· Seu amigo não é um guerreiro — disse ele. — Se fosse, saberia que a pior coisa que se pode fazer é confrontar os seres humanos de cara.
— O que faz um guerreiro, Dom Juan?
— Um guerreiro procede estrategicamente.
— Ainda não entendo o que quer dizer.
— Quero dizer que, se seu amigo fosse um guerreiro, ajudaria o filho a parar o mundo.
— Como é que meu amigo pode fazer isso?
— Ele precisaria de um verdadeiro poder pessoal. Precisaria de ser feiticeiro.
— Mas ele não é.
— Nesse caso, tem de usar meios comuns para ajudar o filho no sentido de mudar sua concepção do mundo. Não é parar o mundo, mas tem o mesmo efeito.
Pedi que ele explicasse suas palavras.
— Se eu fosse o seu amigo — disse Dom Juan – começaria contratando alguém para surrar o garotinho. Iria a um antro de marginais e contrataria o tipo mais mal-encarado que encontrasse.
— Para assustar o guri?
— Não só para assustar o guri, seu bobo. Aquele pequeno tem de ser parado, e ser surrado pelo pai não o fará. Se a gente quer parar seus semelhantes, deve-se estar sempre fora do círculo que os oprime. Assim, a gente sempre pode dirigir a pressão.
Viagem a Ixtlan, pág. 10
· "O poder é um negócio muito especial — disse ele. — É impossível precisá-lo ou dizer o que realmente é. É uma sensação que a gente tem sobre certas coisas. O poder é pessoal. Pertence só à gente. Meu benfeitor, por exemplo, sabia fazer uma pessoa cair mortalmente doente, só de olhar para ela. As mulheres definhavam depois que ele punha os olhos sobre elas. No entanto, ele não fazia as pessoas adoecerem o tempo todo, somente quando estava envolvido o seu poder pessoal."
— Como é que ele escolhia quais as pessoas que queria tornar enfermas?
— Isso eu não sei. Nem ele mesmo sabia. O poder é assim. Comanda a pessoa e, no entanto, obedece a ela. Um caçador de poder o apanha e depois armazena-o, como seu achado pessoal. Assim. o poder pessoal cresce, e pode haver o caso de um guerreiro que tem tanto poder pessoal que se torna um homem de conhecimento.
— Como é que a gente armazena o poder, Dom Juan?
— Isso também é outra sensação. Depende de que tipo de pessoa é o guerreiro. Meu benfeitor era um homem de temperamento violento. Armazenava poder por meio daquela sensação. Tudo o ,que ele fazia era forte e direto. Deixou-me uma recordação de alguma coisa abrindo caminho, esmagando tudo em volta. E tudo o que lhe acontecia se passava assim.
Eu disse a ele que não entendia como é que o poder podia ser armazenado por uma sensação.
— Não há meio de explicar isso — falou, depois de uma longa pausa. — Terá de fazê-lo sozinho.
Pegou as cabaças com a comida e prendeu-as às costas. Entregou-me um cordão com oito pedaços de carne-seca presos e disse que o pendurasse ao pescoço.
— Isso é comida de poder — disse ele.
— O que a torna comida de poder, Dom Juan?
— É a carne de um animal que tinha poder. Um veado, um veado excepcional. Foi meu poder pessoal que o trouxe até mim. Esta carne nos sustentará durante semanas, meses se necessário. Mastigue bem alguns pedacinhos dela de cada vez. Deixe o poder penetrar lentamente em seu corpo.
Viagem a Ixtlan, pág. 122
· Escalou até lá como um cabrito-montês. Fiquei maravilhado com sua estupenda agilidade. Arrastei-me devagar pela rocha, sentado, e depois tentei correr subindo o lado da montanha, para chegar à saliência. Os últimos metros me deixaram completamente exausto. Perguntei, brincando, a Dom Juan qual a verdadeira idade dele. Eu achava que para chegar à saliência da maneira como ele chegara, a pessoa tinha de ser extremamente jovem e estar em forma.
— Sou tão jovem quanto queira ser — falou. — Isso, também, é uma questão de poder pessoal. Se você armazenar poder, seu corpo pode executar façanhas incríveis. Ao contrário, se você desperdiçar poder, ficará gordo e velho num instante.
Viagem a Ixtlan, pág. 125
· Você é doido mesmo — falou. — Mas não tem importância. Sei como é difícil viver como guerreiro. Se tivesse seguido minhas instruções e praticado todos os atos que lhe ensinei, a essa altura já teria suficiente poder para atravessar aquela ponte. Poder suficiente para ver e fazer parar o mundo.
— Mas para que eu havia de querer o poder, Dom Juan?
— Você agora não pode pensar num motivo. Mas, se conseguir armazenar suficiente poder, ele mesmo lhe dará um bom motivo. Parece coisa de louco, não é?
— Para que você quis poder?
— Sou como você. Não o queria. Não encontrava um motivo para tê-lo. Detinha todas as dúvidas que você tem e nunca segui as instruções que me davam, ou nunca pensei fazê-lo; no entanto, a despeito de minha burrice, armazenei poder suficiente e, um dia, meu poder pessoal fez o mundo desmoronar-se.
— Mas por que alguém haveria de querer parar o mundo?
— Ninguém quer, é essa a questão. Mas acontece. E uma vez que você sabe como é que é parar o mundo, entende que há um motivo para isso. Sabe, uma das artes de um guerreiro é fazer o mundo desmoronar por um motivo específico e, depois, tornar a restaurá-lo a fim de continuar a viver.
Falei que talvez o meio mais seguro de me ajudar seria dar-me um exemplo de um motivo específico para se fazer desmoronar o mundo.
Ele ficou calado por um instante. Parecia estar pensando no que deveria falar. — Não lhe posso dizer isso. É preciso poder demais para saber isso. Um dia você viverá como guerreiro, a despeito de sua vontade; então talvez tenha armazenado tanto poder pessoal que possa responder você mesmo a essa pergunta.
Viagem a Ixtlan, pág. 135
· O que quer dizer com minha última dança, Dom Juan?
— É este o lugar de sua última posição — disse ele. – Você morrerá aqui, não importa onde esteja. Todos os guerreiros têm um lugar onde morrer. Um lugar de sua predileção, encharcado de recordações inesquecíveis, onde acontecimentos poderosos deixaram sua marca, um lugar em que ele presenciou maravilhas, onde os segredos lhe foram revelados, um lugar em que ele armazenou seu poder pessoal.
"Um guerreiro tem a obrigação de voltar àquele lugar de sua predileção cada vez que toca o poder, a fim de armazená-lo ali. Ou de vai lá caminhando ou sonhando.
"E por fim, no dia em que termina seu prazo de estada na terra e ele sente o toque da morte em seu ombro esquerdo, seu espírito, que está sempre pronto, voa para o lugar de sua predileção e ali o guerreiro dança até à sua morte.
"Cada guerreiro tem uma forma específica, uma postura de poder específica, que ele desenvolve durante sua vida. É um tipo de dança. Um movimento que ele executa sob a influência de seu poder pessoal.
"Se um guerreiro agonizante tem um poder limitado, sua dança é curta; se seu poder for grandioso, sua dança é magnífica. Mas, quer seu poder seja pequeno ou imenso, a morte tem de parar para assistir à sua última posição na terra. A morte não pode alcançar o guerreiro que está contando a luta de sua vida pela última vez, até ele terminar sua dança."
As palavras de Dom Juan me deram um calafrio. A quietude, o crepúsculo, a paisagem magnífica, tudo parecia estar colocado ali como cenário para a imagem da última dança de poder do guerreiro.
— Pode ensinar-me essa dança, apesar de eu não ser guerreiro? — perguntei.
— Qualquer homem que caça poder tem de aprender essa dança — disse ele. — E, no entanto, não lhe posso ensinar, agora. Em breve, você poderá ter um adversário digno e então eu lhe mostrarei o primeiro movimento do poder. Tem de acrescentar os outros movimentos por si, com o correr da vida. Cada movimento novo tem de ser obtido numa luta de poder. Assim, a bem dizer, a postura, a forma de um guerreiro, é a história de sua vida, uma dança que aumenta à medida que ele cresce em poder pessoal.
— A morte pára mesmo para ver um guerreiro dançar?
— Um guerreiro é apenas um homem. Um homem humilde.
Ele não pode modificar os desígnios de sua morte. Mas seu espírito impecável, que armazenou o poder depois de privações tremendas, certamente pode deter sua morte por um momento, um momento suficientemente longo para deixá-la regozijar-se pela última vez ao recordar seu poder. Podemos dizer que é um gesto que a morte tem para com aqueles que possuem um espírito impecável.
Viagem a Ixtlan, pág. 149
· Pare com isso — retrucou, secamente. — Morrer é um negócio monumental. É mais do que esticar as pernas e ficar duro.
— Também dançarei em minha morte, Dom Juan?
— Por certo. Você está caçando poder pessoal, embora ainda não viva como guerreiro. Hoje, o Sol lhe deu um presságio. A melhor parte do trabalho de sua vida será efetuada no final do dia. Evidentemente, você não gosta do brilho jovem da primeira luz. Viajar de manhã não lhe agrada. Mas seu tipo é o Sol poente, amarelo-envelhecido, e maduro. Você não gosta do calor, só do brilho.
"E assim, dançará a sua morte aqui, em cima deste morro, no fim do dia. E em sua última dança contará de sua luta, das batalhas que venceu e as que perdeu; contará suas alegrias e perplexidades ao encontrar o poder pessoal. Sua dança lhe contará os segredos e as maravilhas que você armazenou. E sua morte ficará aqui sentada, assistindo.
"O Sol poente brilhará sobre você sem queimá-lo, como fez hoje. O vento será suave e o topo do morro tremerá. Quando você chegar ao fim de sua dança, olhará para o Sol, pois nunca mais o verá, desperto ou sonhando, e então sua morte apontará para o sul.
Viagem a Ixtlan, pág. 151
· Não importa como se é criado — disse ele. — O que determina a maneira de se fazer qualquer coisa é o poder pessoal. O homem é apenas a soma de seu poder pessoal, e essa soma determina como ele vive e como morre.
— O que é o poder pessoal?
— O poder pessoal é um sentimento — respondeu. – Uma coisa como ter sorte. Ou pode-se chamá-lo de um estado de espírito. O poder pessoal é uma coisa que a pessoa adquire sem considerações de sua origem. Já lhe disse que um guerreiro é um caçador de poder, e que lhe estou ensinando a caçá-lo e armazená-lo. A dificuldade com você, que é a mesma com todos nós, é a de se convencer. Precisa acreditar que o poder pessoal pode ser usado e que é possível armazená-la, mas até agora ainda não se convenceu.
Respondi que ele tinha vencido e que eu estava tão convencido quanto possível. Ele riu.
— Não é esse o tipo de convicção de que estou falando disse ele. Bateu em meu ombro, dando dois ou três soquinhos de leve, e acrescentou, com uma risada: — Não me precisa agradar, sabe.
Senti-me na obrigação de lhe assegurar de que estava falando sério.
— Não duvido — disse ele. — Mas estar convencido significa que você pode agir sozinho. Ainda terá de se esforçar muito para fazer isso. Ainda falta muita coisa por fazer. Você está apenas começando.
Calou-se por um momento. Sua fisionomia adquiriu uma expressão de placidez.
— É engraçado como, às vezes, você me faz lembrar eu mesmo — continuou. — Eu também não queria seguir o caminho do guerreiro. Achava que todo esse trabalho era sem significação, e, como todos vamos morrer, que diferença faria para mim ser guerreiro? Eu estava enganado. Mas tive de descobrir isso sozinho. No dia em que você compreender que está enganado, e que certamente faz muita diferença, poderá dizer que está convencido. E então pode seguir sozinho. E sozinho, poderá até tornar-se um homem de conhecimento. Pedi que ele explicasse o que queria dizer por homem de conhecimento.
— Um homem de conhecimento é aquele que seguiu fielmente as provações do aprendizado — disse ele. — Um homem que, sem se precipitar nem se deter, foi tão longe quanto possível para decifrar os segredos do poder pessoal.
Discutiu o conceito em termos sucintos e depois abandonou-o, como tema de conversa, dizendo que eu só me devia preocupar com a idéia de armazenar poder pessoal.
Viagem a Ixtlan, pág. 153
· — O que vamos fazer aqui desta vez, Dom Juan?
— Você sabe muito bem que estamos aqui para caçar poder.
— Sei disso. Mas o que vamos fazer neste lugar, em especial?
— Você sabe que eu não tenho a menor idéia.
— Quer dizer que nunca segue um plano?
— Caçar poder é um negócio muito esquisito — explicou. —
Não há possibilidade de se planejar com antecedência. É por isso que é tão emocionante. Porém, um guerreiro procede como se tivesse um plano, porque confia em seu poder pessoal. Sabe com certeza que esse poder o fará agir da maneira mais correta. Observei que as afirmações dele eram um tanto contraditórias.
— O que faz um guerreiro, Dom Juan?
— Um guerreiro procede estrategicamente.
— Ainda não entendo o que quer dizer.
— Quero dizer que, se seu amigo fosse um guerreiro, ajudaria o filho a parar o mundo.
— Como é que meu amigo pode fazer isso?
— Ele precisaria de um verdadeiro poder pessoal. Precisaria de ser feiticeiro.
— Mas ele não é.
— Nesse caso, tem de usar meios comuns para ajudar o filho no sentido de mudar sua concepção do mundo. Não é parar o mundo, mas tem o mesmo efeito.
Pedi que ele explicasse suas palavras.
— Se eu fosse o seu amigo — disse Dom Juan – começaria contratando alguém para surrar o garotinho. Iria a um antro de marginais e contrataria o tipo mais mal-encarado que encontrasse.
— Para assustar o guri?
— Não só para assustar o guri, seu bobo. Aquele pequeno tem de ser parado, e ser surrado pelo pai não o fará. Se a gente quer parar seus semelhantes, deve-se estar sempre fora do círculo que os oprime. Assim, a gente sempre pode dirigir a pressão.
Viagem a Ixtlan, pág. 10
· "O poder é um negócio muito especial — disse ele. — É impossível precisá-lo ou dizer o que realmente é. É uma sensação que a gente tem sobre certas coisas. O poder é pessoal. Pertence só à gente. Meu benfeitor, por exemplo, sabia fazer uma pessoa cair mortalmente doente, só de olhar para ela. As mulheres definhavam depois que ele punha os olhos sobre elas. No entanto, ele não fazia as pessoas adoecerem o tempo todo, somente quando estava envolvido o seu poder pessoal."
— Como é que ele escolhia quais as pessoas que queria tornar enfermas?
— Isso eu não sei. Nem ele mesmo sabia. O poder é assim. Comanda a pessoa e, no entanto, obedece a ela. Um caçador de poder o apanha e depois armazena-o, como seu achado pessoal. Assim. o poder pessoal cresce, e pode haver o caso de um guerreiro que tem tanto poder pessoal que se torna um homem de conhecimento.
— Como é que a gente armazena o poder, Dom Juan?
— Isso também é outra sensação. Depende de que tipo de pessoa é o guerreiro. Meu benfeitor era um homem de temperamento violento. Armazenava poder por meio daquela sensação. Tudo o ,que ele fazia era forte e direto. Deixou-me uma recordação de alguma coisa abrindo caminho, esmagando tudo em volta. E tudo o que lhe acontecia se passava assim.
Eu disse a ele que não entendia como é que o poder podia ser armazenado por uma sensação.
— Não há meio de explicar isso — falou, depois de uma longa pausa. — Terá de fazê-lo sozinho.
Pegou as cabaças com a comida e prendeu-as às costas. Entregou-me um cordão com oito pedaços de carne-seca presos e disse que o pendurasse ao pescoço.
— Isso é comida de poder — disse ele.
— O que a torna comida de poder, Dom Juan?
— É a carne de um animal que tinha poder. Um veado, um veado excepcional. Foi meu poder pessoal que o trouxe até mim. Esta carne nos sustentará durante semanas, meses se necessário. Mastigue bem alguns pedacinhos dela de cada vez. Deixe o poder penetrar lentamente em seu corpo.
Viagem a Ixtlan, pág. 122
· Escalou até lá como um cabrito-montês. Fiquei maravilhado com sua estupenda agilidade. Arrastei-me devagar pela rocha, sentado, e depois tentei correr subindo o lado da montanha, para chegar à saliência. Os últimos metros me deixaram completamente exausto. Perguntei, brincando, a Dom Juan qual a verdadeira idade dele. Eu achava que para chegar à saliência da maneira como ele chegara, a pessoa tinha de ser extremamente jovem e estar em forma.
— Sou tão jovem quanto queira ser — falou. — Isso, também, é uma questão de poder pessoal. Se você armazenar poder, seu corpo pode executar façanhas incríveis. Ao contrário, se você desperdiçar poder, ficará gordo e velho num instante.
Viagem a Ixtlan, pág. 125
· Você é doido mesmo — falou. — Mas não tem importância. Sei como é difícil viver como guerreiro. Se tivesse seguido minhas instruções e praticado todos os atos que lhe ensinei, a essa altura já teria suficiente poder para atravessar aquela ponte. Poder suficiente para ver e fazer parar o mundo.
— Mas para que eu havia de querer o poder, Dom Juan?
— Você agora não pode pensar num motivo. Mas, se conseguir armazenar suficiente poder, ele mesmo lhe dará um bom motivo. Parece coisa de louco, não é?
— Para que você quis poder?
— Sou como você. Não o queria. Não encontrava um motivo para tê-lo. Detinha todas as dúvidas que você tem e nunca segui as instruções que me davam, ou nunca pensei fazê-lo; no entanto, a despeito de minha burrice, armazenei poder suficiente e, um dia, meu poder pessoal fez o mundo desmoronar-se.
— Mas por que alguém haveria de querer parar o mundo?
— Ninguém quer, é essa a questão. Mas acontece. E uma vez que você sabe como é que é parar o mundo, entende que há um motivo para isso. Sabe, uma das artes de um guerreiro é fazer o mundo desmoronar por um motivo específico e, depois, tornar a restaurá-lo a fim de continuar a viver.
Falei que talvez o meio mais seguro de me ajudar seria dar-me um exemplo de um motivo específico para se fazer desmoronar o mundo.
Ele ficou calado por um instante. Parecia estar pensando no que deveria falar. — Não lhe posso dizer isso. É preciso poder demais para saber isso. Um dia você viverá como guerreiro, a despeito de sua vontade; então talvez tenha armazenado tanto poder pessoal que possa responder você mesmo a essa pergunta.
Viagem a Ixtlan, pág. 135
· O que quer dizer com minha última dança, Dom Juan?
— É este o lugar de sua última posição — disse ele. – Você morrerá aqui, não importa onde esteja. Todos os guerreiros têm um lugar onde morrer. Um lugar de sua predileção, encharcado de recordações inesquecíveis, onde acontecimentos poderosos deixaram sua marca, um lugar em que ele presenciou maravilhas, onde os segredos lhe foram revelados, um lugar em que ele armazenou seu poder pessoal.
"Um guerreiro tem a obrigação de voltar àquele lugar de sua predileção cada vez que toca o poder, a fim de armazená-lo ali. Ou de vai lá caminhando ou sonhando.
"E por fim, no dia em que termina seu prazo de estada na terra e ele sente o toque da morte em seu ombro esquerdo, seu espírito, que está sempre pronto, voa para o lugar de sua predileção e ali o guerreiro dança até à sua morte.
"Cada guerreiro tem uma forma específica, uma postura de poder específica, que ele desenvolve durante sua vida. É um tipo de dança. Um movimento que ele executa sob a influência de seu poder pessoal.
"Se um guerreiro agonizante tem um poder limitado, sua dança é curta; se seu poder for grandioso, sua dança é magnífica. Mas, quer seu poder seja pequeno ou imenso, a morte tem de parar para assistir à sua última posição na terra. A morte não pode alcançar o guerreiro que está contando a luta de sua vida pela última vez, até ele terminar sua dança."
As palavras de Dom Juan me deram um calafrio. A quietude, o crepúsculo, a paisagem magnífica, tudo parecia estar colocado ali como cenário para a imagem da última dança de poder do guerreiro.
— Pode ensinar-me essa dança, apesar de eu não ser guerreiro? — perguntei.
— Qualquer homem que caça poder tem de aprender essa dança — disse ele. — E, no entanto, não lhe posso ensinar, agora. Em breve, você poderá ter um adversário digno e então eu lhe mostrarei o primeiro movimento do poder. Tem de acrescentar os outros movimentos por si, com o correr da vida. Cada movimento novo tem de ser obtido numa luta de poder. Assim, a bem dizer, a postura, a forma de um guerreiro, é a história de sua vida, uma dança que aumenta à medida que ele cresce em poder pessoal.
— A morte pára mesmo para ver um guerreiro dançar?
— Um guerreiro é apenas um homem. Um homem humilde.
Ele não pode modificar os desígnios de sua morte. Mas seu espírito impecável, que armazenou o poder depois de privações tremendas, certamente pode deter sua morte por um momento, um momento suficientemente longo para deixá-la regozijar-se pela última vez ao recordar seu poder. Podemos dizer que é um gesto que a morte tem para com aqueles que possuem um espírito impecável.
Viagem a Ixtlan, pág. 149
· Pare com isso — retrucou, secamente. — Morrer é um negócio monumental. É mais do que esticar as pernas e ficar duro.
— Também dançarei em minha morte, Dom Juan?
— Por certo. Você está caçando poder pessoal, embora ainda não viva como guerreiro. Hoje, o Sol lhe deu um presságio. A melhor parte do trabalho de sua vida será efetuada no final do dia. Evidentemente, você não gosta do brilho jovem da primeira luz. Viajar de manhã não lhe agrada. Mas seu tipo é o Sol poente, amarelo-envelhecido, e maduro. Você não gosta do calor, só do brilho.
"E assim, dançará a sua morte aqui, em cima deste morro, no fim do dia. E em sua última dança contará de sua luta, das batalhas que venceu e as que perdeu; contará suas alegrias e perplexidades ao encontrar o poder pessoal. Sua dança lhe contará os segredos e as maravilhas que você armazenou. E sua morte ficará aqui sentada, assistindo.
"O Sol poente brilhará sobre você sem queimá-lo, como fez hoje. O vento será suave e o topo do morro tremerá. Quando você chegar ao fim de sua dança, olhará para o Sol, pois nunca mais o verá, desperto ou sonhando, e então sua morte apontará para o sul.
Viagem a Ixtlan, pág. 151
· Não importa como se é criado — disse ele. — O que determina a maneira de se fazer qualquer coisa é o poder pessoal. O homem é apenas a soma de seu poder pessoal, e essa soma determina como ele vive e como morre.
— O que é o poder pessoal?
— O poder pessoal é um sentimento — respondeu. – Uma coisa como ter sorte. Ou pode-se chamá-lo de um estado de espírito. O poder pessoal é uma coisa que a pessoa adquire sem considerações de sua origem. Já lhe disse que um guerreiro é um caçador de poder, e que lhe estou ensinando a caçá-lo e armazená-lo. A dificuldade com você, que é a mesma com todos nós, é a de se convencer. Precisa acreditar que o poder pessoal pode ser usado e que é possível armazená-la, mas até agora ainda não se convenceu.
Respondi que ele tinha vencido e que eu estava tão convencido quanto possível. Ele riu.
— Não é esse o tipo de convicção de que estou falando disse ele. Bateu em meu ombro, dando dois ou três soquinhos de leve, e acrescentou, com uma risada: — Não me precisa agradar, sabe.
Senti-me na obrigação de lhe assegurar de que estava falando sério.
— Não duvido — disse ele. — Mas estar convencido significa que você pode agir sozinho. Ainda terá de se esforçar muito para fazer isso. Ainda falta muita coisa por fazer. Você está apenas começando.
Calou-se por um momento. Sua fisionomia adquiriu uma expressão de placidez.
— É engraçado como, às vezes, você me faz lembrar eu mesmo — continuou. — Eu também não queria seguir o caminho do guerreiro. Achava que todo esse trabalho era sem significação, e, como todos vamos morrer, que diferença faria para mim ser guerreiro? Eu estava enganado. Mas tive de descobrir isso sozinho. No dia em que você compreender que está enganado, e que certamente faz muita diferença, poderá dizer que está convencido. E então pode seguir sozinho. E sozinho, poderá até tornar-se um homem de conhecimento. Pedi que ele explicasse o que queria dizer por homem de conhecimento.
— Um homem de conhecimento é aquele que seguiu fielmente as provações do aprendizado — disse ele. — Um homem que, sem se precipitar nem se deter, foi tão longe quanto possível para decifrar os segredos do poder pessoal.
Discutiu o conceito em termos sucintos e depois abandonou-o, como tema de conversa, dizendo que eu só me devia preocupar com a idéia de armazenar poder pessoal.
Viagem a Ixtlan, pág. 153
· — O que vamos fazer aqui desta vez, Dom Juan?
— Você sabe muito bem que estamos aqui para caçar poder.
— Sei disso. Mas o que vamos fazer neste lugar, em especial?
— Você sabe que eu não tenho a menor idéia.
— Quer dizer que nunca segue um plano?
— Caçar poder é um negócio muito esquisito — explicou. —
Não há possibilidade de se planejar com antecedência. É por isso que é tão emocionante. Porém, um guerreiro procede como se tivesse um plano, porque confia em seu poder pessoal. Sabe com certeza que esse poder o fará agir da maneira mais correta. Observei que as afirmações dele eram um tanto contraditórias.
Se um guerreiro já possuía poder pessoal, para que o estava caçando?
Dom Juan ergueu as sobrancelhas e fez um gesto de pretenso aborrecimento.
— É você quem está caçando poder pessoal — disse ele. — E eu sou o guerreiro que já o possui. Perguntou-me se eu tinha um plano e eu disse que confio em meu poder pessoal para me orientar e que não preciso de ter um plano.
Viagem a Ixtlan, pág. 155
· — Não. Não quero dizer que você mesmo possa fazer isso. Não tem poder pessoal. Afirmo, apenas, que qualquer tipo de folhas o ajudaria, desde que a pessoa que as desse a você tivesse poder. O que o ajudou hoje não foram as folhas, e sim o poder
— O seu poder, Dom Juan?
— Suponho que se possa dizer que foi o meu poder, embora isso não seja precisamente certo. O poder não pertence a ninguém. Alguns de nós podem juntá-lo e depois ele pode ser dado diretamente a outra pessoa. A chave para o poder armazenado é que ele só pode ser utilizado para ajudar outra pessoa a armazenar poder.
Dom Juan ergueu as sobrancelhas e fez um gesto de pretenso aborrecimento.
— É você quem está caçando poder pessoal — disse ele. — E eu sou o guerreiro que já o possui. Perguntou-me se eu tinha um plano e eu disse que confio em meu poder pessoal para me orientar e que não preciso de ter um plano.
Viagem a Ixtlan, pág. 155
· — Não. Não quero dizer que você mesmo possa fazer isso. Não tem poder pessoal. Afirmo, apenas, que qualquer tipo de folhas o ajudaria, desde que a pessoa que as desse a você tivesse poder. O que o ajudou hoje não foram as folhas, e sim o poder
— O seu poder, Dom Juan?
— Suponho que se possa dizer que foi o meu poder, embora isso não seja precisamente certo. O poder não pertence a ninguém. Alguns de nós podem juntá-lo e depois ele pode ser dado diretamente a outra pessoa. A chave para o poder armazenado é que ele só pode ser utilizado para ajudar outra pessoa a armazenar poder.
Perguntei-lhe se isso significava que o poder dele se limitava apenas a ajudar os outros. Dom Juan explicou pacientemente que ele podia utilizar o poder pessoal dele como quisesse, em tudo o que ele próprio quisesse, mas quando se tratava de dá-lo diretamente a outra pessoa, era inútil, a não ser que aquela pessoa o utilizasse para sua própria busca de poder pessoal.
— Tudo o que o homem faz depende de seu poder pessoal — continuou. — Portanto, para aqueles que não têm nenhum, os feitos de um homem poderoso são incríveis. É preciso poder para apenas conceber o que é o poder. É isso que tenho sempre tentado dizer-lhe. Mas sei que você não compreende, não porque não queira, mas porque tem muito pouco poder pessoal.
— O que devo fazer, Dom Juan?
— Nada. Continue assim. O poder há de encontrar um jeito.
Viagem a Ixtlan, pág. 159
· — Você deve entregar-se, para seu poder pessoal poder fundir-se com o poder da noite — falou, em meu ouvido. Depois, explicou que ia passar à minha frente; e tive outro acesso de um medo irracional.
— Mas isto é loucura — protestei.
Dom Juan não ficou zangado nem impaciente. Riu baixinho e sussurrou uma coisa em meu ouvido que eu não entendi bem.
— O que foi que você disse? — perguntei alto, os dentes batendo.
Dom Juan tapou minha boca com a mão e disse, cochichando, que um guerreiro agia como se soubesse o que estava fazendo, quando, na verdade, não sabia nada. Repetiu uma frase três ou quatro vezes, como se quisesse que eu a decorasse. Falou:
— Um guerreiro é impecável quando confia em seu poder pessoal, sem considerar que ele seja pequeno ou grande.
Viagem a Ixtlan, pág. 162
· Andou devagar na minha frente, para eu poder observar que ele levantava os joelhos quase até o peito cada vez que dava um passo. E depois, ele chegou a correr e sumir de vista, retornando em seguida.
Eu não podia imaginar como é que ele podia correr na escuridão total.
— O passo do poder é para correr de noite — cochichou, em
meu ouvido..
Ele disse que eu o experimentasse. Falei que tinha certeza de que ia quebrar as pernas caindo numa fenda ou batendo em alguma pedra. Dom Juan, muito calmamente, disse que o "passo do poder" era inteiramente seguro.
Repliquei que o único meio de eu compreender seus atos era supor que ele conhecesse aqueles morros a perfeição; evitando, assim, os obstáculos. Dom Juan pegou minha cabeça em suas mãos e cochichou com veemência:
— É noite! E ela é poder!
Largou minha cabeça e depois disse, baixinho, que, de noite, o mundo era diferente, e que sua capacidade de correr no escuro nada tinha a ver com seu conhecimento daqueles morros. Falou que a chave para aquilo era deixar o poder pessoal correr livremente, para poder fundir-se com o poder da noite, e que uma vez que o poder tomasse conta, não haveria hipótese de um deslize. Acrescentou, num tom muito sério, que, se eu duvidasse, que pensasse um momento no que estava acontecendo. Para um homem da idade dele correr por aqueles morros àquela hora seria suicídio, se o poder da noite não o estivesse guiando.
Viagem a Ixtlan, pág. 163
· Mas de que modo posso armazenar poder pessoal?
— Você o está fazendo vivendo da maneira que eu recomendei.
Pouco a pouco, está tapando todos seus pontos de drenagem. Não precisa ser metódico nisso, pois o poder sempre dá um jeito. Veja meu exemplo. Eu não sabia que estava armazenando poder quando comecei a aprender as maneiras de um guerreiro. Como você, eu achava que não estava fazendo nada de especial, mas não era assim. O poder tem a peculiaridade de passar despercebido quando está sendo armazenado.
Viagem a Ixtlan, pág. 169
· — O que vai fazer, Dom Juan?
Não deu resposta. Levantou-se e esticou o corpo. Parecia contrair todos os músculos. Mandou que eu fizesse o mesmo.
— Você deve esticar o corpo muitas vezes durante o dia —disse ele. — Quanto mais vezes, melhor; mas somente depois de um longo período de trabalho ou de repouso.
— Que tipo de adversário você vai encontrar para mim? — perguntei.
— Infelizmente, só os nossos semelhantes são nossos adversários valorosos — respondeu. — Outros entes não têm vontade própria e a gente precisa ir encontrá-los e atraí-los. Nossos semelhantes humanos, porém, são inclementes.
"Já conversamos muito — falou, abruptamente, virando-se para mim. — Antes de partirmos, você tem de fazer mais uma coisa, a mais importante de todas. Vou-lhe dizer uma coisa agora, para você estar descansado quanto ao motivo por que está aqui. O motivo por que você continua a vir me ver é muito simples: cada vez que esteve Comigo, seu corpo aprendeu certas coisas, mesmo contra seu desejo.
E, afinal, seu corpo agora precisa de voltar para mim, para aprender mais. Digamos que seu corpo sabe que vai morrer, embora você nunca pense nisso. Assim, eu estive contando a seu corpo que também eu vou morrer e, antes de morrer, eu gostaria de mostrar a seu corpo algumas coisas, as quais você mesmo não lhe pode dar. Por exemplo, seu corpo precisa do temor. Gosta disso. Seu corpo precisa do escuro e do vento. Seu corpo agora conhece o passo do poder e mal pode esperar para experimentá-lo. Seu corpo precisa do poder e mal pode esperar para experimentá-lo. Seu corpo precisa do poder pessoal e mal pode esperar para tê-lo. Portanto, digamos que seu corpo volta para me ver porque eu sou amigo dele."
Dom Juan ficou calado por muito tempo. Parecia estar lutando com seus pensamentos.
— Já lhe disse que o segredo de um corpo forte não está no que você faz com ele, mas no que não lhe faz — falou, por fim. —Agora, chegou a hora de você não fazer o que faz sempre. Fique aqui sentado até partirmos e não faça.
Viagem a Ixtlan, pág. 171
· Nesse caso, aquela pedra o absorveu por muito tempo e agora é você, e, sendo assim, não a pode deixar por aí, e tem de enterrá-la. Se quiser ter poder pessoal, porém, não fazer seria transformar aquela pedra em um objeto de poder.
— Posso fazer isso agora?
— Sua vida não está bastante ajustada para fazer isso. Se você visse, saberia que sua preocupação transformou aquela pedrinha em uma coisa bem sem atrativo; e, portanto, a melhor coisa que você pode fazer é cavar um buraco e enterrá-la e deixar que a terra absorva seu peso.
— Tudo isso é verdade, Dom Juan?
— Dizer que sim ou que não seria fazer. Mas como você está aprendendo a não fazer, devo dizer-lhe que realmente não tem importância se tudo isso é verdade ou não. É aqui que o guerreiro leva vantagem sobre o homem comum. O homem, comum se, importa em saber se as coisas são verdadeiras ou falsas, mas um guerreiro não. Um homem comum procede de maneira específica com as coisas que ele sabe serem verdade e de maneira diversa com o que sabe não ser verdade. Se se supõe que as coisas são verdadeiras, ele age e acredita no que faz. Mas se as coisas são supostamente falsas, ele não quer agir, ou não crê no que faz. Um guerreiro, ao contrário, age em ambos os casos. Se se supõe que as coisas são verdadeiras, ele age a fim de estar fazendo. Se se supõe que as coisas são falsas, ele ainda assim age, a fim de não fazer. Entende o que digo?
— Não. Não estou entendendo nada — respondi.
Viagem a Ixtlan, pág. 181
· Mandou que eu me deitasse e pegou meu braço direito, dobrando-o no cotovelo. Depois, virou minha mão para a palma ficar voltada para a frente; curvou meus dedos, de modo que minha mão ficou na posição de quem está segurando uma maçaneta e depois começou a mover meu braço para a frente e para trás, num movimento circular que parecia o ato de empurrar e puxar uma alavanca presa a uma roda. Dom Juan disse que um guerreiro executava esse "movimento cada vez que queria expulsar alguma coisa de seu corpo, como uma doença ou uma sensação desagradável. A intenção era empurrar e puxar uma força adversa imaginária até a pessoa sentir um objeto pesado, um corpo sólido, opondo-se aos movimentos livres da mão. No caso do exercício, não fazer consistia em repeti-lo até se sentir o corpo pesado com a mão, a despeito do fato de a pessoa não poder acreditar que fosse possível senti-lo.
Comecei a mover o braço e, dali a pouco, minha mão ficou gelada. Comecei a sentir uma espécie de polpa em volta dela. Era como se eu estivesse remando numa substância líquida, pesada e viscosa.
Dom Juan fez um movimento súbito e agarrou meu braço para parar o movimento. Meu corpo todo tremia como se abalado por alguma força oculta. Examinou-me quando me sentei e, depois, andou em volta de mim, antes de tornar a sentar-se onde estava antes.
— Já fez bastante — disse ele. — Pode executar esse exercício em outra ocasião, quando tiver mais poder pessoal.
— Fiz alguma coisa errada?
— Não. Não fazer é só para guerreiros muito fortes e você ainda não tem o poder de lidar com isso. Agora, só vai apanhar coisas horrendas com as mãos. Portanto, faça-o pouco a pouco, até sua mão não ficar mais fria. Quando ficar quente, você chega a poder sentir as linhas do mundo com ela.
Viagem a Ixtlan, pág. 181
· A escalada foi um negócio terrível. Era um verdadeiro alpinismo, só que não tínhamos cordas para nos ajudar e proteger. Dom Juan me disse repetidamente que não olhasse para baixo; e teve de me Puxar umas duas vezes, quando comecei a deslizar pela pedra. Eu estava muito vexado porque Dom Juan, tão velho, tinha de me ajudar. Disse-lhe que estava em má forma física porque tinha muita preguiça de fazer exercício. Respondeu que uma vez que a pessoa alcançasse um certo nível de poder pessoal, os exercícios ou qualquer treinamento desse tipo não eram necessários, pois a única coisa que se precisava, para estar numa forma impecável, era empenhar-se em não fazer.
Viagem a Ixtlan, pág. 183
· Há uma coisa que você já deve conhecer, a essa altura disse Dom Juan. — Eu a chamo de centímetro cúbico de oportunidade. Todos nós, sejamos guerreiros ou não, temos um centímetro cúbico de oportunidade, que aparece diante de nossos olhos de vez em quando. A diferença entre um homem comum e um guerreiro é que o guerreiro sabe disso e uma de suas tarefas é estar alerta, esperando propositadamente, de modo que, quando seu centímetro cúbico aparece, ele tem a velocidade necessária e a habilidade de apanhá-lo.
"Oportunidade, boa sorte, poder pessoal, ou como quiser chamá-lo, é um estado de coisas especial. É como um pauzinho pequenino que aparece na nossa frente e nos convida a pegá-lo. Geralmente, estamos por demais ocupados, ou preocupados, ou apenas muito burros e preguiçosos para compreender que aquele é o nosso centímetro cúbico de sorte. Um guerreiro, ao contrário, está sempre alerta e ajustado, e tem o impulso, a fibra necessária para pegá-lo."
— Sua vida está bem ajustada? — perguntou Dom Genaro, de repente.
Viagem a Ixtlan, pág. 219
· O que mais me impressionava, nessa ocasião, era a sensação vívida que eu tivera, seis meses antes, de ter conversado com um coiote. Aquele fato significara para mim que, pela primeira vez, eu fora capaz de visualizar ou apreender, através de meus sentidos e em sã consciência, a descrição do mundo feita por um feiticeiro; uma descrição em que a comunicação com os animais por meio da fala era coisa corriqueira. Falei-lhe a respeito, mas ele foi claro:
— Não nos vamos envolver no exame de uma experiência desse tipo. Não é aconselhável que você se dedique a concentrar sua atenção sobre fatos passados. Podemos tocar neles, mas apenas como alusão.
— Por que isso, Dom Juan?
— Você ainda não tem suficiente poder pessoal para procurar a explicação dos feiticeiros.
— Então existe uma explicação de feiticeiro?
— Claro que sim. Os feiticeiros são homens. Nós somos criaturas de pensamento. Procuramos os esclarecimentos.
— Eu tinha a impressão de que meu grande defeito era procurar explicações.
— Não. Seu defeito é procurar explicações convenientes, explicações que se adaptem a seu mundo. Eu me oponho é ao fato de você querer ser racional. Um feiticeiro também explica as coisas de seu mundo, mas não é tão inflexível quanto você.
— Como posso chegar à explicação de um feiticeiro?
— Acumulando o poder pessoal. O poder pessoal o levará com toda a facilidade à explicação de um feiticeiro. A explicação não é o que você chamaria de explicação; não obstante, torna o mundo e seus mistérios, se não claros, pelo menos não assombrosos. Devia ser essa a essência de uma explicação, mas não é o que você procura. Você busca a reflexão de suas próprias idéias.
Porta para o Infinito, pág. 13
· — Genaro é estupendo — disse ele. — Mas por enquanto nada adianta falar sobre ele nem o que ocorre entre vocês. Você ainda não tem suficiente poder pessoal para deslindar também esse assunto. Espere até consegui-lo, e então falaremos a respeito.
— E se eu nunca o tiver?
— Nunca falaremos.
— No ritmo em que vou, será que algum dia eu terei o suficiente? — perguntei.
— Depende de você — respondeu ele. — Já lhe dei todas as informações necessárias. Agora, cabe a você a responsabilidade de conseguir suficiente poder pessoal para fazer pender a balança.
— Você está falando por metáforas — disse eu. — Diga sinceramente. Diga exatamente o que devo fazer. Se já me disse, digamos que já esqueci.
Dom Juan riu-se e deitou-se, pondo os braços por baixo da cabeça.
— Você sabe exatamente do que precisa — disse ele.
Expliquei-lhe que às vezes achava que sabia, mas que a maior parte do tempo não tinha confiança em mim.
— Acho que você está misturando as coisas — prosseguiu ele. — A autoconfiança do guerreiro não é a mesma que a do homem comum. Este busca a certeza aos olhos do espectador e chama a isso autoconfiança. O guerreiro busca a impecabilidade a seus próprios olhos e chama a isso humildade. O homem comum está agarrado a seus semelhantes, enquanto o guerreiro só se agarra a si mesmo. Talvez você esteja perseguindo uma quimera. Busca a autoconfiança do homem comum, enquanto devia estar atrás da humildade do guerreiro. A diferença entre os dois é notável. A confiança em si significa saber algo com certeza; a humildade significa ser impecável em suas ações e sentimentos.
— Estive tentando viver de acordo com suas sugestões — disse eu. — Posso não ser o melhor, mas sou o melhor de mim mesmo. Isso é ser impecável?
— Não. Tem de fazer mais que isso. Você tem de se esforçar ao máximo, o tempo todo.
— Mas isso seria loucura, Dom Juan. Ninguém o consegue.
— Há muita coisa que você faz agora que lhe teria parecido loucura há 10 anos. Essas coisas em si não mudaram, mas sua concepção de si mesmo mudou; o que antes era impossível é hoje inteiramente possível, e talvez que o seu sucesso total em se modificar seja apenas uma questão de tempo. Nesse assunto, o único caminho aberto a um guerreiro é agir persistentemente e sem reservas. Você já sabe o suficiente sobre o procedimento do guerreiro para agir de
acordo, mas seus velhos hábitos e rotinas o atrapalham.
Porta para o Infinito, pág. 14
· — Não importa o que se revela e o que se guarda para si. Tudo o que fazemos, tudo o que somos, reside em nosso poder pessoal.
Se temos o suficiente, uma palavra que nos for pronunciada pode ser suficiente para mudar o rumo de nossas vidas. Mas, Se não tivermos suficiente poder pessoal, o fato de sabedoria mais magnífico nos poderá ser revelado sem que tal revelação faça a menor diferença. — Ele aí baixou a voz, como se estivesse me contando algo de confidencial. — Vou pronunciar o que é talvez o maior fato de sabedoria que qualquer pessoa possa exprimir. Vejamos o que você pode fazer com isso: Sabe que neste momento você está cercado pela eternidade? E sabe que pode usar essa eternidade, se o desejar?
Depois de uma pausa prolongada, em que ele me pediu, com um movimento sutil dos olhos, para fazer alguma declaração, eu disse que não estava entendendo de que ele estava falando.
— Ali! A Eternidade está ali! — e apontou para o horizonte.
Em seguida, apontando para o zênite, acrescentou: — Ou ali, ou talvez possamos dizer que a eternidade é assim. — Ele estendeu ambos os braços para Leste e Oeste.
Nós nos entreolhamos. Os olhos dele encerravam uma pergunta.
— O que me diz disso? — perguntou-me, sugerindo que eu ponderasse sobre suas palavras.
Eu não sabia o que dizer.
— Você sabe que pode estender-se para sempre em qualquer das direções em que apontei? — continuou ele. — Sabe que um momento pode ser a eternidade? Isso não é uma charada; é um fato, mas somente se você agarrar esse momento, utilizando-o para levar a totalidade de você em qualquer direção, para sempre.
Ele ficou olhando para mim.
— Você antes não possuía esse conhecimento — disse ele, sor indo. — Mas agora possui. Eu o revelei a você, mas não faz a menor diferença, pois você não tem suficiente poder pessoal para utilizar minha revelação.
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— Somos seres luminosos — disse, sacudindo a cabeça ritmadamente. — E para um ser luminoso só interessa o poder pessoal. Mas, se me perguntar o que é o poder pessoal, terei de dizer-lhe que minha explicação não o explicará.
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· Quando evoquei a visão de Eligio, levei um susto que abalou meu estado visionário. Eligio tinha uma forma branca e longa, que se contorcia e parecia saltar sobre mim. Dom Juan explicou que Eligio era um aprendiz muito talentoso e que, sem dúvida, percebera que alguém o estava vendo.
Outra escolha de Dom Juan foi Pablito, o aprendiz de Dom Genaro. O choque que a visão de Pablito provocou em mim ainda foi pior do que o de Eligio.
Dom Juan ria tanto que as lágrimas lhe corriam pelas faces. — Por que essa gente tem formas diferentes? — perguntei. — Têm mais poder pessoal — respondeu ele. — Conforme pode observar, não estão presos ao solo.
— O que lhes deu essa leveza? Já nasceram assim?
— Nós todos nascemos assim leves e saltitantes, mas nos tornamos presos à terra e fixos. Nós nos fazemos ficar assim. Portanto, talvez possamos dizer que essas pessoas têm formas diferentes porque vivem como guerreiros. Mas isso não é importante. O que tem valor é você ter chegado até aqui. Chamou 47 pessoas e resta apenas mais uma para que se completem as 48 originais.
Lembrei-me naquele momento que anos antes ele me dissera, falando sobre feitiçaria do milho e adivinhação, que o número de grãos de milho que um feiticeiro possuía era 48. Nunca explicara por quê. Tornei a perguntar:
— Por que 48?
— Quarenta e oito é o nosso número — disse ele. — É isso que nos torna homens. Não sei por quê. Não desperdice seu poder fazendo perguntas tolas.
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· Genaro acha que tem de se certificar, neste ponto, de que você armazenou suficiente poder pessoal que lhe permita transformar sua vontade numa unidade funcional.
A vontade era outro conceito que Dom Juan delineara com muito cuidado, mas sem deixá-lo claro. Eu deduzira de suas explicações que a vontade era uma força que emanava da região umbilical por uma abertura invisível abaixo do umbigo, uma abertura que ele chamou de "brecha". Vontade supostamente só era cultivada pelos feiticeiros. Vinha aos praticantes velada em mistério e supostamente lhes dava a capacidade de praticarem atos extraordinários.
Observei a Dom Juan que não havia possibilidade de uma coisa tão vaga algum dia ser uma unidade funcional em minha vida.
— Aí é que você se engana — disse ele. — A vontade se desenvolve no guerreiro a despeito de toda a oposição da razão.
— Dom Genaro, sendo feiticeiro, não pode saber se estou pronto ou não, sem me pôr à prova? — perguntei.
— Por certo que pode. Mas saber isso não terá valor nem conseqüência alguma, pois nada tem a ver com você. É você que está aprendendo, portanto você é que tem de reivindicar o conhecimento e o poder, não Genaro. Genaro não se preocupa com o saber dele, e sim com o seu. Você tem de descobrir se sua vontade funciona ou não. Isso é muito difícil de saber. A despeito do que Genaro e eu sabemos a seu respeito, você tem de provar a si mesmo que está numa situação de considerar o conhecimento como poder. Em outras palavras, você mesmo tem de estar convencido de que pode exercer sua vontade. Se não, então terá de se convencer hoje. Se você não puder executar essa tarefa, então a conclusão de Genaro será que, não importa o que ele possa ver em você, você ainda não está preparado.
Porta para o Infinito, pág. 76
· — Como você sabe, o ponto nevrálgico da feitiçaria é o diálogo interno; esta é a chave de tudo. Quando um guerreiro aprende a pará-lo, tudo se torna possível; os planos mais rebuscados se tornam exeqüíveis. O caminho para todas as experiências fantásticas e sobrenaturais que você teve recentemente foi o fato de você conseguir parar de falar consigo mesmo. Completamente desligado, você já viu o aliado, o sósia de Genaro, o sonhador e o objeto dos sonhos, e hoje você quase aprendeu sobre a totalidade do seu ser; era esse o feito do guerreiro que Genaro esperava que você realizasse. Tudo isso foi possível por causa da quantidade de poder pessoal que você já armazenou. Começou da última vez que você esteve aqui, quando avistei um augúrio muito auspicioso. Quando você chegou, ouvi o aliado rondando; primeiro, ouvi seus passos macios e depois vi a mariposa olhando para você, quando você saltou do carro. O aliado estava imóvel, observando-o. Para mim, esse foi o melhor augúrio. Se o aliado estivesse agitado, movimentando-se como se estivesse contrariado com a sua presença, como tem estado sempre, o rumo dos acontecimentos teria sido diferente. Muitas vezes já vi o aliado num estado hostil para com você, mas dessa vez o augúrio era bom e vi que o aliado tinha algo a lhe transmitir sobre o conhecimento. Foi por isso que disse que você tinha um compromisso com o conhecimento, um compromisso com uma mariposa que estava pendente há muito tempo. Por motivos inconcebíveis para nós, o aliado escolheu a forma de uma mariposa para manifestar-se a você.
Porta para o Infinito, pág. 86
· Somos percebedores — prosseguiu. — O mundo que percebemos, porém, é uma ilusão. Foi criado por uma descrição que nos foi contada desde o momento em que nascemos. Nós, os seres luminosos, nascemos com dois círculos de poder, mas só usamos um para criar o mundo. Esse círculo, que é preso logo depois que nascemos, é a razão, e seu companheiro é falar. Entre eles, inventam e mantêm o mundo. Assim, em essência, o mundo que sua razão quer sustentar é o mundo criado por uma descrição e suas regras dogmáticas e invioláveis, que a razão aprende a aceitar e defender. O segredo dos seres luminosos é que têm um outro círculo de poder que nunca é usado, a vontade. O truque do feiticeiro é o mesmo truque do homem normal. Ambos têm uma descrição; um, o homem normal, a sustenta com sua razão; o outro, o feiticeiro, a sustenta com sua vontade. Ambas as descrições têm suas regras e essas regras são percebíveis, mas a vantagem do feiticeiro é que a vontade é mais absorvente do que a razão. A sugestão que quero fazer aqui é que de hoje em diante você se deixe perceber se a descrição é mantida pela sua razão ou a sua vontade. Acho que é esse o único meio de você usar seu mundo de todo dia como desafio e veículo para acumular suficiente poder pessoal a fim de chegar à totalidade de seu ser. Talvez que da próxima vez que você vier, já terá suficiente poder. De qualquer forma, espere até sentir, como sentiu hoje na vala de irrigação, que uma voz interior lhe está dizendo para agir assim. Se vier de qualquer outra forma, será uma perda de tempo e um perigo para você
Porta para o Infinito, pág. 90
· Ele fez um gesto de impaciência com a mão e disse que era política dele nunca se deter sobre os fatos passados.
— O importante agora é que você seguiu minha sugestão — disse ele. — Tomou seu mundo de todo dia como um desafio, e a prova que já armazenou suficiente poder pessoal é o fato indiscutível de ter-me encontrado sem qualquer dificuldade, no local exato em que devia.
— Duvido muito de que o mérito disso seja meu — disse eu. — Eu o estava esperando e aí você apareceu. Só sei disso; e é só isso que interessa a um guerreiro saber.
— O que vai acontecer, já que o encontrei? — perguntei.
— Para começar, não vamos falar sobre os dilemas de sua razão, essas experiências pertencem a outra época e outro estado de espírito. São, por assim dizer, apenas os degraus de uma escada infinita; dar ênfase a isso seria menosprezar a importância do que está acontecendo agora. Um guerreiro não pode se dar ao luxo de fazer isso.
Tive um desejo quase invencível de reclamar. Não que eu ressentisse qualquer coisa que me tivesse acontecido, mas é que eu ansiava por alivio e compreensão. Dom Juan parecia perceber o que eu estava sentindo e falou como se eu tivesse expressado meus pensamentos:
— Somente como guerreiro é que podemos suportar o caminho do conhecimento. Um guerreiro não pode reclamar nem lamentar nada. Sua vida é um desafio interminável, e os desafios não podem ser bons ou maus. Os desafios são simplesmente desafios.
Porta para o Infinito, pág. 97
· — Isso depende de seu poder pessoal. Como é sempre o caso nos feitos e não feitos dos guerreiros, o poder pessoal é a única coisa que importa. Até agora, eu diria que você se está saindo bem.
Depois de um momento de silêncio, como se quisesse mudar de assunto, ele se levantou e apontou para o terno.
— Vesti meu temo por sua causa — disse ele, num tom misterioso. — Esse temo é o meu desafio. Veja como fico bem nele! Como é fácil! Hem? Nada de mais.
Dom Juan ficava realmente muito bem de temo. O único tempo de comparação que me ocorria era o aspecto do meu avô no seu temo de pesada casemira inglesa. Ele dava sempre a impressão de se sentir sem naturalidade, deslocado, de temo. Dom Juan, ao contrário, ficava bem à vontade.
— Acha que para mim é fácil parecer à vontade de terno? —
perguntou Dom Juan.
. Eu não sabia o que responder. Disse comigo mesmo, contudo, que a julgar pela aparência dele e seu modo de proceder, que seria a coisa mais fácil do mundo para ele.
— Vestir um temo é um desafio para mim — disse ele. — um desafio tão difícil quanto usar sandálias e um poncho seria para você. Mas você nunca teve necessidade de enfrentar esse desafio. Meu caso é diferente; sou índio.
Nós nos olhamos. Ele ergueu as sobrancelhas, numa pergunta muda, como se esperando meus comentários.
— A diferença básica entre um homem comum e um guerreiro é que um guerreiro aceita tudo como um desafio — continuou ele enquanto que um homem comum aceita tudo ou como uma bênção ou uma praga.
Porta para o Infinito, pág. 98
· — O mundo se adapta a nós — disse Dom Juan, depois de ouvir minhas dúvidas. — Isto não é uma cena arrumada. É um augúrio, um ato de poder. O mundo sustentado pela razão faz de tudo isso um acontecimento que podemos observar por um momento, a caminho de coisas mais importantes. O que podemos dizer a respeito é que um homem está deitado na grama do jardim, talvez bêbado. O mundo sustentado pela vontade torna isso um ato de poder, que podemos ver. Podemos ver a morte rodopiando em volta do homem, enfiando suas garras cada vez mais profundamente nas fibras luminosas dele. Podemos ver os fios luminosos perdendo sua tensão e desaparecendo um a um. São essas as duas possibilidades que se apresentam a nós seres luminosos. Você está em algum ponto no meio, ainda querendo ter tudo sob a rubrica da razão. E, no entanto, como pode desprezar o fato de que seu poder pessoal convocou um augúrio? Viemos a este jardim, depois que você me encontrou onde eu o esperava. Você me encontrou apenas andando até mim, sem pensar, nem planejar, nem propositadamente usar a sua. razão. Depois que nos sentamos aqui para esperar um augúrio, notamos aquele homem, cada um de nós reparou nele a seu modo, você, com sua razão, eu com minha vontade. Aquele homem agonizante é um dos centímetros cúbicos de sorte que o poder sempre apresenta ao guerreiro. A arte é estar perenemente fluido para poder colhê-lo. Eu o colhi, mas e você?
Porta para o Infinito, pág. 104
· Seu tonal é tão dado a entregar-se que ameaça sua totalidade. Isso é uma maneira terrível de se ser.
— O que posso fazer?
— Seu tonal tem de se convencer por motivos, seu nagual, por ações, até um apoiar o outro. Conforme já lhe disse, o tonal governa, e, no entanto, é muito vulnerável. O nagual, ao contrário, nunca, ou quase nunca, se manifesta, mas, quando o faz, apavora o tonal.
Hoje, seu tonal assustou-se e começou a encolher-se sozinho, e ai seu nagual começou a dominar. Tive de pedir emprestado um balde de um dos fotógrafos do parque para poder açoitar seu nagual como um cão desobediente e fazê-lo voltar ao lugar. O tonal deve ser protegido a todo custo. É preciso tirar-lhe a coroa, mas ele tem de continuar como o administrador protegido. Qualquer ameaça ao tonal sempre acaba em sua morte. E se o tonal morrer, o homem todo também morre. Em virtude de sua fraqueza inerente o tonal é facilmente destruído e assim uma das artes que equilibram o guerreiro é fazer o nagual aparecer para sustentar o tonal. Digo que é uma arte porque os feiticeiros sabem que só reforçando o tonal é que o nagual pode aparecer. Entende o que eu digo? Esse reforço chama-se poder pessoal.
Porta para o Infinito, pág. 144
· Devo ficar apenas escutando-o, sem tomar notas? — perguntei.
— Este é um assunto delicado mesmo — disse ele. — Por um lado, preciso de sua atenção total, e por outro, você tem de ficar calmo e confiante em si. O único meio de você ficar à vontade é escrevendo, portanto é este o momento de apresentar todo o seu poder pessoal e cumprir essa tarefa impossível de ser você mesmo sem ser você. — Bateu na coxa e riu-se. — Já lhe disse que sou encarregado de seu tonal e que Genaro é encarregado de seu nagual. Tem sido meu dever ajudá-lo em todos os assuntos referentes ao tonal e tudo o que eu lhe fiz, ou fiz com você, foi feito para cumprir uma única tarefa, a tarefa de limpar e reorganizar sua ilha do tonal. É essa a minha missão como seu mestre. A tarefa de Genaro como seu benfeitor é dar-lhe demonstrações irrefutáveis do nagual e mostrar como alcançá-lo.
— O que quer dizer com limpar e reorganizar a ilha do tonal? — perguntei.
— Quero dizer, a modificação total sobre a qual lhe venho falando desde o primeiro dia em que nos conhecemos. Já lhe disse inúmeras vezes que era necessária uma mudança muito drástica se você queria ter sucessos no caminho do conhecimento. Essa mudança não é uma mudança de estado de espírito, nem de atitude, nem de ponto de vista; essa mudança implica a transformação da ilha do tonal. Você realizou esse trabalho.
Porta para o Infinito, pág. 204
· — O que acontecerá hoje aqui depende de se você tem ou não suficiente poder pessoal para focalizar a sua atenção total sobre as asas de sua percepção — disse ele.
Os olhos dele brilharam. Parecia mais agitado do que eu jamais o vira. Achei que havia algo de anormal em sua voz, talvez um nervosismo desusado.
Ele disse que a ocasião exigia que ali mesmo no lugar predileto de meu benfeitor, ele recapitulasse para mim todos os passos que dera em sua luta para me ajudar a limpar e reorganizar minha ilha do tonal. Sua recapitulação era meticulosa e levou umas cinco horas. De maneira brilhante e clara, ele me deu um relato sucinto de tudo o que tinha feito comigo desde o dia em que nos conhecemos. Era como se uma represa se tivesse rompido. Suas revelações me apanharam completamente desprevenido. Eu me acostumara a ser o pesquisador agressivo; assim, quando Dom Juan — que era sempre o lado relutante — passou a elucidar os temas de seus ensinamentos de modo tão acadêmico, aquilo pareceu tão espantoso quanto ele usar um terno na Cidade do México. Seu controle da linguagem, sua cadência dramática e sua escolha de palavras eram tão extraordinários que eu não tinha meios de explicá-los racionalmente. Ele disse que naquele ponto um mestre tinha de falar ao guerreiro individual em termos exclusivos, que o modo como ele me estava falando e a clareza de sua explicação faziam parte de seu último artifício e que somente no fim é que tudo o que ele estava fazendo teria sentido para mim. Falou sem parar, até acabar de apresentar sua recapitulação. E eu escrevi tudo o que ele disse, sem qualquer esforço consciente de minha parte.
— Vou começar dizendo-lhe que um mestre nunca procura os aprendizes e que ninguém pode pedir os ensinamentos — disse ele. — Trata-se sempre de um augúrio, que indica um aprendiz. Um guerreiro que possa estar na posição de se tornar um mestre tem de estar alerta, para poder apanhar o seu centímetro cúbico de sorte.
Porta para o Infinito, pág. 206
· — Realmente, eu levara anos para compreender a importância daquelas primeiras sugestões feitas por Dom Juan. O efeito extraordinário que as plantas psicotrópicas tiveram sobre mim foi o que me deu a idéia de que o uso delas era o principal fator dos ensinamentos. Agarrei-me a essa convicção e foi só nos últimos anos de meu aprendizado que compreendi que as transformações e descobertas significativas dos feiticeiros eram sempre realizadas em estado de sobriedade.
— O que teria acontecido se eu tivesse levado a sério suas recomendações? — perguntei.
— Você teria chegado ao nagual — respondeu ele.
— Mas eu teria chegado ao nagual sem um benfeitor?
— O poder age de acordo com sua impecabilidade. Se você tivesse usado seriamente aquelas quatro técnicas, teria armazenado suficiente poder pessoal para encontrar um benfeitor. Você teria sido impecável e o poder teria aberto todas as avenidas necessárias. É esta a regra.
— Por que me deu mais tempo?
— Você teve todo o tempo necessário. O poder me mostrou o caminho. Uma noite, dei-lhe um enigma paia decifrar; você tinha de encontrar seu ponto benéfico defronte da porta de minha casa.
Naquela noite, você teve um desempenho maravilhoso sob pressão e de manhã você adormeceu em cima de uma pedra muito especial que eu tinha posto lá. O poder mostrou-me que você tinha de ser impelido sem piedade, senão nada faria.
— As plantas de poder me ajudaram?
— Por certo. Elas o abriram, parando sua visão do mundo.
Nesse ponto, as plantas de poder têm o mesmo efeito sobre o tonal que o modo certo de andar. Ambos o inundam com informações e obrigam o diálogo interno a parar. As plantas são excelentes para isso, mas muito caras. Causam males indizíveis ao corpo. É a desvantagem delas, especialmente no caso da erva-do-diabo.
— Se você sabia que elas são tão perigosas, por que me deu tantas, tantas vezes?
Ele me assegurou que os detalhes do processo eram resolvidos pejo próprio poder. Disse que embora os ensinamentos devessem abranger os mesmos assuntos com todos os aprendizes, a ordem era diferente para cada um, e que ele tivera repetidas indicações de que eu precisava de muita coação a fim de me ocupar de alguma coisa.
— Eu estava lidando com um convencido ser imortal que não tinha respeito por sua vida nem sua morte — disse ele, rindo.
Porta para o Infinito, pág. 214
· — Você está reclamando — disse Dom Juan, secamente. — Até a última hora, está com pena de si.
Todos riram. Ele tinha razão. Que necessidade invencível! E eu que pensava ter vencido aquilo de uma vez. Pedi que todos perdoassem minha idiotice.
— Não peça desculpas — disse-me Dom Juan. — As desculpas são tolices. O que realmente importa é ser um guerreiro impecável neste lugar de poder raro. Este lugar abrigou os melhores guerreiros. Seja tão bom quanto eles. — Ele então dirigiu-se a Pablito e a mim: — Vocês já sabem que este é o último trabalho em que estaremos juntos. Vocês entrarão no nagual e no tonal pela força de seu poder pessoal, exclusivamente. Genaro e eu só estamos aqui para lhes dizer adeus. O poder resolveu que Nestor seja testemunha. Assim seja. — Esta será também a última encruzilhada de vocês a que Genaro e eu compareceremos. Depois que entrarem no desconhecido sozinhos, não poderão depender de nós para trazê-los de volta, e portanto uma decisão se impõe; vocês têm de resolver se voltarão ou não. Temos confiança que vocês dois têm a força para voltar, se quiserem. Na outra noite foram perfeitamente capazes, juntos ou separadamente, de derrubar o aliado que os teria esmagado e morto. Aquilo foi uma prova de força. Devo acrescentar ainda que poucos guerreiros sobrevivem ao encontro com o desconhecido que vocês estão prestes a ter; não tanto por ser difícil, mas porque o nagual é mais atraente do que se pode exprimir, e os guerreiros que viajam para ele acham que voltar ao tonal, ou ao mundo de ordem e barulho e de dor, é uma coisa nada atraente. A decisão de ficar ou regressar é tomada por algo dentro de nós que não é nem nossa razão nem o nosso desejo, mas a nossa vontade, de modo que não há meio de se saber o resultado de antemão. Se vocês resolverem não voltar, desaparecerão como se a terra os tivesse engolido. Mas se vocês escolherem a volta a esta Terra, devem esperar como verdadeiros guerreiros até terminarem suas tarefas especiais. Uma vez terminadas, quer com êxito quer no fracasso, vocês terão o domínio sobre a totalidade de seus seres.
Porta para o Infinito, pág. 249
· — Se vocês dois resolverem voltar a esta Terra — disse ele —, terão de esperar como verdadeiros guerreiros até que suas tarefas estejam cumpridas. Essa espera parece muito com a caminhada do ,guerreiro da história. Entendam, o guerreiro tinha acabado o tempo humano, e vocês também. A única diferença é quem está mirando — sobre vocês. Aqueles que estavam mirando o guerreiro eram seus camaradas guerreiros. Mas o que está mirando vocês dois é o desconhecido. A única chance de vocês é a sua impecabilidade. Devem esperar sem olhar para trás. Devem esperar sem contar com recompensas. E devem dedicar todo o seu poder pessoal a cumprir suas tarefas. Se vocês não agirem impecavelmente, se começarem a se afligir e ficar impacientes e desesperados, serão arrasados impiedosamente pelos atiradores do desconhecido. Se, por outro lado, sua impecabilidade e seu poder pessoal forem tais que vocês sejam capazes de cumprir suas tarefas, então conseguirão a promessa do poder. E qual é essa promessa? Bem, podem perguntar. É uma promessa que o poder faz aos homens como seres luminosos. Cada guerreiro tem um destino diferente, de modo que não há meio de dizer qual será essa promessa para qualquer um de vocês.
Porta para o Infinito, pág. 252
· — Você algum dia viu o molde, Gorda? — perguntei.
— Claro, quando fiquei completa de novo. Fui àquele determinado olho-d'água um dia, sozinha, e lá estava ele. Era um ser luminoso, radiante. Eu não podia olhar para ele. Ele me cegava. Mas era suficiente apenas estar na presença dele. Eu me senti feliz e forte. E nada mais tinha importância, nada. Só estar ali era tudo o que eu queria. O Nagual disse que às vezes, se tivermos bastante poder pessoal, podemos ter uma visão do molde, mesmo se não formos feiticeiros: quando isso acontece dizemos que vimos Deus. Ele disse que se o chamarmos de Deus, será verdade. O molde é Deus.
O Segundo Círculo do Poder, pág. 117
· "Perguntei ao Nagual sobre as possibilidades de Pablito e ele me disse que eu devia saber que tudo no mundo de um guerreiro depende do poder pessoal e o poder pessoal depende da impecabilidade
O Segundo Círculo do Poder, pág. 128
· "O Nagual me disse uma coisa muito estranha. Disse que eu tinha uma quantidade enorme de poder pessoal e que por causa disso eu sempre conseguia comida dos amigos, enquanto os parentes em minha casa passavam fome.
"Todo mundo tem suficiente poder pessoal para alguma coisa. O problema para mim era tirar o meu poder pessoal da comida para empregá-lo no meu propósito de guerreira.
O Segundo Círculo do Poder, pág. 128
· — O Nagual disse que somente um feiticeiro que veja e não tenha forma pode auxiliar alguém, e por isso que ele nos ajudou e nos fez o que somos. Você não pensa que pode andar pelas ruas apanhando pessoas para ajudá-las, pensa?
Dom Juan já me expusera o problema que era eu não poder auxiliar os meus semelhantes de modo algum. Aliás, segundo ele, todos os esforços para ajudar, de nossa parte, eram atos arbitrários guiados só por nosso interesse próprio.
Um dia, quando eu estava com ele na cidade, apanhei uma lesma que estava no meio da calçada e a coloquei em segurança, debaixo de umas trepadeiras. Eu estava certo de que, se a deixasse no meio da calçada, as pessoas, mais cedo ou mais tarde haviam de pisar nela. Achei que, levando-a para um lugar seguro, eu a salvara. Dom Juan mostrou que a minha suposição era descuidada, pois eu não levara em consideração duas possibilidades importantes. Uma, que a lesma podia estar fugindo a uma morte certa por envenenamento sob as folhas da trepadeira, e a outra possibilidade era que a lesma tinha suficiente poder pessoal para atravessar a calçada. Interferindo, eu não salvara a lesma, mas apenas a fizera perder tudo o que tinha ganho com tanto sacrifício.
Naturalmente, eu queria pôr a lesma de volta onde a encontrara, mas ele não me deixou. Disse que fora o destino da lesma um idiota atravessar o caminho dela e fazê-la perder o impulso. Se eu a deixasse onde a pusera, ela poderia ainda conseguir poder suficiente para ir aonde quer que estivesse indo.
O Segundo Círculo do Poder, pág. 226
· Tinha aceitado a liderança que os aprendizes achavam que pertencia a mim, mas não tinha idéia de como liderar.
A pressão na minha vida também se mostrou de uma forma mais séria. Meu nível usual de energia estava se tornando progressivamente mais fraco. Dom Juan teria dito que eu estava perdendo meu poder pessoal e que eventualmente perderia a vida. Ele tinha me preparado para viver exclusivamente através do poder pessoal, que eu compreendia ser um estado de ser, uma relação de ordem entre o sujeito e o Universo, uma relação que não pode ser interrompida sem resultar na morte do sujeito. Já que não havia nenhum modo de prever a mudança da minha situação, tinha concluído que minha vida estava chegando ao fim. Meus sentimentos de estar condenado pareciam enfurecer meus aprendizes. Decidi me afastar deles por uns dois dias para diminuir minha melancolia e a tensão deles.
O Presente da Águia, pág. 29
· — Que espécie de sonho você propõe que façamos? — perguntou ela.
— Quantos tipos há? — perguntei.
— Podíamos sonhar juntos — replicou. — Meu corpo me diz que já fizemos isso antes. Entremos no sonho como um grupo. Será facílimo para nós, como foi ver juntos.
— Mas não sabemos o processo de sonhar juntos — falei.
— Não sabíamos como ver juntos e ainda assim vimos – disse ela. — Tenho certeza de que se tentarmos podemos conseguir, pois não há processo para nada que um guerreiro faça. É apenas uma questão de poder pessoal. E nesse momento temos esse poder.
— Nós dois devíamos começar nosso sonho de dois lugares diferentes, tão longe quanto possível um do outro. O que entrar no sonho primeiro espera pelo outro. Quando nos encontrarmos entre laçamos nossos braços e nos aprofundamos juntos.
Disse-lhe que não tinha idéia de como esperar por ela se eu entrasse no sonho antes. Ela própria não sabia dizer o que se tinha de fazer para esperar. Falou que esperar pelo outro sonhador era o que Josefina tinha descrito como "agarrá-los". La Gorda tinha sido agarrada por Josefina duas vezes.
— Josefina falava "agarrar" porque uma de nós tinha de segurar a outra pelo braço — explicou.
Ela demonstrou então o processo de entrelaçar seu braço esquerdo no meu braço direito, segurando a parte de baixo dos cotovelos.
— Como é que podemos fazer isso sonhando? — inquiri:
Eu pessoalmente considerava sonhar um dos estados mais particulares possíveis.
Não sei como, mas vou segurá-lo — falou La Gorda. — Creio que meu corpo sabe como. Mas quanto mais falarmos sobre isso mais difícil vai parecer.
O Presente da Águia, pág. 106
· Enquanto neste mundo, o número mínimo sob a liderança de um nagual é sempre dezesseis: oito guerreiras, quatro guerreiros, contando com o nagual, e quatro mensageiros. No momento de deixar o mundo, quando a nova mulher nagual estiver com eles, o número passa a dezessete. Se seu poder pessoal permitir-lhe ter mais guerreiros, então devem ser acrescentados em múltiplos de quatro.
O Presente da Águia, pág. 145
· O ponto no qual a diferença de liderança teve maior significado para Dom Juan foi durante a interação compulsória que ele teve com os guerreiros do seu benfeitor. A ordem do regulamento era que seu benfeitor encontrasse para Dom Juan primeiramente uma mulher nagual e depois um grupo de quatro mulheres e quatro homens para formar o grupo de guerreiros. Seu benfeitor viu que Dom Juan ainda não tinha bastante poder pessoal para assumir a responsabilidade de uma mulher nagual; então alterou a seqüência e pediu às mulheres do seu próprio grupo para encontrarem para Dom Juan as quatro guerreiras em primeiro lugar, e depois os quatro guerreiros.
O Presente da Águia, pág. 148
· Dom Juan disse que sua primeira impressão foi boa. Para ele haveria apenas trabalho e privações dali por diante. As mulheres viram que Dom Juan era indisciplinado e que não podiam confiar nele para realizar a tarefa complexa e delicada de guiar quatro mulheres. Uma vez que elas próprias eram observadoras, deram sua interpretação pessoal do regulamento e decidiram que seria melhor que ele ficasse com os quatro guerreiros primeiro e depois com as quatro guerreiras. Dom Juan falou que a observação delas tinha sido correta, pois para lidar com guerreiras o nagual teria de estar num estado de poder pessoal extremado, num estado de serenidade e controle, no qual os sentimentos humanos ocupam uma parte mínima, estado que naquela época lhe era inconcebível.
O Presente da Águia, pág. 148
· Dom Juan e seus guerreiros chegaram à totalidade deles próprios, e dirigiram-se à sua última tarefa, que era a de encontrar um novo par de seres duplicados. Dom Juan disse que achavam que seria uma coisa simples — tudo o mais tinha sido relativamente fácil para eles. Não tinham idéia de que a falta de esforço aparente de suas realizações como guerreiros era conseqüência da maestria do seu benfeitor e de seu poder pessoal.
O Presente da Águia, pág. 177
· Florinda estava de pé no hall, como se estivesse esperando que Dom Juan me empurrasse para dentro. Pegou no meu braço e me levou em silêncio para a sala de visita. Sentamo-nos. Eu queria começar a conversar mas não conseguia falar. Ela explicou que um empurrão de um guerreiro impecável, como o nagual Juan Matus, pode causar uma mudança para outra área de conscientização. Disse que meu erro todo o tempo fora acreditar que os métodos não eram importantes. O método de empurrar um guerreiro para outro estado de conscientização é válido apenas se os dois participantes, especialmente o que empurra, são impecáveis e impregnados de poder pessoal.
O Presente da Águia, pág. 218
· Dom Juan dizia que os guerreiros chamam a esse fenômeno "poder". Então, quando falam em ter poder pessoal, referem-se ao fato da intenção chegar a eles por sua própria conta. O resultado disso, dizia ele, podia ser descrito como uma facilidade em encontrar novas soluções — ou a facilidade em causar efeitos nos acontecimentos ou nas pessoas. É como se as possibilidades desconhecidas previamente pelos guerreiros se tornassem evidentes de repente. Assim, um guerreiro impecável nunca planeja nada antes do tempo, mas seus atos são tão decisivos que parecem ter sido planejados detalhadamente de antemão.
O Presente da Águia, pág. 257
· Dom Genaro interrompeu e disse que os outros guerreiros-viajantes antes de nós estiveram naquele mesmo cume plano da montanha, antes de embarcar nas suas jornadas para o desconhecido. Dom Juan virou-se para mim e numa voz suave disse que logo eu estaria entrando no infinito pela força de meu poder pessoal, e que ele e Dom Genaro estavam lá somente para se despedirem. Dom Genaro interrompeu novamente e disse que eu também estava lá para fazer o mesmo por eles.
— Uma vez que você entre no infinito — disse Dom Juan — não pode depender de nós para trazê-lo de volta. Sua decisão é necessária então. Somente você pode decidir se volta ou não. Também devo preveni-lo de que poucos guerreiros-viajantes sobrevivem a esse tipo de encontro com o infinito. O infinito é incrivelmente sedutor. Um guerreiro-viajante descobre que voltar ao mundo da desordem, da compulsão, do barulho e da dor é um assunto nada atraente. Você deve saber que a sua decisão de permanecer ou voltar não é uma questão de escolha racional, mas uma questão de intentá-la.
"Se você escolher não voltar, desaparecerá como se a terra o tivesse engolido. Mas se escolher retornar, deve apertar os cintos e esperar como um verdadeiro guerreiro-viajante até que a sua tarefa, seja ela qual for, esteja terminada, com sucesso ou com fracasso."
O Lado Ativo do Infinito, pág. 293
— Tudo o que o homem faz depende de seu poder pessoal — continuou. — Portanto, para aqueles que não têm nenhum, os feitos de um homem poderoso são incríveis. É preciso poder para apenas conceber o que é o poder. É isso que tenho sempre tentado dizer-lhe. Mas sei que você não compreende, não porque não queira, mas porque tem muito pouco poder pessoal.
— O que devo fazer, Dom Juan?
— Nada. Continue assim. O poder há de encontrar um jeito.
Viagem a Ixtlan, pág. 159
· — Você deve entregar-se, para seu poder pessoal poder fundir-se com o poder da noite — falou, em meu ouvido. Depois, explicou que ia passar à minha frente; e tive outro acesso de um medo irracional.
— Mas isto é loucura — protestei.
Dom Juan não ficou zangado nem impaciente. Riu baixinho e sussurrou uma coisa em meu ouvido que eu não entendi bem.
— O que foi que você disse? — perguntei alto, os dentes batendo.
Dom Juan tapou minha boca com a mão e disse, cochichando, que um guerreiro agia como se soubesse o que estava fazendo, quando, na verdade, não sabia nada. Repetiu uma frase três ou quatro vezes, como se quisesse que eu a decorasse. Falou:
— Um guerreiro é impecável quando confia em seu poder pessoal, sem considerar que ele seja pequeno ou grande.
Viagem a Ixtlan, pág. 162
· Andou devagar na minha frente, para eu poder observar que ele levantava os joelhos quase até o peito cada vez que dava um passo. E depois, ele chegou a correr e sumir de vista, retornando em seguida.
Eu não podia imaginar como é que ele podia correr na escuridão total.
— O passo do poder é para correr de noite — cochichou, em
meu ouvido..
Ele disse que eu o experimentasse. Falei que tinha certeza de que ia quebrar as pernas caindo numa fenda ou batendo em alguma pedra. Dom Juan, muito calmamente, disse que o "passo do poder" era inteiramente seguro.
Repliquei que o único meio de eu compreender seus atos era supor que ele conhecesse aqueles morros a perfeição; evitando, assim, os obstáculos. Dom Juan pegou minha cabeça em suas mãos e cochichou com veemência:
— É noite! E ela é poder!
Largou minha cabeça e depois disse, baixinho, que, de noite, o mundo era diferente, e que sua capacidade de correr no escuro nada tinha a ver com seu conhecimento daqueles morros. Falou que a chave para aquilo era deixar o poder pessoal correr livremente, para poder fundir-se com o poder da noite, e que uma vez que o poder tomasse conta, não haveria hipótese de um deslize. Acrescentou, num tom muito sério, que, se eu duvidasse, que pensasse um momento no que estava acontecendo. Para um homem da idade dele correr por aqueles morros àquela hora seria suicídio, se o poder da noite não o estivesse guiando.
Viagem a Ixtlan, pág. 163
· Mas de que modo posso armazenar poder pessoal?
— Você o está fazendo vivendo da maneira que eu recomendei.
Pouco a pouco, está tapando todos seus pontos de drenagem. Não precisa ser metódico nisso, pois o poder sempre dá um jeito. Veja meu exemplo. Eu não sabia que estava armazenando poder quando comecei a aprender as maneiras de um guerreiro. Como você, eu achava que não estava fazendo nada de especial, mas não era assim. O poder tem a peculiaridade de passar despercebido quando está sendo armazenado.
Viagem a Ixtlan, pág. 169
· — O que vai fazer, Dom Juan?
Não deu resposta. Levantou-se e esticou o corpo. Parecia contrair todos os músculos. Mandou que eu fizesse o mesmo.
— Você deve esticar o corpo muitas vezes durante o dia —disse ele. — Quanto mais vezes, melhor; mas somente depois de um longo período de trabalho ou de repouso.
— Que tipo de adversário você vai encontrar para mim? — perguntei.
— Infelizmente, só os nossos semelhantes são nossos adversários valorosos — respondeu. — Outros entes não têm vontade própria e a gente precisa ir encontrá-los e atraí-los. Nossos semelhantes humanos, porém, são inclementes.
"Já conversamos muito — falou, abruptamente, virando-se para mim. — Antes de partirmos, você tem de fazer mais uma coisa, a mais importante de todas. Vou-lhe dizer uma coisa agora, para você estar descansado quanto ao motivo por que está aqui. O motivo por que você continua a vir me ver é muito simples: cada vez que esteve Comigo, seu corpo aprendeu certas coisas, mesmo contra seu desejo.
E, afinal, seu corpo agora precisa de voltar para mim, para aprender mais. Digamos que seu corpo sabe que vai morrer, embora você nunca pense nisso. Assim, eu estive contando a seu corpo que também eu vou morrer e, antes de morrer, eu gostaria de mostrar a seu corpo algumas coisas, as quais você mesmo não lhe pode dar. Por exemplo, seu corpo precisa do temor. Gosta disso. Seu corpo precisa do escuro e do vento. Seu corpo agora conhece o passo do poder e mal pode esperar para experimentá-lo. Seu corpo precisa do poder e mal pode esperar para experimentá-lo. Seu corpo precisa do poder pessoal e mal pode esperar para tê-lo. Portanto, digamos que seu corpo volta para me ver porque eu sou amigo dele."
Dom Juan ficou calado por muito tempo. Parecia estar lutando com seus pensamentos.
— Já lhe disse que o segredo de um corpo forte não está no que você faz com ele, mas no que não lhe faz — falou, por fim. —Agora, chegou a hora de você não fazer o que faz sempre. Fique aqui sentado até partirmos e não faça.
Viagem a Ixtlan, pág. 171
· Nesse caso, aquela pedra o absorveu por muito tempo e agora é você, e, sendo assim, não a pode deixar por aí, e tem de enterrá-la. Se quiser ter poder pessoal, porém, não fazer seria transformar aquela pedra em um objeto de poder.
— Posso fazer isso agora?
— Sua vida não está bastante ajustada para fazer isso. Se você visse, saberia que sua preocupação transformou aquela pedrinha em uma coisa bem sem atrativo; e, portanto, a melhor coisa que você pode fazer é cavar um buraco e enterrá-la e deixar que a terra absorva seu peso.
— Tudo isso é verdade, Dom Juan?
— Dizer que sim ou que não seria fazer. Mas como você está aprendendo a não fazer, devo dizer-lhe que realmente não tem importância se tudo isso é verdade ou não. É aqui que o guerreiro leva vantagem sobre o homem comum. O homem, comum se, importa em saber se as coisas são verdadeiras ou falsas, mas um guerreiro não. Um homem comum procede de maneira específica com as coisas que ele sabe serem verdade e de maneira diversa com o que sabe não ser verdade. Se se supõe que as coisas são verdadeiras, ele age e acredita no que faz. Mas se as coisas são supostamente falsas, ele não quer agir, ou não crê no que faz. Um guerreiro, ao contrário, age em ambos os casos. Se se supõe que as coisas são verdadeiras, ele age a fim de estar fazendo. Se se supõe que as coisas são falsas, ele ainda assim age, a fim de não fazer. Entende o que digo?
— Não. Não estou entendendo nada — respondi.
Viagem a Ixtlan, pág. 181
· Mandou que eu me deitasse e pegou meu braço direito, dobrando-o no cotovelo. Depois, virou minha mão para a palma ficar voltada para a frente; curvou meus dedos, de modo que minha mão ficou na posição de quem está segurando uma maçaneta e depois começou a mover meu braço para a frente e para trás, num movimento circular que parecia o ato de empurrar e puxar uma alavanca presa a uma roda. Dom Juan disse que um guerreiro executava esse "movimento cada vez que queria expulsar alguma coisa de seu corpo, como uma doença ou uma sensação desagradável. A intenção era empurrar e puxar uma força adversa imaginária até a pessoa sentir um objeto pesado, um corpo sólido, opondo-se aos movimentos livres da mão. No caso do exercício, não fazer consistia em repeti-lo até se sentir o corpo pesado com a mão, a despeito do fato de a pessoa não poder acreditar que fosse possível senti-lo.
Comecei a mover o braço e, dali a pouco, minha mão ficou gelada. Comecei a sentir uma espécie de polpa em volta dela. Era como se eu estivesse remando numa substância líquida, pesada e viscosa.
Dom Juan fez um movimento súbito e agarrou meu braço para parar o movimento. Meu corpo todo tremia como se abalado por alguma força oculta. Examinou-me quando me sentei e, depois, andou em volta de mim, antes de tornar a sentar-se onde estava antes.
— Já fez bastante — disse ele. — Pode executar esse exercício em outra ocasião, quando tiver mais poder pessoal.
— Fiz alguma coisa errada?
— Não. Não fazer é só para guerreiros muito fortes e você ainda não tem o poder de lidar com isso. Agora, só vai apanhar coisas horrendas com as mãos. Portanto, faça-o pouco a pouco, até sua mão não ficar mais fria. Quando ficar quente, você chega a poder sentir as linhas do mundo com ela.
Viagem a Ixtlan, pág. 181
· A escalada foi um negócio terrível. Era um verdadeiro alpinismo, só que não tínhamos cordas para nos ajudar e proteger. Dom Juan me disse repetidamente que não olhasse para baixo; e teve de me Puxar umas duas vezes, quando comecei a deslizar pela pedra. Eu estava muito vexado porque Dom Juan, tão velho, tinha de me ajudar. Disse-lhe que estava em má forma física porque tinha muita preguiça de fazer exercício. Respondeu que uma vez que a pessoa alcançasse um certo nível de poder pessoal, os exercícios ou qualquer treinamento desse tipo não eram necessários, pois a única coisa que se precisava, para estar numa forma impecável, era empenhar-se em não fazer.
Viagem a Ixtlan, pág. 183
· Há uma coisa que você já deve conhecer, a essa altura disse Dom Juan. — Eu a chamo de centímetro cúbico de oportunidade. Todos nós, sejamos guerreiros ou não, temos um centímetro cúbico de oportunidade, que aparece diante de nossos olhos de vez em quando. A diferença entre um homem comum e um guerreiro é que o guerreiro sabe disso e uma de suas tarefas é estar alerta, esperando propositadamente, de modo que, quando seu centímetro cúbico aparece, ele tem a velocidade necessária e a habilidade de apanhá-lo.
"Oportunidade, boa sorte, poder pessoal, ou como quiser chamá-lo, é um estado de coisas especial. É como um pauzinho pequenino que aparece na nossa frente e nos convida a pegá-lo. Geralmente, estamos por demais ocupados, ou preocupados, ou apenas muito burros e preguiçosos para compreender que aquele é o nosso centímetro cúbico de sorte. Um guerreiro, ao contrário, está sempre alerta e ajustado, e tem o impulso, a fibra necessária para pegá-lo."
— Sua vida está bem ajustada? — perguntou Dom Genaro, de repente.
Viagem a Ixtlan, pág. 219
· O que mais me impressionava, nessa ocasião, era a sensação vívida que eu tivera, seis meses antes, de ter conversado com um coiote. Aquele fato significara para mim que, pela primeira vez, eu fora capaz de visualizar ou apreender, através de meus sentidos e em sã consciência, a descrição do mundo feita por um feiticeiro; uma descrição em que a comunicação com os animais por meio da fala era coisa corriqueira. Falei-lhe a respeito, mas ele foi claro:
— Não nos vamos envolver no exame de uma experiência desse tipo. Não é aconselhável que você se dedique a concentrar sua atenção sobre fatos passados. Podemos tocar neles, mas apenas como alusão.
— Por que isso, Dom Juan?
— Você ainda não tem suficiente poder pessoal para procurar a explicação dos feiticeiros.
— Então existe uma explicação de feiticeiro?
— Claro que sim. Os feiticeiros são homens. Nós somos criaturas de pensamento. Procuramos os esclarecimentos.
— Eu tinha a impressão de que meu grande defeito era procurar explicações.
— Não. Seu defeito é procurar explicações convenientes, explicações que se adaptem a seu mundo. Eu me oponho é ao fato de você querer ser racional. Um feiticeiro também explica as coisas de seu mundo, mas não é tão inflexível quanto você.
— Como posso chegar à explicação de um feiticeiro?
— Acumulando o poder pessoal. O poder pessoal o levará com toda a facilidade à explicação de um feiticeiro. A explicação não é o que você chamaria de explicação; não obstante, torna o mundo e seus mistérios, se não claros, pelo menos não assombrosos. Devia ser essa a essência de uma explicação, mas não é o que você procura. Você busca a reflexão de suas próprias idéias.
Porta para o Infinito, pág. 13
· — Genaro é estupendo — disse ele. — Mas por enquanto nada adianta falar sobre ele nem o que ocorre entre vocês. Você ainda não tem suficiente poder pessoal para deslindar também esse assunto. Espere até consegui-lo, e então falaremos a respeito.
— E se eu nunca o tiver?
— Nunca falaremos.
— No ritmo em que vou, será que algum dia eu terei o suficiente? — perguntei.
— Depende de você — respondeu ele. — Já lhe dei todas as informações necessárias. Agora, cabe a você a responsabilidade de conseguir suficiente poder pessoal para fazer pender a balança.
— Você está falando por metáforas — disse eu. — Diga sinceramente. Diga exatamente o que devo fazer. Se já me disse, digamos que já esqueci.
Dom Juan riu-se e deitou-se, pondo os braços por baixo da cabeça.
— Você sabe exatamente do que precisa — disse ele.
Expliquei-lhe que às vezes achava que sabia, mas que a maior parte do tempo não tinha confiança em mim.
— Acho que você está misturando as coisas — prosseguiu ele. — A autoconfiança do guerreiro não é a mesma que a do homem comum. Este busca a certeza aos olhos do espectador e chama a isso autoconfiança. O guerreiro busca a impecabilidade a seus próprios olhos e chama a isso humildade. O homem comum está agarrado a seus semelhantes, enquanto o guerreiro só se agarra a si mesmo. Talvez você esteja perseguindo uma quimera. Busca a autoconfiança do homem comum, enquanto devia estar atrás da humildade do guerreiro. A diferença entre os dois é notável. A confiança em si significa saber algo com certeza; a humildade significa ser impecável em suas ações e sentimentos.
— Estive tentando viver de acordo com suas sugestões — disse eu. — Posso não ser o melhor, mas sou o melhor de mim mesmo. Isso é ser impecável?
— Não. Tem de fazer mais que isso. Você tem de se esforçar ao máximo, o tempo todo.
— Mas isso seria loucura, Dom Juan. Ninguém o consegue.
— Há muita coisa que você faz agora que lhe teria parecido loucura há 10 anos. Essas coisas em si não mudaram, mas sua concepção de si mesmo mudou; o que antes era impossível é hoje inteiramente possível, e talvez que o seu sucesso total em se modificar seja apenas uma questão de tempo. Nesse assunto, o único caminho aberto a um guerreiro é agir persistentemente e sem reservas. Você já sabe o suficiente sobre o procedimento do guerreiro para agir de
acordo, mas seus velhos hábitos e rotinas o atrapalham.
Porta para o Infinito, pág. 14
· — Não importa o que se revela e o que se guarda para si. Tudo o que fazemos, tudo o que somos, reside em nosso poder pessoal.
Se temos o suficiente, uma palavra que nos for pronunciada pode ser suficiente para mudar o rumo de nossas vidas. Mas, Se não tivermos suficiente poder pessoal, o fato de sabedoria mais magnífico nos poderá ser revelado sem que tal revelação faça a menor diferença. — Ele aí baixou a voz, como se estivesse me contando algo de confidencial. — Vou pronunciar o que é talvez o maior fato de sabedoria que qualquer pessoa possa exprimir. Vejamos o que você pode fazer com isso: Sabe que neste momento você está cercado pela eternidade? E sabe que pode usar essa eternidade, se o desejar?
Depois de uma pausa prolongada, em que ele me pediu, com um movimento sutil dos olhos, para fazer alguma declaração, eu disse que não estava entendendo de que ele estava falando.
— Ali! A Eternidade está ali! — e apontou para o horizonte.
Em seguida, apontando para o zênite, acrescentou: — Ou ali, ou talvez possamos dizer que a eternidade é assim. — Ele estendeu ambos os braços para Leste e Oeste.
Nós nos entreolhamos. Os olhos dele encerravam uma pergunta.
— O que me diz disso? — perguntou-me, sugerindo que eu ponderasse sobre suas palavras.
Eu não sabia o que dizer.
— Você sabe que pode estender-se para sempre em qualquer das direções em que apontei? — continuou ele. — Sabe que um momento pode ser a eternidade? Isso não é uma charada; é um fato, mas somente se você agarrar esse momento, utilizando-o para levar a totalidade de você em qualquer direção, para sempre.
Ele ficou olhando para mim.
— Você antes não possuía esse conhecimento — disse ele, sor indo. — Mas agora possui. Eu o revelei a você, mas não faz a menor diferença, pois você não tem suficiente poder pessoal para utilizar minha revelação.
Porta para o Infinito, pág. 16
— Somos seres luminosos — disse, sacudindo a cabeça ritmadamente. — E para um ser luminoso só interessa o poder pessoal. Mas, se me perguntar o que é o poder pessoal, terei de dizer-lhe que minha explicação não o explicará.
Porta para o Infinito, pág. 17
· Quando evoquei a visão de Eligio, levei um susto que abalou meu estado visionário. Eligio tinha uma forma branca e longa, que se contorcia e parecia saltar sobre mim. Dom Juan explicou que Eligio era um aprendiz muito talentoso e que, sem dúvida, percebera que alguém o estava vendo.
Outra escolha de Dom Juan foi Pablito, o aprendiz de Dom Genaro. O choque que a visão de Pablito provocou em mim ainda foi pior do que o de Eligio.
Dom Juan ria tanto que as lágrimas lhe corriam pelas faces. — Por que essa gente tem formas diferentes? — perguntei. — Têm mais poder pessoal — respondeu ele. — Conforme pode observar, não estão presos ao solo.
— O que lhes deu essa leveza? Já nasceram assim?
— Nós todos nascemos assim leves e saltitantes, mas nos tornamos presos à terra e fixos. Nós nos fazemos ficar assim. Portanto, talvez possamos dizer que essas pessoas têm formas diferentes porque vivem como guerreiros. Mas isso não é importante. O que tem valor é você ter chegado até aqui. Chamou 47 pessoas e resta apenas mais uma para que se completem as 48 originais.
Lembrei-me naquele momento que anos antes ele me dissera, falando sobre feitiçaria do milho e adivinhação, que o número de grãos de milho que um feiticeiro possuía era 48. Nunca explicara por quê. Tornei a perguntar:
— Por que 48?
— Quarenta e oito é o nosso número — disse ele. — É isso que nos torna homens. Não sei por quê. Não desperdice seu poder fazendo perguntas tolas.
Porta para o Infinito, pág. 38
· Genaro acha que tem de se certificar, neste ponto, de que você armazenou suficiente poder pessoal que lhe permita transformar sua vontade numa unidade funcional.
A vontade era outro conceito que Dom Juan delineara com muito cuidado, mas sem deixá-lo claro. Eu deduzira de suas explicações que a vontade era uma força que emanava da região umbilical por uma abertura invisível abaixo do umbigo, uma abertura que ele chamou de "brecha". Vontade supostamente só era cultivada pelos feiticeiros. Vinha aos praticantes velada em mistério e supostamente lhes dava a capacidade de praticarem atos extraordinários.
Observei a Dom Juan que não havia possibilidade de uma coisa tão vaga algum dia ser uma unidade funcional em minha vida.
— Aí é que você se engana — disse ele. — A vontade se desenvolve no guerreiro a despeito de toda a oposição da razão.
— Dom Genaro, sendo feiticeiro, não pode saber se estou pronto ou não, sem me pôr à prova? — perguntei.
— Por certo que pode. Mas saber isso não terá valor nem conseqüência alguma, pois nada tem a ver com você. É você que está aprendendo, portanto você é que tem de reivindicar o conhecimento e o poder, não Genaro. Genaro não se preocupa com o saber dele, e sim com o seu. Você tem de descobrir se sua vontade funciona ou não. Isso é muito difícil de saber. A despeito do que Genaro e eu sabemos a seu respeito, você tem de provar a si mesmo que está numa situação de considerar o conhecimento como poder. Em outras palavras, você mesmo tem de estar convencido de que pode exercer sua vontade. Se não, então terá de se convencer hoje. Se você não puder executar essa tarefa, então a conclusão de Genaro será que, não importa o que ele possa ver em você, você ainda não está preparado.
Porta para o Infinito, pág. 76
· — Como você sabe, o ponto nevrálgico da feitiçaria é o diálogo interno; esta é a chave de tudo. Quando um guerreiro aprende a pará-lo, tudo se torna possível; os planos mais rebuscados se tornam exeqüíveis. O caminho para todas as experiências fantásticas e sobrenaturais que você teve recentemente foi o fato de você conseguir parar de falar consigo mesmo. Completamente desligado, você já viu o aliado, o sósia de Genaro, o sonhador e o objeto dos sonhos, e hoje você quase aprendeu sobre a totalidade do seu ser; era esse o feito do guerreiro que Genaro esperava que você realizasse. Tudo isso foi possível por causa da quantidade de poder pessoal que você já armazenou. Começou da última vez que você esteve aqui, quando avistei um augúrio muito auspicioso. Quando você chegou, ouvi o aliado rondando; primeiro, ouvi seus passos macios e depois vi a mariposa olhando para você, quando você saltou do carro. O aliado estava imóvel, observando-o. Para mim, esse foi o melhor augúrio. Se o aliado estivesse agitado, movimentando-se como se estivesse contrariado com a sua presença, como tem estado sempre, o rumo dos acontecimentos teria sido diferente. Muitas vezes já vi o aliado num estado hostil para com você, mas dessa vez o augúrio era bom e vi que o aliado tinha algo a lhe transmitir sobre o conhecimento. Foi por isso que disse que você tinha um compromisso com o conhecimento, um compromisso com uma mariposa que estava pendente há muito tempo. Por motivos inconcebíveis para nós, o aliado escolheu a forma de uma mariposa para manifestar-se a você.
Porta para o Infinito, pág. 86
· Somos percebedores — prosseguiu. — O mundo que percebemos, porém, é uma ilusão. Foi criado por uma descrição que nos foi contada desde o momento em que nascemos. Nós, os seres luminosos, nascemos com dois círculos de poder, mas só usamos um para criar o mundo. Esse círculo, que é preso logo depois que nascemos, é a razão, e seu companheiro é falar. Entre eles, inventam e mantêm o mundo. Assim, em essência, o mundo que sua razão quer sustentar é o mundo criado por uma descrição e suas regras dogmáticas e invioláveis, que a razão aprende a aceitar e defender. O segredo dos seres luminosos é que têm um outro círculo de poder que nunca é usado, a vontade. O truque do feiticeiro é o mesmo truque do homem normal. Ambos têm uma descrição; um, o homem normal, a sustenta com sua razão; o outro, o feiticeiro, a sustenta com sua vontade. Ambas as descrições têm suas regras e essas regras são percebíveis, mas a vantagem do feiticeiro é que a vontade é mais absorvente do que a razão. A sugestão que quero fazer aqui é que de hoje em diante você se deixe perceber se a descrição é mantida pela sua razão ou a sua vontade. Acho que é esse o único meio de você usar seu mundo de todo dia como desafio e veículo para acumular suficiente poder pessoal a fim de chegar à totalidade de seu ser. Talvez que da próxima vez que você vier, já terá suficiente poder. De qualquer forma, espere até sentir, como sentiu hoje na vala de irrigação, que uma voz interior lhe está dizendo para agir assim. Se vier de qualquer outra forma, será uma perda de tempo e um perigo para você
Porta para o Infinito, pág. 90
· Ele fez um gesto de impaciência com a mão e disse que era política dele nunca se deter sobre os fatos passados.
— O importante agora é que você seguiu minha sugestão — disse ele. — Tomou seu mundo de todo dia como um desafio, e a prova que já armazenou suficiente poder pessoal é o fato indiscutível de ter-me encontrado sem qualquer dificuldade, no local exato em que devia.
— Duvido muito de que o mérito disso seja meu — disse eu. — Eu o estava esperando e aí você apareceu. Só sei disso; e é só isso que interessa a um guerreiro saber.
— O que vai acontecer, já que o encontrei? — perguntei.
— Para começar, não vamos falar sobre os dilemas de sua razão, essas experiências pertencem a outra época e outro estado de espírito. São, por assim dizer, apenas os degraus de uma escada infinita; dar ênfase a isso seria menosprezar a importância do que está acontecendo agora. Um guerreiro não pode se dar ao luxo de fazer isso.
Tive um desejo quase invencível de reclamar. Não que eu ressentisse qualquer coisa que me tivesse acontecido, mas é que eu ansiava por alivio e compreensão. Dom Juan parecia perceber o que eu estava sentindo e falou como se eu tivesse expressado meus pensamentos:
— Somente como guerreiro é que podemos suportar o caminho do conhecimento. Um guerreiro não pode reclamar nem lamentar nada. Sua vida é um desafio interminável, e os desafios não podem ser bons ou maus. Os desafios são simplesmente desafios.
Porta para o Infinito, pág. 97
· — Isso depende de seu poder pessoal. Como é sempre o caso nos feitos e não feitos dos guerreiros, o poder pessoal é a única coisa que importa. Até agora, eu diria que você se está saindo bem.
Depois de um momento de silêncio, como se quisesse mudar de assunto, ele se levantou e apontou para o terno.
— Vesti meu temo por sua causa — disse ele, num tom misterioso. — Esse temo é o meu desafio. Veja como fico bem nele! Como é fácil! Hem? Nada de mais.
Dom Juan ficava realmente muito bem de temo. O único tempo de comparação que me ocorria era o aspecto do meu avô no seu temo de pesada casemira inglesa. Ele dava sempre a impressão de se sentir sem naturalidade, deslocado, de temo. Dom Juan, ao contrário, ficava bem à vontade.
— Acha que para mim é fácil parecer à vontade de terno? —
perguntou Dom Juan.
. Eu não sabia o que responder. Disse comigo mesmo, contudo, que a julgar pela aparência dele e seu modo de proceder, que seria a coisa mais fácil do mundo para ele.
— Vestir um temo é um desafio para mim — disse ele. — um desafio tão difícil quanto usar sandálias e um poncho seria para você. Mas você nunca teve necessidade de enfrentar esse desafio. Meu caso é diferente; sou índio.
Nós nos olhamos. Ele ergueu as sobrancelhas, numa pergunta muda, como se esperando meus comentários.
— A diferença básica entre um homem comum e um guerreiro é que um guerreiro aceita tudo como um desafio — continuou ele enquanto que um homem comum aceita tudo ou como uma bênção ou uma praga.
Porta para o Infinito, pág. 98
· — O mundo se adapta a nós — disse Dom Juan, depois de ouvir minhas dúvidas. — Isto não é uma cena arrumada. É um augúrio, um ato de poder. O mundo sustentado pela razão faz de tudo isso um acontecimento que podemos observar por um momento, a caminho de coisas mais importantes. O que podemos dizer a respeito é que um homem está deitado na grama do jardim, talvez bêbado. O mundo sustentado pela vontade torna isso um ato de poder, que podemos ver. Podemos ver a morte rodopiando em volta do homem, enfiando suas garras cada vez mais profundamente nas fibras luminosas dele. Podemos ver os fios luminosos perdendo sua tensão e desaparecendo um a um. São essas as duas possibilidades que se apresentam a nós seres luminosos. Você está em algum ponto no meio, ainda querendo ter tudo sob a rubrica da razão. E, no entanto, como pode desprezar o fato de que seu poder pessoal convocou um augúrio? Viemos a este jardim, depois que você me encontrou onde eu o esperava. Você me encontrou apenas andando até mim, sem pensar, nem planejar, nem propositadamente usar a sua. razão. Depois que nos sentamos aqui para esperar um augúrio, notamos aquele homem, cada um de nós reparou nele a seu modo, você, com sua razão, eu com minha vontade. Aquele homem agonizante é um dos centímetros cúbicos de sorte que o poder sempre apresenta ao guerreiro. A arte é estar perenemente fluido para poder colhê-lo. Eu o colhi, mas e você?
Porta para o Infinito, pág. 104
· Seu tonal é tão dado a entregar-se que ameaça sua totalidade. Isso é uma maneira terrível de se ser.
— O que posso fazer?
— Seu tonal tem de se convencer por motivos, seu nagual, por ações, até um apoiar o outro. Conforme já lhe disse, o tonal governa, e, no entanto, é muito vulnerável. O nagual, ao contrário, nunca, ou quase nunca, se manifesta, mas, quando o faz, apavora o tonal.
Hoje, seu tonal assustou-se e começou a encolher-se sozinho, e ai seu nagual começou a dominar. Tive de pedir emprestado um balde de um dos fotógrafos do parque para poder açoitar seu nagual como um cão desobediente e fazê-lo voltar ao lugar. O tonal deve ser protegido a todo custo. É preciso tirar-lhe a coroa, mas ele tem de continuar como o administrador protegido. Qualquer ameaça ao tonal sempre acaba em sua morte. E se o tonal morrer, o homem todo também morre. Em virtude de sua fraqueza inerente o tonal é facilmente destruído e assim uma das artes que equilibram o guerreiro é fazer o nagual aparecer para sustentar o tonal. Digo que é uma arte porque os feiticeiros sabem que só reforçando o tonal é que o nagual pode aparecer. Entende o que eu digo? Esse reforço chama-se poder pessoal.
Porta para o Infinito, pág. 144
· Devo ficar apenas escutando-o, sem tomar notas? — perguntei.
— Este é um assunto delicado mesmo — disse ele. — Por um lado, preciso de sua atenção total, e por outro, você tem de ficar calmo e confiante em si. O único meio de você ficar à vontade é escrevendo, portanto é este o momento de apresentar todo o seu poder pessoal e cumprir essa tarefa impossível de ser você mesmo sem ser você. — Bateu na coxa e riu-se. — Já lhe disse que sou encarregado de seu tonal e que Genaro é encarregado de seu nagual. Tem sido meu dever ajudá-lo em todos os assuntos referentes ao tonal e tudo o que eu lhe fiz, ou fiz com você, foi feito para cumprir uma única tarefa, a tarefa de limpar e reorganizar sua ilha do tonal. É essa a minha missão como seu mestre. A tarefa de Genaro como seu benfeitor é dar-lhe demonstrações irrefutáveis do nagual e mostrar como alcançá-lo.
— O que quer dizer com limpar e reorganizar a ilha do tonal? — perguntei.
— Quero dizer, a modificação total sobre a qual lhe venho falando desde o primeiro dia em que nos conhecemos. Já lhe disse inúmeras vezes que era necessária uma mudança muito drástica se você queria ter sucessos no caminho do conhecimento. Essa mudança não é uma mudança de estado de espírito, nem de atitude, nem de ponto de vista; essa mudança implica a transformação da ilha do tonal. Você realizou esse trabalho.
Porta para o Infinito, pág. 204
· — O que acontecerá hoje aqui depende de se você tem ou não suficiente poder pessoal para focalizar a sua atenção total sobre as asas de sua percepção — disse ele.
Os olhos dele brilharam. Parecia mais agitado do que eu jamais o vira. Achei que havia algo de anormal em sua voz, talvez um nervosismo desusado.
Ele disse que a ocasião exigia que ali mesmo no lugar predileto de meu benfeitor, ele recapitulasse para mim todos os passos que dera em sua luta para me ajudar a limpar e reorganizar minha ilha do tonal. Sua recapitulação era meticulosa e levou umas cinco horas. De maneira brilhante e clara, ele me deu um relato sucinto de tudo o que tinha feito comigo desde o dia em que nos conhecemos. Era como se uma represa se tivesse rompido. Suas revelações me apanharam completamente desprevenido. Eu me acostumara a ser o pesquisador agressivo; assim, quando Dom Juan — que era sempre o lado relutante — passou a elucidar os temas de seus ensinamentos de modo tão acadêmico, aquilo pareceu tão espantoso quanto ele usar um terno na Cidade do México. Seu controle da linguagem, sua cadência dramática e sua escolha de palavras eram tão extraordinários que eu não tinha meios de explicá-los racionalmente. Ele disse que naquele ponto um mestre tinha de falar ao guerreiro individual em termos exclusivos, que o modo como ele me estava falando e a clareza de sua explicação faziam parte de seu último artifício e que somente no fim é que tudo o que ele estava fazendo teria sentido para mim. Falou sem parar, até acabar de apresentar sua recapitulação. E eu escrevi tudo o que ele disse, sem qualquer esforço consciente de minha parte.
— Vou começar dizendo-lhe que um mestre nunca procura os aprendizes e que ninguém pode pedir os ensinamentos — disse ele. — Trata-se sempre de um augúrio, que indica um aprendiz. Um guerreiro que possa estar na posição de se tornar um mestre tem de estar alerta, para poder apanhar o seu centímetro cúbico de sorte.
Porta para o Infinito, pág. 206
· — Realmente, eu levara anos para compreender a importância daquelas primeiras sugestões feitas por Dom Juan. O efeito extraordinário que as plantas psicotrópicas tiveram sobre mim foi o que me deu a idéia de que o uso delas era o principal fator dos ensinamentos. Agarrei-me a essa convicção e foi só nos últimos anos de meu aprendizado que compreendi que as transformações e descobertas significativas dos feiticeiros eram sempre realizadas em estado de sobriedade.
— O que teria acontecido se eu tivesse levado a sério suas recomendações? — perguntei.
— Você teria chegado ao nagual — respondeu ele.
— Mas eu teria chegado ao nagual sem um benfeitor?
— O poder age de acordo com sua impecabilidade. Se você tivesse usado seriamente aquelas quatro técnicas, teria armazenado suficiente poder pessoal para encontrar um benfeitor. Você teria sido impecável e o poder teria aberto todas as avenidas necessárias. É esta a regra.
— Por que me deu mais tempo?
— Você teve todo o tempo necessário. O poder me mostrou o caminho. Uma noite, dei-lhe um enigma paia decifrar; você tinha de encontrar seu ponto benéfico defronte da porta de minha casa.
Naquela noite, você teve um desempenho maravilhoso sob pressão e de manhã você adormeceu em cima de uma pedra muito especial que eu tinha posto lá. O poder mostrou-me que você tinha de ser impelido sem piedade, senão nada faria.
— As plantas de poder me ajudaram?
— Por certo. Elas o abriram, parando sua visão do mundo.
Nesse ponto, as plantas de poder têm o mesmo efeito sobre o tonal que o modo certo de andar. Ambos o inundam com informações e obrigam o diálogo interno a parar. As plantas são excelentes para isso, mas muito caras. Causam males indizíveis ao corpo. É a desvantagem delas, especialmente no caso da erva-do-diabo.
— Se você sabia que elas são tão perigosas, por que me deu tantas, tantas vezes?
Ele me assegurou que os detalhes do processo eram resolvidos pejo próprio poder. Disse que embora os ensinamentos devessem abranger os mesmos assuntos com todos os aprendizes, a ordem era diferente para cada um, e que ele tivera repetidas indicações de que eu precisava de muita coação a fim de me ocupar de alguma coisa.
— Eu estava lidando com um convencido ser imortal que não tinha respeito por sua vida nem sua morte — disse ele, rindo.
Porta para o Infinito, pág. 214
· — Você está reclamando — disse Dom Juan, secamente. — Até a última hora, está com pena de si.
Todos riram. Ele tinha razão. Que necessidade invencível! E eu que pensava ter vencido aquilo de uma vez. Pedi que todos perdoassem minha idiotice.
— Não peça desculpas — disse-me Dom Juan. — As desculpas são tolices. O que realmente importa é ser um guerreiro impecável neste lugar de poder raro. Este lugar abrigou os melhores guerreiros. Seja tão bom quanto eles. — Ele então dirigiu-se a Pablito e a mim: — Vocês já sabem que este é o último trabalho em que estaremos juntos. Vocês entrarão no nagual e no tonal pela força de seu poder pessoal, exclusivamente. Genaro e eu só estamos aqui para lhes dizer adeus. O poder resolveu que Nestor seja testemunha. Assim seja. — Esta será também a última encruzilhada de vocês a que Genaro e eu compareceremos. Depois que entrarem no desconhecido sozinhos, não poderão depender de nós para trazê-los de volta, e portanto uma decisão se impõe; vocês têm de resolver se voltarão ou não. Temos confiança que vocês dois têm a força para voltar, se quiserem. Na outra noite foram perfeitamente capazes, juntos ou separadamente, de derrubar o aliado que os teria esmagado e morto. Aquilo foi uma prova de força. Devo acrescentar ainda que poucos guerreiros sobrevivem ao encontro com o desconhecido que vocês estão prestes a ter; não tanto por ser difícil, mas porque o nagual é mais atraente do que se pode exprimir, e os guerreiros que viajam para ele acham que voltar ao tonal, ou ao mundo de ordem e barulho e de dor, é uma coisa nada atraente. A decisão de ficar ou regressar é tomada por algo dentro de nós que não é nem nossa razão nem o nosso desejo, mas a nossa vontade, de modo que não há meio de se saber o resultado de antemão. Se vocês resolverem não voltar, desaparecerão como se a terra os tivesse engolido. Mas se vocês escolherem a volta a esta Terra, devem esperar como verdadeiros guerreiros até terminarem suas tarefas especiais. Uma vez terminadas, quer com êxito quer no fracasso, vocês terão o domínio sobre a totalidade de seus seres.
Porta para o Infinito, pág. 249
· — Se vocês dois resolverem voltar a esta Terra — disse ele —, terão de esperar como verdadeiros guerreiros até que suas tarefas estejam cumpridas. Essa espera parece muito com a caminhada do ,guerreiro da história. Entendam, o guerreiro tinha acabado o tempo humano, e vocês também. A única diferença é quem está mirando — sobre vocês. Aqueles que estavam mirando o guerreiro eram seus camaradas guerreiros. Mas o que está mirando vocês dois é o desconhecido. A única chance de vocês é a sua impecabilidade. Devem esperar sem olhar para trás. Devem esperar sem contar com recompensas. E devem dedicar todo o seu poder pessoal a cumprir suas tarefas. Se vocês não agirem impecavelmente, se começarem a se afligir e ficar impacientes e desesperados, serão arrasados impiedosamente pelos atiradores do desconhecido. Se, por outro lado, sua impecabilidade e seu poder pessoal forem tais que vocês sejam capazes de cumprir suas tarefas, então conseguirão a promessa do poder. E qual é essa promessa? Bem, podem perguntar. É uma promessa que o poder faz aos homens como seres luminosos. Cada guerreiro tem um destino diferente, de modo que não há meio de dizer qual será essa promessa para qualquer um de vocês.
Porta para o Infinito, pág. 252
· — Você algum dia viu o molde, Gorda? — perguntei.
— Claro, quando fiquei completa de novo. Fui àquele determinado olho-d'água um dia, sozinha, e lá estava ele. Era um ser luminoso, radiante. Eu não podia olhar para ele. Ele me cegava. Mas era suficiente apenas estar na presença dele. Eu me senti feliz e forte. E nada mais tinha importância, nada. Só estar ali era tudo o que eu queria. O Nagual disse que às vezes, se tivermos bastante poder pessoal, podemos ter uma visão do molde, mesmo se não formos feiticeiros: quando isso acontece dizemos que vimos Deus. Ele disse que se o chamarmos de Deus, será verdade. O molde é Deus.
O Segundo Círculo do Poder, pág. 117
· "Perguntei ao Nagual sobre as possibilidades de Pablito e ele me disse que eu devia saber que tudo no mundo de um guerreiro depende do poder pessoal e o poder pessoal depende da impecabilidade
O Segundo Círculo do Poder, pág. 128
· "O Nagual me disse uma coisa muito estranha. Disse que eu tinha uma quantidade enorme de poder pessoal e que por causa disso eu sempre conseguia comida dos amigos, enquanto os parentes em minha casa passavam fome.
"Todo mundo tem suficiente poder pessoal para alguma coisa. O problema para mim era tirar o meu poder pessoal da comida para empregá-lo no meu propósito de guerreira.
O Segundo Círculo do Poder, pág. 128
· — O Nagual disse que somente um feiticeiro que veja e não tenha forma pode auxiliar alguém, e por isso que ele nos ajudou e nos fez o que somos. Você não pensa que pode andar pelas ruas apanhando pessoas para ajudá-las, pensa?
Dom Juan já me expusera o problema que era eu não poder auxiliar os meus semelhantes de modo algum. Aliás, segundo ele, todos os esforços para ajudar, de nossa parte, eram atos arbitrários guiados só por nosso interesse próprio.
Um dia, quando eu estava com ele na cidade, apanhei uma lesma que estava no meio da calçada e a coloquei em segurança, debaixo de umas trepadeiras. Eu estava certo de que, se a deixasse no meio da calçada, as pessoas, mais cedo ou mais tarde haviam de pisar nela. Achei que, levando-a para um lugar seguro, eu a salvara. Dom Juan mostrou que a minha suposição era descuidada, pois eu não levara em consideração duas possibilidades importantes. Uma, que a lesma podia estar fugindo a uma morte certa por envenenamento sob as folhas da trepadeira, e a outra possibilidade era que a lesma tinha suficiente poder pessoal para atravessar a calçada. Interferindo, eu não salvara a lesma, mas apenas a fizera perder tudo o que tinha ganho com tanto sacrifício.
Naturalmente, eu queria pôr a lesma de volta onde a encontrara, mas ele não me deixou. Disse que fora o destino da lesma um idiota atravessar o caminho dela e fazê-la perder o impulso. Se eu a deixasse onde a pusera, ela poderia ainda conseguir poder suficiente para ir aonde quer que estivesse indo.
O Segundo Círculo do Poder, pág. 226
· Tinha aceitado a liderança que os aprendizes achavam que pertencia a mim, mas não tinha idéia de como liderar.
A pressão na minha vida também se mostrou de uma forma mais séria. Meu nível usual de energia estava se tornando progressivamente mais fraco. Dom Juan teria dito que eu estava perdendo meu poder pessoal e que eventualmente perderia a vida. Ele tinha me preparado para viver exclusivamente através do poder pessoal, que eu compreendia ser um estado de ser, uma relação de ordem entre o sujeito e o Universo, uma relação que não pode ser interrompida sem resultar na morte do sujeito. Já que não havia nenhum modo de prever a mudança da minha situação, tinha concluído que minha vida estava chegando ao fim. Meus sentimentos de estar condenado pareciam enfurecer meus aprendizes. Decidi me afastar deles por uns dois dias para diminuir minha melancolia e a tensão deles.
O Presente da Águia, pág. 29
· — Que espécie de sonho você propõe que façamos? — perguntou ela.
— Quantos tipos há? — perguntei.
— Podíamos sonhar juntos — replicou. — Meu corpo me diz que já fizemos isso antes. Entremos no sonho como um grupo. Será facílimo para nós, como foi ver juntos.
— Mas não sabemos o processo de sonhar juntos — falei.
— Não sabíamos como ver juntos e ainda assim vimos – disse ela. — Tenho certeza de que se tentarmos podemos conseguir, pois não há processo para nada que um guerreiro faça. É apenas uma questão de poder pessoal. E nesse momento temos esse poder.
— Nós dois devíamos começar nosso sonho de dois lugares diferentes, tão longe quanto possível um do outro. O que entrar no sonho primeiro espera pelo outro. Quando nos encontrarmos entre laçamos nossos braços e nos aprofundamos juntos.
Disse-lhe que não tinha idéia de como esperar por ela se eu entrasse no sonho antes. Ela própria não sabia dizer o que se tinha de fazer para esperar. Falou que esperar pelo outro sonhador era o que Josefina tinha descrito como "agarrá-los". La Gorda tinha sido agarrada por Josefina duas vezes.
— Josefina falava "agarrar" porque uma de nós tinha de segurar a outra pelo braço — explicou.
Ela demonstrou então o processo de entrelaçar seu braço esquerdo no meu braço direito, segurando a parte de baixo dos cotovelos.
— Como é que podemos fazer isso sonhando? — inquiri:
Eu pessoalmente considerava sonhar um dos estados mais particulares possíveis.
Não sei como, mas vou segurá-lo — falou La Gorda. — Creio que meu corpo sabe como. Mas quanto mais falarmos sobre isso mais difícil vai parecer.
O Presente da Águia, pág. 106
· Enquanto neste mundo, o número mínimo sob a liderança de um nagual é sempre dezesseis: oito guerreiras, quatro guerreiros, contando com o nagual, e quatro mensageiros. No momento de deixar o mundo, quando a nova mulher nagual estiver com eles, o número passa a dezessete. Se seu poder pessoal permitir-lhe ter mais guerreiros, então devem ser acrescentados em múltiplos de quatro.
O Presente da Águia, pág. 145
· O ponto no qual a diferença de liderança teve maior significado para Dom Juan foi durante a interação compulsória que ele teve com os guerreiros do seu benfeitor. A ordem do regulamento era que seu benfeitor encontrasse para Dom Juan primeiramente uma mulher nagual e depois um grupo de quatro mulheres e quatro homens para formar o grupo de guerreiros. Seu benfeitor viu que Dom Juan ainda não tinha bastante poder pessoal para assumir a responsabilidade de uma mulher nagual; então alterou a seqüência e pediu às mulheres do seu próprio grupo para encontrarem para Dom Juan as quatro guerreiras em primeiro lugar, e depois os quatro guerreiros.
O Presente da Águia, pág. 148
· Dom Juan disse que sua primeira impressão foi boa. Para ele haveria apenas trabalho e privações dali por diante. As mulheres viram que Dom Juan era indisciplinado e que não podiam confiar nele para realizar a tarefa complexa e delicada de guiar quatro mulheres. Uma vez que elas próprias eram observadoras, deram sua interpretação pessoal do regulamento e decidiram que seria melhor que ele ficasse com os quatro guerreiros primeiro e depois com as quatro guerreiras. Dom Juan falou que a observação delas tinha sido correta, pois para lidar com guerreiras o nagual teria de estar num estado de poder pessoal extremado, num estado de serenidade e controle, no qual os sentimentos humanos ocupam uma parte mínima, estado que naquela época lhe era inconcebível.
O Presente da Águia, pág. 148
· Dom Juan e seus guerreiros chegaram à totalidade deles próprios, e dirigiram-se à sua última tarefa, que era a de encontrar um novo par de seres duplicados. Dom Juan disse que achavam que seria uma coisa simples — tudo o mais tinha sido relativamente fácil para eles. Não tinham idéia de que a falta de esforço aparente de suas realizações como guerreiros era conseqüência da maestria do seu benfeitor e de seu poder pessoal.
O Presente da Águia, pág. 177
· Florinda estava de pé no hall, como se estivesse esperando que Dom Juan me empurrasse para dentro. Pegou no meu braço e me levou em silêncio para a sala de visita. Sentamo-nos. Eu queria começar a conversar mas não conseguia falar. Ela explicou que um empurrão de um guerreiro impecável, como o nagual Juan Matus, pode causar uma mudança para outra área de conscientização. Disse que meu erro todo o tempo fora acreditar que os métodos não eram importantes. O método de empurrar um guerreiro para outro estado de conscientização é válido apenas se os dois participantes, especialmente o que empurra, são impecáveis e impregnados de poder pessoal.
O Presente da Águia, pág. 218
· Dom Juan dizia que os guerreiros chamam a esse fenômeno "poder". Então, quando falam em ter poder pessoal, referem-se ao fato da intenção chegar a eles por sua própria conta. O resultado disso, dizia ele, podia ser descrito como uma facilidade em encontrar novas soluções — ou a facilidade em causar efeitos nos acontecimentos ou nas pessoas. É como se as possibilidades desconhecidas previamente pelos guerreiros se tornassem evidentes de repente. Assim, um guerreiro impecável nunca planeja nada antes do tempo, mas seus atos são tão decisivos que parecem ter sido planejados detalhadamente de antemão.
O Presente da Águia, pág. 257
· Dom Genaro interrompeu e disse que os outros guerreiros-viajantes antes de nós estiveram naquele mesmo cume plano da montanha, antes de embarcar nas suas jornadas para o desconhecido. Dom Juan virou-se para mim e numa voz suave disse que logo eu estaria entrando no infinito pela força de meu poder pessoal, e que ele e Dom Genaro estavam lá somente para se despedirem. Dom Genaro interrompeu novamente e disse que eu também estava lá para fazer o mesmo por eles.
— Uma vez que você entre no infinito — disse Dom Juan — não pode depender de nós para trazê-lo de volta. Sua decisão é necessária então. Somente você pode decidir se volta ou não. Também devo preveni-lo de que poucos guerreiros-viajantes sobrevivem a esse tipo de encontro com o infinito. O infinito é incrivelmente sedutor. Um guerreiro-viajante descobre que voltar ao mundo da desordem, da compulsão, do barulho e da dor é um assunto nada atraente. Você deve saber que a sua decisão de permanecer ou voltar não é uma questão de escolha racional, mas uma questão de intentá-la.
"Se você escolher não voltar, desaparecerá como se a terra o tivesse engolido. Mas se escolher retornar, deve apertar os cintos e esperar como um verdadeiro guerreiro-viajante até que a sua tarefa, seja ela qual for, esteja terminada, com sucesso ou com fracasso."
O Lado Ativo do Infinito, pág. 293
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