sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Umbanda é caridade


Na sessão espírita do dia 15 de novembro de 1908, presidida por José de Souza, na sede da Federação Espírita de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, uma série de fatos estranhos aconteceram: espíritos, que se diziam de escravos negros, índios e crianças incorporaram nos médiuns da casa, de forma que rompia com as práticas kardecistas: pedindo balas, fumo e bebidas. Esses espíritos foram, então, convidados a se retirarem do recinto pelo presidente dos trabalhos, advertidos do seu estado de atraso espiritual.

Foi então que o jovem Zélio Fernandino de Moraes, de apenas 17 anos, que pela primeira vez freqüentava um trabalho do gênero, foi dominado por uma força estranha, que fez com que ele falasse sem saber o que dizia. Era a voz do Caboclo Sete Encruzilhadas, que, em alto e bom tom, refutou a tese defendida pelo dirigente de que os mortos fossem atrasados espiritualmente devido à sua etnia ou à classe social a que pertenciam quando vivos.

Dia 17, na Rua Floriano Peixoto, número 30, em Neves, Zélio abriu o primeiro centro de Umbanda do Brasil: a casa Nossa Senhora da Piedade. Às 20 horas, como havia prometido em sua primeira aparição, o Caboclo Sete Encruzilhadas se manifestou em Zélio e declarou que se iniciava naquele momento, um novo culto em que os espíritos dos velhos africanos - que não encontravam campo de ação nem no kardecismo nem no Candomblé - e os índios nativos de nossa terra poderiam trabalhar em benefício dos seus irmãos encarnados, qualquer fosse a cor, a raça, o credo e a condição social.


Estava fundada a Umbanda!

O QUE É UMBANDA?

A Umbanda é um culto religioso-filosófico desenvolvido basicamente no Brasil, mesclando a mitologia africana do candomblé e algumas de suas práticas, mitos dos índios brasileiros e conceitos cristãos - tanto de influência católica como espírita kardecista. A Umbanda cultua os Orixás, mas com um status diferente do dado pelo Candomblé. Na primeira, os mediuns incorporam os 'guias', os espíritos dos mortos, que funcionam como mensageiros dos deuses, os orixás, os quais nunca entram em contato direto com os seres vivos. Já no Candomblé, a incorporação ritual é a do próprio Orixá sobre seu 'filho-de-santo', dispensando intermediação, não recomendando mesmo que qualquer vivo se deixe incorporar ou influenciar por espíritos de mortos.

Há ainda duas diferenças importantes. A primeira é que o Candomblé é bem anterior à Umbanda, pois trata-se de uma religião africana, trazida pelos escravos negros para o Brasil durante o Império e aqui cultuada com uma série de diferenças relativas às etnias e regiões em que floresceu (como detalharemos mais a frente). Já a Umbanda é genuinamente brasileira e surgiu, como vimos, no início do século XX, fruto do sincretismo do fetichismo africano dos Orixás com o Cristo e os Santos Católicos, e com várias práticas alimentares e medicinais indígenas. A outra diferença é que a Umbanda tem, em comum com o cristianismo, as noções morais de "Bem" e "Mal" e o conceito evolutivo-ético que deve nortear o comportamento social. Ou seja: ela só se presta a trabalhos que se enquadrem no conceito ocidental de 'bem', enquanto no Candomblé, fiel a uma tradição não-dicotomizada pela moral cristã, cultua deuses amorais, muitas vezes, partilhando, sem culpa, de suas principais características, fraquezas e paixões.

ENTRE A CRUZ E A ESPADA

Assim, há, na Umbanda atualmente, diversos graus de aproximação e distanciamento de dois pólos bastante antagônicos: o culto do Candomblé e o espiritismo kardecista. E, é claro, dentro desses limites extremos - a 'mesa' e a 'nação' - o movimento umbandista é extremamente cosmopolita e antropofágico: existem as umbandas esotéricas, influenciadas pelo ocultismo, pelas religiões orientais, pelo astrologia e por várias práticas espiritual contemporânea. Segundo seus adeptos, a própria palavra "Umbanda" não tem origem africana mas deriva de mantras no idioma sanscrito 'Aum Bhandan'.


Porém, de uma forma geral, podemos dizer que a Umbanda se resume em cinco credos: a crença na existência de um Deus Único, Onipotente, Eterno e Incriado; a crença em entidades espirituais em plano superior de evolução - os orixás, anjos e santos - bem como em entidades ainda em evolução - exus, crianças, caboclos e pretos-velhos - que servem de intermediários entre as entidades superiores e o mundo dos vivos; a crença na reencarnação e na lei de causa e efeito (Karma): na crença de que o Homem é a síntese a miniatura do Universo; e, principalmente, na crença na prática mediúnica, sob as mais variadas formas, como maneira de aliviar o karma de si e dos outros. Por isso, como resume a poesia dos próprios cantos do culto, "Umbanda é caridade".

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