sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O Não fazer


- Já lhe disse que o segredo de um corpo forte não está no que você faz com ele, mas no que não lhe faz - falou, por fim.
- Agora, chegou a hora de você não fazer o que faz sempre. Fique aqui sentado até partirmos e não faça.
- Não estou entendendo, Dom Juan.
Pôs as mãos sobre meus apontamentos e os tirou de mim. Cuidadosamente, fechou as páginas de meu caderno, prendeu-o com seu elástico e depois atirou-o como um disco dentro do chaparral.
Fiquei chocado e comecei a protestar, mas ele tapou minha boca com a mão. Apontou para um arbusto grande e disse-me que fixasse a atenção não nas folhas, mas nas sombras das folhas. Disse que correr no escuro não precisava de ser provocado pelo temor, e podia ser uma reação muito natural de um corpo jubilante que sabia o que “não fazer”. Ficou repetindo em meu ouvido direito que "não fazer o que eu sabia como fazer" era a chave do poder. No caso de olhar para uma árvore, o que eu sabia como fazer era focalizar imediatamente a folhagem. As sombras das folhas ou os espaços entre as folhas nunca me ocupavam. Suas últimas advertências foram para começar a focalizar as sombras das folhas de um único galho e depois, aos poucos, passar a toda a árvore e não deixar que meus olhos voltassem para as folhas, pois o primeiro passo propositado para armazenar o poder pessoal era permitir ao corpo “não fazer”.
Talvez fosse devido à minha fadiga ou excitação nervosa, mas fiquei tão absorto nas sombras das folhas que, quando Dom Juan se levantou, eu conseguia quase agrupar as massas escuras de folhagens tão bem como eu normalmente agrupava a folhagem. O efeito geral era espantoso. Eu disse a Dom Juan que gostaria de me demorar mais. Ele riu e deu um tapinha em meu chapéu.
- Já lhe disse - falou ele. - O corpo gosta de coisas como esta.
Depois, explicou que eu devia deixar que meu poder armazenado me guiasse pelas moitas até meu caderno. Empurrou-me delicadamente para o chaparral. Andei a esmo por um momento e depois encontrei-o. Pensei que, subconscientemente, eu devia estar lembrado da direção em que Dom Juan o atirara. Esclareceu o fato, dizendo que eu fora diretamente ao caderno porque meu corpo estivera mergulhado durante horas em “não fazer”.
Viagem a Ixtlan, pág. 172

- Veja como muda a luz do Sol - disse ele.
Sua voz era clara. Assemelhava-se à água, fluida e morna.
O céu estava inteiramente limpo de nuvens para o oeste e o Sol estava espetacular. Talvez o fato de Dom Juan estar-me dando sugestões tornasse o brilho amarelado do Sol da tarde realmente magnífico.
- Deixe que esse fulgor o acenda - disse Dom Juan. - Antes de o Sol se pôr hoje, você tem de estar perfeitamente calmo e resta­belecido, pois amanhã ou depois você vai aprender a não fazer
- Aprender a não fazer o quê? - perguntei.
- Não pense nisso agora - respondeu. - Espere até estarmos naquelas montanhas de lava. - E apontou para uns picos distantes, serrilhados e ameaçadores, na direção do norte.
Viagem a Ixtlan, pág. 175

Eu estava escrevendo minhas impressões das vizinhanças quando Dom Juan, depois de um longo silêncio, falou num tom dramático.
- Eu o trouxe aqui para lhe ensinar uma coisa - disse ele. - Você vai aprender a não fazer. Mais vale falar a respeito porque não há outro meio de você prosseguir. Achei que você poderia pegar o não fazer sem eu ter de dizer nada. Mas enganei-me.
- Não sei de que está falando, Dom Juan.
- Não faz mal. Vou dizer-lhe uma coisa que é muito simples, mas muito difícil de fazer; vou falar-lhe sobre não fazer, a despeito do fato de não haver meio de falar sobre isso, pois é o corpo que o faz.
Olhou de relance e depois disse que eu tinha de prestar a maior atenção ao que ele ia falar. Fechei o caderno, mas, para assombro meu, ele insistiu para eu continuar a escrever.
- Não fazer é tão difícil e tão possante que você nem deve mencioná-lo - continuou ele. - Só pode fazê-lo quando tiver parado o mundo; só então é que você pode falar a respeito livremente, se é isso que você quer.
Dom Juan olhou em volta e apontou para uma pedra grande. - Aquela pedra ali é uma pedra por causa de fazer – disse ele.
Nós nos olhamos e ele sorriu. Esperei uma explicação, mas ele ficou calado. Por fim, tive de falar que não havia entendido o que ele queria dizer.
- Isso é fazer! - exclamou.
- Como?
- Isso também é fazer
- De que é que está falando, Dom Juan?
- Fazer é o que torna aquela pedra uma pedra e um arbusto um arbusto. Fazer é o que torna você você e eu eu.
Disse-lhe que a explicação dele não esclarecia coisa alguma. Ele riu e coçou as têmporas.
- É este o problema de se falar - disse ele. - Sempre faz a gente confundir as questões. Se a gente começa a falar a respeito de fazer, sempre se acaba abordando outro assunto. É melhor apenas agir
"Tome aquela pedra, por exemplo. Olhar para ela é fazer, mas vê-la é não fazer"
Tive de confessar que as palavras dele não estavam fazendo sentido para mim.
- Mas fazem, sim! - exclamou. - Mas você está convencido do contrário porque isso é você fazendo. É assim que você age em relação a mim e ao mundo. - Tornou a apontar para a pedra.
- Aquela pedra é uma pedra por causa de todas as coisas que você sabe fazer em relação a ela - continuou. - Chamo isso de fazer. Um homem de conhecimento, por exemplo, sabe que aquela pedra só é uma pedra por causa de fazer, de modo que, se não quiser que a pedra seja uma pedra, basta ele não fazer. Entende o que eu digo?
Eu não estava entendendo nada. Ele riu e fez uma nova tentativa para explicar
- O mundo é o mundo porque você conhece o fazer necessário para torná-lo o mundo - disse ele. - Se você não soubesse o seu fazer, o mundo seria diferente.
Examinou-me com curiosidade. Parei de escrever. Só queria escutá-lo. Continuou a explicar que, sem esse certo "fazer", não haveria nada de conhecido naquele ambiente.
Viagem a Ixtlan, pág. 178

- Digo que você torna isto uma pedrinha porque conhece o fazer necessário para isso - falou. - Agora, para poder parar o mundo você tem de parar de fazer.
Ele parecia saber que eu continuava sem entender e sorriu, sacudindo a cabeça. Depois, pegou um galhinho e apontou para a borda irregular da pedrinha.
- No caso desta pedrinha - continuou - a primeira coisa que fazer lhe faz é diminuí-la até este tamanho. Por isso, a coisa certa a fazer, o que um guerreiro faz quando quer para o mundo, é aumentar a pedrinha, ou qualquer outra coisa, não fazendo.
Levantou-se e colocou a pedrinha num rochedo e depois disse que eu me aproximasse para examiná-la. Recomendou que eu olhasse para os buracos e depressões da pedrinha e tentasse distinguir seus mínimos detalhes. Falou que, se eu conseguisse distinguir os detalhes, os buracos e depressões desapareceriam e eu entenderia o que significa não fazer.
- Esse raio de pedrinha ainda vai deixá-lo maluco hoje - disse ele.
Viagem a Ixtlan, pág. 179

- Fazer o leva a separar a pedrinha da pedra maior - continuou. - Se quiser aprender a não fazer, digamos que você tem de uni-las.
Apontou para a sombrinha que a pedrinha lançava na pedra grande e disse que não era uma sombra, e sim uma cola que ligava as duas. Depois, virou-se e afastou-se, dizendo que mais tarde me viria controlar.
Fiquei olhando para a pedrinha por muito tempo. Não conseguia focalizar minha atenção nos mínimos detalhes dos buracos e depressões, mas a pequena sombra que a pedrinha lançava sobre a pedra grande tornou-se um ponto muito interessante. Dom Juan tinha razão: era como uma cola. Movia-se e variava. Eu tinha a impressão de que estava sendo espremida de debaixo da pedrinha.
Quando Dom Juan voltou, eu lhe contei o que tinha observado sobre a sombra.
- É um bom começo - disse ele. - Um guerreiro pode descobrir uma porção de coisas através das sombras. - Depois, ele sugeriu que eu pegasse a pedrinha e a enterrasse em algum lugar
- Por quê? - perguntei.
- Está olhando para ela há muito tempo. Ela agora tem alguma coisa de você. Um guerreiro sempre tenta mudar a força de fazer transformando-o em não fazer. Fazer seria deixar a pedrinha por aí, pois não é mais do que uma pedrinha. Não fazer seria proceder com essa pedrinha como se fosse alguma coisa mais do que uma simples pedra. Nesse caso, aquela pedra o absorveu por muito tempo e agora é você, e, sendo assim, não a pode deixar por aí, e tem de enterrá-la.
Se quiser ter poder pessoal, porém, não fazer seria transformar aquela pedra em um objeto de poder.
- Posso fazer isso agora?
- Sua vida não está bastante ajustada para fazer isso. Se você visse, saberia que sua preocupação transformou aquela pedrinha em uma coisa bem sem atrativo; e, portanto, a melhor coisa que você pode fazer é cavar um buraco e enterrá-la e deixar que a terra absorva seu peso.
- Tudo isso é verdade, Dom Juan?
- Dizer que sim ou que não seria fazer. Mas como você está aprendendo a não fazer, devo dizer-lhe que realmente não tem importância se tudo isso é verdade ou não. É aqui que o guerreiro leva vantagem sobre o homem comum. O homem, comum se, importa em saber se as coisas são verdadeiras ou falsas, mas um guerreiro não. Um homem comum procede de maneira específica com as coisas que ele sabe serem verdade e de maneira diversa com o que sabe não ser verdade. Se se supõe que as coisas são verdadeiras, ele age e acredita no que faz. Mas se as coisas são supostamente falsas, ele não quer agir, ou não crê no que faz. Um guerreiro, ao contrário, age em ambos os casos. Se se supõe que as coisas são verdadeiras, ele age a fim de estar fazendo. Se se supõe que as coisas são falsas, ele ainda assim age, a fim de não fazer. Entende o que digo?
- Não. Não estou entendendo nada - respondi.
Viagem a Ixtlan, pág. 180

- Eu estava implicando um pouco com você - disse Dom Juan, quando voltei e tornei a me sentar - Mas sei que, se você não falar, não entende. Falar para você é fazer, mas falar não serve e, se você quiser entender o que eu quero dizer com não fazer, tem de executar um exercício simples. Como estamos interessados em não fazer, não importa que faça o exercício agora ou daqui a dez anos.
Mandou que eu me deitasse e pegou meu braço direito, dobrando-o no cotovelo. Depois, virou minha mão para a palma ficar voltada para a frente; curvou meus dedos, de modo que minha mão ficou na posição de quem está segurando uma maçaneta e depois começou a mover meu braço para a frente e para trás, num movimento circular que parecia o ato de empurrar e puxar uma alavanca presa a uma roda.
Dom Juan disse que um guerreiro executava esse movimento cada vez que queria expulsar alguma coisa de seu corpo, como uma doença ou uma sensação desagradável. A intenção era empurrar e puxar uma força adversa imaginária até a pessoa sentir um objeto pesado, um corpo sólido, opondo-se aos movimentos livres da mão. No caso do exercício, não fazer consistia em repeti-lo até se sentir o corpo pesado com a mão, a despeito do fato de a pessoa não poder acreditar que fosse possível senti-lo.
Comecei a mover o braço e, dali a pouco, minha mão ficou gelada. Comecei a sentir uma espécie de polpa em volta dela. Era como se eu estivesse remando numa substância líquida, pesada e viscosa.
Dom Juan fez um movimento súbito e agarrou meu braço para parar o movimento. Meu corpo todo tremia como se abalado por alguma força oculta. Examinou-me quando me sentei e, depois, andou em volta de mim, antes de tornar a sentar-se onde estava antes.
- Já fez bastante - disse ele. - Pode executar esse exercício em outra ocasião, quando tiver mais poder pessoal.
- Fiz alguma coisa errada?
- Não. Não fazer é só para guerreiros muito fortes e você ainda não tem o poder de lidar com isso. Agora, só vai apanhar coisas horrendas com as mãos. Portanto, faça-o pouco a pouco, até sua mão não ficar mais fria. Quando ficar quente, você chega a poder sentir as linhas do mundo com ela.
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Parou para me dar tempo de perguntar a respeito das linhas. Mas antes de eu ter oportunidade, começou a explicar que havia um número infinito de linhas que nos ligavam às coisas. Disse que o exercício de não fazer que ele acabava de descrever ajudaria a qualquer pessoa a sentir uma linha que saísse da mão que se movia, uma linha que a pessoa poderia colocar ou lançar sempre que quisesse. Dom Juan disse que aquilo não passava de um exercício porque as linhas formadas pela mão não eram suficientemente duráveis para ter um valor real numa situação de fato.
- Um homem de conhecimento utiliza outras partes de seu corpo para produzir linhas duráveis - explicou.
- Que partes, Dom Juan?
- As linhas mais duráveis que o homem de conhecimento produz partem do meio do corpo. Mas ele também as pode fazer com os olhos.
- São linhas de verdade?
- Por certo.
- Pode-se vê-las e tocá-las?
- Digamos que se pode senti-las. A parte mais difícil do modo de vida de um guerreiro é entender que o mundo é uma sensação.
Quando a pessoa está não fazendo, sente o mundo, e o consegue por meio dessas linhas. Ele parou e me examinou com curiosidade. Ergueu as sobrancelhas, abriu os olhos e piscou. O efeito foi como os olhos de uma ave piscando. Quase imediatamente, senti uma sensação de desconforto e repugnância. Era como se alguma coisa estivesse fazendo pressão sobre minha barriga.
- Entende o que digo? - perguntou Dom Juan, desviando o olhar.
Falei que estava com náuseas e ele respondeu, displicentemente, que sabia disso e que estava tentando fazer com que eu sentisse as linhas do mundo com os olhos dele. Eu não podia admitir a idéia de que ele mesmo me estivesse fazendo sentir daquele jeito. Exprimi minhas dúvidas. Eu não podia conceber a idéia de que ele estava causando minha sensação de náusea, pois ele não tinha tido qualquer contato físico comigo.
- Não fazer é muito simples, mas muito difícil - disse ele. - Não é uma questão de entender, mas de dominar a coisa. Ver, naturalmente, é a realização final de um homem de conhecimento, e ver só é conseguido quando a pessoa parou o mundo pela técnica de não fazer.
Sorri, sem querer. Não tinha entendido o que ele queria dizer
- Quando a gente faz alguma coisa com as pessoas - continuou - o interesse devia ser só de apresentar o caso aos corpos delas. E isso que tenho feito com você até agora, deixando que seu corpo saiba. Quem se importa se você entende ou não?
- Mas isso não é justo, Dom Juan. Quero entender tudo, pois, do contrário, vir aqui seria uma perda do meu tempo.
-. Uma perda do seu tempo! - exclamou, imitando meu tom de voz. - Você é mesmo convencido.
Viagem a Ixtlan, pág. 182

A escalada foi um negócio terrível. Era um verdadeiro alpinismo, só que não tínhamos cordas para nos ajudar e proteger. Dom Juan me disse repetidamente que não olhasse para baixo; e teve de me Puxar umas duas vezes, quando comecei a deslizar pela pedra. Eu estava muito vexado porque Dom Juan, tão velho, tinha de me ajudar. Disse-lhe que estava em má forma física porque tinha muita preguiça de fazer exercício. Respondeu que uma vez que a pessoa alcançasse um certo nível de poder pessoal, os exercícios ou qualquer treinamento desse tipo não eram necessários, pois a única coisa que se precisava, para estar numa forma impecável, era empenhar-se em não fazer.
Viagem a Ixtlan, pág. 183

- As sombras são uma coisa estranha - disse ele, de repente.
- Você deve ter notado que há uma que nos segue.
- Não notei nada disso - protestei, em voz alta.
Dom Juan falou que meu corpo havia notado nosso perseguidor, a despeito de minha oposição obstinada; e assegurou-me, num tom de voz confidencial, de que não havia nada de mais em ser seguido por uma sombra.
- E apenas um poder - falou. - Essas montanhas são cheias deles. E tal e qual um daqueles entes que o assustaram na outra noite.
Perguntei se eu podia percebê-la eu mesmo. Respondeu que, de dia, eu só poderia sentir sua presença.
Queria que ele me explicasse por que chamava aquilo uma sombra, quando, obviamente, não era igual à sombra de uma pedra. Respondeu que as duas tinham as mesmas linhas e, portanto, ambas eram sombras.
Apontou para uma grande pedra bem diante de nós.
- Olhe para a sombra daquela pedra - falou. - A sombra é a pedra e, no entanto, não é. Observar a pedra a fim de saber o que é a pedra é fazer, mas observar a sombra é não fazer
"As sombras são como portas, as portas de não fazer. Um homem de conhecimento, por exemplo, sabe dos sentimentos mais íntimos dos homens observando suas sombras."
- Há movimento nelas? - perguntei.
- Pode-se dizer que há movimento nelas, ou pode-se dizer que as linhas do mundo aparecem nelas, ou pode-se dizer que os sentimentos vêm delas.
- Mas como é que os sentimentos podem vir de sombras, Dom Juan?
- Acreditar que as sombras são apenas sombras é fazer - explicou. - Essa idéia é um pouco burra. Pense nisso assim. Há tanto mais em tudo no mundo que, obviamente, deve haver mais nas sombras também. Afinal de contas, o que as torna sombras é apenas o nosso fazer
Ficamos em silêncio por muito tempo. Eu não sabia o que dizer.
Viagem a Ixtlan, pág. 184

Esclareceu suas instruções dizendo que, ao procurar um lugar de repouso, a pessoa tinha de olhar sem focalizar, mas, ao observar as sombras, era preciso olhar atravessado, conservando, porém, focalizada uma imagem nítida. A idéia era deixar que uma sombra se superpusesse à outra, atravessando-se os olhos. Explicou que, por este processo, a pessoa podia verificar uma certa sensação que emanava das sombras. Comentei que suas palavras eram vagas, mas ele garantiu que não havia realmente meio de descrever o que queria dizer
Minha tentativa de fazer o exercício foi vã. Esforcei-me até ficar com dor de cabeça. Dom Juan não ligou a mínima a meu fracasso.
Escalou um pico em forma de domo e gritou lá de cima para eu procurar duas pedras estreitas e compridas. Mostrou com as mãos o tamanho das pedras que queria.
Encontrei dois pedaços de pedra e dei-os a ele. Dom Juan colocou cada pedra em uma fenda, a uma distância de uns 30 centímetros, mandou que eu me postasse por cima delas, virado para o oeste, dizendo para eu fazer o mesmo exercício com as sombras delas.
Dessa vez, a coisa foi totalmente diferente. Quase imediatamente, consegui atravessar os olhos e percebi suas sombras individuais como se estivessem fundidas numa só. Reparei que o fato de olhar sem convergir as imagens dava à sombra única que eu tinha formado uma profundidade incrível e uma espécie de transparência. Fiquei olhando, sem poder acreditar. Cada buraco da pedra, na área em que meus olhos estavam focalizados, era nitidamente distinguível; e a sombra composta, superposta neles, era como uma película de uma transparência indescritível.
Eu não queria piscar, com medo de perder a imagem que estava mantendo tão precariamente. Por fim, meus olhos doloridos me obrigaram piscar mas não perdi em absoluto a visão do detalhe verdade, ao umedecer a córnea, a imagem ficou ainda mais nítida. Nessa altura, reparei que era como se eu estivesse olhando de uma altura imensa para um mundo que eu nunca vira. Também reparei que podia percorrer as vizinhanças da sombra sem perder o foco de minha percepção visual. Então, por um instante, perdi a noção de estar olhando para uma pedra. Senti que estava chegando a um mundo, vasto além de tudo o que jamais eu concebera. Essa percepção extraordinária só durou um segundo e depois tudo se desligou. Automaticamente, ergui os olhos e vi Dom Juan de pé, logo acima das pedras, olhando para mim. Ele tapara o Sol com o corpo.
Descrevi a sensação rara que tivera e ele explicou que fora obrigado a interrompê-la porque "viu" que eu ia me perder nela. Acrescentou que era uma tendência natural em todos nós termos caprichos quando ocorriam sentimentos daquela natureza, e que, cedendo a esse capricho, eu quase tinha transformado não fazer em meu velho conhecido fazer. Disse que o que eu devia ter feito era manter a vista sem sucumbir a ela, pois, de certo modo, fazer era uma maneira de sucumbir.
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Tive de confessar que estava mais aturdido do que nunca com esse não fazer. Os comentários de Dom Juan foram que eu deveria estar satisfeito com o que tinha feito, pois uma vez na vida tinha agido corretamente, que reduzindo o mundo eu o aumentara, e que, embora estivesse longe de sentir as linhas do mundo, havia usado corretamente a sombra das pedras como uma porta para não fazer
A declaração de que eu aumentara o mundo reduzindo-o intrigou-me profundamente. O detalhe da rocha porosa, na pequena área em que meus olhos estavam focalizados, era tão vívido e tão precisamente definido que o topo do pico redondo se tornava um vasto mundo para mim; e, no entanto, era realmente uma visão reduzida da pedra. Quando Dom Juan tapou a luz e eu me encontrei olhando como faria normalmente, o detalhe preciso embaciou-se, os buraquinhos na pedra porosa tornaram-se maiores, a coloração marrom da lava seca tornou-se opaca e tudo perdeu a transparência brilhante que fazia da rocha um mundo verdadeiro.
Dom Juan, então, pegou as duas pedras, colocou-as delicadamente numa fenda profunda e sentou-se de pernas cruzadas virado para oeste, no lugar onde tinham estado as pedras. Bateu num ponto ao lado dele, à esquerda, e mandou que eu me sentasse.
Viagem a Ixtlan, pág. 186

Ficamos calados por muito tempo. Depois, comemos, também em silêncio. Foi só depois que o Sol se pôs que ele, de repente, se virou e me perguntou sobre meus progressos em matéria de "sonhar".
Respondi que tinha sido fácil no princípio, mas que, no momento, eu tinha deixado completamente de encontrar minhas mãos nos sonhos.
- Quando você começou a sonhar, estava usando meu poder pessoal, por isso era mais fácil - disse ele.
- Agora, você está vazio. Mas tem de continuar a tentar até ter suficiente poder seu. Entende, sonhar é o não fazer dos sonhos e, à medida que você progredir em seu não fazer, também progredirá no sonhar. O truque é não deixar de procurar suas mãos, apesar de não acreditar que aquilo que está fazendo tem sentido. Na verdade, como já lhe disse, um guerreiro não precisa acreditar, pois, enquanto continuar a agir sem acreditar, estará não fazendo.
- Nós nos olhamos.
Não há mais nada que lhe possa dizer a respeito de sonhar - continuou ele. - Tudo o que eu possa dizer será apenas não fazer. Mas, se lidar com não fazer diretamente, você mesmo saberá o que fazer no sonhar. Porém, a essa altura, encontrar suas mãos é essencial, e estou certo de que você as encontrará.
- Não sei, Dom Juan. Não confio em mim.
- Não é questão de confiar em ninguém. Tudo isso é assunto da luta de um guerreiro; e você continuará a lutar, se não sob seu próprio poder, então talvez, sob o impacto de um adversário valoroso, ou com o auxílio de alguns aliados, como o que já o está seguindo.
Fiz um movimento brusco e involuntário com o braço direito. Dom Juan disse que meu corpo sabia muito mais do que eu suspeitava, pois a força que nos estava seguindo estava à minha direita. Falou, em voz baixa e confidencial, que, por duas vezes naquele dia, o aliado tinha chegado tão junto de mim que ele tivera de intervir e detê-lo.
- Durante o dia as sombras são as portas de não fazer - disse ele. - Mas, à noite, como muito pouco fazer prevalece no escuro, tudo é sombra, inclusive os aliados. Já lhe falei sobre isso quando lhe ensinei o passo do poder
Ri alto e meu próprio riso me assustou.
"Tudo o que lhe ensinei até agora foi um aspecto de não fazer - continuou ele. - Um guerreiro aplica não fazer a tudo no fundo e, no entanto, não lhe posso dizer mais a respeito do que Já lhe falei hoje. Deve deixar que seu próprio corpo descubra o poder e a sensação de não fazer"
Tive outro acesso de cacarejar nervoso.
“É burrice sua escarnecer dos mistérios do mundo simplesmente porque conhece fazer o escárnio" - disse ele, com uma cara séria.
Falei que não estava escarnecendo de nada ou ninguém, mas que era mais nervoso e incompetente do que ele pensava.
- Sempre fui assim - disse eu. - E, no entanto, quero modificar-me e não sei como. Sou muito inadequado.
- Já sei que você acha que não presta - disse ele. – Isso é seu fazer. Agora, para afetar esse fazer, vou recomendar que você aprenda outro fazer. De hoje em diante, e por um período de oito dias, quero que você minta para si mesmo. Em vez de se dizer a verdade, que você é podre, feio e inadequado, você se dirá que é o oposto, sabendo que está mentindo e que é completamente sem esperança.
- Mas qual a finalidade de mentir assim, Dom Juan?
- Pode prendê-lo a outro fazer e então pode compreender que ambos os fazeres são mentiras, irreais, e que prendê-lo a qualquer deles é uma perda de tempo, pois a única coisa que é real é o ser em você, que vai morrer. Chegar a esse ser é o não fazer do eu.
Viagem a Ixtlan, pág. 186

- Olhe fixamente para ali - disse ele. - O Sol está quase a pino.
Explicou que, ao meio-dia, a luz do Sol poderia ajudar-me a não fazer. Então, deu uma série de ordens: afrouxar todas as roupas ajustadas que eu vestia, sentar-me de pernas cruzadas e olhar atentamente para o ponto que ele determinara.
. Havia muito poucas nuvens no céu e nenhuma para oeste. O dia estava quente e o Sol raiava sobre a lava solidificada. Fiquei olhando fixamente para o lugar determinado.
Depois de uma longa vigília perguntei o que, exatamente, eu deveria procurar. Ele ordenou que me calasse, com um gesto impaciente da mão.
Eu estava cansado. Queria dormir. Cerrei os olhos; eles estavam comichando e eu os esfreguei, mas minhas mãos estavam úmidas e o suor fez meus olhos arderem. Olhei para os picos de lava através de olhos semicerrados e, de repente, toda a montanha se iluminou.
Falei a Dom Juan que, se apertasse os olhos, poderia ver toda a cadeia de montanhas como uma formação complexa de fibras de luz. Ele me disse que respirasse o menos possível, para conservar a visão das fibras de luz e para não olhar intensamente, e sim com naturalidade para um ponto no horizonte bem acima da encosta. Segui suas instruções e consegui conservar a visão de uma extensão interminável coberta por uma teia de luz.
Dom Juan sussurrou baixinho que eu devia tentar isolar as áreas de escuridão dentro do campo de fibras de luz e que, logo depois de encontrar um ponto escuro, eu deveria abrir os olhos e verificar onde ficava aquele ponto na face da encosta.
Eu não conseguia perceber áreas escuras. Apertei os olhos e depois os abri, várias vezes. Dom Juan aproximou-se de mim e apontou para uma área à minha direita e depois para outra, bem defronte de mim. Tentei mudar a posição de meu corpo; pensei que, talvez, se eu mudasse minha perspectiva, conseguiria perceber a suposta área de escuridão para a qual ele estava apontando, mas Dom Juan sacudiu meu braço e me disse, severamente, para ficar quieto e ter paciência.
Voltei a apertar os olhos e tornei a ver a teia de fibras de luz.
Olhei para ela por um momento e, depois, abri mais os olhos. Naquele instante, ouvi um ronco baixinho - podia facilmente ser explicado como o som distante de um avião a jato - e então, de olhos bem abertos, vi toda a cadeia de montanhas diante de mim como um campo enorme de pontinhos de luz. Foi como se, por um breve instante, algumas pintas metálicas na lava solidificada estivessem refletindo o Sol, todas juntas. Depois, a luz do Sol embaciou-se e, de repente, apagou-se; e as montanhas se tornaram uma massa de rocha marrom opaca, ao mesmo tempo que o dia se tornava frio e ventoso.
Viagem a Ixtlan, pág. 189

- Aonde vamos? - perguntei.
Apontou para um dos lugares que ele isolara como sendo um ponto de escuridão. Explicou que não fazer lhe permitira isolar aquele ponto como um possível centro de poder, ou talvez como um local em que se poderia encontrar objetos de poder
Alcançamos o ponto que ele queria depois de uma escalada difícil. Ele ficou imóvel em minha frente por um momento. Tentei aproximar-me dele, mas Dom Juan me fez sinal com a mão para parar. Parecia estar-se orientando. Eu via as costas da cabeça dele se movendo, como se ele estivesse passando os olhos para cima e para baixo das montanhas, e depois, com passos seguros, ele se dirigiu para uma saliência. Sentou-se e começou a limpar um pouco de terra solta da pedra com a mão. Enfiou os dedos em volta de um pedacinho de rocha protuberante, limpando a terra em derredor dele; após, mandou que eu o desencavasse.
Depois que desloquei o pedaço de rocha, ele me disse que o pusesse imediatamente dentro de minha camisa, pois era um objeto de poder, que me pertencia. Disse que me estava dando aquilo para eu guardar e que eu deveria poli-lo e cuidar dele.
Viagem a Ixtlan, pág. 191

- Eu lhes mostrei um pouco do meu não fazer - disse ele, e seus olhos pareciam brilhar.
- Mas nenhum de nós viu o mesmo disfarce - retruquei.
- Como foi que você conseguiu isso?
- É tudo muito simples - respondeu. - Só eram disfarces, pois tudo o que fazemos é, de certo modo, apenas um disfarce. Tudo o que fazemos, como já lhe disse, é uma questão de fazer. Um homem de conhecimento poderia ligar-se ao fazer de qualquer pessoa e aparecer com coisas estranhas. Mas não são estranhas, não realmente.
Só são estranhas para aqueles que estão presos no fazer. Aqueles quatro rapazes e você ainda não estão cientes do não fazer, de modo que foi fácil lograr vocês todos.
- Como é que nos logrou?
- Não adianta explicar. Não há meio de você entender - Experimente, Dom Juan, por favor
- Digamos que, quando cada um de nós nasce, traz consigo um circulozinho de poder. Esse pequeno círculo é posto em uso quase que imediatamente. Assim, cada um de nós já está preso desde que nasce e os nossos círculos de poder são ligados aos de todos os outros. Em outras palavras, os nossos círculos de poder são ligados ao fazer do mundo a fim de formar o mundo.
- Dê um exemplo que eu possa entender
- Por exemplo, nossos círculos de poder, o seu e o meu, estão ligados neste momento ao fazer esta sala. Estamos formando esta sala. Nossos círculos de poder estão girando e formando esta sala neste momento mesmo.
- Espere, espere - disse eu. - Esta sala está aqui sozinha. Não a estou criando. Não tenho nada a ver com ela.
Dom Juan não parecia estar interessado em meu protesto. Assegurou calmamente que a sala em que estávamos era criada e conservada no lugar por causa da força do círculo de poder de todos.
- Entende, - continuou - cada um de nós conhece o fazer de salas porque, de uma maneira ou de outra, já passamos grande parte de nossas vidas nas salas. Um homem de conhecimento, por outro lado, desenvolve outro círculo de poder. Eu o chamaria o círculo de não fazer, pois é ligado a não fazer. Com esse círculo, portanto, ele pode fazer girar outro mundo.
Uma jovem garçonete trouxe a comida e pareceu estar meio desconfiada a nosso respeito. Dom Juan disse que eu deveria pagar--lhe para mostrar que tinha dinheiro suficiente.
- Ela não tem culpa de não confiar em você - falou, dando uma gargalhada. - Você está com uma cara dos diabos.
Paguei à mulher e dei-lhe uma gorjeta e, quando ela nos deixou sozinhos, olhei para Dom Juan, procurando um meio de pegar de novo o fio da conversa. Ele me ajudou.
- O problema com você é que ainda não desenvolveu seu círculo de poder extra e seu corpo não conhece o não fazer - disse ele.
Não entendi o que ele disse. Minha mente estava fixa numa preocupação prosaica. Eu só queria saber se ele tinha ou não vestido a roupa de pirata.
Dom Juan não respondeu, mas riu bastante. Pedi que ele explicasse.
- Mas acabei de lhe explicar - retrucou.
- Quer dizer que não vestiu nenhuma fantasia? - perguntei.
- Só o que fiz foi ligar meu círculo de poder a seu próprio fazer. Você mesmo fez o resto e os outros também.
- Nós todos fomos ensinados a concordar sobre fazer – disse ele baixinho. - Você não tem idéia do poder que essa concordância acarreta. Mas, felizmente, não fazer é igualmente milagroso e poderoso.
Viagem a Ixtlan, pág. 197

- Porque, naquele momento, eles tinham sido tocados pelo poder de não fazer e, como não são tão burros quanto você, trans­formaram-se em coisa muito diferente do que você conhece. Não quis que olhasse para eles por este motivo. Só lhe teria prejudicado.
Eu não tinha mais perguntas. Nem estava com fome. Dom Juan comeu com vontade e parecia estar de ótimo humor. Mas eu estava deprimido. De repente, um cansaço tremendo se apossou de mim. Compreendi que o caminho de Dom Juan era penoso demais para mim. Comentei que eu não tinha as qualificações para me tornar feiticeiro.
Viagem a Ixtlan, pág. 199

- Você é muito esperto - disse ele por fim. - Volte para onde sempre esteve. Mas dessa vez você está liquidado. Não tem para onde voltar. Não lhe vou explicar mais nada. O que Genaro lhe fez ontem, fez a seu corpo, por isso deixe seu corpo resolver como são as coisas.
O tom de voz de Dom Juan era amistoso mas singularmente indiferente e aquilo me deu uma tremenda sensação de solidão. Exprimi minha tristeza. Ele sorriu. Seus dedos pegaram de leve a parte de cima de minha mão.
- Nós dois somos seres que vamos morrer - disse ele, baixinho. - Não há mais tempo para o que costumávamos fazer. Agora, tem de usar todo o não fazer que lhe ensinei e parar o mundo.
Tornou a pegar minha mão. Seu toque era firme e amistoso; era como uma reafirmação de que ele se interessava e tinha afeição por mim e, ao mesmo tempo, me dava a impressão de um propósito inabalável.
- Este é meu gesto por você - falou, conservando-se agarrado a minha mão por um instante. - Agora, tem de ir sozinho para aquelas montanhas amigas. - Apontou com o queixo para a cadeia de montanhas distante, para sudeste.
Disse que eu teria de ficar lá até meu corpo me mandar parar e então voltar para casa dele. Deixou-me saber que não queria que eu dissesse qualquer coisa, nem esperasse mais, empurrando-me delicadamente na direção de meu carro.
- O que devo fazer lá? - perguntei.
Ele não respondeu, e ficou olhando para mim, sacudindo a cabeça.
- Isso já acabou - disse ele por fim. Em seguida, apontou o dedo para sudeste. - Vá para lá - concluiu, com rispidez.
Viagem a Ixtlan, pág. 229

- Depois que o aprendiz recebe sua tarefa de feitiçaria, está pronto para outro tipo de instrução - continuou ele. - Aí ele é um guerreiro. No seu caso, como você não era mais aprendiz, eu lhe ensinei as três técnicas que ajudam a sonhar: romper as rotinas da vida, o passo do poder, e não-fazer. Você era muito constante, burro como aprendiz e burro como guerreiro. Anotava conscienciosamente tudo o que eu dizia e tudo o que lhe acontecia, mas não agia exatamente conforme eu mandava. De modo que eu ainda tinha de bombardeá-lo com plantas de poder.
Dom Juan então deu-me uma descrição detalhada de como desviar a minha atenção de sonhar, fazendo-me acreditar que o problema importante era uma atividade muito difícil que ele chamara de não-fazer, que consistia de um jogo de percepção, de focalizar a atenção em coisas do mundo que normalmente são desprezadas, tais como as sombras das coisas. Dom Juan disse que a sua estratégia fora destacar o não-fazer, impondo a isso o maior segredo.
- Não-fazer, como tudo o mais, é uma técnica muito importante, mas não era o ponto principal- disse ele. - Você foi atraído pelo segredo. Você, uma língua de trapo, ter de guardar um segredo
Ele riu e disse que podia imaginar o trabalho que eu devia ter tido para ficar de boca calada.
Explicou que romper as rotinas, o passo do poder e não-fazer eram alamedas para aprender novos meios de perceber o mundo, e que davam ao guerreiro um vislumbre de incríveis possibilidades de ação. A idéia de Dom Juan era que o conhecimento de um mundo separado e pragmático de sonhar era possibilitado pelo uso dessas três técnicas.
Porta para o Infinito, pág. 220

- Dom Juan lhes contou mais algumas coisas sobre as pirâmides, Pablito? - perguntei.
Minha intenção era desviar a conversa sobre a questão específica das Atlantas e ao mesmo tempo ficar próximo dela.
- Disse que uma certa pirâmide lá em Tula era uma guia replicou Pablito ansiosamente.
Pelo tom da sua voz deduzi que ele realmente queria falar. E a atenção dos outros aprendizes me convenceu de que, dissimuladamente, todos queriam trocar opiniões.
- O nagual disse que era uma guia da segunda atenção - continuou Pablito - mas que foi explorada e que destruíram tudo. Ele me falou que algumas pirâmides eram gigantescos lugares de não fazer. Não eram moradas, mas lugares dos guerreiros desenvolverem seus sonhos e exercitarem sua segunda atenção. O que quer que fizessem era registrado em desenhos e figuras nas paredes.
Depois, uma nova espécie de guerreiro deve ter aparecido, uma espécie que não aprovava o que os feiticeiros da pirâmide tinham feito com a segunda atenção, e destruíram a pirâmide com tudo o que havia dentro.
"O nagual acreditava que os novos guerreiros deviam ser guerreiros da terceira atenção, como ele próprio era; guerreiros que ficavam horrorizados com o mal da fixação da segunda atenção. Os feiticeiros das pirâmides estavam ocupados demais com sua fixação para perceberem o que estava acontecendo. Quando perceberam, era tarde demais.”
Pablito tinha uma platéia. Todos na sala, inclusive eu, estavam fascinados com o que ele dizia. Compreendi as idéias que ele apresentava porque Dom Juan já as tinha explicado a mim.
Tinha dito que nosso ser total consiste em dois segmentos perceptíveis. O primeiro é o corpo físico conhecido que todos nós podemos perceber; o segundo é o corpo luminoso, um casulo que só os videntes conseguem perceber, um casulo que nos dá a aparência de ovos luminosos gigantescos. Tinha dito também que uma das metas mais importantes da feitiçaria é alcançar o casulo luminoso, uma meta que é conseguida pelo uso sofisticado do "sonho" e por um empreendimento rigoroso e sistemático a que ele dava o nome de não fazer. Definia o não fazer como um ato pouco familiar, que envolve todo o nosso ser ao forçá-lo a se tornar consciente do seu segmento luminoso.
A fim de explicar esses conceitos, Dom Juan fez uma divisão de três partes desiguais da nossa consciência. Chamou à menor "primeira atenção", a consciência que toda pessoa normal desenvolve, a fim de lidar com o mundo diário; ela abrange o conhecimento do corpo físico. À outra parte maior deu o nome de "segunda atenção", o conhecimento de que precisamos para perceber nosso casulo luminoso e para agir como seres luminosos. Disse que a segunda atenção permanece como pano de fundo durante toda a nossa vida, a não ser que seja transportada através de treinamento deliberado ou por um trauma acidental, e que ela abrange o conhecimento do nosso corpo luminoso. Chamou à última parte, a maior, de "terceira atenção", uma consciência incomensurável que envolve aspectos indefiníveis do conhecimento dos corpos físico e luminoso.
Perguntei-lhe se ele próprio tinha experimentado a terceira atenção. Ele respondeu que estava na sua periferia, e que se entrasse nela completamente eu saberia no mesmo instante, pois ele todo se tornaria o que era na realidade, uma explosão de energia. Acrescentou que o campo de batalha dos guerreiros era a segunda atenção, uma
espécie de campo de treinamento para atingir a terceira atenção. Era um estado bem difícil de se chegar, mas muito frutificante quando atingido.
- As pirâmides são nocivas - continuou Pablito. - Especialmente para feiticeiros desprotegidos como nós. São ainda piores para guerreiros sem forma como La Gorda. O nagual disse que não há nada mais perigoso que a fixação do mal da segunda atenção. Quando os guerreiros aprendem a focalizar o lado fraco da segunda atenção nada é empecilho para eles. Tornam-se caçadores de homens, vampiros. Mesmo depois de mortos podem atingir sua presa através do tempo, como se estivessem presentes aqui agora; e nos transformamos em presas se entramos numa daquelas pirâmides. O nagual chamou-as de ciladas da segunda atenção.
O Presente da Águia, pág. 19

Ele enfatizou que todas as ruínas arqueológicas do México, especialmente as pirâmides, eram nocivas ao homem moderno. Descreveu as pirâmides como expressões estranhas de pensamento e ação. Disse que todos os itens, todos os desenhos delas, eram um esforço calculado de recordar aspectos de atenção que eram completamente estranhos a nós. Para Dom Juan não só as ruínas das culturas do passado continham um elemento perigoso; qualquer coisa que fosse o objeto de uma preocupação obsessiva tinha um potencial nocivo.
Ele discutira isso detalhadamente uma vez. Foi uma reação que teve a uns comentários que eu fiz sobre não saber onde guardar minhas notas de campo com segurança. Eu as via de uma maneira muito obsessiva, e estava obcecado com a segurança delas.
- O que eu devo fazer? - tinha perguntado a ele.
- Genaro uma vez lhe deu uma solução - respondera ele.
-Você pensou, como sempre pensa, que ele estava brincando. Ele nunca brinca. Disse que você deveria escrever com a ponta dos dedos em vez de escrever a lápis. Você não o levou a sério sobre isso porque não pode imaginar que este seja o não fazer de tomar notas.
Eu argumentei que o que ele estava propondo tinha de ser uma brincadeira. Minha auto-imagem era a de um cientista social que precisava registrar tudo que era dito e feito a fim de chegar a conclusões verificáveis. Para Dom Juan uma coisa não tinha nada a ver com a outra. Ser um estudante sério não tinha nada a ver com possessividade. Eu pessoalmente não conseguia ver uma solução; certamente a sugestão de Dom Genaro me parecia humorística e não uma possibilidade real.
Dom Juan argumentou novamente. Disse que tomar notas era um modo de envolver a primeira atenção na tarefa de se lembrar, e que eu tomava notas a fim de me lembrar do que era dito e feito. A recomendação de Dom Genaro não era uma brincadeira, pois escrever com a ponta do meu dedo num pedaço de papel, como não fazer de tomar notas, forçaria minha segunda atenção, a focalizar a minha lembrança sem acumular folhas de papel. Dom Juan achava que o resultado final seria mais preciso e de mais valor que tomar notas. Nunca tinha sido feito, ao que ele soubesse, mas o princípio era sólido.
Pressionou-me a fazer isso por algum tempo. Eu fiquei perturbado. Tomar notas não só funcionava como um método mnemônico como também me acalmava. Era minha mania mais construtiva. Acumular folhas de papel me dava uma sensação de objetivo e equilíbrio.
- Quando você se preocupa com o que fazer com as suas folhas - explicou Dom Juan - está focalizando uma parte muito perigosa de você mesmo nelas. Todos nós temos esse lado perigoso, essa fixação. Quanto mais forte ficamos, mais perigosa essa parte se torna. A recomendação para os guerreiros é não ter nenhuma coisa material na qual focalizar seu poder, mas focalizá-lo no espírito, no verdadeiro vôo ao desconhecido, e não em campos triviais. No seu caso, suas notas são o seu escudo. Elas não o deixarão viver em paz.
Senti seriamente que não tinha nenhum modo possível de me dissociar das minhas notas. Dom Juan então concebeu uma tarefa para mim em lugar do não fazer característico. Disse que, para alguém tão altamente possessivo como eu, o modo mais apropriado de me libertar do meu caderno de natas seria desmantelá-lo, jogá-lo pelos ares e escrever um livro. Pensei, naquela época, que aquilo era uma brincadeira maior que a de tomar notas com a ponta dos dedos.
- Sua compulsão em possuir e se prender a essas coisas é única - disse ele. - Todo mundo que quer seguir os passos de guerreiro, o caminho de feiticeiro, tem de se livrar da sua fixação. Meu benfeitor me disse que houve uma época em que os guerreiros tinham objetos materiais nos quais colocar sua obsessão. E isso suscitou a questão de quem teria o objeto mais poderoso, ou seria o mais poderoso de todos eles. Os remanescentes desses objetos ainda existem no mundo, as sobras daquela raça que almejava o poder. Ninguém pode dizer que espécie de fixação esses objetos podem ter recebido. Homens infinitamente mais poderosos que você despejaram todos os aspectos de sua atenção neles. Você apenas começou a despejar sua preocupação insignificativa nessas suas anotações. Ainda não chegou a outros níveis de atenção. Pense como seria horrível se se encontrasse no final de sua trilha como um guerreiro ainda carregando todos os seus pacotes de notas nas costas. Àquela altura as notas estarão vivas, especialmente se você aprender a escrever com a ponta dos dedos e ainda tiver de empilhar folhas de papel. Nessas condições eu não ficaria nada surpreso se alguém encontrasse seus pacotes andando por aí.
O Presente da Águia, pág. 22

Don Juan tinha me descrito o sonho de várias maneiras. A mais obscura delas todas me parece agora ser aquela que o define do melhor modo. Ele disse que o sonho é intrinsecamente o não fazer de dormir.
Um não fazer básico designado a ajudar o sonho, era o não fazer de falar, chamado "parar o diálogo interno". Os dois se combinam no sentido de que parar o diálogo interno traz a paz necessária e descansa a mente dos praticantes, e isso por sua vez ajuda-os a controlar seus sonhos. Como o não fazer de dormir, o sonho dá aos praticantes a utilização daquela porção de suas vidas gastas no cochilo. É como se os sonhadores não mais dormissem. Mesmo assim não há mal nisso. Os sonhadores não sentem falta de sono, mas o efeito de sonhar parece ser o aumento do tempo através do uso de um pretenso corpo extra, o corpo sonhador.
Dom Juan explicou-me que o corpo sonhador é às vezes chamado de "o sósia" ou "o outro", porque é uma réplica perfeita do corpo do sonhador. É basicamente a energia de um ser luminoso, um esbranquiçado, uma emanação fantasmagórica, que é projetada pela fixação da segunda atenção numa imagem tridimensional do corpo. Explicou que o corpo sonhador não é um fantasma; é tão real quanto qualquer coisa com que lidamos no mundo. Disse que a segunda atenção é inevitavelmente levada a focalizar sobre nosso ser total como um campo de energia, e que transforma essa energia em qualquer coisa apropriada. A coisa mais fácil é, naturalmente, a imagem do corpo físico com o qual já estamos perfeitamente familiarizados em nossa vida diária, através do uso da nossa primeira atenção. O que canaliza a energia do nosso ser total a produzir qualquer coisa que esteja dentro dos limites de possibilidades é conhecido como "vontade". Dom Juan não sabia dizer quais eram esses limites, a não ser que a nível dos seres luminosos os parâmetros são tão amplos que é bobagem tentar estabelecer limites; desta forma a energia de um ser luminoso pode ser transformada, através da vontade, em qualquer coisa.
- O nagual disse que o corpo sonhador se envolve e se prende a qualquer coisa - disse Benigno. - Ele não tem sentido. Disse-me que os homens são mais fracos que as mulheres porque o corpo sonhador do homem é mais possessivo.
O Presente da Águia, pág. 24

Uma noite sentamo-nos e muito casualmente começamos a discutir o que sabíamos sobre o sonho. Tornou-se óbvio para nós que havia alguns assuntos-chave aos quais Dom Juan dera ênfase especial.
Primeiro era o ato de sonhar. Na nossa opinião ele começava como um estado de consciência único, ao qual se chegava aprendendo a focalizar o resíduo de consciência que a pessoa ainda tem enquanto dorme, sobre os elementos ou os detalhes dos sonhos da pessoa.
O resíduo de consciência, a que Dom Juan chamava segunda atenção, era levado à ação, ou era aproveitado através de exercícios do não fazer. Achávamos que o não fazer essencial do sonho era um estado de quietude mental, ao qual Dom Juan chamava de "parar o diálogo interno", ou o não fazer de falar. A fim de me ensinar como manejá-lo ele costumava me fazer andar quilômetros com os olhos fixos e fora de foco a um nível logo ao fim da linha do horizonte, permitindo assim que eu tivesse uma visão periférica. Seu método era eficiente por dois motivos: permitia-me parar meu diálogo interno depois de ter tentado durante anos, e treinava minha atenção. Forçando-me a concentrar-me na minha visão periférica, Dom Juan reforçava minha capacidade de me concentrar por longo tempo em uma única atividade.
Mais tarde, quando eu tinha conseguido controlar minha atenção e podia trabalhar durante horas em qualquer tarefa a que me impunha sem me distrair - coisa que nunca antes fora capaz de fazer - ele me disse que o melhor modo de buscar um sonho era me concentrar na área próxima à ponta do esterno, na boca do estômago. Falou que a atenção que um homem necessita para sonhar deriva-se daquela área, mas que a energia a fim de se mover e procurar no sonho origina-se da área a uns três a seis centímetros abaixo do umbigo. Ele chamava a essa energia "vontade" ou poder de selecionar, de acumular. Numa mulher tanto a atenção quanto a energia para o sonho originam-se do ventre.
- O sonho de uma mulher tem de vir do seu ventre porque é esse o seu centro - disse La Gorda. - Para que eu comece a sonhar ou parar o sonho, tudo o que tenho a fazer é colocar minha atenção no ventre. Aprendi a sentir o seu interior. Vejo um brilho avermelhado por um instante e então se dá o seu início.
O Presente da Águia, pág. 112

La Gorda disse que Dom Juan lhe falou que qualquer coisa pode servir como um não fazer para ajudar o sonho, desde que force a atenção a permanecer fixa. Ele fazia com que ela e todos os outros aprendizes, por exemplo, olhassem para as folhas e pedras, e encorajava Pablito a formar seu próprio dispositivo de não fazer. Pablito começou com o não fazer de andar para trás. Para se movimentar dava olhadas rápidas para os lados a fim de saber para onde ia e evitar obstáculos no caminho. Dei-lhe a idéia de usar um espelho retrovisor, e ele desenvolveu essa idéia, construindo um capacete de madeira com uma parte que prendia dois espelhos pequenos, a uns doze centímetros do rosto e quatro centímetros abaixo do nível dos olhos. Os dois espelhos não interferiam com sua visão frontal, e, devido ao ângulo lateral no qual estavam presos, cobriam toda a área atrás dele. Pablito se gabava de ter uma visão periférica do mundo de 360º. Auxiliado pelo seu dispositivo podia andar para trás a qualquer distância, ou durante qualquer tempo.
O Presente da Águia, pág. 114

Para nosso primeiro não fazer Silvio Manuel construiu um engradado de madeira grande o suficiente para acomodar La Gorda e eu, de modo a ficarmos sentados de costas um para o outro, com o joelho para o alto. O engradado tinha uma tampa de treliça para deixar passar o ar. La Gorda e eu tínhamos de entrar e sentar na escuridão, em silêncio total, sem dormir. Ele começou fazendo-nos entrar na caixa por breves períodos; depois aumentou o tempo à medida que nos acostumávamos com a coisa, até podermos passar toda uma noite dentro, sem nos mover ou dormir.
A mulher nagual ficou conosco para se certificar de que não mudaríamos nossos níveis de conscientização devido ao cansaço. Silvio Manuel disse que nossa tendência natural sob condições incomuns seria mudar do elevado estado de conscientização para o estado normal, e vice-versa.
O efeito geral do não fazer, toda vez que agíamos, era nos dar uma inigualável sensação de repouso, o que me deixava inteiramente intrigado, já que não podíamos dormir durante nossas longas noites de vigília. Atribuí a sensação de repouso ao fato de estarmos em estado de elevada conscientização, mas Silvio Manuel disse que uma coisa não tinha nada a ver com a outra, que a sensação de repouso era resultado de sentarmos com os joelhos para cima.
O segundo não fazer consistia em nos fazer deitar no chão como se fôssemos cachorros enroscados, quase que em posição fetal, apoiados no lado esquerdo, na testa e nos braços dobrados. Silvio Manuel insistiu que fechássemos os olhos tanto quanto possível, abrindo-os apenas quando ele nos mandasse trocar de posição e virar para o lado direito. Disse-nos que o objetivo desse não fazer era forçar nosso sentido de audição a se separar da nossa visão. Como antes, aumentou gradualmente o tempo até que passássemos toda uma noite em vigília.
Silvio Manuel estava então pronto para nos passar para outra área de atividade. Explicou que nos primeiros dois não fazeres tínhamos quebrado uma certa barreira de percepção enquanto ficávamos presos ao chão. Por analogia, comparou os seres humanos às árvores. Somos como que árvores móveis, tendo de alguma forma raízes no chão, raízes essas que nos permitem mover mas que não nos separam do chão. Disse que a fim de estabelecermos equilíbrio tínhamos de desenvolver o terceiro não fazer pendurados no ar. Se tivéssemos êxito enquanto suspensos de uma árvore dentro de um arreio de couro, faríamos um triângulo com nossa intenção, triângulo com base no chão e no seu vértice no ar. Silvio Manuel achava que tínhamos reunido nossa atenção com os dois primeiros não fazeres a ponto de podermos realizar o terceiro perfeitamente, desde o início.
O Presente da Águia, pág. 187

Sua alegação era que a percepção sofre um choque profundo quando estamos colocados em estado de quietude no escuro. Nossa audição toma a frente então e os sinais de todas as entidades vivas e existentes à nossa volta podem ser detectados - não apenas com nossa audição, mas por uma combinação dos sentidos auditivos e visuais, nessa ordem. Disse que na escuridão, especialmente enquanto suspensos, os olhos se tornam secundários aos ouvidos.
Ele estava absolutamente certo, como La Gorda e eu descobrimos. Com o exercício do terceiro não fazer Silvio Manuel nos deu uma nova dimensão à nossa percepção do mundo que nos rodeia.
Ele então disse a La Gorda e a mim que o próximo conjunto de não fazer seria intrinsecamente diferente e mais complexo. Relacionava-se ao aprendizado de como lidar com o outro mundo. Era necessário maximizar o esforço, mudando nosso tempo de ação para o início da noite ou o início da madrugada. Disse-nos que o primeiro não fazer do segundo conjunto tinha dois estágios. No primeiro estágio tínhamos de atingir nosso estado mais alerta de elevada conscientização a fim de detectarmos a parede de névoa. Uma vez feito isso, o segundo estágio consistiria em fazer aquela parede parar de girar, a fim de nos aventurarmos no mundo entre as linhas paralelas.
A visou-nos que o que pretendia era nos colocar diretamente na segunda atenção, sem qualquer preparação intelectual. Queria que aprendêssemos os detalhes sem uma compreensão racional do que estávamos fazendo. Sua alegação era que um veado mágico ou um coiote mágico manipula a segunda atenção sem ter nenhum intelecto.
Através da prática forçada de passarmos para trás da parede de névoa, iríamos empreender, mais cedo ou mais tarde, uma permanente alteração no nosso ser total, alteração essa que nos faria aceitar que o mundo entre as linhas paralelas é real, pois é parte do mundo total, como nosso corpo luminoso é parte do nosso ser total.
O Presente da Águia, pág. 189

La Gorda e eu tínhamos estado tão envolvidos em nossas viagens por trás da parede de névoa que tínhamos nos esquecido que estava na hora da nossa próxima série de não fazer com Silvio Manuel. Ele nos disse que ela poderia ser devastadora e que consistia em atravessar as linhas paralelas com as três irmãzinhas e os três Genaros, diretamente para a entrada no mundo de total conscientização. Não incluiu Dona Soledad porque seus não fazeres eram destinados apenas a sonhadoras, e ela era espreitadora.
Silvio Manuel acrescentou que esperava que nós nos tornássemos familiarizados com a terceira atenção se nos colocássemos ao pé da Águia diversas vezes. Ele nos preparou para o choque; explicou que as viagens de um guerreiro às dunas de areia desolados eram um passo preparatório para a verdadeira travessia das fronteiras. Aventurar-se para além da parede de névoa num estado de elevada conscientização ou durante um sonho implicava apenas uma porção muito pequena de nossa conscientização total, enquanto que atravessar corporalmente para o outro mundo implicava o comprometimento do nosso ser total.
Silvio Manuel concebera a idéia de usar uma ponte como símbolo de uma verdadeira travessia. Argumentou que a ponte era adjacente a um lugar de poder; e os lugares de poder eram aberturas, passagens para o outro mundo. Achava que seria possível que La Gorda e eu adquiríssemos força suficiente para enfrentar um vislumbre da Águia.
O Presente da Águia, pág. 192

- Desculpe - disse. - Você falou que vai me contar sobre sua vida pessoal?
- Por que não? - perguntou ela.
Respondi, usando a explicação que me fora dada por Dom Juan sobre a força negativa da história pessoal e da necessidade que o guerreiro tinha de apagá-la. Terminei dizendo que ele tinha me proi­bido de falar qualquer coisa sobre a minha vida.
Ela riu com uma voz alta de falsete. Parecia encantada.
- Isso só se aplica aos homens - disse. - O não fazer da sua vida pessoal é contar histórias sem fim, mas nenhuma sobre sua vida real. Como homem, você tem uma história sólida por trás. Uma família, amigos, conhecidos, e todos eles com uma idéia definida sua. Como homem você é responsável. Não pode desaparecer tão facil­mente. Para se apagar teria de ter muito trabalho. Meu caso é dife­rente. Sou mulher, o que me traz muita vantagem. Não sou responsá­vel. Você não sabe que as mulheres não são responsáveis?
- Não entendo o que quer dizer com responsável - falei.
- Quero dizer que a mulher pode desaparecer facilmente replicou. - A mulher pode se casar, por exemplo. Ela pertence ao marido. Numa família com muitos filhos, as filhas são descartadas muito cedo. Ninguém conta com elas, e há possibilidade de umas desaparecerem, sem deixarem vestígio e esses desaparecimentos serem facilmente aceitos.
- O filho, ao contrário, é alguém com quem se conta. Não é fácil para o filho eclipsar-se e desaparecer. E mesmo se fizer isso, deixará vestígios. Ele sente-se culpado se desaparecer. A filha não.
- Quando o nagual o treinou a ficar de boca fechada em relação à sua vida pessoal, pretendia ajudá-lo a superar seu sentimento de ter cometido um erro com sua família e amigos, que contavam com você de uma forma ou de outra.
- Depois de toda uma vida de luta o guerreiro termina apagando­-se, naturalmente, mas essa luta tem um preço para o homem. Ele se torna misterioso, sempre em guarda contra si próprio. A mulher já está preparada para se desintegrar no ar. Na verdade, espera-se isso dela.
- Como mulher, não sou obrigada ao segredo. Não dou a mínima para isso. Segredo é o preço que vocês homens têm de pagar por serem importantes para a sociedade. A luta é só para os homens, porque eles se ressentem de terem de se apagar e encontrariam modos curiosos de surgirem em a1gum lugar, de alguma forma. Veja o seu exemplo; você vive fazendo conferências.
O Presente da Águia, pág. 214

- Disse que seu benfeitor considerava as três técnicas básicas da espreita - o engradado, a lista de acontecimentos a serem recapitulados, e a respiração do espreitador - como sendo as tarefas talvez mais importantes de um guerreiro. Ele achava que uma recapitulação profunda era o meio mais eficiente para se perder a forma humana. Portanto, seria fácil para os espreitadores, depois de recapitularem suas vidas, fazer uso de todos os não fazeres do seu eu, tais como apagar sua história pessoal, perder a auto-importância, quebrar as rotinas, e assim por diante.
O Presente da Águia, pág. 230

Dom Juan disse que a função dos não fazeres é criar uma obstrução na focalização habitual da nossa primeira atenção. Os não fazeres são, nesse sentido, manobras designadas a preparar a primeira atenção para o bloqueio funcional do primeiro anel de poder.
Ele explicou que esse bloqueio funcional, o único método de utilizar sistematicamente a capacidade latente do primeiro anel de poder é uma interrupção temporária que o benfeitor cria na capacidade de reunir vestígios dos seus discípulos. É uma intromissão artificial; uma invasão deliberada e forçada à primeira atenção, designada para empurrá-la além do verniz superficial dos vestígios familiares; uma intromissão atingida por meio da obstrução da intenção do primeiro anel de poder.
O Presente da Águia, pág. 258

Devo ter parecido cético a Don Juan, pois ele explicou que o mundo de nossa auto-reflexão ou de nossa mente era muito inconsistente e era mantido coeso por algumas poucas idéias-chave que serviam como sua ordem subjacente. Quando essas idéias falhavam, a ordem subjacente parava de funcionar.
- Quais são essas idéias-chave, Don Juan?
- Em seu caso, naquela instância em particular, como no caso da audiência daquela curandeira sobre a qual falamos, a continuidade era a idéia-chave.
- O que é continuidade?
- A idéia de que somos um bloco sólido. Em nossas mentes, o que sustenta o nosso mundo é a certeza de que somos imutáveis. Podemos aceitar que nosso comportamento pode ser modificado, que nossas reações e opiniões podem ser modificadas, mas a idéia de que somos maleáveis a ponto de mudar de aparência, a ponto de ser alguma outra pessoa, não é parte da ordem subjacente de nossa auto-reflexão. Sempre que um feiticeiro interrompe essa ordem, o mundo da razão pára.
Desejei perguntar-lhe se quebrar a continuidade de um indivíduo era suficiente para causar o movimento do ponto de aglutinação. Ele pareceu antecipar minha pergunta. Disse que essa quebra era apenas um suavizador. O que ajudava o ponto de aglutinação mover-se era a implacabilidade do nagual.
Comparou então os atos que executara naquela tarde em Guaymas com os atos da curandeira que havíamos discutido previamente. Explicou que a curandeira havia estraçalhado a auto-reflexão das pessoas de sua audiência com uma série de atos para os quais eles não tinham equivalentes em suas vidas diárias - a dramática possessão do espírito, mudança de vozes, abertura do corpo do paciente. Assim que a continuidade da idéia deles próprios foi quebrada, seus pontos de aglutinação estavam prontos para ser movidos.
Lembrou-me de que havia descrito para mim no passado o conceito de parar o mundo. Comentara que parar o mundo era tão necessário para os feiticeiros quanto ler e escrever o eram para mim. Consistia em introduzir um elemento dissonante no tecido do comportamento cotidiano para deter o fluxo de outro modo suave dos eventos ordinários - eventos que eram catalogados em nossas mentes por nossa razão.
O elemento dissonante era chamado “não fazer”, ou o oposto de fazer. "Fazer" era tudo que fosse parte de um todo para o qual tínhamos um valor cognitivo. Não fazer era um elemento que não pertencia àquele todo mapeado.
- Os feiticeiros, por serem espreitadores, compreendem bem o comportamento humano - disse ele. - Compreendem, por exemplo, que os seres humanos são criaturas de inventários. Saber os itens que entram ou não entram em um inventário em particular é o que torna o homem um estudioso ou especialista em seu campo.
- Os feiticeiros sabem que quando o inventário de uma pessoa comum falha, a pessoa ou aumenta seu inventário ou o mundo de sua auto-reflexão entra em colapso. A pessoa comum está disposta a incorporar novos itens em seu inventário se estes não contradisserem a ordem subjacente do inventário. Mas se os itens contradisserem essa ordem, a mente da pessoa entra em colapso. O inventário é a mente. Os feiticeiros contam com isso quando tentam quebrar o espelho da auto-reflexão.
O Poder do Silêncio, pág. 165

- Parece que não vamos conseguir nos livrar dele – disse num tom de resignação. - Vamos caminhar com calma, como se estivéssemos dando um belo passeio no parque, e você me contará a história de sua infância. Este é o momento e o cenário certos para isso. Um jaguar está atrás de nós com um apetite voraz, e você está se lembrando sobre o passado: o perfeito não-fazer para estar sendo caçado por um jaguar.
Ele riu alto. Mas quando lhe falei que havia perdido completamente o interesse em contar a história, ele dobrou-se de risos.
- Está me punindo agora por não querer ouvi-lo, não é mesmo?
E eu, é claro, comecei a defender-me. Disse-lhe que sua acusação era definitivamente absurda. De fato perdi o fio da meada.
- Se um feiticeiro não tem auto-estima, não dá uma bosta por ter perdido o fio da história - disse ele com um brilho malicioso nos olhos. - Como você não tem mais qualquer auto-estima, deve contar sua história agora. Conte-a ao espírito, ao jaguar, e a mim, como se não tivesse perdido o fio em momento algum.
O Poder do Silêncio, pág. 197

O tópico inicial foi o que definiu como "não fazer", uma atividade especialmente projetada para banir de nossas vidas todo o vestígio de cotidianidade. Afirmou que o não fazer é o exercício favorito dos aprendizes, porque os introduzem em um ambiente de maravilha e desconcerto muito refrescante para a energia, cujo efeito sobre a consciência eles chamam de "parar o mundo"
Respondendo a algumas questões, explicou que o não fazer não pode ser racionalizado. Qualquer esforço para tentar entendê-lo, é na realidade uma interpretação do ensino e cai automaticamente no campo de fazer.
"A premissa dos bruxos para tratar com este tipo de prática é o silêncio mental. E a qualidade de silêncio requerido para algo tão descomunal quanto parar o mundo, só pode vir de um contato direto com a grande verdade de nossa existência: que todos nós vamos morrer".
Ele nos aconselhou:
"Se vocês querem conhecer a si mesmos, sejam conscientes de sua morte pessoal. Ela não é negociável e é a única coisa que vocês realmente têm. Todo o resto poderá falhar, mas a morte não, a ela podem dar por certo. Aprendam a usá-la para produzir efeitos verdadeiros em suas vidas.
"Também, parem de acreditar em contos da carochinha, ninguém os quer lá fora. Nenhum de nós é tão importante para que hajam inventado algo tão fantástico como a imortalidade. Um bruxo que tem humildade sabe que o destino dele é o de qualquer outro ser vivo desta terra. Assim, em vez de se iludir com falsas esperanças, ele trabalha concreta e duramente para sair de sua condição humana e tomar a única saída que nós temos: a quebra de nossa barreira perceptual.
"Ao mesmo tempo em que escutam o conselho da morte, façam-se responsáveis por suas vidas, da totalidade das suas ações. Explorem-se, reconheçam-se e vivam intensamente, como vivem os bruxos. A intensidade é a única coisa que pode nos salvar do aborrecimento.
"Uma vez alinhados com a morte, estarão em condições de dar o seguinte passo: reduzir ao mínimo a bagagem. Este é um mundo prisão e é necessário sair como fugitivos, sem levar nada.
Os seres humanos são viajantes por natureza. Voar e conhecer outros horizontes é nosso destino. Por acaso você sai de viagem com sua cama ou com a mesa em que come? Sintetiza sua vida!.
Encontros com o Nagual, pág. 51

Um método infalível para conseguir o silêncio é através do "não fazer", uma atividade que nós programamos com nossa mente, mas que tem a virtude de silenciar os pensamentos uma vez que é começado. Don Juan chamava esse tipo de técnica de 'tirar um espinho com outro'".
Apresentou como exemplos de não fazer: escutar na escuridão, trocando a prioridade de nossos sentidos e o comando que nos força a dormir assim que nós fechamos os olhos. Também, conversar com as plantas, parar de ponta cabeça, caminhar para trás, observar as sombras, a distância ou os espaços entre as folhas das árvores.
"Todas essas atividades são das mais efetivas para silenciar nosso diálogo interno, mas elas têm um defeito: não as podemos sustentar durante muito tempo. Depois de um momento, somos forçados a recuperar nossas rotinas. Um não fazer que é exagerado, automaticamente perde o poder e cai dentro de fazer.
"Se o que nós queremos é acumular silêncio profundo, de efeitos duradouros, o melhor não fazer é a solidão. Junto com a economia da energia e o abandono desses que nos dão por feitos. Aprender a estar só é o terceiro princípio prático do caminho.
"O mundo do guerreiro é a coisa mais solitária que há. Até mesmo quando vários aprendizes se unem para viajar pelas rotas do poder, cada um sabe que está sozinho, que não pode esperar nada do outro nem depender de ninguém. O máximo que ele pode fazer é compartilhar o caminho com aqueles que o acompanham.
"Estar só requer um grande esforço, porque nós ainda não aprendemos a superar o comando genético da socialização. No princípio, o aprendiz deve ser forçado a isto pelo seu mestre, através de armadilhas se for necessário. Mas com o tempo aprende a desfrutá-lo. É normal que os bruxos busquem o silêncio na solidão da montanha ou do deserto e que vivam sozinhos durante longos períodos".
Alguém comentou que essa era "uma perspectiva horrorosa"
Carlos respondeu:
- Horroroso é chegar à velhice como umas crianças choronas!
Encontros com o Nagual, pág. 93

A chave de São Pedro


O livro ‘Meleagro’ de Luís da Câmara Cascudo estuda o Catimbó nordestino, uma modalidade de feitiçaria mesclada por diversos elementos étnicos brancos, negros e indígenas, mas bastante diferente da Pajelança amazônica, do Candomblé baiano e da Umbanda carioca. Bastante comum no início do século principalmente nos estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba, o Catimbó era dirigido pelos “Mestres da Jurema” que através de cantos chamavam “as linhas” (falanges de espíritos) e os “encantamentos” (trabalhos mágicos para cura, para sorte e para o amor). Cascudo narra os rituais, descreve os preceitos dogmáticos, detalha as plantas medicinais, as entidades ‘recebidas’ e os diferentes elementos simbólicos de composição nestes trabalhos espirituais, bem como entrevista e relata a vida de alguns dos mestres ainda existentes entre 1928 e 1945.

Entre os elementos essenciais do altar do Catimbó estão os maracás (chocalhos com sementes para marcação do ritmo dos cantos), as cuias com cauim (cachaça feita a base de macaxeira fermentada consumida pelos participantes), uma bacia de louça com água (a “princesa”), bonecas de pano (simbolizando pessoas ausentes para quem se deseja enviar um encantamento), um cachimbo de tabaco feito de pau da jurema (a “marca-mestra” ou simplesmente “mestra” usado em inúmeras operações mágicas) e, finalmente, uma chave grande de ferro. Também era comum a presença de livros como os de São Cipriano ou do grupo ocultista Círculo Esotérico Comunhão do Pensamento. Porém, era difícil encontrar a Bíblia ou livros kardecistas – o que levou a sociedade da época a chamar a prática do Catimbó de “baixo espiritismo”.

A chave era um elemento simbólico importante, não só para abrir e fechar as sessões espirituais, mas principalmente no ritual do “Fechamento de Corpo”. Além de Cascudo, há um relato detalhado deste ritual feito por Mario de Andrade, que levado por Cascudo aos cabimbós de Natal, teve seu “corpo fechado” pelo famoso Mestre João Germano das Neves.

E é este ritual – a Oração da Chave de São Pedro - que reconstituímos e atualizamos para uma Nova Era.


ORAÇÃO DA CHAVE DE SÃO PEDRO

Pelos poderes da chave de São Pedro (mão esquerda embaixo da direita no alto da cabeça)
Feche a Porta da minha cabeça às influências ruins
Pelos poderes da chave de São Pedro (troca mãos, colocando a direita embaixo)
Abra a Porta de minha Coroa para Luz Divina
Pelos poderes da chave de São Pedro (com uma mão em cada olho)
Feche a Porta dos meus olhos a todas as ilusões
Pelos poderes da chave de São Pedro (mãos cruzadas na testa com a direita por baixo)
Abra a Porta de meu terceiro olho
Pelos poderes da chave de São Pedro (mão esquerda embaixo da direita na garganta)
Feche a Porta de minha fala às palavras falsas e cruéis
Pelos poderes da chave de São Pedro (troca mãos, colocando a direita embaixo)
Abra a Porta de minha voz para Verdade
Pelos poderes da chave de São Pedro (mão esquerda embaixo da direita no centro do peito)
Feche a Porta do meu coração aos maus sentimentos
Pelos poderes da chave de São Pedro (troca mãos, colocando a direita embaixo)
Abra a Porta do meu coração para Alegria
Pelos poderes da chave de São Pedro (mão esquerda embaixo da direita no alto abdômen)
Feche a Porta do meu plexo solar aos medos
Pelos poderes da chave de São Pedro (troca mãos, colocando a direita embaixo)
Abra a Porta do meu plexo solar para Fé
Pelos poderes da chave de São Pedro (mão esquerda embaixo da direita abaixo do umbigo)
Feche a Porta do meu corpo a todas as doenças
Pelos poderes da chave de São Pedro (troca mãos, colocando a direita embaixo)
Abra a Porta do meu corpo para Saúde
Pelos poderes da chave de São Pedro (mão esquerda embaixo da direita sobre a pélvis)
Feche a Porta do meu sexo aos desejos inconvenientes e inadequados
Pelos poderes da chave de São Pedro (troca mãos, colocando a direita embaixo)
Abra a Porta do meu sexo para Satisfação e o Contentamento.
E fecho meus trabalhos com o poder de São João (batendo sete palmas)
E abro meus caminhos com o saber de Salomão (batendo sete palmas)
AMÊM!

DETALHES E ADAPTAÇÕES:

A oração da Chave de São Pedro pode ser feita individualmente, em duplas ou em grupos em roda. Nos três casos, após terminar a oração, deve-se bater sete palmas, uma sobre cada um dos centros trabalhados e no apenas no final proferir o fechamento: “E fecho meus trabalhos (...); E abro meus caminhos (...).”

No caso de duplas, deve-se utilizar a segunda pessoa do singular (tu ou você) ao invés da primeira pessoa (eu). Assim, diga: “... fechar a porta da tua cabeça ...” e não “da minha cabeça”.

Em duplas, a Oração tanto pode ser realizada simultaneamente, com os dois participantes recitando e recebendo a imposição, ou com cada um desempenhando os papéis de emissor e receptor separadamente, cada um de uma vez. No primeiro caso, ela pode ainda ser recitada simultaneamente pelos dois participantes ou através da repetição de cada frase/gesto (o que é mais aconselhável tanto para iniciantes como para os casais que tem maior nível de intimidade e concentração).

No segundo caso, em que os papéis de emissor e receptor não se alteram, deve-se observar uma certa sincronia na respiração dos participantes, com uma inspiração profunda e uma expiração demorada a cada um dos sete pontos trabalhados. A oração também pode ser acompanhada com mentalização/visualização de cores em cada um dos pontos pelo emissor experiente.

Na oração tradicional, utilizada no ritual de fechamento de corpo do Catimbó, as pessoas que recebiam a imposição de mão cruzavam as pernas em pé, colocando o pé direito sobre o esquerdo. No entanto, este procedimento é aconselhável apenas quando apenas um dos participantes recebe o passe enquanto o outro recita a oração e faz a imposição de mãos. Nos três casos citados acima (a oração individual, em duplas de modo recíproco e em roda) é aconselhável permitir o livre fluxo de energia ao invés de concentra-la (isto é: manter as pernas paralelas, os joelhos levemente dobrados e os pés descalços em contato com a terra).

Em roda, reza-se a oração por três vezes consecutivas: a primeira nas costas da pessoa que estiver a nossa esquerda, a segunda nas costas de nosso companheiro à direita e finalmente individualmente. Também nessa modalidade é aconselhável utilizar-se da repetição, com uma única pessoa recitando as palavras e executando os gestos e as demais repetindo. Neste caso, o fechamento da oração (com as duas séries de sete palmas) só é feito ao final da terceira vez.

Poder pessoal


· Seu amigo não é um guerreiro — disse ele. — Se fosse, saberia que a pior coisa que se pode fazer é confrontar os seres humanos de cara.
— O que faz um guerreiro, Dom Juan?
— Um guerreiro procede estrategicamente.
— Ainda não entendo o que quer dizer.
— Quero dizer que, se seu amigo fosse um guerreiro, ajudaria o filho a parar o mundo.
— Como é que meu amigo pode fazer isso?
— Ele precisaria de um verdadeiro poder pessoal. Precisaria de ser feiticeiro.
— Mas ele não é.
— Nesse caso, tem de usar meios comuns para ajudar o filho no sentido de mudar sua concepção do mundo. Não é parar o mundo, mas tem o mesmo efeito.
Pedi que ele explicasse suas palavras.
— Se eu fosse o seu amigo — disse Dom Juan – começaria contratando alguém para surrar o garotinho. Iria a um antro de marginais e contrataria o tipo mais mal-encarado que encontrasse.
— Para assustar o guri?
— Não só para assustar o guri, seu bobo. Aquele pequeno tem de ser parado, e ser surrado pelo pai não o fará. Se a gente quer parar seus semelhantes, deve-se estar sempre fora do círculo que os oprime. Assim, a gente sempre pode dirigir a pressão.
Viagem a Ixtlan, pág. 10

· "O poder é um negócio muito especial — disse ele. — É impossível precisá-lo ou dizer o que realmente é. É uma sensação que a gente tem sobre certas coisas. O poder é pessoal. Pertence só à gente. Meu benfeitor, por exemplo, sabia fazer uma pessoa cair mortalmente doente, só de olhar para ela. As mulheres definhavam depois que ele punha os olhos sobre elas. No entanto, ele não fazia as pessoas adoecerem o tempo todo, somente quando estava envolvido o seu poder pessoal."
— Como é que ele escolhia quais as pessoas que queria tornar enfermas?
— Isso eu não sei. Nem ele mesmo sabia. O poder é assim. Comanda a pessoa e, no entanto, obedece a ela. Um caçador de poder o apanha e depois armazena-o, como seu achado pessoal. Assim. o poder pessoal cresce, e pode haver o caso de um guerreiro que tem tanto poder pessoal que se torna um homem de conhecimento.
— Como é que a gente armazena o poder, Dom Juan?
— Isso também é outra sensação. Depende de que tipo de pessoa é o guerreiro. Meu benfeitor era um homem de temperamento violento. Armazenava poder por meio daquela sensação. Tudo o ,que ele fazia era forte e direto. Deixou-me uma recordação de alguma coisa abrindo caminho, esmagando tudo em volta. E tudo o que lhe acontecia se passava assim.
Eu disse a ele que não entendia como é que o poder podia ser armazenado por uma sensação.
— Não há meio de explicar isso — falou, depois de uma longa pausa. — Terá de fazê-lo sozinho.
Pegou as cabaças com a comida e prendeu-as às costas. Entregou-me um cordão com oito pedaços de carne-seca presos e disse que o pendurasse ao pescoço.
— Isso é comida de poder — disse ele.
— O que a torna comida de poder, Dom Juan?
— É a carne de um animal que tinha poder. Um veado, um veado excepcional. Foi meu poder pessoal que o trouxe até mim. Esta carne nos sustentará durante semanas, meses se necessário. Mastigue bem alguns pedacinhos dela de cada vez. Deixe o poder penetrar lentamente em seu corpo.
Viagem a Ixtlan, pág. 122

· Escalou até lá como um cabrito-montês. Fiquei maravilhado com sua estupenda agilidade. Arrastei-me devagar pela rocha, sentado, e depois tentei correr subindo o lado da montanha, para chegar à saliência. Os últimos metros me deixaram completamente exausto. Perguntei, brincando, a Dom Juan qual a verdadeira idade dele. Eu achava que para chegar à saliência da maneira como ele chegara, a pessoa tinha de ser extremamente jovem e estar em forma.
— Sou tão jovem quanto queira ser — falou. — Isso, também, é uma questão de poder pessoal. Se você armazenar poder, seu corpo pode executar façanhas incríveis. Ao contrário, se você desperdiçar poder, ficará gordo e velho num instante.
Viagem a Ixtlan, pág. 125

· Você é doido mesmo — falou. — Mas não tem importância. Sei como é difícil viver como guerreiro. Se tivesse seguido minhas instruções e praticado todos os atos que lhe ensinei, a essa altura já teria suficiente poder para atravessar aquela ponte. Poder suficiente para ver e fazer parar o mundo.
— Mas para que eu havia de querer o poder, Dom Juan?
— Você agora não pode pensar num motivo. Mas, se conseguir armazenar suficiente poder, ele mesmo lhe dará um bom motivo. Parece coisa de louco, não é?
— Para que você quis poder?
— Sou como você. Não o queria. Não encontrava um motivo para tê-lo. Detinha todas as dúvidas que você tem e nunca segui as instruções que me davam, ou nunca pensei fazê-lo; no entanto, a despeito de minha burrice, armazenei poder suficiente e, um dia, meu poder pessoal fez o mundo desmoronar-se.
— Mas por que alguém haveria de querer parar o mundo?
— Ninguém quer, é essa a questão. Mas acontece. E uma vez que você sabe como é que é parar o mundo, entende que há um motivo para isso. Sabe, uma das artes de um guerreiro é fazer o mundo desmoronar por um motivo específico e, depois, tornar a restaurá-lo a fim de continuar a viver.
Falei que talvez o meio mais seguro de me ajudar seria dar-me um exemplo de um motivo específico para se fazer desmoronar o mundo.
Ele ficou calado por um instante. Parecia estar pensando no que deveria falar. — Não lhe posso dizer isso. É preciso poder demais para saber isso. Um dia você viverá como guerreiro, a despeito de sua vontade; então talvez tenha armazenado tanto poder pessoal que possa responder você mesmo a essa pergunta.
Viagem a Ixtlan, pág. 135

· O que quer dizer com minha última dança, Dom Juan?
— É este o lugar de sua última posição — disse ele. – Você morrerá aqui, não importa onde esteja. Todos os guerreiros têm um lugar onde morrer. Um lugar de sua predileção, encharcado de recordações inesquecíveis, onde acontecimentos poderosos deixaram sua marca, um lugar em que ele presenciou maravilhas, onde os segredos lhe foram revelados, um lugar em que ele armazenou seu poder pessoal.
"Um guerreiro tem a obrigação de voltar àquele lugar de sua predileção cada vez que toca o poder, a fim de armazená-lo ali. Ou de vai lá caminhando ou sonhando.
"E por fim, no dia em que termina seu prazo de estada na terra e ele sente o toque da morte em seu ombro esquerdo, seu espírito, que está sempre pronto, voa para o lugar de sua predileção e ali o guerreiro dança até à sua morte.
"Cada guerreiro tem uma forma específica, uma postura de poder específica, que ele desenvolve durante sua vida. É um tipo de dança. Um movimento que ele executa sob a influência de seu poder pessoal.
"Se um guerreiro agonizante tem um poder limitado, sua dança é curta; se seu poder for grandioso, sua dança é magnífica. Mas, quer seu poder seja pequeno ou imenso, a morte tem de parar para assistir à sua última posição na terra. A morte não pode alcançar o guerreiro que está contando a luta de sua vida pela última vez, até ele terminar sua dança."
As palavras de Dom Juan me deram um calafrio. A quietude, o crepúsculo, a paisagem magnífica, tudo parecia estar colocado ali como cenário para a imagem da última dança de poder do guerreiro.
— Pode ensinar-me essa dança, apesar de eu não ser guerreiro? — perguntei.
— Qualquer homem que caça poder tem de aprender essa dança — disse ele. — E, no entanto, não lhe posso ensinar, agora. Em breve, você poderá ter um adversário digno e então eu lhe mostrarei o primeiro movimento do poder. Tem de acrescentar os outros movimentos por si, com o correr da vida. Cada movimento novo tem de ser obtido numa luta de poder. Assim, a bem dizer, a postura, a forma de um guerreiro, é a história de sua vida, uma dança que aumenta à medida que ele cresce em poder pessoal.
— A morte pára mesmo para ver um guerreiro dançar?
— Um guerreiro é apenas um homem. Um homem humilde.
Ele não pode modificar os desígnios de sua morte. Mas seu espírito impecável, que armazenou o poder depois de privações tremendas, certamente pode deter sua morte por um momento, um momento suficientemente longo para deixá-la regozijar-se pela última vez ao recordar seu poder. Podemos dizer que é um gesto que a morte tem para com aqueles que possuem um espírito impecável.
Viagem a Ixtlan, pág. 149

· Pare com isso — retrucou, secamente. — Morrer é um negócio monumental. É mais do que esticar as pernas e ficar duro.
— Também dançarei em minha morte, Dom Juan?
— Por certo. Você está caçando poder pessoal, embora ainda não viva como guerreiro. Hoje, o Sol lhe deu um presságio. A melhor parte do trabalho de sua vida será efetuada no final do dia. Evidentemente, você não gosta do brilho jovem da primeira luz. Viajar de manhã não lhe agrada. Mas seu tipo é o Sol poente, amarelo-envelhecido, e maduro. Você não gosta do calor, só do brilho.
"E assim, dançará a sua morte aqui, em cima deste morro, no fim do dia. E em sua última dança contará de sua luta, das batalhas que venceu e as que perdeu; contará suas alegrias e perplexidades ao encontrar o poder pessoal. Sua dança lhe contará os segredos e as maravilhas que você armazenou. E sua morte ficará aqui sentada, assistindo.
"O Sol poente brilhará sobre você sem queimá-lo, como fez hoje. O vento será suave e o topo do morro tremerá. Quando você chegar ao fim de sua dança, olhará para o Sol, pois nunca mais o verá, desperto ou sonhando, e então sua morte apontará para o sul.
Viagem a Ixtlan, pág. 151

· Não importa como se é criado — disse ele. — O que determina a maneira de se fazer qualquer coisa é o poder pessoal. O homem é apenas a soma de seu poder pessoal, e essa soma determina como ele vive e como morre.
— O que é o poder pessoal?
— O poder pessoal é um sentimento — respondeu. – Uma coisa como ter sorte. Ou pode-se chamá-lo de um estado de espírito. O poder pessoal é uma coisa que a pessoa adquire sem considerações de sua origem. Já lhe disse que um guerreiro é um caçador de poder, e que lhe estou ensinando a caçá-lo e armazená-lo. A dificuldade com você, que é a mesma com todos nós, é a de se convencer. Precisa acreditar que o poder pessoal pode ser usado e que é possível armazená-la, mas até agora ainda não se convenceu.
Respondi que ele tinha vencido e que eu estava tão convencido quanto possível. Ele riu.
— Não é esse o tipo de convicção de que estou falando disse ele. Bateu em meu ombro, dando dois ou três soquinhos de leve, e acrescentou, com uma risada: — Não me precisa agradar, sabe.
Senti-me na obrigação de lhe assegurar de que estava falando sério.
— Não duvido — disse ele. — Mas estar convencido significa que você pode agir sozinho. Ainda terá de se esforçar muito para fazer isso. Ainda falta muita coisa por fazer. Você está apenas começando.
Calou-se por um momento. Sua fisionomia adquiriu uma expressão de placidez.
— É engraçado como, às vezes, você me faz lembrar eu mesmo — continuou. — Eu também não queria seguir o caminho do guerreiro. Achava que todo esse trabalho era sem significação, e, como todos vamos morrer, que diferença faria para mim ser guerreiro? Eu estava enganado. Mas tive de descobrir isso sozinho. No dia em que você compreender que está enganado, e que certamente faz muita diferença, poderá dizer que está convencido. E então pode seguir sozinho. E sozinho, poderá até tornar-se um homem de conhecimento. Pedi que ele explicasse o que queria dizer por homem de conhecimento.
— Um homem de conhecimento é aquele que seguiu fielmente as provações do aprendizado — disse ele. — Um homem que, sem se precipitar nem se deter, foi tão longe quanto possível para decifrar os segredos do poder pessoal.
Discutiu o conceito em termos sucintos e depois abandonou-o, como tema de conversa, dizendo que eu só me devia preocupar com a idéia de armazenar poder pessoal.
Viagem a Ixtlan, pág. 153

· — O que vamos fazer aqui desta vez, Dom Juan?
— Você sabe muito bem que estamos aqui para caçar poder.
— Sei disso. Mas o que vamos fazer neste lugar, em especial?
— Você sabe que eu não tenho a menor idéia.
— Quer dizer que nunca segue um plano?
— Caçar poder é um negócio muito esquisito — explicou. —
Não há possibilidade de se planejar com antecedência. É por isso que é tão emocionante. Porém, um guerreiro procede como se tivesse um plano, porque confia em seu poder pessoal. Sabe com certeza que esse poder o fará agir da maneira mais correta. Observei que as afirmações dele eram um tanto contraditórias.
Se um guerreiro já possuía poder pessoal, para que o estava caçando?
Dom Juan ergueu as sobrancelhas e fez um gesto de pretenso aborrecimento.
— É você quem está caçando poder pessoal — disse ele. — E eu sou o guerreiro que já o possui. Perguntou-me se eu tinha um plano e eu disse que confio em meu poder pessoal para me orientar e que não preciso de ter um plano.
Viagem a Ixtlan, pág. 155

· — Não. Não quero dizer que você mesmo possa fazer isso. Não tem poder pessoal. Afirmo, apenas, que qualquer tipo de folhas o ajudaria, desde que a pessoa que as desse a você tivesse poder. O que o ajudou hoje não foram as folhas, e sim o poder
— O seu poder, Dom Juan?
— Suponho que se possa dizer que foi o meu poder, embora isso não seja precisamente certo. O poder não pertence a ninguém. Alguns de nós podem juntá-lo e depois ele pode ser dado diretamente a outra pessoa. A chave para o poder armazenado é que ele só pode ser utilizado para ajudar outra pessoa a armazenar poder.
Perguntei-lhe se isso significava que o poder dele se limitava apenas a ajudar os outros. Dom Juan explicou pacientemente que ele podia utilizar o poder pessoal dele como quisesse, em tudo o que ele próprio quisesse, mas quando se tratava de dá-lo diretamente a outra pessoa, era inútil, a não ser que aquela pessoa o utilizasse para sua própria busca de poder pessoal.
— Tudo o que o homem faz depende de seu poder pessoal — continuou. — Portanto, para aqueles que não têm nenhum, os feitos de um homem poderoso são incríveis. É preciso poder para apenas conceber o que é o poder. É isso que tenho sempre tentado dizer-lhe. Mas sei que você não compreende, não porque não queira, mas porque tem muito pouco poder pessoal.
— O que devo fazer, Dom Juan?
— Nada. Continue assim. O poder há de encontrar um jeito.
Viagem a Ixtlan, pág. 159

· — Você deve entregar-se, para seu poder pessoal poder fundir-se com o poder da noite — falou, em meu ouvido. Depois, explicou que ia passar à minha frente; e tive outro acesso de um medo irracional.
— Mas isto é loucura — protestei.
Dom Juan não ficou zangado nem impaciente. Riu baixinho e sussurrou uma coisa em meu ouvido que eu não entendi bem.
— O que foi que você disse? — perguntei alto, os dentes batendo.
Dom Juan tapou minha boca com a mão e disse, cochichando, que um guerreiro agia como se soubesse o que estava fazendo, quando, na verdade, não sabia nada. Repetiu uma frase três ou quatro vezes, como se quisesse que eu a decorasse. Falou:
— Um guerreiro é impecável quando confia em seu poder pessoal, sem considerar que ele seja pequeno ou grande.
Viagem a Ixtlan, pág. 162

· Andou devagar na minha frente, para eu poder observar que ele levantava os joelhos quase até o peito cada vez que dava um passo. E depois, ele chegou a correr e sumir de vista, retornando em seguida.
Eu não podia imaginar como é que ele podia correr na escuridão total.
— O passo do poder é para correr de noite — cochichou, em
meu ouvido..
Ele disse que eu o experimentasse. Falei que tinha certeza de que ia quebrar as pernas caindo numa fenda ou batendo em alguma pedra. Dom Juan, muito calmamente, disse que o "passo do poder" era inteiramente seguro.
Repliquei que o único meio de eu compreender seus atos era supor que ele conhecesse aqueles morros a perfeição; evitando, assim, os obstáculos. Dom Juan pegou minha cabeça em suas mãos e cochichou com veemência:
— É noite! E ela é poder!
Largou minha cabeça e depois disse, baixinho, que, de noite, o mundo era diferente, e que sua capacidade de correr no escuro nada tinha a ver com seu conhecimento daqueles morros. Falou que a chave para aquilo era deixar o poder pessoal correr livremente, para poder fundir-se com o poder da noite, e que uma vez que o poder tomasse conta, não haveria hipótese de um deslize. Acrescentou, num tom muito sério, que, se eu duvidasse, que pensasse um momento no que estava acontecendo. Para um homem da idade dele correr por aqueles morros àquela hora seria suicídio, se o poder da noite não o estivesse guiando.
Viagem a Ixtlan, pág. 163

· Mas de que modo posso armazenar poder pessoal?
— Você o está fazendo vivendo da maneira que eu recomendei.
Pouco a pouco, está tapando todos seus pontos de drenagem. Não precisa ser metódico nisso, pois o poder sempre dá um jeito. Veja meu exemplo. Eu não sabia que estava armazenando poder quando comecei a aprender as maneiras de um guerreiro. Como você, eu achava que não estava fazendo nada de especial, mas não era assim. O poder tem a peculiaridade de passar despercebido quando está sendo armazenado.
Viagem a Ixtlan, pág. 169

· — O que vai fazer, Dom Juan?
Não deu resposta. Levantou-se e esticou o corpo. Parecia contrair todos os músculos. Mandou que eu fizesse o mesmo.
— Você deve esticar o corpo muitas vezes durante o dia —disse ele. — Quanto mais vezes, melhor; mas somente depois de um longo período de trabalho ou de repouso.
— Que tipo de adversário você vai encontrar para mim? — perguntei.
— Infelizmente, só os nossos semelhantes são nossos adversários valorosos — respondeu. — Outros entes não têm vontade própria e a gente precisa ir encontrá-los e atraí-los. Nossos semelhantes humanos, porém, são inclementes.
"Já conversamos muito — falou, abruptamente, virando-se para mim. — Antes de partirmos, você tem de fazer mais uma coisa, a mais importante de todas. Vou-lhe dizer uma coisa agora, para você estar descansado quanto ao motivo por que está aqui. O motivo por que você continua a vir me ver é muito simples: cada vez que esteve Comigo, seu corpo aprendeu certas coisas, mesmo contra seu desejo.
E, afinal, seu corpo agora precisa de voltar para mim, para aprender mais. Digamos que seu corpo sabe que vai morrer, embora você nunca pense nisso. Assim, eu estive contando a seu corpo que também eu vou morrer e, antes de morrer, eu gostaria de mostrar a seu corpo algumas coisas, as quais você mesmo não lhe pode dar. Por exemplo, seu corpo precisa do temor. Gosta disso. Seu corpo precisa do escuro e do vento. Seu corpo agora conhece o passo do poder e mal pode esperar para experimentá-lo. Seu corpo precisa do poder e mal pode esperar para experimentá-lo. Seu corpo precisa do poder pessoal e mal pode esperar para tê-lo. Portanto, digamos que seu corpo volta para me ver porque eu sou amigo dele."
Dom Juan ficou calado por muito tempo. Parecia estar lutando com seus pensamentos.
— Já lhe disse que o segredo de um corpo forte não está no que você faz com ele, mas no que não lhe faz — falou, por fim. —Agora, chegou a hora de você não fazer o que faz sempre. Fique aqui sentado até partirmos e não faça.
Viagem a Ixtlan, pág. 171

· Nesse caso, aquela pedra o absorveu por muito tempo e agora é você, e, sendo assim, não a pode deixar por aí, e tem de enterrá-la. Se quiser ter poder pessoal, porém, não fazer seria transformar aquela pedra em um objeto de poder.
— Posso fazer isso agora?
— Sua vida não está bastante ajustada para fazer isso. Se você visse, saberia que sua preocupação transformou aquela pedrinha em uma coisa bem sem atrativo; e, portanto, a melhor coisa que você pode fazer é cavar um buraco e enterrá-la e deixar que a terra absorva seu peso.
— Tudo isso é verdade, Dom Juan?
— Dizer que sim ou que não seria fazer. Mas como você está aprendendo a não fazer, devo dizer-lhe que realmente não tem importância se tudo isso é verdade ou não. É aqui que o guerreiro leva vantagem sobre o homem comum. O homem, comum se, importa em saber se as coisas são verdadeiras ou falsas, mas um guerreiro não. Um homem comum procede de maneira específica com as coisas que ele sabe serem verdade e de maneira diversa com o que sabe não ser verdade. Se se supõe que as coisas são verdadeiras, ele age e acredita no que faz. Mas se as coisas são supostamente falsas, ele não quer agir, ou não crê no que faz. Um guerreiro, ao contrário, age em ambos os casos. Se se supõe que as coisas são verdadeiras, ele age a fim de estar fazendo. Se se supõe que as coisas são falsas, ele ainda assim age, a fim de não fazer. Entende o que digo?
— Não. Não estou entendendo nada — respondi.
Viagem a Ixtlan, pág. 181

· Mandou que eu me deitasse e pegou meu braço direito, dobrando-o no cotovelo. Depois, virou minha mão para a palma ficar voltada para a frente; curvou meus dedos, de modo que minha mão ficou na posição de quem está segurando uma maçaneta e depois começou a mover meu braço para a frente e para trás, num movimento circular que parecia o ato de empurrar e puxar uma alavanca presa a uma roda. Dom Juan disse que um guerreiro executava esse "movimento cada vez que queria expulsar alguma coisa de seu corpo, como uma doença ou uma sensação desagradável. A intenção era empurrar e puxar uma força adversa imaginária até a pessoa sentir um objeto pesado, um corpo sólido, opondo-se aos movimentos livres da mão. No caso do exercício, não fazer consistia em repeti-lo até se sentir o corpo pesado com a mão, a despeito do fato de a pessoa não poder acreditar que fosse possível senti-lo.
Comecei a mover o braço e, dali a pouco, minha mão ficou gelada. Comecei a sentir uma espécie de polpa em volta dela. Era como se eu estivesse remando numa substância líquida, pesada e viscosa.
Dom Juan fez um movimento súbito e agarrou meu braço para parar o movimento. Meu corpo todo tremia como se abalado por alguma força oculta. Examinou-me quando me sentei e, depois, andou em volta de mim, antes de tornar a sentar-se onde estava antes.
— Já fez bastante — disse ele. — Pode executar esse exercício em outra ocasião, quando tiver mais poder pessoal.
— Fiz alguma coisa errada?
— Não. Não fazer é só para guerreiros muito fortes e você ainda não tem o poder de lidar com isso. Agora, só vai apanhar coisas horrendas com as mãos. Portanto, faça-o pouco a pouco, até sua mão não ficar mais fria. Quando ficar quente, você chega a poder sentir as linhas do mundo com ela.
Viagem a Ixtlan, pág. 181

· A escalada foi um negócio terrível. Era um verdadeiro alpinismo, só que não tínhamos cordas para nos ajudar e proteger. Dom Juan me disse repetidamente que não olhasse para baixo; e teve de me Puxar umas duas vezes, quando comecei a deslizar pela pedra. Eu estava muito vexado porque Dom Juan, tão velho, tinha de me ajudar. Disse-lhe que estava em má forma física porque tinha muita preguiça de fazer exercício. Respondeu que uma vez que a pessoa alcançasse um certo nível de poder pessoal, os exercícios ou qualquer treinamento desse tipo não eram necessários, pois a única coisa que se precisava, para estar numa forma impecável, era empenhar-se em não fazer.
Viagem a Ixtlan, pág. 183

· Há uma coisa que você já deve conhecer, a essa altura disse Dom Juan. — Eu a chamo de centímetro cúbico de oportunidade. Todos nós, sejamos guerreiros ou não, temos um centímetro cúbico de oportunidade, que aparece diante de nossos olhos de vez em quando. A diferença entre um homem comum e um guerreiro é que o guerreiro sabe disso e uma de suas tarefas é estar alerta, esperando propositadamente, de modo que, quando seu centímetro cúbico aparece, ele tem a velocidade necessária e a habilidade de apanhá-lo.
"Oportunidade, boa sorte, poder pessoal, ou como quiser chamá-lo, é um estado de coisas especial. É como um pauzinho pequenino que aparece na nossa frente e nos convida a pegá-lo. Geralmente, estamos por demais ocupados, ou preocupados, ou apenas muito burros e preguiçosos para compreender que aquele é o nosso centímetro cúbico de sorte. Um guerreiro, ao contrário, está sempre alerta e ajustado, e tem o impulso, a fibra necessária para pegá-lo."
— Sua vida está bem ajustada? — perguntou Dom Genaro, de repente.
Viagem a Ixtlan, pág. 219

· O que mais me impressionava, nessa ocasião, era a sensação vívida que eu tivera, seis meses antes, de ter conversado com um coiote. Aquele fato significara para mim que, pela primeira vez, eu fora capaz de visualizar ou apreender, através de meus sentidos e em sã consciência, a descrição do mundo feita por um feiticeiro; uma descrição em que a comunicação com os animais por meio da fala era coisa corriqueira. Falei-lhe a respeito, mas ele foi claro:
— Não nos vamos envolver no exame de uma experiência desse tipo. Não é aconselhável que você se dedique a concentrar sua atenção sobre fatos passados. Podemos tocar neles, mas apenas como alusão.
— Por que isso, Dom Juan?
— Você ainda não tem suficiente poder pessoal para procurar a explicação dos feiticeiros.
— Então existe uma explicação de feiticeiro?
— Claro que sim. Os feiticeiros são homens. Nós somos criaturas de pensamento. Procuramos os esclarecimentos.
— Eu tinha a impressão de que meu grande defeito era procurar explicações.
— Não. Seu defeito é procurar explicações convenientes, explicações que se adaptem a seu mundo. Eu me oponho é ao fato de você querer ser racional. Um feiticeiro também explica as coisas de seu mundo, mas não é tão inflexível quanto você.
— Como posso chegar à explicação de um feiticeiro?
— Acumulando o poder pessoal. O poder pessoal o levará com toda a facilidade à explicação de um feiticeiro. A explicação não é o que você chamaria de explicação; não obstante, torna o mundo e seus mistérios, se não claros, pelo menos não assombrosos. Devia ser essa a essência de uma explicação, mas não é o que você procura. Você busca a reflexão de suas próprias idéias.
Porta para o Infinito, pág. 13

· — Genaro é estupendo — disse ele. — Mas por enquanto nada adianta falar sobre ele nem o que ocorre entre vocês. Você ainda não tem suficiente poder pessoal para deslindar também esse assunto. Espere até consegui-lo, e então falaremos a respeito.
— E se eu nunca o tiver?
— Nunca falaremos.
— No ritmo em que vou, será que algum dia eu terei o suficiente? — perguntei.
— Depende de você — respondeu ele. — Já lhe dei todas as informações necessárias. Agora, cabe a você a responsabilidade de conseguir suficiente poder pessoal para fazer pender a balança.
— Você está falando por metáforas — disse eu. — Diga sinceramente. Diga exatamente o que devo fazer. Se já me disse, digamos que já esqueci.
Dom Juan riu-se e deitou-se, pondo os braços por baixo da cabeça.
— Você sabe exatamente do que precisa — disse ele.
Expliquei-lhe que às vezes achava que sabia, mas que a maior parte do tempo não tinha confiança em mim.
— Acho que você está misturando as coisas — prosseguiu ele. — A autoconfiança do guerreiro não é a mesma que a do homem comum. Este busca a certeza aos olhos do espectador e chama a isso autoconfiança. O guerreiro busca a impecabilidade a seus próprios olhos e chama a isso humildade. O homem comum está agarrado a seus semelhantes, enquanto o guerreiro só se agarra a si mesmo. Talvez você esteja perseguindo uma quimera. Busca a autoconfiança do homem comum, enquanto devia estar atrás da humildade do guerreiro. A diferença entre os dois é notável. A confiança em si significa saber algo com certeza; a humildade significa ser impecável em suas ações e sentimentos.
— Estive tentando viver de acordo com suas sugestões — disse eu. — Posso não ser o melhor, mas sou o melhor de mim mesmo. Isso é ser impecável?
— Não. Tem de fazer mais que isso. Você tem de se esforçar ao máximo, o tempo todo.
— Mas isso seria loucura, Dom Juan. Ninguém o consegue.
— Há muita coisa que você faz agora que lhe teria parecido loucura há 10 anos. Essas coisas em si não mudaram, mas sua concepção de si mesmo mudou; o que antes era impossível é hoje inteiramente possível, e talvez que o seu sucesso total em se modificar seja apenas uma questão de tempo. Nesse assunto, o único caminho aberto a um guerreiro é agir persistentemente e sem reservas. Você já sabe o suficiente sobre o procedimento do guerreiro para agir de
acordo, mas seus velhos hábitos e rotinas o atrapalham.
Porta para o Infinito, pág. 14

· — Não importa o que se revela e o que se guarda para si. Tudo o que fazemos, tudo o que somos, reside em nosso poder pessoal.
Se temos o suficiente, uma palavra que nos for pronunciada pode ser suficiente para mudar o rumo de nossas vidas. Mas, Se não tivermos suficiente poder pessoal, o fato de sabedoria mais magnífico nos poderá ser revelado sem que tal revelação faça a menor diferença. — Ele aí baixou a voz, como se estivesse me contando algo de confidencial. — Vou pronunciar o que é talvez o maior fato de sabedoria que qualquer pessoa possa exprimir. Vejamos o que você pode fazer com isso: Sabe que neste momento você está cercado pela eternidade? E sabe que pode usar essa eternidade, se o desejar?
Depois de uma pausa prolongada, em que ele me pediu, com um movimento sutil dos olhos, para fazer alguma declaração, eu disse que não estava entendendo de que ele estava falando.
— Ali! A Eternidade está ali! — e apontou para o horizonte.
Em seguida, apontando para o zênite, acrescentou: — Ou ali, ou talvez possamos dizer que a eternidade é assim. — Ele estendeu ambos os braços para Leste e Oeste.
Nós nos entreolhamos. Os olhos dele encerravam uma pergunta.
— O que me diz disso? — perguntou-me, sugerindo que eu ponderasse sobre suas palavras.
Eu não sabia o que dizer.
— Você sabe que pode estender-se para sempre em qualquer das direções em que apontei? — continuou ele. — Sabe que um momento pode ser a eternidade? Isso não é uma charada; é um fato, mas somente se você agarrar esse momento, utilizando-o para levar a totalidade de você em qualquer direção, para sempre.
Ele ficou olhando para mim.
— Você antes não possuía esse conhecimento — disse ele, sor indo. — Mas agora possui. Eu o revelei a você, mas não faz a menor diferença, pois você não tem suficiente poder pessoal para utilizar minha revelação.
Porta para o Infinito, pág. 16

— Somos seres luminosos — disse, sacudindo a cabeça ritmadamente. — E para um ser luminoso só interessa o poder pessoal. Mas, se me perguntar o que é o poder pessoal, terei de dizer-lhe que minha explicação não o explicará.
Porta para o Infinito, pág. 17

· Quando evoquei a visão de Eligio, levei um susto que abalou meu estado visionário. Eligio tinha uma forma branca e longa, que se contorcia e parecia saltar sobre mim. Dom Juan explicou que Eligio era um aprendiz muito talentoso e que, sem dúvida, percebera que alguém o estava vendo.
Outra escolha de Dom Juan foi Pablito, o aprendiz de Dom Genaro. O choque que a visão de Pablito provocou em mim ainda foi pior do que o de Eligio.
Dom Juan ria tanto que as lágrimas lhe corriam pelas faces. — Por que essa gente tem formas diferentes? — perguntei. — Têm mais poder pessoal — respondeu ele. — Conforme pode observar, não estão presos ao solo.
— O que lhes deu essa leveza? Já nasceram assim?
— Nós todos nascemos assim leves e saltitantes, mas nos tornamos presos à terra e fixos. Nós nos fazemos ficar assim. Portanto, talvez possamos dizer que essas pessoas têm formas diferentes porque vivem como guerreiros. Mas isso não é importante. O que tem valor é você ter chegado até aqui. Chamou 47 pessoas e resta apenas mais uma para que se completem as 48 originais.
Lembrei-me naquele momento que anos antes ele me dissera, falando sobre feitiçaria do milho e adivinhação, que o número de grãos de milho que um feiticeiro possuía era 48. Nunca explicara por quê. Tornei a perguntar:
— Por que 48?
— Quarenta e oito é o nosso número — disse ele. — É isso que nos torna homens. Não sei por quê. Não desperdice seu poder fazendo perguntas tolas.
Porta para o Infinito, pág. 38

· Genaro acha que tem de se certificar, neste ponto, de que você armazenou suficiente poder pessoal que lhe permita transformar sua vontade numa unidade funcional.
A vontade era outro conceito que Dom Juan delineara com muito cuidado, mas sem deixá-lo claro. Eu deduzira de suas explicações que a vontade era uma força que emanava da região umbilical por uma abertura invisível abaixo do umbigo, uma abertura que ele chamou de "brecha". Vontade supostamente só era cultivada pelos feiticeiros. Vinha aos praticantes velada em mistério e supostamente lhes dava a capacidade de praticarem atos extraordinários.
Observei a Dom Juan que não havia possibilidade de uma coisa tão vaga algum dia ser uma unidade funcional em minha vida.
— Aí é que você se engana — disse ele. — A vontade se desenvolve no guerreiro a despeito de toda a oposição da razão.
— Dom Genaro, sendo feiticeiro, não pode saber se estou pronto ou não, sem me pôr à prova? — perguntei.
— Por certo que pode. Mas saber isso não terá valor nem conseqüência alguma, pois nada tem a ver com você. É você que está aprendendo, portanto você é que tem de reivindicar o conhecimento e o poder, não Genaro. Genaro não se preocupa com o saber dele, e sim com o seu. Você tem de descobrir se sua vontade funciona ou não. Isso é muito difícil de saber. A despeito do que Genaro e eu sabemos a seu respeito, você tem de provar a si mesmo que está numa situação de considerar o conhecimento como poder. Em outras palavras, você mesmo tem de estar convencido de que pode exercer sua vontade. Se não, então terá de se convencer hoje. Se você não puder executar essa tarefa, então a conclusão de Genaro será que, não importa o que ele possa ver em você, você ainda não está preparado.
Porta para o Infinito, pág. 76

· — Como você sabe, o ponto nevrálgico da feitiçaria é o diálogo interno; esta é a chave de tudo. Quando um guerreiro aprende a pará-lo, tudo se torna possível; os planos mais rebuscados se tornam exeqüíveis. O caminho para todas as experiências fantásticas e sobrenaturais que você teve recentemente foi o fato de você conseguir parar de falar consigo mesmo. Completamente desligado, você já viu o aliado, o sósia de Genaro, o sonhador e o objeto dos sonhos, e hoje você quase aprendeu sobre a totalidade do seu ser; era esse o feito do guerreiro que Genaro esperava que você realizasse. Tudo isso foi possível por causa da quantidade de poder pessoal que você já armazenou. Começou da última vez que você esteve aqui, quando avistei um augúrio muito auspicioso. Quando você chegou, ouvi o aliado rondando; primeiro, ouvi seus passos macios e depois vi a mariposa olhando para você, quando você saltou do carro. O aliado estava imóvel, observando-o. Para mim, esse foi o melhor augúrio. Se o aliado estivesse agitado, movimentando-se como se estivesse contrariado com a sua presença, como tem estado sempre, o rumo dos acontecimentos teria sido diferente. Muitas vezes já vi o aliado num estado hostil para com você, mas dessa vez o augúrio era bom e vi que o aliado tinha algo a lhe transmitir sobre o conhecimento. Foi por isso que disse que você tinha um compromisso com o conhecimento, um compromisso com uma mariposa que estava pendente há muito tempo. Por motivos inconcebíveis para nós, o aliado escolheu a forma de uma mariposa para manifestar-se a você.
Porta para o Infinito, pág. 86

· Somos percebedores — prosseguiu. — O mundo que percebemos, porém, é uma ilusão. Foi criado por uma descrição que nos foi contada desde o momento em que nascemos. Nós, os seres luminosos, nascemos com dois círculos de poder, mas só usamos um para criar o mundo. Esse círculo, que é preso logo depois que nascemos, é a razão, e seu companheiro é falar. Entre eles, inventam e mantêm o mundo. Assim, em essência, o mundo que sua razão quer sustentar é o mundo criado por uma descrição e suas regras dogmáticas e invioláveis, que a razão aprende a aceitar e defender. O segredo dos seres luminosos é que têm um outro círculo de poder que nunca é usado, a vontade. O truque do feiticeiro é o mesmo truque do homem normal. Ambos têm uma descrição; um, o homem normal, a sustenta com sua razão; o outro, o feiticeiro, a sustenta com sua vontade. Ambas as descrições têm suas regras e essas regras são percebíveis, mas a vantagem do feiticeiro é que a vontade é mais absorvente do que a razão. A sugestão que quero fazer aqui é que de hoje em diante você se deixe perceber se a descrição é mantida pela sua razão ou a sua vontade. Acho que é esse o único meio de você usar seu mundo de todo dia como desafio e veículo para acumular suficiente poder pessoal a fim de chegar à totalidade de seu ser. Talvez que da próxima vez que você vier, já terá suficiente poder. De qualquer forma, espere até sentir, como sentiu hoje na vala de irrigação, que uma voz interior lhe está dizendo para agir assim. Se vier de qualquer outra forma, será uma perda de tempo e um perigo para você
Porta para o Infinito, pág. 90

· Ele fez um gesto de impaciência com a mão e disse que era política dele nunca se deter sobre os fatos passados.
— O importante agora é que você seguiu minha sugestão — disse ele. — Tomou seu mundo de todo dia como um desafio, e a prova que já armazenou suficiente poder pessoal é o fato indiscutível de ter-me encontrado sem qualquer dificuldade, no local exato em que devia.
— Duvido muito de que o mérito disso seja meu — disse eu. — Eu o estava esperando e aí você apareceu. Só sei disso; e é só isso que interessa a um guerreiro saber.
— O que vai acontecer, já que o encontrei? — perguntei.
— Para começar, não vamos falar sobre os dilemas de sua razão, essas experiências pertencem a outra época e outro estado de espírito. São, por assim dizer, apenas os degraus de uma escada infinita; dar ênfase a isso seria menosprezar a importância do que está acontecendo agora. Um guerreiro não pode se dar ao luxo de fazer isso.
Tive um desejo quase invencível de reclamar. Não que eu ressentisse qualquer coisa que me tivesse acontecido, mas é que eu ansiava por alivio e compreensão. Dom Juan parecia perceber o que eu estava sentindo e falou como se eu tivesse expressado meus pensamentos:
— Somente como guerreiro é que podemos suportar o caminho do conhecimento. Um guerreiro não pode reclamar nem lamentar nada. Sua vida é um desafio interminável, e os desafios não podem ser bons ou maus. Os desafios são simplesmente desafios.
Porta para o Infinito, pág. 97

· — Isso depende de seu poder pessoal. Como é sempre o caso nos feitos e não feitos dos guerreiros, o poder pessoal é a única coisa que importa. Até agora, eu diria que você se está saindo bem.
Depois de um momento de silêncio, como se quisesse mudar de assunto, ele se levantou e apontou para o terno.
— Vesti meu temo por sua causa — disse ele, num tom misterioso. — Esse temo é o meu desafio. Veja como fico bem nele! Como é fácil! Hem? Nada de mais.
Dom Juan ficava realmente muito bem de temo. O único tempo de comparação que me ocorria era o aspecto do meu avô no seu temo de pesada casemira inglesa. Ele dava sempre a impressão de se sentir sem naturalidade, deslocado, de temo. Dom Juan, ao contrário, ficava bem à vontade.
— Acha que para mim é fácil parecer à vontade de terno? —
perguntou Dom Juan.
. Eu não sabia o que responder. Disse comigo mesmo, contudo, que a julgar pela aparência dele e seu modo de proceder, que seria a coisa mais fácil do mundo para ele.
— Vestir um temo é um desafio para mim — disse ele. — um desafio tão difícil quanto usar sandálias e um poncho seria para você. Mas você nunca teve necessidade de enfrentar esse desafio. Meu caso é diferente; sou índio.
Nós nos olhamos. Ele ergueu as sobrancelhas, numa pergunta muda, como se esperando meus comentários.
— A diferença básica entre um homem comum e um guerreiro é que um guerreiro aceita tudo como um desafio — continuou ele enquanto que um homem comum aceita tudo ou como uma bênção ou uma praga.
Porta para o Infinito, pág. 98

· — O mundo se adapta a nós — disse Dom Juan, depois de ouvir minhas dúvidas. — Isto não é uma cena arrumada. É um augúrio, um ato de poder. O mundo sustentado pela razão faz de tudo isso um acontecimento que podemos observar por um momento, a caminho de coisas mais importantes. O que podemos dizer a respeito é que um homem está deitado na grama do jardim, talvez bêbado. O mundo sustentado pela vontade torna isso um ato de poder, que podemos ver. Podemos ver a morte rodopiando em volta do homem, enfiando suas garras cada vez mais profundamente nas fibras luminosas dele. Podemos ver os fios luminosos perdendo sua tensão e desaparecendo um a um. São essas as duas possibilidades que se apresentam a nós seres luminosos. Você está em algum ponto no meio, ainda querendo ter tudo sob a rubrica da razão. E, no entanto, como pode desprezar o fato de que seu poder pessoal convocou um augúrio? Viemos a este jardim, depois que você me encontrou onde eu o esperava. Você me encontrou apenas andando até mim, sem pensar, nem planejar, nem propositadamente usar a sua. razão. Depois que nos sentamos aqui para esperar um augúrio, notamos aquele homem, cada um de nós reparou nele a seu modo, você, com sua razão, eu com minha vontade. Aquele homem agonizante é um dos centímetros cúbicos de sorte que o poder sempre apresenta ao guerreiro. A arte é estar perenemente fluido para poder colhê-lo. Eu o colhi, mas e você?
Porta para o Infinito, pág. 104

· Seu tonal é tão dado a entregar-se que ameaça sua totalidade. Isso é uma maneira terrível de se ser.
— O que posso fazer?
— Seu tonal tem de se convencer por motivos, seu nagual, por ações, até um apoiar o outro. Conforme já lhe disse, o tonal governa, e, no entanto, é muito vulnerável. O nagual, ao contrário, nunca, ou quase nunca, se manifesta, mas, quando o faz, apavora o tonal.
Hoje, seu tonal assustou-se e começou a encolher-se sozinho, e ai seu nagual começou a dominar. Tive de pedir emprestado um balde de um dos fotógrafos do parque para poder açoitar seu nagual como um cão desobediente e fazê-lo voltar ao lugar. O tonal deve ser protegido a todo custo. É preciso tirar-lhe a coroa, mas ele tem de continuar como o administrador protegido. Qualquer ameaça ao tonal sempre acaba em sua morte. E se o tonal morrer, o homem todo também morre. Em virtude de sua fraqueza inerente o tonal é facilmente destruído e assim uma das artes que equilibram o guerreiro é fazer o nagual aparecer para sustentar o tonal. Digo que é uma arte porque os feiticeiros sabem que só reforçando o tonal é que o nagual pode aparecer. Entende o que eu digo? Esse reforço chama-se poder pessoal.
Porta para o Infinito, pág. 144

· Devo ficar apenas escutando-o, sem tomar notas? — perguntei.
— Este é um assunto delicado mesmo — disse ele. — Por um lado, preciso de sua atenção total, e por outro, você tem de ficar calmo e confiante em si. O único meio de você ficar à vontade é escrevendo, portanto é este o momento de apresentar todo o seu poder pessoal e cumprir essa tarefa impossível de ser você mesmo sem ser você. — Bateu na coxa e riu-se. — Já lhe disse que sou encarregado de seu tonal e que Genaro é encarregado de seu nagual. Tem sido meu dever ajudá-lo em todos os assuntos referentes ao tonal e tudo o que eu lhe fiz, ou fiz com você, foi feito para cumprir uma única tarefa, a tarefa de limpar e reorganizar sua ilha do tonal. É essa a minha missão como seu mestre. A tarefa de Genaro como seu benfeitor é dar-lhe demonstrações irrefutáveis do nagual e mostrar como alcançá-lo.
— O que quer dizer com limpar e reorganizar a ilha do tonal? — perguntei.
— Quero dizer, a modificação total sobre a qual lhe venho falando desde o primeiro dia em que nos conhecemos. Já lhe disse inúmeras vezes que era necessária uma mudança muito drástica se você queria ter sucessos no caminho do conhecimento. Essa mudança não é uma mudança de estado de espírito, nem de atitude, nem de ponto de vista; essa mudança implica a transformação da ilha do tonal. Você realizou esse trabalho.
Porta para o Infinito, pág. 204

· — O que acontecerá hoje aqui depende de se você tem ou não suficiente poder pessoal para focalizar a sua atenção total sobre as asas de sua percepção — disse ele.
Os olhos dele brilharam. Parecia mais agitado do que eu jamais o vira. Achei que havia algo de anormal em sua voz, talvez um nervosismo desusado.
Ele disse que a ocasião exigia que ali mesmo no lugar predileto de meu benfeitor, ele recapitulasse para mim todos os passos que dera em sua luta para me ajudar a limpar e reorganizar minha ilha do tonal. Sua recapitulação era meticulosa e levou umas cinco horas. De maneira brilhante e clara, ele me deu um relato sucinto de tudo o que tinha feito comigo desde o dia em que nos conhecemos. Era como se uma represa se tivesse rompido. Suas revelações me apanharam completamente desprevenido. Eu me acostumara a ser o pesquisador agressivo; assim, quando Dom Juan — que era sempre o lado relutante — passou a elucidar os temas de seus ensinamentos de modo tão acadêmico, aquilo pareceu tão espantoso quanto ele usar um terno na Cidade do México. Seu controle da linguagem, sua cadência dramática e sua escolha de palavras eram tão extraordinários que eu não tinha meios de explicá-los racionalmente. Ele disse que naquele ponto um mestre tinha de falar ao guerreiro individual em termos exclusivos, que o modo como ele me estava falando e a clareza de sua explicação faziam parte de seu último artifício e que somente no fim é que tudo o que ele estava fazendo teria sentido para mim. Falou sem parar, até acabar de apresentar sua recapitulação. E eu escrevi tudo o que ele disse, sem qualquer esforço consciente de minha parte.
— Vou começar dizendo-lhe que um mestre nunca procura os aprendizes e que ninguém pode pedir os ensinamentos — disse ele. — Trata-se sempre de um augúrio, que indica um aprendiz. Um guerreiro que possa estar na posição de se tornar um mestre tem de estar alerta, para poder apanhar o seu centímetro cúbico de sorte.
Porta para o Infinito, pág. 206

· — Realmente, eu levara anos para compreender a importância daquelas primeiras sugestões feitas por Dom Juan. O efeito extraordinário que as plantas psicotrópicas tiveram sobre mim foi o que me deu a idéia de que o uso delas era o principal fator dos ensinamentos. Agarrei-me a essa convicção e foi só nos últimos anos de meu aprendizado que compreendi que as transformações e descobertas significativas dos feiticeiros eram sempre realizadas em estado de sobriedade.
— O que teria acontecido se eu tivesse levado a sério suas recomendações? — perguntei.
— Você teria chegado ao nagual — respondeu ele.
— Mas eu teria chegado ao nagual sem um benfeitor?
— O poder age de acordo com sua impecabilidade. Se você tivesse usado seriamente aquelas quatro técnicas, teria armazenado suficiente poder pessoal para encontrar um benfeitor. Você teria sido impecável e o poder teria aberto todas as avenidas necessárias. É esta a regra.
— Por que me deu mais tempo?
— Você teve todo o tempo necessário. O poder me mostrou o caminho. Uma noite, dei-lhe um enigma paia decifrar; você tinha de encontrar seu ponto benéfico defronte da porta de minha casa.
Naquela noite, você teve um desempenho maravilhoso sob pressão e de manhã você adormeceu em cima de uma pedra muito especial que eu tinha posto lá. O poder mostrou-me que você tinha de ser impelido sem piedade, senão nada faria.
— As plantas de poder me ajudaram?
— Por certo. Elas o abriram, parando sua visão do mundo.
Nesse ponto, as plantas de poder têm o mesmo efeito sobre o tonal que o modo certo de andar. Ambos o inundam com informações e obrigam o diálogo interno a parar. As plantas são excelentes para isso, mas muito caras. Causam males indizíveis ao corpo. É a desvantagem delas, especialmente no caso da erva-do-diabo.
— Se você sabia que elas são tão perigosas, por que me deu tantas, tantas vezes?
Ele me assegurou que os detalhes do processo eram resolvidos pejo próprio poder. Disse que embora os ensinamentos devessem abranger os mesmos assuntos com todos os aprendizes, a ordem era diferente para cada um, e que ele tivera repetidas indicações de que eu precisava de muita coação a fim de me ocupar de alguma coisa.
— Eu estava lidando com um convencido ser imortal que não tinha respeito por sua vida nem sua morte — disse ele, rindo.
Porta para o Infinito, pág. 214

· — Você está reclamando — disse Dom Juan, secamente. — Até a última hora, está com pena de si.
Todos riram. Ele tinha razão. Que necessidade invencível! E eu que pensava ter vencido aquilo de uma vez. Pedi que todos perdoassem minha idiotice.
— Não peça desculpas — disse-me Dom Juan. — As desculpas são tolices. O que realmente importa é ser um guerreiro impecável neste lugar de poder raro. Este lugar abrigou os melhores guerreiros. Seja tão bom quanto eles. — Ele então dirigiu-se a Pablito e a mim: — Vocês já sabem que este é o último trabalho em que estaremos juntos. Vocês entrarão no nagual e no tonal pela força de seu poder pessoal, exclusivamente. Genaro e eu só estamos aqui para lhes dizer adeus. O poder resolveu que Nestor seja testemunha. Assim seja. — Esta será também a última encruzilhada de vocês a que Genaro e eu compareceremos. Depois que entrarem no desconhecido sozinhos, não poderão depender de nós para trazê-los de volta, e portanto uma decisão se impõe; vocês têm de resolver se voltarão ou não. Temos confiança que vocês dois têm a força para voltar, se quiserem. Na outra noite foram perfeitamente capazes, juntos ou separadamente, de derrubar o aliado que os teria esmagado e morto. Aquilo foi uma prova de força. Devo acrescentar ainda que poucos guerreiros sobrevivem ao encontro com o desconhecido que vocês estão prestes a ter; não tanto por ser difícil, mas porque o nagual é mais atraente do que se pode exprimir, e os guerreiros que viajam para ele acham que voltar ao tonal, ou ao mundo de ordem e barulho e de dor, é uma coisa nada atraente. A decisão de ficar ou regressar é tomada por algo dentro de nós que não é nem nossa razão nem o nosso desejo, mas a nossa vontade, de modo que não há meio de se saber o resultado de antemão. Se vocês resolverem não voltar, desaparecerão como se a terra os tivesse engolido. Mas se vocês escolherem a volta a esta Terra, devem esperar como verdadeiros guerreiros até terminarem suas tarefas especiais. Uma vez terminadas, quer com êxito quer no fracasso, vocês terão o domínio sobre a totalidade de seus seres.
Porta para o Infinito, pág. 249

· — Se vocês dois resolverem voltar a esta Terra — disse ele —, terão de esperar como verdadeiros guerreiros até que suas tarefas estejam cumpridas. Essa espera parece muito com a caminhada do ,guerreiro da história. Entendam, o guerreiro tinha acabado o tempo humano, e vocês também. A única diferença é quem está mirando — sobre vocês. Aqueles que estavam mirando o guerreiro eram seus camaradas guerreiros. Mas o que está mirando vocês dois é o desconhecido. A única chance de vocês é a sua impecabilidade. Devem esperar sem olhar para trás. Devem esperar sem contar com recompensas. E devem dedicar todo o seu poder pessoal a cumprir suas tarefas. Se vocês não agirem impecavelmente, se começarem a se afligir e ficar impacientes e desesperados, serão arrasados impiedosamente pelos atiradores do desconhecido. Se, por outro lado, sua impecabilidade e seu poder pessoal forem tais que vocês sejam capazes de cumprir suas tarefas, então conseguirão a promessa do poder. E qual é essa promessa? Bem, podem perguntar. É uma promessa que o poder faz aos homens como seres luminosos. Cada guerreiro tem um destino diferente, de modo que não há meio de dizer qual será essa promessa para qualquer um de vocês.
Porta para o Infinito, pág. 252

· — Você algum dia viu o molde, Gorda? — perguntei.
— Claro, quando fiquei completa de novo. Fui àquele determinado olho-d'água um dia, sozinha, e lá estava ele. Era um ser luminoso, radiante. Eu não podia olhar para ele. Ele me cegava. Mas era suficiente apenas estar na presença dele. Eu me senti feliz e forte. E nada mais tinha importância, nada. Só estar ali era tudo o que eu queria. O Nagual disse que às vezes, se tivermos bastante poder pessoal, podemos ter uma visão do molde, mesmo se não formos feiticeiros: quando isso acontece dizemos que vimos Deus. Ele disse que se o chamarmos de Deus, será verdade. O molde é Deus.
O Segundo Círculo do Poder, pág. 117

· "Perguntei ao Nagual sobre as possibilidades de Pablito e ele me disse que eu devia saber que tudo no mundo de um guerreiro depende do poder pessoal e o poder pessoal depende da impecabilidade
O Segundo Círculo do Poder, pág. 128

· "O Nagual me disse uma coisa muito estranha. Disse que eu tinha uma quantidade enorme de poder pessoal e que por causa disso eu sempre conseguia comida dos amigos, enquanto os parentes em minha casa passavam fome.
"Todo mundo tem suficiente poder pessoal para alguma coisa. O problema para mim era tirar o meu poder pessoal da comida para empregá-lo no meu propósito de guerreira.
O Segundo Círculo do Poder, pág. 128

· — O Nagual disse que somente um feiticeiro que veja e não tenha forma pode auxiliar alguém, e por isso que ele nos ajudou e nos fez o que somos. Você não pensa que pode andar pelas ruas apanhando pessoas para ajudá-las, pensa?
Dom Juan já me expusera o problema que era eu não poder auxiliar os meus semelhantes de modo algum. Aliás, segundo ele, todos os esforços para ajudar, de nossa parte, eram atos arbitrários guiados só por nosso interesse próprio.
Um dia, quando eu estava com ele na cidade, apanhei uma lesma que estava no meio da calçada e a coloquei em segurança, debaixo de umas trepadeiras. Eu estava certo de que, se a deixasse no meio da calçada, as pessoas, mais cedo ou mais tarde haviam de pisar nela. Achei que, levando-a para um lugar seguro, eu a salvara. Dom Juan mostrou que a minha suposição era descuidada, pois eu não levara em consideração duas possibilidades importantes. Uma, que a lesma podia estar fugindo a uma morte certa por envenenamento sob as folhas da trepadeira, e a outra possibilidade era que a lesma tinha suficiente poder pessoal para atravessar a calçada. Interferindo, eu não salvara a lesma, mas apenas a fizera perder tudo o que tinha ganho com tanto sacrifício.
Naturalmente, eu queria pôr a lesma de volta onde a encontrara, mas ele não me deixou. Disse que fora o destino da lesma um idiota atravessar o caminho dela e fazê-la perder o impulso. Se eu a deixasse onde a pusera, ela poderia ainda conseguir poder suficiente para ir aonde quer que estivesse indo.
O Segundo Círculo do Poder, pág. 226

· Tinha aceitado a liderança que os aprendizes achavam que pertencia a mim, mas não tinha idéia de como liderar.
A pressão na minha vida também se mostrou de uma forma mais séria. Meu nível usual de energia estava se tornando progressivamente mais fraco. Dom Juan teria dito que eu estava perdendo meu poder pessoal e que eventualmente perderia a vida. Ele tinha me preparado para viver exclusivamente através do poder pessoal, que eu compreendia ser um estado de ser, uma relação de ordem entre o sujeito e o Universo, uma relação que não pode ser interrompida sem resultar na morte do sujeito. Já que não havia nenhum modo de prever a mudança da minha situação, tinha concluído que minha vida estava chegando ao fim. Meus sentimentos de estar condenado pareciam enfurecer meus aprendizes. Decidi me afastar deles por uns dois dias para diminuir minha melancolia e a tensão deles.
O Presente da Águia, pág. 29

· — Que espécie de sonho você propõe que façamos? — perguntou ela.
— Quantos tipos há? — perguntei.
— Podíamos sonhar juntos — replicou. — Meu corpo me diz que já fizemos isso antes. Entremos no sonho como um grupo. Será facílimo para nós, como foi ver juntos.
— Mas não sabemos o processo de sonhar juntos — falei.
— Não sabíamos como ver juntos e ainda assim vimos – disse ela. — Tenho certeza de que se tentarmos podemos conseguir, pois não há processo para nada que um guerreiro faça. É apenas uma questão de poder pessoal. E nesse momento temos esse poder.
— Nós dois devíamos começar nosso sonho de dois lugares diferentes, tão longe quanto possível um do outro. O que entrar no sonho primeiro espera pelo outro. Quando nos encontrarmos entre laçamos nossos braços e nos aprofundamos juntos.
Disse-lhe que não tinha idéia de como esperar por ela se eu entrasse no sonho antes. Ela própria não sabia dizer o que se tinha de fazer para esperar. Falou que esperar pelo outro sonhador era o que Josefina tinha descrito como "agarrá-los". La Gorda tinha sido agarrada por Josefina duas vezes.
— Josefina falava "agarrar" porque uma de nós tinha de segurar a outra pelo braço — explicou.
Ela demonstrou então o processo de entrelaçar seu braço esquerdo no meu braço direito, segurando a parte de baixo dos cotovelos.
— Como é que podemos fazer isso sonhando? — inquiri:
Eu pessoalmente considerava sonhar um dos estados mais particulares possíveis.
Não sei como, mas vou segurá-lo — falou La Gorda. — Creio que meu corpo sabe como. Mas quanto mais falarmos sobre isso mais difícil vai parecer.
O Presente da Águia, pág. 106

· Enquanto neste mundo, o número mínimo sob a liderança de um nagual é sempre dezesseis: oito guerreiras, quatro guerreiros, contando com o nagual, e quatro mensageiros. No momento de deixar o mundo, quando a nova mulher nagual estiver com eles, o número passa a dezessete. Se seu poder pessoal permitir-lhe ter mais guerreiros, então devem ser acrescentados em múltiplos de quatro.
O Presente da Águia, pág. 145

· O ponto no qual a diferença de liderança teve maior significado para Dom Juan foi durante a interação compulsória que ele teve com os guerreiros do seu benfeitor. A ordem do regulamento era que seu benfeitor encontrasse para Dom Juan primeiramente uma mulher nagual e depois um grupo de quatro mulheres e quatro homens para formar o grupo de guerreiros. Seu benfeitor viu que Dom Juan ainda não tinha bastante poder pessoal para assumir a responsabilidade de uma mulher nagual; então alterou a seqüência e pediu às mulheres do seu próprio grupo para encontrarem para Dom Juan as quatro guerreiras em primeiro lugar, e depois os quatro guerreiros.
O Presente da Águia, pág. 148

· Dom Juan disse que sua primeira impressão foi boa. Para ele haveria apenas trabalho e privações dali por diante. As mulheres viram que Dom Juan era indisciplinado e que não podiam confiar nele para realizar a tarefa complexa e delicada de guiar quatro mulheres. Uma vez que elas próprias eram observadoras, deram sua interpretação pessoal do regulamento e decidiram que seria melhor que ele ficasse com os quatro guerreiros primeiro e depois com as quatro guerreiras. Dom Juan falou que a observação delas tinha sido correta, pois para lidar com guerreiras o nagual teria de estar num estado de poder pessoal extremado, num estado de serenidade e controle, no qual os sentimentos humanos ocupam uma parte mínima, estado que naquela época lhe era inconcebível.
O Presente da Águia, pág. 148

· Dom Juan e seus guerreiros chegaram à totalidade deles próprios, e dirigiram-se à sua última tarefa, que era a de encontrar um novo par de seres duplicados. Dom Juan disse que achavam que seria uma coisa simples — tudo o mais tinha sido relativamente fácil para eles. Não tinham idéia de que a falta de esforço aparente de suas realizações como guerreiros era conseqüência da maestria do seu benfeitor e de seu poder pessoal.
O Presente da Águia, pág. 177

· Florinda estava de pé no hall, como se estivesse esperando que Dom Juan me empurrasse para dentro. Pegou no meu braço e me levou em silêncio para a sala de visita. Sentamo-nos. Eu queria começar a conversar mas não conseguia falar. Ela explicou que um empurrão de um guerreiro impecável, como o nagual Juan Matus, pode causar uma mudança para outra área de conscientização. Disse que meu erro todo o tempo fora acreditar que os métodos não eram importantes. O método de empurrar um guerreiro para outro estado de conscientização é válido apenas se os dois participantes, especialmente o que empurra, são impecáveis e impregnados de poder pessoal.
O Presente da Águia, pág. 218

· Dom Juan dizia que os guerreiros chamam a esse fenômeno "poder". Então, quando falam em ter poder pessoal, referem-se ao fato da intenção chegar a eles por sua própria conta. O resultado disso, dizia ele, podia ser descrito como uma facilidade em encontrar novas soluções — ou a facilidade em causar efeitos nos acontecimentos ou nas pessoas. É como se as possibilidades desconhecidas previamente pelos guerreiros se tornassem evidentes de repente. Assim, um guerreiro impecável nunca planeja nada antes do tempo, mas seus atos são tão decisivos que parecem ter sido planejados detalhadamente de antemão.
O Presente da Águia, pág. 257

· Dom Genaro interrompeu e disse que os outros guerreiros-viajantes antes de nós estiveram naquele mesmo cume plano da montanha, antes de embarcar nas suas jornadas para o desconhecido. Dom Juan virou-se para mim e numa voz suave disse que logo eu estaria entrando no infinito pela força de meu poder pessoal, e que ele e Dom Genaro estavam lá somente para se despedirem. Dom Genaro interrompeu novamente e disse que eu também estava lá para fazer o mesmo por eles.
— Uma vez que você entre no infinito — disse Dom Juan — não pode depender de nós para trazê-lo de volta. Sua decisão é necessária então. Somente você pode decidir se volta ou não. Também devo preveni-lo de que poucos guerreiros-viajantes sobrevivem a esse tipo de encontro com o infinito. O infinito é incrivelmente sedutor. Um guerreiro-viajante descobre que voltar ao mundo da desordem, da compulsão, do barulho e da dor é um assunto nada atraente. Você deve saber que a sua decisão de permanecer ou voltar não é uma questão de escolha racional, mas uma questão de intentá-la.
"Se você escolher não voltar, desaparecerá como se a terra o tivesse engolido. Mas se escolher retornar, deve apertar os cintos e esperar como um verdadeiro guerreiro-viajante até que a sua tarefa, seja ela qual for, esteja terminada, com sucesso ou com fracasso."
O Lado Ativo do Infinito, pág. 293

As Flores do Bem


-um devaneio poético dos sentimentos florais de Bach.

A Coroa Luminosa.O Orgulho reside na Coroa. É a incapacidade de viver plenamente a solidão da existência e de se identificar com o Divino. Frente à Luz Eterna, extática e apolar de Kether, há três forma básicas de manifestação do Orgulho:o Egoísmo (Heather), o Despeito (Impatiens) e a Altivez (Water Violet). Ou seja: ou somos os ‘donos’da Coroa Sagrada, ou invejamos não tê-la, ou ainda, fingimos não desejá-la.
O Egoísmo é o sentimento que aflora à consciência fruto de uma ilusão de poder e autonomia, que acaba isolando a pessoa através de uma dependência arrogante que desconhece sua real integração com os outros. O Despeito, por sua vez, sempre gera impaciência e irritabilidade. É a raiva invejosa que impede a identificação emocional com o que lhe é superior. A Altivez assemelha-se ao egoísmo, uma vez que também é uma identificação virtual com a Luz Interior, enquanto o Despeito, filho da Rivalidade, é uma resistência instintiva a este reconhecimento. Porém, enquanto o Egoísta se sente superior, se colocando sempre no centro das atenções, o Altivo sofre calado, discretamente, criando um mundo próprio onde reina absoluto.

Os olhos e o presenteSão os olhos que interpretam e interpenetram a Realidade. São eles que organizam as vibrações e freqüências cromáticas em formas, criando a Imag-em-ação. Para aprender a observar é necessário conhecer os mecanismos da imaginação dos olhos, seus subterfúgios mentais. O Devaneio (Clemantis), em que a mente esconde a Realidade em divagações do pensamento, é uma das fugas psic-óticas mais freqüentes, porém a Nostalgia (Honeysuckle) - quando a imaginação se refugia da lembrança de um passado belo - e as projeções de um Futuro Negro (WhiteChestnut) - onde a suposição de fatos desagradáveis sempre se antecipa - são também manifestações constantes aos olhos pouco observadores. O belo passado e o futuro negro nos roubam o olhar do presente.
Mas há também os Olhos Tristes e os Olhos Cansados. A Tristeza pode se manifestar sob a forma de Melancolia (Mustard) ou de Apatia (Wild Rose), sendo a primeira uma nuvem negra que se abate sobre os olhos cegando-os para vida, enquanto a outra apresenta traços de um conformismo e de uma resignação com sua situação.
Já os Olhos Cansados podem ser fracos (Olive) ou repetentes (Chestnut Bud). Estes últimos estão cansados de viver experiências recorrentes, de repetir erros de uma forma viciada; enquanto os primeiros têm preguiça de ver e não querem mais observar.

A Palavra e a VozSe se observar como um homem se sente após ter empenhado sua palavra sobre algum assunto, podemos determinar corretamente a forma de indecisão que lhe é peculiar. Trata-se sempre de uma luta da Vontade contra a Dúvida, do cumprimento da palavra emprenhada pela voz contra a sua desmoralização pelo corpo e pela realidade. Enquanto os olhos não apenas apreendem, mas também estruturam, a realidade; a Voz é como uma Espada que luta por sua transformação.
Caso haja uma alternância (Scleranthus) entre dois opostos, a euforia e a tristeza, por exemplo, termos uma indecisão de um tipo diferente do que se nossa confiança na intuição inicial for carcomida por suposições racionalistas (Cerato).Já se formos abertamente pessimistas, podemos ser classificados em três categorias: aquele que desanima facilmente frente às dificuldades (Gentian), o derrotista inveterado (Gorse), que justifica sua apatia e estagnação na própria fé, e, finalmente, a fadiga psicológica (Hornbean), que também pode ser chamada de preguiça verbal.
Há ainda pessoas a que faltam determinação (Wild Oat), que não conseguem honrar a palavra por absoluta falta de convicção em tudo.


O Coração e o OutroO Coração por natureza é volúvel e susceptível à influência dos outros. Seus movimentos, cardíacos, pulsam em pelo menos quatro ritmos:
O Malvado - Quando o coração odeia, se remoendo de raiva ou ciúme, é porque inveja um outro coração (Holly).
O Fingido - Quando o coração mente, escondendo sua tristeza em uma alegria histérica e falsa (Agrimony).
O Servil - Quando o coração não tem vontade própria e se esmera em agradar sempre aos outros, sacrificando-se (Century).
O Mutante - Quando o coração não odeia, não mente, nem se presta à adulação; ele pulsa uma revolução, porque se esquece do Outro e se concentra em si, propiciando mudanças e transformação (Walnut).

O Inventário dos MedosHá medos e medos. Os indefinidos e genéricos, medos vagos como pressentimentos maus (Aspen); e também medos específicos: medo de doença, de pobreza, de escuridão, de ficar sozinho (Minimulus). Pode-se sentir medo de si mesmo, de perder a razão e fazer coisas terríveis (Cherry Plum) e também pode-se sentir medo pelos outros, a aflição obsessiva que teme que aconteçam desgraças àqueles que amam (Red Chesnut). Mas o pior de todos os medos é o pânico desesperado de temer o próprio medo. É o medo do medo (Rock Rose).
Mas, todos esses medos, que formigam no meu plexo solar, são medos da vida. Para o medo da morte não há remédio, sabor ou perfume. A única saída é enfrentá-lo corajosamente de cara limpa.

O EspelhoVejo o sexo como a lua, como um imenso espelho branco prateado, como uma balança moral onde os homens se comparam e estabelecem critérios de julgamento. Nele posso me reconhecer como o obsessivo e possessivo superprodutor (Chicory) ou como dominar inflexível, que em sua ambição arrogante e prepotente, quer dominar os outros (Vine).
Através do espelho sexual de minha lua, quero ser um exemplo para os outros, seja na forma de culpa e de automartírio moral (Rock Water), seja no fanatismo narcistista de querer converter todos às minhas crenças e idéias fixas (Vervain), ou ainda sendo crítico e intransigente com tudo e com todos, não aceitando meus relacionamentos (Beech).

O Desalento EscatológicoAparentemente os dois significados da palavra ‘escatologia’ não têm a menor conexão lógica. Mas, para os observadores do mundo interior que distinguem as manifestações coccígenas de seus sentimentos, há uma relação anal muito clara e evidente entre os excrementos biológicos humanos (a merda) e o Final dos Tempos e da História. É o Desalento.
Este pode ser um sentimento de inferioridade e de fracasso, sem confiança na própria capacidade e que nunca se arrisca (Larch) ou um complexo de culpa anal, uma insatisfação crônica consigo mesmo, que se sente responsável pelas falhas dos outros (Pine). Há ainda os desalentos pessimistas provocados pelo excesso de responsabilidade (Oak), pela inadequação pro uma exigência exagerada (Elm) ou pelo sentimento de ter sido injustiçado e humilhado: o amargo ressentimento anal dos estuprados (Willow).
Existem também o desalento dos choques naqueles que recusam o consolo (Star of Bethelem) e o desalento das angústias da degeneração generalizada (Sweet Chestnut). Porém, o desalento mais escatológico é o que se identifica diretamente com os excrementos e com a falta absoluta de perspectiva dos que têm njo ou vergonha de si mesmos (Crab Aple), pois não se trata apenas de auto-aversão ou de rejeição, mas do sentimento de ser uma merda.

Os florais e os centros de energia.A Coroa, os Olhos, a Voz, o Coração, o Espelho e a Merda. Cada um com seus perfumados sentimentos, com seus aromas e humores, fragrâncias e fedores dos pecados capitais. Mas, nessa matéria volátil, todas as classificações são pífias. Belas são as flores e não as palavras que as chamam. Belos são os Jardins dos Sete Palácios Celestiais.

(VII) A Coroa, o orgulho e a luz.
A) Heather - Egoismo e dependência.
B) Impatiens - Impaciência e irritabilidade.
C) Water Violet - Sofrem caladas, sentem-se superiores, altivos.

(VI) Centro Frontal, os olhos e a imaginação.
A) Chestnut Bud - repetição de erros, situações recorrentes, vícios,
B) Clematis - Sonhadores, divagação do pensamento, ilusões mentais.
C) Honeysuckle - Pessimismo e nostálgia, fuga para o passado belo.
D) Mustard - Depressão violenta sem motivos, melancolia fria.
E) Olive - Força para seguir, cansaço justificado.
F) White Chestnut - Evitar idéias e suposições desagradáveis.
G) Wild Rose - Resignação, conformismo, apatia.

(v) Centro Laríngeno, a voz e a Palavra.
A) Cerato - Falta de confiança, conflito entre intuição e racionalismo.
B) Gentiam - Pessimismo de depressão, desanima nas dificuldades.
C) Gorse - Estagnação, apatia, derrotismo.
D) Hornbean - Fadiga psicológica.
E) Sclerantus - Indecisões biopolares. Alterna euforia e tristeza.
F) Wild Oat - Falta de determinação.

(IV) Centro Cardíaco e o coração indeciso.
A) Agrimony - Escondem problemas com falsa alegria.
B) Centaury - Tentam agradar os outros, timidez.
C) Holly - Ódio, inveja, negatividade pura.
D) Walnut - Para revoluções de vida.

(III) os medos do plexo solar.
A) Aspen - Medos indefindos de coisas específicas.
B) Cherry Plum - Desespero suicida, colapso nervoso.
C) Mimulus - Medo do mundo, medos leves mais persistentes.
D) Red Chestnut - Para os que se afligem por outros e esquecem de si.
E) Rock Rose - Pavor, pânico - remédio de emergência.

(II) Centro sacro: a lua, o espelho e o sexo.
A) Beech - Intolerância, não aceita os outros.
B) Chicory - Possessividade e supermeticulosidade, vítima.
C) Rock Water - Auto-martírio moral, culpa.
D) Vervain - Fanatismo, idéia fixa.
E) Vine - Ambição prepotente, querem dominar os outros.

(I) Centro coccígeno, a merda.
A) Crab Aple - Auto-aversão, rejeição, identificação com o negativo.
B) Elm - Inadequação por exigência exagerada.
C) Larch - Sem confiança na própria capacidade.
D) Oak - Excesso de responsabilidade.
E) Pine - Insatisfação, projeta seus erros nos outros.
F) Star of Bethelem - Estado de choque.
G) Sweet Chesnut - loucura, desorganização afetiva.
H) Willow - Amargura.