segunda-feira, 30 de agosto de 2010

As aventuras do sapo Kambo - quinta parte

O retrato do rei


Quando chegou a idade avançada, quis o rei Mapinguari I deixar sua imagem para as próximas gerações de bichos mágicos e reais. E convocou a Capivara, a melhor pintora do reino da Floresta Encantada, para pintá-lo e deixar sua majestosa imagem para o futuro. Acontece que Mapinguari, como era muito preguiçoso, estava muito barrigudo e ao ver seu perfil fielmente reproduzido no retrato, com o buchão pendurado na árvore, o bicho vaidoso bradou: “Vou expulsar a Capivara da Floresta Encantada”!

O Lobo-guará, o segundo melhor do pintor da floresta, foi então convocado para pintar o rei Mapinguari. E, sabendo do que havia ocorrido antes, pintou o soberano com porte atlético, jovem, cercado por várias preguiças fêmeas apaixonadas. Mapinguari era vaidoso, mas não era burro: “Vamos expulsar este lobo bajulador” – gritou revoltado.

Kambô, o terceiro pintor, foi então convocado e enfrentou o dilema: "se pintar a verdade o rei vai me expulsar e se pintar a mentira, também". Acontece que o rei gostava de dormir de lado, em uma posição que a enorme pança não aparecia. E o sapo, esperto, sabendo desse detalhe, resolveu pinta-lo no deitado de lado no trono de modo que a barriga não aparecesse. E assim, os que conheciam o rei se divertiam com a malandragem de Kambô e os que não conheciam, não percebiam nada.

- É preciso saber dizer a verdade sem ofender – explicou o sapo, que se tornou o principal conselheiro do rei Mapinguari I, sendo chamado toda vez a comadre Anta precisava de ajuda ou que algum assunto difícil de resolver precisa-se ser solucionado.

As aventuras do sapo Kambo - sexta parte

O sonho do sapo e do príncipe

O lento cair da noite na floresta é um espetáculo difícil de descrever: as cigarras, os sapos e os pássaros da noite cantam como que chamando as sombras e a escuridão. Depois, abre-se um grande silêncio noturno, majestoso, integral, pesado. E com esse silêncio sombrio das matas, surgem também as estrelas no céu e a Lua iluminando a noite, com sua luz com de prata. Em uma noite de lua cheia, o sapo Kambô sonhou que era um príncipe de reino distante, chamado Salomão. E, no sonho de Kambô, o príncipe Salomão sonhava que era um sapo que vivia na floresta. Era um sonho dentro de outro sonho que era real.

- Será que sou um príncipe que sonha que é um sapo ou será que sou um sapo que sonha ser um príncipe? – perguntou Kambô ao seu grande conselheiro espiritual, o monge louva-deus.

No sonho (ou no sonho no sonho), o príncipe Salomão vivia infeliz, pois se sentia prisioneiro de uma vida sem graça, árida, por vezes até violenta, em que os todos agiam apenas para satisfazer seus interesses. Kambô sentia saudades da Floresta, embora nunca tivesse saído dela.

O monge louva-deus ouviu, escutou, pensou e disse a Kambô:

- Apenas um beijo de amor pode responder a esta questão – disse o louva-deus, coçando as patas – você terá que fazer uma viagem às terras distantes, onde vivem os homens decaídos, e procurar por alguém que te dê um beijo apaixonado. Só então descobriremos a sua verdadeira natureza, se você é um príncipe humano que sonha que é um sapo ou se é um sapo que sonha que é um príncipe.

Kambô não gostou daquela estória de beijo, mas compreendeu que devia ir conhecer o príncipe do sonho e decidiu partir da floresta rumo ao sertão onde moravam os homens. Despediu-se então do louva-deus e seguiu o caminho dos rios que desciam das florestas altas até as terras secas dos desertos.

As aventuras do sapo Kambô - sétima e última parte

THE END

Kambô subia os rios rumo aos sertões, por detrás das grandes montanhas, em que os homens moravam. Ele ia obedecendo aos seus sonhos, com a missão de encontrar um determinado homem a quem daria um dom. Também lhe havia sido profetizado que ele encontraria seu grande amor durante a jornada.

Ninguém da Floresta Encantada sabia, mas a dona Cobra, inimiga antiga do sapo mágico, exilada pelo rei Mapinguari I, havia dominado os homens através de um feitiço na Árvore do Bem e do Mal. Ela planeja, com seus homens-serpentes enfeitiçados, construir o Império da Serpente, controlando todo o planeta através do Sistema Capitalista.

Embora não reclamasse, Kambô andava meio chateado com sua vida e com a Floresta Encantada. Ele fazia sua parte: viajava levando dons mágicos e ajudando as criaturas sagradas, dava aulas de esperteza na Escola da Floresta e ainda ajudava a dona Anta no governo do rei Mapinguari I.

- É uma boa vida, mas sem desafios de transformação – pensava o sapo com uma certa aceitação inconformada, enquanto subia rumo às cabeceiras dos rios.

Ao passar por iguarapé, no entanto, Kambô viu o Tamanduá, bicho que havia sido derrotado nas eleições para o trono da floresta e mandado como diplomata para as terras dos pastos distantes, com seu enorme nariz dentro de um buraco em uma encosta de ribanceira.

- O que faz por aqui, compadre Tamanduá – perguntou o sapo.

- Nada, nada, nada – disse assustado o bicho pego de surpresa – vim aqui atrás de umas formigas mas já estava de saída, quando vi algo se movendo aqui no buraco e pensei uma fazer um lanche. Mas era só isso e há estou de saída.

Após o Tamanduá se afastar, Kambô foi até o buraco ver o que o bicho queria com tanta vontade de manter em segredo e viu uma grande aranha prateada.

- Kambô, meu amor! – disse a Aranha – você me salvou! Esse Tamanduá queria me matar a mando da Dona Cobra, que está prestes a destruir a Floresta Encantada para construir um Shopping Center, o templo da Mãe Serpente.

- Temos que impedir isto! – retrucou o sapo animado.

- Pois eu vim aqui para te avisar – continuou a Aranha - apenas o elixir extraído da Árvore da Vida pode derrotar o encantamento da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal – com que a serpente enfeitiçou os homens. Você deve levar a bebida Ayahuasca para o homem de nome Salomão, que veio das terras além do mar e está agora no Império do Sol por trás das montanhas. Só isto salvará a Floresta Encantada da destruição, agora e em um futuro distante.

Kambô, então, chama seu amigo Tucano e com ele vooa direto até Machu Pichu, onde salomão e um grupo de homens já o esperavam. Lá, eles consagram a bebida sagrada firmando um pacto de paz e prosperidade recíproca entre a Floresta Encantada e o mundo dos homens. Kambô deu ao rei Salomão o dom de retonar à vida no ano de 2012 para consolidar a pacificação entre os mundos e dissolução definitiva do encantamento macabro da serpente.

Quando retornou à Floresta Encantada, Kambô foi recebido com festa. Dona Anta tinha preparado uma homenagem, com direito a discurso e banda de música. A Aranha prata foi convidada para entregar um medalha de honra ao mérito a Kambô, os alunos da Escola da Floresta foram liberados mais cedo para poderem ir ao evento cívico e até o rei Mapinguari disse que ia estudar a possibilidade de sair de sua árvore para receber o novo heroi. Porém, na hora da homenagem começar, quem apareceu foi a dona Cobra, acompanhada de seu capanga o Tamanduá, e foi logo dizendo:

- Vim fazer uma denúncia da maior gravidade – disse a serpente - este sapo, que todos pensam ser um heroi, é na verdade um traidor, pois foi ele, juntamente com a Vó Aranha, sua amante e cumplice, que trouxeram os homens, esta praga destrutiva da grande mãe, para o Quarto Mundo. Foram eles que provocaram todo este desequilibrio e agora querem posar de salvadores da catástrofe que eles próprios criaram. - E, sentindo que havia despertado a dúvida em alguns animais presentes no festejo, a serpente continuou:

- Foi Kambô que fez um acordo com a morte, autorizando os homens a viverem aqui, foi Kambô que prometeu levar uma parte deles de volta ao Terceiro Mundo, foi Kambô que os estimulou a destruir o Quarto Mundo ...

- Não, não – protestou Kambô – não foi assim ...

- Sou testemunha do que a cobra fala é verdade – atestou o Tamanduá – aumentando ainda mais desconfiança em vários bichos da Floresta Encantada.

- Vamos fazer um desafio para ver quem está falando a verdade – proclamou o rei Mapinguari I, que subitamente apareceu, saindo de sua reclusão habitual – vocês dois vão passar mil anos (um dia no tempo da Floresta Encantada) morando entre os humanos. No final deste tempo, quem levar os bons homens de volta ao Terceiro Mundo e os maus para serem reciclados como alimento para o Segundo Mundo, será considerado vencedor da prova e poderá voltar à Floresta Encantada. E o outro será banido para sempre.

Assim, o sapo Kambô veio habitar entre nós e aguarda o momento para, junto com a reencarnação de seu amigo o rei Salomão, comandar a mudança dos homens para um outro plano de vida e finalmente poder voltar à Floresta Encantada e aos braços de sua querida rainha Aranha.