sábado, 27 de fevereiro de 2010

A estória da Imperatriz

Era uma vez, em um dos reinos interiores distantes do qual não há mais memória, um grande Mago (01). Quando abria mão esquerda para cima e sua mão direita para baixo, ele canalizava um grande poder e unia o céu à terra e, a partir desta unidade, governava os quatro elementos: a terra, a água, o ar e o fogo que repousam sobre uma mesa. Também havia nesse reino distante uma Sacerdotisa (02) da Lua, filha da Grande Deusa, reflexo e espelho do universo, serva e senhora das águas e da vida, dos Encantos do Amor e dos Encantamentos do Desejo. Ela lê o livro da Gnose e é coroada por uma lua crescente de prata.

Fruto do encontro sagrado deste casal, nasceu uma bela Imperatriz (03), exuberante como a própria natureza em festa durante a primavera. Mas, como neste reino distante, não era permitido crianças, a princesa foi levada aos mundos exteriores, onde foi adotada por um poderoso Imperador (04). Ele era um homem bondoso e gostava da princesinha, mas vivia voltado para o trabalho de administração das terras do seu reino. E quando suas ordens e determinações não eram obedecidas, ele ficava bastante chateado.

Ao completar quinze anos, a bela princesa, no entanto, quis saber quem realmente era ela e decidiu ir buscar suas origens. Tentou primeiro ter com o Papa (05) e dedicar-se à religião. Porém, diante de tantos dogmas, rituais, exigências devocionais e percebendo que com tantos detalhes e regras o essencial era deixado de lado, a princesa desistiu.

Na família real, a princesa tinha dois irmãos, filhos legítimos do rei: o primeiro príncipe era poeta, músico e boêmio. Um verdadeiro Enamorado (06) pela vida. Mas, como tinha muitas amantes (nas cartas do baralho de Marselha é representado por um homem dividido entre dois amores, uma mulher mais velha e outra mais jovem), ele vivia indeciso sobre o que realmente queria e levava sua vida irresponsavelmente. Era prisioneiro da própria liberdade e não soube dizer à princesa quem ela era.

O segundo principe era um guerreiro, que dividia sem tempo entre vários esportes e as corridas de Carro (07). Firme, decidido e corajoso – ele possuía todas as qualidades que faltava ao primeiro príncipe. Mas, em compensação, tudo que o primeiro tinha de positivo – a amabilidade, o bom gosto, a compreensão – também lhe faltava, pois era rude e insensível. Sempre dedicado a combates, desafios e competições, também não soube dizer à princesa quem ela era e onde estavam seus pais verdadeiros.

Vendo que seus irmãos não poderiam ajudá-la, a princesa continuou sua busca. Resolveu, então, procurar a Justiça (08), pois achava que tinha direito de saber sua origem. A advogada da Verdade, que não era cega nem usava venda nos olhos, mas tinha sua espada na mão direita e a balança na esquerda, examinou o passado da Imperatriz, pesando suas culpas e méritos. Então, encaminhou a princesa ao um velho sábio, que vivia isolado, morando em cavernas nas montanhas altas e distantes, que existia desde inícios dos tempos e sabia de todas as coisas.

A princesa, então, foi em busca do Eremita (09). O velho sábio ouviu a pobre princesa, consultou o oráculo da luz interior e disse: “Antes de descobrir que você é e quem são seus pais, deve enfrentar sete provas místicas, sete mistérios que se não forem descifrados implicarão em grandes desgraças.” A princesa, mesmo temerosa dos castigos decorrentes de um possível fracasso, concordou em passar pelas sete provas.

Então, o eremita disse: “Que gire a Roda da Fortuna (10)! Que as sete forças formadoras primordiais despertem a Imperatriz de seu sonho encantado no universo material! Que as sete formas de potência se manifestem sua luz eterna sob o véu dos mundos passageiros, ligando novamente, mais uma vez, o céu à terra nesse momento.” E nesse instante, todas as coisas começaram a girar em torno da princesa, que caiu em transe profundo e sereno, adormecendo imediatamente.

Quando a princesa acordou, estava deitada sobre uma gigantesca fera, um leão adormecido. Percebeu que, não apenas qualquer tentativa de fuga, mas que qualquer movimento mais brusco, seria fatal, pois o animal assustado a atacaria imediatamente. Começou, então, a afagar a juba da fera, lenta e carinhosamente. O animal selvagem mas sensível aquele toque gentil, foi acordando aos poucos, mas, ao invés, de reagir de forma agressiva e violenta, retribuiu as carícias da princesa, lambendo-lhes aos mãos. E assim, a princesa venceu a prova da Força (11).

Imediatamente, a princesa foi transportada para uma outra situação e se encontrou de cabeça para baixo, com as mãos amarradas e o pé direito preso por uma corda de caída do céu infinito. Não havia mais ninguém na cena. Ao contrário, a princesa se sentiu abandonada a própria sorte, consciente de sua finitude diante do mundo cruel e foi abatida por um forte sentimento de constrangimento e de autopiedade. A princesa, no entanto, estava a poucos centímetros do solo, com suas mãos quase tocando o chão e as moedas que caíram de seus bolsos (que significa perdas). A princesa chorou, chorou, chorou. Porém, após algum tempo, a princesa decidiu adaptar-se à situação e às suas restrições, ao invés de se entregar ao sofrimento e a autocomiseração, se entregou de boa vontade em sacrifico e renunciando a qualquer esperança: ficaria ali contrita e consciente. E assim, a princesa descobriu o significado da humildade e venceu a prova do Enforcado (12).

Em seguida, a princesa foi transportada para outro lugar, onde havia montanhas de corpos mortos, esquartejados e decapitados. Montada em um cavalo branco, com um longo manto negro e uma grande foice, uma grande caveira andava por sobre os corpos dizendo: “Chegou a hora”. Primeiro, a princesa tentou fugir. Mas, em todo canto em que se encondia, em todo lugar para onde corria, o esqueleto com seu cavalo e sua foice surgia e falava: “Chegou sua hora, vem te buscar”. Por um momento, a princesa pensou em negociar: “Deixe-me terminar as sete provas antes, depois irei com você”. Mas, após um momento de tristeza, ela aceitou que tudo era passageiro e que não devia se apegar a nada. Então, a morte parou a perseguição e disse: “Aos que me aceitam e não me temem, sempre concedo a dádiva da mudança e da transformação”. E assim, a princesa venceu a prova da Morte (13) e seguiu adiante.

E em seguida, a princesa foi transportada para outra prova. Agora ela se encontrava diante de um anjo gigante, meio vermelho, meio azul. O anjo manejava dois cálices enormes – um de prata e outro de ouro – vertendo um líquido luminoso de um recipiente para o outro, de forma cadenciada e ritmada. Olhando aquele movimento, a princesa entendeu que o anjo trabalhava a reversibilidade de todos os processos, compensando e invertendo o fluxo de energia vital de cada acontecimento; e ficou maravilhada com aquele movimento lento e hipnótico. Aos poucos, aquela alternância de aspectos opostos tornou-se automática e um grande sono começou a se apossar da princesa. Ela se lembrou, que, as vezes, o equilíbrio e a moderação são desculpas para inércia e para imobilidade, permanecendo desperta. E assim, a princesa venceu a prova da Temperança (14).

O anjo gigantesco se transformou em Diabo, com uma espada na mão esquerda e, na direita, homens e mulheres acorrentados. Sua imagem despertava paixão e violência. Assustada, a princesa sentiu medo e o poder diabólico tornou-se ainda maior. E quanto mais a princesa temia o mal que sentia dentro e próximo a si, maior era realmente o perigo e a ameaça. Em um minuto mágico, em que o tempo se suspende, a princesa teve coragem. E percebeu que a falta de medo atingiu o mal, diminuindo-o. Então, respirou fundo e decidiu enfrentar todos os seus medos, inclusive o medo de se reconhecer instinto, como um animal com seus desejos e necessidades. O mal começou a diminuir até desaparecer de vez. E assim, a princesa venceu a prova do Diabo (15).

Então, a princesa começou a cair em um abismo vertiginoso, cujo fundo parecia muito distante. Caindo (de uma altíssima torre atingida por raios em meio a uma tempestade) em um espaço sem fim. Ela já havia se entregue ao destino em sacrifício na prova do enforcado, já havia aceito a impermanência na prova da morte, já não tinha mais medo pois havia enfrentado e vencido o mal na prova do diabo, mas a entrega, a aceitação e a coragem não eram suficientes para que ela conseguisse superar o desespero daquela queda livre no vazio. Pensou em focar a atenção nas mãos. Ao se concentrar para sentir as próprias mãos, a princesa ascendeu mais um nível de consciência, a auto-percepção de si. E, assim, venceu a prova da Torre (16).

Acordou agora em uma linda ilha paradisíaca. Sob o céu azul estrelado, a mata virgem, cor de verde cintilante, era embalada pelo vento calmo, vindo do mar. A princesa sentou-se nua a beira das águas de um riacho doce, banhando seus pés cansados pela jornada e suspirou: “Que beleza! Poderia passar o resto dos meus dias nesse paraíso!” Mas, a verdadeira felicidade não é feita de ilusão e a princesa se lembrou de que aquele conforto e aquela beleza a estavam desviando de sua meta de se conhecer e encontrar sua origem. E assim, a princesa venceu seu sétimo e último desafio: a prova da Estrela (17).

Emergindo da noite escura da alma, surgiu um caminho estreito por entre desfiladeiros e duas torres gêmeas ao fundo, guardado por um escaravelho dourado. Choviam lágrimas de sangue e um cachorro e um lobo uivavam para lua. As sete provas foram vencidas, os sete mistérios foram decifrados, os sete desafios foram vividos. Então, a princesa escutou uma voz rompendo os céus: “Sua mãe é a Lua (18) e seu pai é o Sol (19)”. O centro luminoso do ser, o Self, foi alcançado e vivido como uma festa de luz e calor.

Os anjos soaram suas trombetas e os mortos saíram de seus túmulos, o Dia do Juízo Final é a separação do joio do trigo, a ressurreição e o Julgamento (20). A princesa chega ao seu lar, a sua terra natal, o reino mágico em que nasceu e reencontra seus pais verdadeiros, toda sua família, além de outras princesas e príncipes renascidos de diferentes mundos e dimensões. Todos cantam louvando ao Deus Imanifesto e à Nova Jerusalém, a cidade celeste, a comunhão dos renascidos.

A estória da Imperatriz termina com ela dançando, entre os quatro animais sagrados que existem nos cantos do Mundo (21): o touro, o leão, a águia e o anjo. Ela decifrou o enigma da Esfinge, revelou e relevou o mistério do Apocalipse. Mergulhou na escuridão da matéria, no sonho obscuro dos tempos; e renasceu novamente para vida eterna, após vencer as sete provas dos mundos passageiros.

E, só para registrar: foi O Louco (00) quem me contou essa estória.

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