sábado, 27 de fevereiro de 2010

A lenda da cocaína


Quando o Imperador Inca Huayna Capac pressentiu que chegava a hora de sua morte, chamou seus filhos, Atahualpa e Huascar, para se despedir, dividir seu reino entre eles e pedir que apoiassem um ao outro. Atahualpa ficaria com as terras do norte (hoje a cidade de Quito, no Equador); Huascar, com as ao sul e a capital Inca, Cuzco. Ambos deveriam reinar como os deuses gêmeos Inti (o Sol) e Kilya (a Lua). Na ocasião, Huayna Capac, para selar essa aliança, serviu aos seus filhos um cálice da bebida sagrada Ayahuasca e pediu que eles aguardassem as revelações que o grande espírito traria através dela.

Ao tomar a bebida, Atahualpa viu a serpente emplumada, Viracocha , saindo de dentro do Sol e do Mar. Para ele, era o retorno do deus criador no final dos tempos, o Pachacúti, o Apocalipse Inca. Huascar teve a visão de um navio estranho chegando ao poente, com um homem sanguinário vestindo uma armadura prateada com um pluma em seu capacete. Ao final do transe, cada um contou sua visão ao pai, que disse: “Vocês tiveram a mesma visão, mas cada um interpretou-a de um modo”.

Depois da morte de Huayna Capac, no entanto, os dois meio-irmãos se desentenderam e entraram em guerra. Huascar recorreu novamente à Ayahuasca e teve a mesma visão, acrescida de mais detalhes: o homem barbudo de roupa prateada e pena na cabeça chegava comandando um grande massacre e destruindo o Império Inca. Ainda em transe, Huascar perguntou à divindade a causa daquela desgraça. “O povo Inca ao invés de amar o Sol e a Lua, amava o ouro e prata.” Inconformado, o príncipe Inca clamou por misericórdia: “Nem todos amam a matéria”. Ao que o espírito da Ayahuasca respondeu: “Esconda o tesouro dos Incas no lago Titicaca e suba com a classe sacerdotal e todos que amam o espírito para Machu Picchu, no alto das montanhas, que se passarão várias gerações sem que os homens barbudos descubram os sobreviventes incas”.

Huascar agradeceu e prometeu seguir fielmente as instruções do grande Espírito da bebida sagrada, no entanto, em seu coração ele não aceitou o fim do seu mundo e antes de voltar ao estado de consciência normal ele pediu, ainda em transe, uma reparação contra aquela injustiça.

Porém, logo após esconder o tesouro inca e despachar os sacerdotes para as montanhas, Huascar foi preso pelas tropas de seu meio-irmão.

Voltando para Cuzco, para tomar posse do trono que conquistara, Atahualpa parou na cidade andina de Cajamarca, conduzindo um exército de cerca de 80.000 guerreiros, quando viu a chegada do conquistador espanhol Francisco Pizarro, lembrando-se na visão de que havia tido com a bebida sagrada.

Atahualpa recebeu Pizarro como um deus, sendo traído e aprisionado pelo espanhol, no dia 16 de novembro de 1532. E o poderoso Império Inca foi derrubado por menos de duzentos homens e vinte e sete cavalos.

Naquela mesma noite, em grande agonia, Huascar teve um sonho em sua cela na prisão, em que se encontra com o próprio Inti, o deus Sol.

- Oh, meu Pai, conceda-nos a vitória de meu povo e a expulsão dos invasores – suplicou o príncipe Inca.

- O que você me pede é impossível. O destino de Atahualpa e dos adoradores de metal está selado. Porém, gostaria de conceder-lhe uma graça.

Huascar pediu um conforto que os ajudasse a suportar a escravidão e a vida dura que os esperava. O deus Sol lhe mostrou a planta de coca e disse:

- Diga a seu povo para cultivar essa planta com carinho e colher suas folhas. Após secas, as folhas devem ser mascadas para que seu suco alivie seu sofrimento. Quando se sentirem exaustos de seu destino essa planta lhes dará nova vitalidade. Em suas jornadas através de terras altas, a coca irá aliviar sua fome e frio, tornando a viagem mais tolerável. Nas minas onde serão forçados a trabalhar, o terror e a escuridão dos túneis serão insuportáveis sem a ajuda desta planta.

- Porém, enquanto essa planta significará força, saúde e vida para seu povo, ela será maldição para os estrangeiros. Quando eles tentarem explorar suas virtudes, a coca irá destruí-los. O que para seu povo servirá de ‘alimento’, para os invasores será um perigo veneno. A coca é uma das defesas da Grande Floresta, que destroem todos aqueles que tentarem devastá-la.

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