sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

As três bruxas


Trechos de uma entrevista comFlorinda Donner-Grau, Taisha Abelar e Carol Tiggspor Concha LabartaTraduzido do Espanhol. Publicada inicialmente na Mas Alla, em 1 de Abril de 1997, Espanha

Todas respostas foram dadas por Carol Tiggs, Taisha Abelar e Florinda Donner-Grau.

Pergunta: Assim como Carlos Castaneda, vocês foram alunas de dom Juan Matus e seus colegas xamãs. Entretanto, permaneceram no anonimato por vários anos, e só recentemente decidiram falar sobre seu aprendizado com don Juan. Por que o longo silêncio e a mudança de atitude?

Resposta: Antes de mais nada gostaríamos de esclarecer que cada uma de nós encontrou o homem que Carlos Castaneda chama de nagual don Juan Matus sob um nome diferente: Melchior, Yaoquizque, John Michael, Abelar e Mariano Aureliano. Para evitar confusão, sempre o chamamos de velho nagual; não velho em relação a idade, mas sim no sentido de respeitabilidade e acima de tudo para diferencia-lo do novo nagual, Carlos Castaneda.
Discutir nosso aprendizado com o velho nagual não era de forma alguma parte da tarefa a qual planejou para nós. Por isso ficamos em completo anonimato.
A volta de Carol Tiggs em 1985 marcou uma mudança total em nossas metas e aspirações. Ela estava tradicionalmente encarregada de nos guiar através de algo que, para o homem moderno, poderia ser traduzido como espaço e tempo, mas que, para os xamãs do antigo México, significava consciência. Eles concebiam uma jornada através de algo que denominavam o mar escuro da consciência.
Tradicionalmente, o papel de Carol era guiar-nos na consecução dessa travessia. Quando ela retornou, transformou automaticamente a meta de nossa jornada particular em algo de alcance mais amplo. Eis por que decidimos sair do nosso anonimato e ensinar os passes mágicos dos xamãs do antigo México.

P: Os ensinamentos que vocês receberam de don Juan foram similares àqueles narrados por Castaneda? Se não foram, quais foram as diferenças? Como vocês descreveriam don Juan e suas companheiras e companheiros ?

R: Os ensinamentos que recebemos não foram em absoluto similares aos recebidos por Castaneda pela simples razão de que somos mulheres. Nós temos órgãos que os homens não tem: os ovários e o útero, órgãos de tremenda importância. As instruções que o velho nagual nos passou consistiu de ação pura. Quanto à descrição dos integrantes masculinos e femininos do grupo de don Juan, tudo que podemos dizer neste momento de nossa vidas é que eles foram seres excepcionais. Falar deles como seres do mundo cotidiano seria insano para nós neste momento.
O mínimo que podemos dizer deles, eram dezesseis incluindo o velho nagual, é que se encontravam num estado de extraordinária vitalidade e juventude. Todos eram velhos, mas simultaneamente não o eram. Quando, sem ser movidas pela curiosidade ou pelo espanto, perguntamos ao velho nagual a razão do seu exuberante vigor, ele nos respondeu que o que os rejuvenescia a cada passa do caminho era sua ligação com o Infinito.

P: Enquanto várias tendências modernas sociológicas e psicológicas proclamam o fim do distanciamento entre o masculino e o feminino, lemos em seus livros que há notáveis diferenças entre homens e mulheres no modo pelo qual cada um dos sexos obtém acesso ao conhecimento. Poderiam explicar isso? De que forma vocês e suas experiências como companheiras femininas diferentes daqueles de Carlos Castaneda?

R: A diferença entre feiticeiros homens e mulheres na linhagem do velho nagual é a coisa mais simples do mundo. . Como todas as mulheres do mundo temos um útero. Temos órgãos diferentes dos existentes nos homens: o útero e os ovários, os quais, segundo os feiticeiros, nos facilitam a entrada em áreas exóticas da consciência. Os feiticeiros dizem que há uma força colossal no universo; uma força constante, perene, que oscila mas não muda à qual chamam de consciência ou o mar escuro da consciência e asseguram que todos os seres vivos estão ligados a ela. Eles chamam esse ponto de ligação de ponto de aglutinação, e sustentam que, devido a presença do útero em seu corpo, as mulheres tem facilidade em deslocar o ponto de aglutinação para uma nova posição.
Os feiticeiros acreditam que o ponto de aglutinação de qualquer ser humano está situado no mesmo lugar, 90cm atrás das omoplatas. Quando vêem os seres humanos como energia, os feiticeiros percebem este ponto como um conglomerado de campos de energia na forma de um ovo luminoso.
Feiticeiros dizem que desde que os órgãos sexuais masculinos são externos ao corpo, homens não tem a mesma facilidade. Portanto, seria absurdo para os feiticeiros tentar apagar ou encobrir essas diferenças energéticas. Quanto ao comportamento dos feiticeiros masculinos e femininos na ordem social, ocorre quase o mesmo. A diferença energética leva os praticantes de cada sexo a comportar-se de modos diversos. No caso dos feiticeiros, essas diferenças são complementares. A grande facilidade das feiticeiras em deslocar o ponto de aglutinação serve como base para as ações dos feiticeiros, as quais são caracterizadas por uma maior resistência e um propósito mais firme.

P: Lemos também nos seus livros que Florinda Donner-Grau e Taisha Abelar representam cada uma categorias diferentes no mundo xamânico. Uma é uma sonhadora e a outra, uma espreitadora São termos atraentes e exóticos mas muitas pessoas os usam de forma indiscriminada e interpretam a seu modo. Qual é o significado real de tal classificação? Quando se trata de ação, quais as implicações para Florinda Donner-Grau ser sonhadora e para Taisha ser uma espreitadora?

R: Como na questão anterior, mais uma vez, a diferença é simples porque é ditada por cada uma de nossas energias. Florinda Donner-Grau é uma sonhadora porque desloca o ponto de aglutinação com enorme facilidade. Segundo os feiticeiros, quando se desloca o ponto de aglutinação, que é nosso ponto de ligação com o mar escuro da consciência, um novo aglomerado de campos energéticos é reunido , um conglomerado similar ao habitual, mas diferente o bastante para garantir a percepção de um outro mundo que não é o cotidiano.
O dom de Taisha Abelar como espreitadora é sua facilidade de fixar o ponto de aglutinação na nova posição para onde ele foi deslocado. Sem esta facilidade a percepção de outro mundo é muito fugaz, algo comparável ao efeito produzido por certas drogas alucinógenas: uma profusão de imagens sem pé nem cabeça. Os feiticeiros pensam que as drogas alucinógenas deslocam o ponto de aglutinação apenas de modo muito caótico e breve.

P: Em seus livros recentes, Sonhos Lúcidos e A Travessia das Feiticeiras , vocês falam sobre experiências pessoais que são difíceis de aceitar. Acessar outros mundos , viajar pelo desconhecido, contatar seres inorgânicos são experiências que desafiam a razão. Fica-se tentado a descrer por completo de tais relatos, ou de considerá-las seres que estão além do bem e do mal, invulneráveis à doença, a idade ou à morte. Qual é a realidade cotidiana de uma feiticeira? E como a vida no tempo cronológico se adequa à vida no tempo mágico?

R: Essa questão é muito abstrata e extravagante, Srta. Labarta.P or favor perdoe a nossa franqueza. Não somos seres intelectuais e não somos de nenhuma forma capazes de participar em exercícios nos quais o intelecto utiliza palavras que na realidade não tem significado. Nenhuma de nós, em hipótese alguma, esta além do bem e do mal, da doença ou da idade.
O que aconteceu conosco foi que fomos convencidas pelo velho nagual de que há duas categorias de seres humanos. A grande maioria de nós são seres que os feiticeiros denominam (pejorativamente, poderíamos acrescentar) "os imortais". A outra categoria é a dos seres que vão morrer.
O velho nagual nos contou que , como seres imortais, nunca tomamos a morte como ponto de referência, e assim nos damos ao inconcebível luxo de viver nossas vidas envolvidas em palavras, descrições, acordos e desacordos.
A outra categoria é a dos feiticeiros, que nunca podem, sob qualquer circunstância, dar-se ao luxo de fazer asserções intelectuais. Se somos algo, somos seres sem nenhuma importância. E se temos algo, é nossa convicção de que somos seres que estão caminhando para a morte e que um dia teremos que encarar o Infinito. Nossa preparação é a coisa mais simples do mundo: nos preparamos 24 horas por dia para encarar esse encontro com o Infinito.
O velho nagual conseguiu apagar em nós nossa confusa idéia de imortalidade e nossa indiferença a vida, e nos convenceu de que, como seres que estamos caminhando para a morte, podemos ampliar nossas opções de vida. Para os feiticeiros, os humanos são seres mágicos, capazes de atos e realizações estupendas uma vez que se livrem das ideologias que os tornam seres comuns.
O que narramos são na verdade descrições fenomenológicas de feitos de percepção acessíveis a todos nós, especialmente mulheres, feitos ignorados em virtude do nosso hábito de auto-reflexão. Os feiticeiros afirmam que a única coisa que existe para nós seres humanos é Eu, Eu, e somente EU. Sob tais condições o único possível é o que se refere a MIM.. E por definição qualquer coisa que me diga respeito, o ‘Eu ‘pessoal , só pode conduzir à raiva e ao ressentimento.

P: A presença física de um mestre talvez não seja indispensável mas, em qualquer caso, é de grande ajuda. Vocês receberam instruções diretas de don Juan e de seus colegas para guia-las na feitiçaria. Vocês pensam realmente que esse mundo é acessível a maioria das pessoas, mesmo quando elas não têm um mestre particular?

R: De certo modo, a insistência em ter um mestre é uma aberração. A idéia do velho nagual era a de que ele nos estava ajudando a romper a dominação do Eu. Com suas piadas e seu aterrorizante senso de humor ele conseguiu nos fazer rir de nos mesmas. Neste sentido acreditamos piamente que a mudança é possível para todos, uma mudança similar à nossa, por exemplo, através da prática de Tensegridade, sem a necessidade de um mestre particular e pessoal.
O velho nagual não estava interessado em transmitir seu conhecimento. Ele nunca foi um mestre ou guru, e não poderia ter se importado menos em ser um. Estava interessado em perpetuar sua linhagem. Se ele nos guiou pessoalmente, foi para inculcar em nós todas as premissas da feitiçaria que nos permitiria continuar sua linhagem. Ele esperava que, algum dia, chegaria a nossa vez de fazer o mesmo.
Circunstâncias fora de nosso alcance, ou do dele, conspiraram contra a continuidade de sua linhagem. Em vista do fato de que não podemos arcar com a função tradicional de dar continuidade a uma linhagem de feitiçaria, desejamos tornar esse conhecimento acessível. Uma vez que os praticantes de Tensegridade não são convocados a perpetuar qualquer linhagem do gênero, os praticantes tem a possibilidade de realizar o que realizamos, mas numa trilha diferente.

P: A possibilidade de uma forma alternativa de morte é um dos pontos mais polêmicos dos ensinamentos de don Juan Matus. De acordo com o que vocês falaram, ele e seu grupo atingiram essa forma alternativa de morte. Qual é sua interpretação do desaparecimento deles, quando se transformaram em consciência?

R: Isto pode parecer uma pergunta simples, mas é muito difícil responder. Somos praticantes dos ensinamentos do velho nagual. Nos parece que, através de sua pergunta, você esta pedindo uma justificativa psicológica, uma explicação equivalente à explicação da ciência moderna.
Infelizmente não podemos dar uma explicação fora do que somos. O velho nagual e suas companheiras tiveram uma morte alternativa, que é possível para qualquer um, desde que se tenha a disciplina necessária.
Tudo que podemos dizer é que o velho nagual e seu grupo levaram suas vidas profissionalmente, o que significa que eram responsáveis por todos os seus atos, ate mesmo os mais pequenos, por que eram extremamente conscientes de tudo que faziam. Sob tais condições, morrer uma morte alternativa não é uma possibilidade tão distante.

P: Vocês estão prontas para encarar o salto final? O que esperam desse universo, o qual vocês entendem como impessoal, frio e predatório?

R: O que esperamos é uma luta infindável e a possibilidade de testemunhar o infinito, seja por um segundo ou por cinco bilhões de anos.

P: Alguns leitores de Castaneda criticaram-no pela ausência de uma maior presença espiritual em seus livros, por nunca ter usado palavras como "amor". O mundo de um guerreiro realmente é assim frio? Vocês sentem emoções humanas? Ou dão um significado diferente a elas?

R: Sim, nós lhe damos um significado diferente, e não usamos palavras como "amor" ou "espiritualidade" porque o velho nagual nos convenceu de que são conceitos vazios. Não o amor ou a espiritualidade por si próprios, mas o uso dessas palavras. Eis sua linha de argumentação.: se realmente nos consideramos seres imortais que podemos dar-nos ao luxo de viver entre contradições enormes e um egoísmo infindável, se tudo que conta para nós é a satisfação imediata, como poderíamos fazer do amor ou da espiritualidade algo autêntico? O velho nagual nos disse que a cada vez que somos confrontados com tais contradições nós a resolvemos dizendo que , como seres humanos, somos fracos.
Segundo ele, como regra geral, nós, humanos, nunca fomos ensinados a amar. Fomos ensinados apenas a sentir emoções gratificantes, pertinentes apenas ao Eu pessoal. O infinito é sublime e sem piedade, ele disse , e não há lugar para conceitos falaciosos, não importa quão agradáveis eles nos possam parecer.

P: Parece que a chave para expandirmos nossas capacidades de percepção reside na quantidade de energia que temos à nossa disposição, e que a condição energética do homem moderno é muito pobre. Qual seria a premissa essencial para armazenar energia? Isso é possível para alguém que tem que cuidar de uma família, trabalhar todo o dia e participar plenamente de uma vida social? E sobre o celibato como meio de economizar energia, um dos pontos mais controversos da seus livros?

R: O velho nagual nos disse que o celibato é recomendado para a maioria de nós. Não por razões morais, mas porque não temos energia suficiente. Ele nos fez ver como a maioria de nós foi concebido no meio de um relação marital monótona. Como um feiticeiro pragmático, ele afirmava que a concepção é algo de suprema importância. Ele dizia que se a mãe não foi capaz de ter um orgasmo durante o momento da concepção, o resultado era o que chamava de "transa chata". Não há energia nessas condições. O velho nagual recomendava o celibato para os que foram concebidos sob tais circunstâncias.
Uma outra coisa que ele recomendava como meio de estocar energia era a dissolução dos padrões de comportamento que levam ao caos, tais como a incessante preocupação com o namoro romântico, a defesa do self na vida cotidiana, as rotinas em excesso e sobretudo a tremenda insistência nas preocupações do self.
Se essas sugestões são implementadas, qualquer um de nós pode ter a energia necessária para usar o tempo , o espaço e a convivência social de maneira mais inteligente.

P: Os passes mágicos da Tensegridade , aos quais vocês atribuem grande importância, são sua contribuição mais recente para os interessados no mundo de don Juan. O que a Tensegridade pode trazer aos seus praticantes? Ela pode ser relacionada a outras modalidade físicas ou tem suas características próprias?

R: O que a Tensegridade traz àqueles que a praticam é energia. A diferença entre Tensegridade e os outros sistemas de exercícios físicos é que o intento da Tensegridade é algo ditado pelos xamãs do antigo México. O intento é a liberação do ser que esta caminhando para a morte.

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