mim.

Os dois disseram adeus, e nariz de um rato trote de volta para as montanhas.

- Estou aqui nas terras distantes - disse o rato - ouço o som das folhas das árvores, o sol aquece meu corpo, também sinto o vento ... Mas eu nunca vou ser como eu era. O que devo fazer?

E começou a chorar.

- Rato Saltador - ouviu uma voz grave.

- Kambô, é ... é você?"

- Sim, meu amigo, sou eu Kambô, o sapo mágico. Você tem sofrido muito em sua longa jornada e experimentou muitas dificuldades. Mas foi o seu coração generoso, sua generosidade, que ajudou a trazê-lo aqui. Você não tem nada a temer, meu pequeno amigo.

Em seguida, Kambô levou o rato à beira de um precipício e gritou:

- Pule, rato saltador, pule!

E o rato saltador pulou e sentiu que seu corpo se transformava. Suas patas esticaram e se tornaram poderosas. E logo ele estava sentindo o vento fluindo sobre ele e sob ele. Ele olhou e podia ver as montanhas lá embaixo. Ele respirou e sentiu o cheiro dos pinheiros e da terra.

E, de lá de baixo, ele ouviu o sapo:

- Eu Kambô, o sapo mágico, te dou um novo nome, rato saltador. Você agora será chamado de Águia Dourada ... e você vai viver nas terras distantes, voando livre para sempre.

lenda Kashinawá da Ayahuasca


Na mitologia dos índios Kashinawá, no Alto do Bode, subindo o Rio Jordão, no Acre, a origem do cipó Runipan (Ayawaska) tem um destaque especial, sua narrativa é rica em detalhes, onde os animais se transformam em gente e vice-versa.

Yo buié Nawa Tarani, um antepassado Kashinawá, foi à mata um dia procurar genipapo para pintar o corpo de seu filho recém-nascido. Na beira do lago, ele encontrou um genipapeiro coberto de frutas. Subiu na árvore carregada e começou a sacudir para fazer cair as frutas. De repente, ele ouviu um barulho debaixo dele. Viu então uma anta a roer as frutas do chão. Divertindo-se, ele ficou quietinho em cima da árvore, só olhando.

Ora, tudo começou a ficar estranho quando a anta, após ter roído algumas frutas, começou a jogar elas no meio do lago, gritando:

- Toma aqui esses genipapos do meu roçado!

Após alguns minutos, uma jovem saiu do fundo da água, carregando um tibungo cheio de caiçuma de banana. A anta estava escondida atrás do tronco de uma árvore. A jovem mulher se aproximou, tomou pé na terra e chamou:

- Amigo, onde está você? Aonde se escondeu?
Saindo do seu esconderijo, a anta disse:

- Tô aqui! E então bebeu da bebida que a mulher ofereceu.
Em seguida, a linda mulher se entregou à anta e eles se amaram. Do seu esconderijo, Yo buié Nawa Tarani não podia acreditar no que via.

A mulher voltou para o fundo do lago e a anta para a mata. Yo Buié Tarani desceu da árvore, juntou ainda algumas frutas caídas e voltou para sua aldeia. Chegando em casa, deu as frutas para sua mulher, sem contar nada. Não quis comer a comida oferecida por ela. Em seguida, deitou em sua rede, onde ficou por muito tempo com os olhos abertos e perdidos. Ele não podia esquecer o que havia visto no lago. Como se estivesse enfeitiçado. Sua mulher ficou preocupada, mas ele disse estar um pouco doente.

No dia seguinte bem cedo, Yo Buié juntou suas armas como se fosse caçar, e saiu na direção do lago. Passando debaixo do genipapeiro, ele juntou algumas frutas, roeu elas com os dentes e jogou no lago dizendo:

- Toma aqui os genipapos do meu roçado!

Depois correu e se escondeu atrás de uma árvore. E aconteceu que a linda mulher apareceu, como na véspera, com seu tibungo de caiçuma. Saiu for a da água, colocou o tibungo na terra e chamou:

- Amigo, onde está você? Aonde se esconde?

- Estou aqui, respondeu Yo Buié, e jogou-se sobre ela, tentando pegar à força. Mas ela se defendeu e eles rolaram pela terra até derrubarem a bebida.

De repente, a mulher se transformou numa cobra e enrolou-se no corpo dele. Mas ele não se deixou pegar. Ela tentou ainda escapar de Yo Buié, transformando-se num cipó espinhoso. Mas ele não a soltava de jeito nenhum. Então ela se transformou em aranha, serpente, fogo, mas sem nenhum resultado. Yo Buié não largava dela. E na confusão dessas mudanças, a cabeça da mulher reapareceu e perguntou:

- Quem é você? E o que deseja de mim?

Mas ele não respondeu, pois estava segurando a presa com os dentes.

A mulher então voltou a sua forma humana até os peitos, mas continuou sem ter a resposta de Yo Buié.

Resolveu então tomar forma inteiramente humana, da cabeça aos pés.

- Bem, disse. Agora diga-me o que quer de mim. Por que não me solta para conversarmos feito gente?
Yo Buié explicou então que tinha visto ela e a anta fazendo amor e que a partir daí passou a desejar ela para mulher.

- Por que pegou-me pela força em vez de falar claro comigo? Olhe, você me fez derramar toda a caiçuma.

Então ela pegou o que restava dentro do tibungo e fez ele beber, enquanto carinhosamente livrava-se dele. Depois eles repousaram um pouco e acariciando Yo, a mulher perguntou:

- Quem é você? Tem mulher e filhos?

- Não, mentiu ele. Não tenho família.

- Então, por que você não fica comigo? Eu serei sua mulher e teremos muitos filhos. Levarei você comigo para minha casa.

Ela colheu em seguida todos os tipos de ervas e fez delas um suco. Depois derramou nos olhos, orelhas e em todas as juntas do corpo de Yo buié Nawa Tarani.

Então a mulher disse: Segure nos meus cabelos!

E os dois mergulharam no lago. Chegando lá no fundo, encontraram uma roça de bananeiras e uma casa onde a mulher vivia com seus parentes. Eram as cobras e serpentes, habitantes do lago.

Porém, antes de entrar na aldeia, a mulher disse a Yo Buié:

- Esconda-se aqui e espere-me, que eu vou prevenir meus parentes de sua chegada e explicar a eles que você é meu marido. Não tenho medo que voltarei logo.

O homem ficou só, ouvindo os barulhos estranhos e assustadores que saíam das águas do lago. Eram as cobras gigantes agitando-se ao redor da mulher. Rapidamente ela apareceu, tomou Yo Buié pela mão e apresentou-o como seu marido na grande casa dos habitantes do lago. E deste dia em diante Yo Buié e a mulher-cobra passaram a viver juntos como marido e mulher.

Algum tempo depois, as cobras e serpentes do lago resolveram tomar cipó. Yo Buié perguntou a sua mulher se ela também iria tomar cipó.

- É claro, disse ela.

- E eu, poderei também?

- Não, por que você terá muito medo. Você verá cobras e serpentes e pensará que elas querem te devorar. Então você gritará como um louco. Não se meta com isso. São nossos costumes e não os seus.

Mas Yo Buié insistiu tanto que terminaram por aceitar ele no círculo de cobras para tomar o cipó.

Logo nas primeiras mirações, Yo Buié se pôs a gritar “Socorro, as cobras querem me engolir!”

Na mesma hora sua mulher se transformou em cobra, enrolou-se carinhosamente nele, aproximou a cabeça de sua orelha direita e cantou docemente. A sua sogra aproximou-se e fez o mesmo, cantando em sua orelha esquerda. Enfim, seu sogro se enrolou nos três e, balançando seu rosto na frente de Yo Buié, acompanhou também a canção.

Um dia quando eles repousavam em suas redes, as frutas do genipapo roídas começaram a cair dentro do lago e a anta estava de volta.

Como a jovem mulher não respondeu a seus apelos, a anta entrou na água, mergulhou e permaneceu debaixo da água muito tempo, como aliás faz até hoje. Assim mergulhada, a anta chegou bem perto da roça. A sogra de Yo Buié foi então a seu encontro explicar que sua filha não era mais livre. Pediu para a anta parar de procurar sua filha, e a anta não insistiu mais.

A vida seguiu muito feliz debaixo das águas. Os esposos tiveram quatro filhos: dois meninos e duas meninas.
Neste mesmo lago vivia Iskin, um pequeno peixe encouraçado. Um dia, Iskin foi nadando até um igarapé formado pelas águas do lago e encontrou na margem a antiga mulher de Yo Buié. Esta acreditava estar viúva e não parava de reclamar a falta de seu marido. Com tantos filhos para criar, ela sobrevivia com a ajuda de seus parentes e amigos da aldeia.

Nesse dia ela tinha ido ao igarapé para tentar pegar algum peixe com as mãos, como fazem as mulheres. E enquanto pescava, chorava alto, contando detalhe por detalhe de sua desgraça. Nisso, ela quase pegou Iskin pela barbatana de couro que protégé sua cabeça.

Ah! Gritou Iskin, jogando seu corpo para trás. E se ele conseguiu escapar da mulher, foi com o preço de deixar sua barbatana presa entre os dedos dela.

Quando ela se afastou, Iskin voltou ao lago. Ele não estava nada satisfeito com o que tinha ouvido. Foi direto onde estava Yo Buié para jogar sua raiva sobre ele.

- O que é que você está fazendo aqui no lago? Gritou Iskin. Você nunca nos falou de sua outra família que está morrendo de fome na terra. Eu encontrei sua mulher. E foi ela quem arrancou minha barbatana! E talvez você nem saiba, mas ela e seus filhos da terra estão todos morrendo de fome, vivendo com a ajuda dos amigos. E você aqui, dando de comer às pessoas que não são nem da sua espécie.

Yo Buié então abaixou a cabeça e compreendeu todo o mal que tinha feito à sua família da terra.

Mas como farei para sair daqui? Suspirou ele. Se eu não posso nem mais viver ao ar livre?

- Eu vou te ajudar, disse Iskin. Mas prometa para mim que não dirá nada a ninguém.

- Prometo, disse Yobuié.

Então Iskin colheu muitas ervas e jogou suco nas orelhas, olhos e em todas as juntas do corpo de Yobuié. Depois, levou ele até as margens do lago. Em seguida, Iskin abandonou o lago e foi viver no leito de um rio.
Quando Yobuié chegou à sua aldeia, foi logo recebido com espanto de alegria por todos. ”Eu pensava que você estava morto há muito tempo!” Disse sua mulher.

- Não, eu não estava morto. Foram as cobras que me raptaram e me prenderam entre elas. Hoje é que consegui fugir. Esconda-me porque tenho medo delas virem me buscar.

Yobuié pendurou sua rede no ponto mais alto da casa e foi dormir meio assustado.Então as águas do lago começaram a se agitar e transbordaram em ondas que iam uma a uma inundando a aldeia.

As cobras apareceram na superfície para chamar Yobuié. Como ele não aparecia, sua família do lago terminou por voltar para o fundo das águas que por fim baixaram ao nível normal.

Era a família das cobras que desta vez estava triste e com dificuldades, sentindo a falta de Yobuié.

Depois de algum tempo escondido lá em cima em sua rede, Yobuié resolveu ir caçar para ajudar a sua família da terra, que sentia fome. Pegou seu arco e flecha e se arrumou para sair. Sua mulher, com medo, fez todo o esforço para ele desistir da idéia.

- Não tenha medo, dizia Yobuié.

E ele partiu para caçar. A primeira caça que avistou foi um pássaro de crista vermelha.

Atirou uma flecha, mas o pássaro voou. A flecha foi então cair na água a dois metros da margem do lago. E Yobuié resolveu ir buscar de qualquer maneira.Logo que pôs os pés na água, deu de cara com uma de suas filhas cobras ”Você aqui?”Mas sua filha não respondeu. E com muita raiva perguntou “por que você abandonou minha mãe, meus outros irmãos, meus avós e eu?”

E como seu pai, de cabeça baixa, não deu resposta, ela gritou:

- Já que é assim, nós vamos comer você todinho, papai.

E a filha cobra atacou o pé de Yobuié, mas como era muito pequena ainda, não conseguiu comer mais que o dedão. Seu pai ficou paralisado de dor. Ela então chamou seus irmãos para ajudar a comer seu pai.

E ferozmente eles tentaram comer Yobuié, mas não conseguiram nem mesmo engolir metade de seu pé com suas gargantas pequeninas de filhotes.

Chegou então sua mulher, que conseguiu, cheia de raiva, devorar Yobuié até a metade das pernas.

Então deu lugar à sua sogra, cobra gigante, que num só bote devorou seu genro até a cintura. Quando o sogro chegou, antes de começar a comer seu genro, fez as devidas reprovações ao gesto de Yobuié. Este não conseguiu responder e, envergonhado, ficou de cabeça baixa.

Foi então que chegaram seus parentes da terra, preocupados com sua demora. Como fazer para livrar Yobuié? Pensaram eles. Se atirarmos flechas nas cobras, acabaremos por matar ele também.

- Ah, já sei, disse um deles. Vamos esmagar o rabo da cobra, ela acabará por abandonar Yobuié.

E assim foi feito. A cobra ferida fugiu e os homens puderam ainda salvar Yobuié e levar ele para a aldeia. Mas daquele dia em diante, ele ficou paralítico dos ombros para baixo.

Pouco tempo depois, sentindo-se enfraquecido e próximo da morte, Yobuié reuniu em redor seus parentes e amigos.

- Enquanto eu estava debaixo das águas, as cobras me ensinaram a preparar e tomar esta bebida que é o cipó. Eu não quero morrer sem passar para vocês o meu segredo:

- Corram à mata e juntem todos os cipós que encontrarem.

E todos partiram, e quando voltaram, vinham carregados de muitas espécies de cipós.Yobuié examinou cada cipó, dizendo “Não é este!” Até que por fim ele gritou ”É esse aqui!” Por sorte haviam encontrado um pedaço do verdadeiro cipó.Yobuié disse ainda: “Isto não é suficiente. Tragam-me agora as folhas de todas as árvores pequenas que vocês encontrarem na mata.”

E a busca recomeçou. O doente examinava com muita paciência todas as folhas que eram trazidas e suspirava: “Não, ainda não é esta!”

Até que um dia ele gritou: “É esta aqui!” E ele mostrou a folha do arbusto que chamamos Cauá (ou chacrona).

Nosso antepassado amassou então os talos do cipó, meteu-os numa panela com água e juntou as folhas e pôs os dois para ferver.

Após o cozimento, era coado e posto para esfriar. À noite,eles se reuniram todos, beberam a bebida e tiveram muitas mirações!

Ao saírem daquele estado provocado pela bebida, Yobuié disse:

- Eu tive a miração da minha morte bem próxima.

E três dias depois Yobuié morreu.

FRÓES, Vera. Santo Daime. Cultura amazônica. História do povo Juramidã. Manaus: SUFRAMA, 1986.