sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Identidade no Candomblé

A iniciação ritual no Candomblé é um processo de construção de uma identidade psicológica permanente entre o participante do culto e a entidade cultuada. Ao contrário do desenvolvimento mediúnico da concepção espírita - em que o médium renuncia temporariamente a sua própria subjetividade em favor da subjetividade de um desencarnado - o transe de incorporação no Candomblé tem por objetivo principal o auto-reconhecimento recíproco entre o ‘santo’ e seu ‘filho’, o reatamento simbólico e permanente do mundo dos homens (Ayé) com o mundo dos deuses (Orum).

Este processo de identificação simbólica entre os participantes e os Orixás não existe apenas no momento privilegiado do transe ritual; a identidade entre o iniciado e seu santo corresponde a incorporação psicológica permanente das características do orixá na personalidade de seus filhos. Esta identidade instaura-se não só através da iniciação e se desenvolve lenta e gradualmente nos transes, mas também é reforçado periodicamente nas obrigações sucessivas e renovada nas festa públicas dos santos, quando toda a comunidade presente se torna testemunha e fiadora desta aliança e dela se beneficia.

Os rituais do Candomblé consistem basicamente de um conjunto de temas arquetípicos - a representação\incorporação de forças naturais personificadas em comportamentos e estórias - que se sucedem durante a cerimônia. Cada entidade se manifesta através de um transe característico, produzido por imagens, sons, cheiros, gostos, danças, ritmos, cores, trajes e adereços específicos. Invocados através de danças extáticas e de três tambores cerimoniais (rum, rumpi e lé), os deuses africanos incorporam em seus ‘filhos’, fazendo-os re-dramatizar os grandes feitos míticos e lendas: a luta dos irmãos Ogum e Xangô pelo amor de Oxum, a viagem de Oxalufã ao encontro de seu filho Xangô, as aventuras amorosas de Yansã ... As entidades são, ao mesmo tempo, fundamentos psíquicos de comportamentos humanos e forças místicas da Natureza; e são representadas nos rituais como identidades sagradas que se manifestam dentro de uma estrutura mítico-litúrgica de interpretação do mundo.

NAÇÃO 
LÍNGUA
ENTIDADES
‘TOQUES’
NAGÔ (KETO) Iorubá Os Orixás  Ajicá, Aguerê, Opanijé, Darô, Alujá e Ibi
JEJE-fON EweOs Voduns  Arramunha, Bravum e Sató
ANGOLA e CONGO Banto e Português Os Inkices Barravento, Cabula e Congo

Não se trata, portanto, de uma encenação teatral ou de uma catarse histérica: neste psicodrama mítico há uma ‘economia energética’, onde forças espirituais são manipuladas e manipulam os corpos dos participantes, em um espetáculo coreográfico que associa imagens-tema a ritmos determinados. Essas associações audiovisuais são produto e instrumento de um processo de construção de uma identidade simbólica, que vai de acordo com a tradição cultural de cada Nação do Candomblé e com a força-entidade invocada.




KETO-NAGÔ (ORIXÁ) JEJE-FON (VOODUM) ANGOLA-CONGO (INQUICE)
Olorum ou Olodumaré Mavu Lissa Zambi ou Zania pombo
OxaláOlissaLembá ou Lembarenganga
OgumGú Sumbo Mucumbe
Oxossi -Mutalambô ou Tauamim
Omulú Sapatá Burumgunço ou Cuquete
XangôSobó Cambaranguaje ou Zaze
Yansã Oiá Bamburucema ou Matamba
Oxum Aziri Tobossi Quicimbe ou Caiala
Yemanjá AbéBandalunda
OxumaréBessém e Dã Angorô
Ossaim Aguê Catende (Caipora)
Exú/IrokoLokoTempo
Nanã-Burukê Nanambiocô Querê-querê

O que se pode perceber em uma rápida comparação das três nações é que nos Voduns e nos Inquices estão não apenas as mesmas forças místicas que formam os Orixás nagôs, mas também outras forças e outros conceitos. No caso dos Jeje, existentes no Haiti, em Cuba e no estado brasileiro do Maranhão, os Voduns cultuados são em número maior que os orixás mais conhecidos habitualmente no culto Iorubá. Os Voduns podem ser divididos em homens e mulher; e, dentro destes, em moços e velhos, somando um total de quarenta entidades. Já no caso dos ritos bantos, há, devido a outra concepção acerca da ancestralidade, entidades provenientes da mitologia indígena e também a presença de diversos tipos de espíritos de mortos (caboclos, preto velhos, crianças, índias). 

Na África, as ‘nações’ eram identidades étnicas de diferentes grupos geográficos. Porém, o termo ‘nação’ no contexto do candomblé brasileiro significa um grupo cultural com tradições próprias intrínsecas de culto. Há, portanto, uma diferença acentuada entre a identidade étnica das ‘nações africanas’ e a identidade cultural das ‘nações do candomblé’ no Brasil. De uma forma geral, podemos dizer que o modelo ‘Jeje-Nagô’ é predominante no Candomblé brasileiro. Ele é o mais tradicional, o menos permeável a mudanças e influências culturais, o mais próximo do modelo africano original ainda hoje existente na Nigéria. Em oposição a esta tendência tradicionalista do modelo Jeje-Nagô, o grupo cultural dos Bantos (nações de Angola e Congo) foi o que mais se sincretizou. Os Bantos, mesmo depois de um primeiro momento de autonomia religiosa e embora conservassem o nome original de certas entidades de origem congolesas, viram seus rituais progressivamente desagregarem, para dar lugar ao sincretismo afro-ameríndio (Catimbó, Candomblé de Caboclo, a pajelança e o culto a entidades indígenas) e ao afro-espírita (Jurema, Umbanda) ou se adaptaram as regras ditadas pelos candomblés nagôs, não se distinguindo destes senão por seus cantos mesclarem o banto com o português em louvores a ‘Zambi’. 

Assim, se o Candomblé é uma manifestação da identidade cultural dos negros no Brasil, pode-se notar facilmente a existência de uma linha de desenvolvimento angolana em oposição a uma linha nagô. A primeira, incorporando a ancestralidade indígena e mestiça, é responsável por novas formas de identidade social dentro da realidade brasileira; e a segunda, ao contrário, procurando cada vez mais se africanizar, cultuando exclusivamente os orixás e mantendo as cerimônias com os espíritos dos mortos (ou antepassados) restritas aos ritos secretos da Sociedade dos Eguns Ilê Agbouça, na ilha de Itaparica (BA). 

Além dessas variações culturais das referências simbólicas segundo as nações - que, no Brasil, se diversificam em milhares de seitas e cultos multisincretizados sob a hegemonia Jeje-Nagô - há, ainda, uma variação simbólica referente a cada entidade dentro de um mesmo ritual, onde os referentes são organizados de modo a caracterizar a identidade de cada orixá. Cada ‘Santo’ tem sua cor, suas músicas, sua dança e, ao mesmo tempo, corresponde a um tipo de comportamento humano específico e a uma faixa vibratória da Natureza. Cada entidade é um feixe de referentes simbólicos. No Xireé, a ordem seqüencial de apresentação durante o ritual é quando melhor se observa como os Orixás formam as freqüências de rede do Candomblé enquanto linguagem simbólica: no início as vibrações mais densas e ctnônicas; no final, as mais desmaterializadas e distantes. Trata-se, como dissemos, de reunificar o Ayé (Mundo do preto e vermelho) ao Orum (universo luminoso do branco), passando por todo espectro de vibrações/entidade intermediárias.

O modelo Jeje-Nagô ou baiano apresenta, geralmente, dezesseis orixás principais: Exu, Ogum, Oxossi, Ossaim, Xangô, Iansã, Oxum, Obá, Nanã Burukê, Omulú, Oxumaré, Iroko, Ibeji, Logunedé, Yemanjá e Oxalá. Vejamos agora como se organizam os referentes simbólicos (alimentares e audiovisuais) dessas
dezesseis entidades no sistema divinatório do Ifá.  

Mesmo sendo um processo onde a identidade é produzida predominantemente por freqüências rítmicas e cromáticas, o Candomblé não é apenas um conjunto de referências audiovisuais, mas também, de referências degustativas, olfativas e táteis (as comidas, incensos e ervas). Na verdade, essas referências cinestésicas literalmente ‘alimentam’ as freqüências audiovisuais, através de oferendas e sacrifícios, as linguagens simbólicas necessitam ser nutridas de energia psíquica, o Axé.

Vejamos suas principais referências simbólicas.


ORIXÁ
SUA COR
SAUDAÇÃO
DOMÍNIO
ELEMENTO
Oxalá  Branco Axé Babá!A Criação O CÉU
Yemanjá  Branco e Prata Odoiá! A Maternidade O MAR
Iroko  Branco e Cinza Iroko i só! O Tempo GAMALEIRA (árvore)
Oxumaré Vermelho e AmareloArô Boboi! A Alternância dos Opostos  O ARCO-ÍRIS E A COBRA
Omulú Branco e Preto  Atotô! Sofrimento e dor  A DOENÇA
Nanã Burukê RoxoSalubá! A Morte LAMA, LODO PÂNTANOS
Ibeji Várias Cores Vivas  Bejê Orô! Os Jogos CRIANÇAS
Logunedé Amarelo e Azul Claro  Logum ou Oriki!A Caça e a Pesca  RIOS E FLORESTA
Obá  Amarelo e Vermelho  Obá Xireê! A Culinária CACHOEIRAS
Oxum  Amarelo  Ora ieiê!  Beleza ÁGUA DOCE
Iansã Marrom Avermelho Epahei! Os mortos  A TEMPESTADE
Xangô Vermelho e Branco  Kauô-Kabisselê! Raio e Trovão (Justiça)  PEDRAS E MONTES
Ossaim Azul e Vermelho  Ue-eô! Cura e Liturgia  FOLHAS
Oxossi  Verde e Azul ClaroOkê Arô! Animais da Floresta  MATAS
Ogum Azul Escuro Ogunhê! Caminhos e Guerra  FERRO
Exú Preto e Vermelho  Laroiê! Portas e Encruzilhadas  FOGO

Ao processo ritualístico pelo qual se liga um corpo material à energia de um determinado orixá, chama-se ‘assentamento’. Por redução, o termo é utilizado para designar objetos (pedras, amuletos, instrumentos ritualísticos) que representam cada orixá, depois de um ritual onde a energia mística da entidade seja concentrada nos seus corpos. O fetiche mais comum é o ‘otá’ (pedra). Ele fica mergulhado em líquidos e substâncias, guardadas em pequenos frascos (as quartinhas) vedadas com panos coloridos com símbolos bordados, dependendo do orixá. Os líquidos mais comuns são o mel, o azeite-de-dendê e a água macerada com ervas do santo. São utilizadas águas de diferentes procedências: água do mar, dos rios, da chuva, etc., Os líquidos ou ‘Abós’ são preparados ritualmente com algumas gotas de sangue animal e com cantos secretos que apenas os Babalorixás conhecem. Há casos, no entanto, como na água de Xangô, que é preparada a apartir de uma ‘pedra de raio’ (meteorito), em que o otá é que imanta o líquido da quartinha. 

Todos assentamentos são periodicamente alimentados por sacrifícios e oferendas características de cada entidade, de forma a re-energizá-lo do seu Axé específico. Tal energia é armazenada nos pontos centrais do terreiro e utilizada  para dinamizar novos objetos ritualísticos ou para a manifestação das entidades em seus filhos. Assim, por extensão, o termo ‘assentamento’ também se refere à pedra fundamental do terreiro (onde por ocasião da inauguração são enterrados diversos objetos referentes ao santo da casa) e ao processo de iniciação ritual de um filho no santo (ou Iaô), para designar o momento em que a força mística do orixá é fixada na cabeça de um participante do culto. Temos, portanto três tipos de assentamentos distintos e três esferas de realimentação energética.

 Todos candomblés tradicionais têm assentamentos da casa, aqueles pertencentes ao orixá a que o terreiro é dedicado. Estes assentamentos são enterrados por ocasião da cerimônia de inauguração do local, na pedra fundamental da casa ou sob o ‘Ixé’, um mastro central onde se asteia a bandeira com os símbolos gráficos do orixá padroeiro. Na entrada de todos terreiros, costuma existir uma Gameleira-Branca, árvore consagrada a Iroko (o Tempo), que é plantada segundo rituais prescritos e também deve ser considerada um assentamento da casa. Este orixá responde pelas mudanças climáticas e meteorológicas, é uma espécie de guardião do terreiro. Caso exista no local a presença de outras forças naturais (cachoeiras, rios, pedreiras, etc.) também podem haver assentamentos específicos para os orixás correspondentes.

De uma forma geral, estes assentamentos são alimentados Ossé anual - que é uma grande festa de limpeza do altar e de todo terreiro, quando são servidos alimentos ritualísticos especiais para todos os orixás - e nas festas públicas de cada um dos santos, conforme o calendário litúrgico tradicional.
DATA SANTO DO DIACELEBRAÇÃO
20 de janeiroSão Sebatião Festa de Omulú (BA) e Oxossi (RJ)
02 de fevereiro N. Sra. das Candeias  Festa de Yemanjá (BA)
23 de abrilSão Jorge Festa de Ogum (RJ) e Oxossi (BA)
13 de junhoSanto AntônioFesta de Ogum (BA)
24 de junhoSão João BatistaFesta de Xangô
29 de junhoS. Pedro e S. Paulo  Festa de Oxalá
26 de julhoN. Sra. de Sant’ana  Festa de Nanã Burukê
24 de agostoSão BartolomeuFesta de Oxumaré
27 de setembroCosme e Damião Festa dos Ibeji
30 de setembroSão JerônimoFesta de Xangô
02 de novembroFinados Festa de Todos os Santos
04 de dezembroSanta BárbaraFesta de Yansã
08 de dezembroVirgem da ConceiçãoFesta de Oxum



Apesar do caráter semi-matriarcal das culturas africanas, o calendário litúrgico original do candomblé era marcado pelo advento das quatro estações climáticas, com o solstício de inverno (junho) dedicado aos principais orixás masculinos (Ogum, Xangô, Oxalá) e o solstício de verão (dezembro) consagrado aos orixás femininos (Iansã, Oxum, Yemanjá). Nunca houve um único calendário para o culto dos orixás. no Brasil, a fiscalização que os feitores das fazendas onde trabalhavam os escravos africanos exerciam e a repressão em geral aos cultos do candomblé fizeram com que os negros se adaptassem, da maneira que puderam, suas festas às cerimônias católicas.  

 Existem ainda no âmbito do terreiro: a tronqueira, o assentamento do Exú protetor da casa, e o Ilê-Saim, a casa dos mortos (eguns) que ainda estão identificados à vida material. Esses assentamentos, que ficam sempre fora da área do terreiro consagrada aos orixás, não são alimentados anualmente, mas sim conforme o ciclo lunar de 28 dias e o ciclo diário das marés. No candomblé, o Exú é a entidade que apresenta a freqüência mais densa do espectro (vermelho e preto), a única capaz de estabelecer uma ligação entre os homens e os orixás. Por isso, ele é requisitado para iniciar todas operações rituais do culto. Cada orixá tem seus próprios exús, que funcionam como servos ou mensageiros, possibilitando o contato com as entidades. Portanto, antes de qualquer oferenda para os santos, também é sempre feito um sacrifício aos exús correspondentes. O objetivo deste sacrifícios é manter atuantes os axés dos assentamentos, as forças místicas dos orixás. O sangue, juntamente com o álcool e a sexualidade, são veículos materiais que emitem as vibrações indispensáveis aos exús e aos desencarnados em geral atuarem no plano material e também, no
sentido inverso, aos homens penetrarem em outros estados de percepção e consciência.


 O assentamento de um orixá em  um ser humano é realizada através de um processo cerimonial chamado de ‘iniciação’. Estes processos são alimentados por obrigações, oferendas individuais de cada iniciado aos seus orixás tutelares ou a uma entidade com a qual esteja momentaneamente desarmonizado. Além das cerimônias anuais do calendário litúrgico, existe um dia da semana consagrado a cada orixá, que pode ser usado para a entrega de obrigações individuais, feitas de comidas ofertadas e da realização de sacrifícios animais.

 As restrições alimentares também condicionam simbolicamente esta identidade permanente entre os homens e os deuses: as proibições consistem em não consumir as substâncias que vibram na mesma freqüência do santo a que se está identificado. Apenas no processo de iniciação estas substâncias são ritualmente ingeridas. Após este período, as comidas características de cada orixá são interditadas a seus filhos. Caso o indivíduo não obedeça a estas restrições alimentares a que se encontra submetido e realize uma ‘auto-antropofagia simbólica’, ele sofrerá as quizilas (sensação de nojo, mal-estar). Pelo mesmo motivo, a manutenção da identidade psíquica entre o Orixá e o iniciado, eram considerados incestuosos os casamentos entre os filhos de um mesmo santo. Na África, visto que os candomblés eram verdadeiras identidades étnicas e haverem laços reais de parentesco entre os grupos que cultuavam uma mesma entidade, esta proibição tinha um sentido genético, além de cultural e intersubjetivo.

 Mas não se deve pensar que os homens são prisioneiros de um comportamento estereotipado, meros instrumentos passivos dos deuses: “o santo também é possuído por seus filhos”, que têm um papel ativo, tecendo relações complexas entre os orixás e a comunidade, multiplicando as relações entre as próprias entidades. O discurso dos iniciados traduz esta reciprocidade claramente. Do mesmo modo que se fala do ‘seu’ santo, costuma-se comentar também que ‘se é o próprio santo’: “o Xangô de fulano é rebelde”; e inversamente: “Beltrano é um dos Ogum da casa”. Ou seja: ao mesmo tempo que os deuses são designados como propriedades dos seus filhos, os iniciados também são propriedades dos orixás com que estão identificados. Ocorre, assim, um jogo constante de trocas entre o indivíduo concreto e o princípio abstrato que ele manifesta. Há, portanto, uma reciprocidade simbólica muito dinâmica entre a entidade e a pessoa.

E é esta reciprocidade que se desenvolve simultaneamente em três níveis - o ciclo anual de ‘firmeza’ da casa, o ciclo mensal de realimentação energética dos fetiches e dos abôs, e o ciclo semanal das obrigações individuais decorrentes da iniciação. E este último ciclo, no entanto, acabou simplificando todo sistema múltiplo e selvagem do Ifá em um sistema de sete vibrações principais. 

Hoje as comidas e plantas não são mais classificadas segundo seus lugares no espaço/tempo mítico, mas sim em relação as faixas vibratórias de um corpo universalizado. A passagem do sistema múltiplo, selvagem e territorial dos Orixás no Candomblé para as sete linhas da Umbanda segue um caminho de enquadramento e síntese das freqüências no modelo de correspondência do Ocidente, como no caso dos sete dias da semana, em detrimento das datas locais e da  territorialidade. 
DIA DA SEMANA 
ORIXÁ 
SACRIFÍCIO
OFERENDAS
Segunda-Feira

Exú




Omulú




 Nanã
Frangos pretos, galinhas d’angola e bodes pretos




Bode, porco e galo




Cabra e galinha
Farofa de Dendê, mel e cachaça




Aberém (bolo de milho ou arroz, Doburú (pipoca sem sal) e Latipa (folhas de mostarda cozidas)




Anderê (vatapá de feijão fradinho) e também as comidas de Omulú, Iroko e Oxumaré
Terça-Feira
Ogum




Oxumaré




Iroko
Galo




Bode, galo ou galinha




Galo ou carneiro
Inhame assado, acarajé e feijoada com cerveja




Feijão com milho, Gururu, camarão com azeite e cebola




 Ajabó (quiabos picados com mel e milho branco com feijão
Quarta-Feira
Xangô




Iansã
Galo ou carneiro




Cabra e galinha
Amalá (caruru de quiabos), acarajé comprido e farofa de mandioca com feijão e arroz




Acarajé e Amalá com 14 quiabos



Quinta-Feira
Oxossi




Ossaim




Logunedé 
Bode, porco e galo




Bode e galo




Odá (bode castrado)
Feijão preto torrado, axoxó e inhame




Fumo, mel e farofa




Omolocum (pasta de feijão, camarão, ovos, cebola com dendê. Pratos de Oxum e Oxossi
Sexta-Feira
Oxalá
Cabra, pombos, galinhas
brancas 
Açaça de arroz com mel, ebó de
milho branco



Sábado
Yemanjá




Oxum
Patas, cabras e galinhas brancas




Cabra, galinhas e patas 
Ebó de milho branco, arroz, mel e angú




Omolocum, xinxins de galinhas, Adum e Ipeté.
Domingo
Ibeji 
Frangos de leite 
Carurú, vapatá, doces e balas


Assim toda estrutura litúrgica do culto aos orixás no candomblé pode ser resumida como o processo de, ritualisticamente, acumular, e em seguida transmitir, axé para os Iaôs em três níveis: o ciclo anual de ‘firmeza’ da casa, o ciclo mensal de realimentação energética dos fetiches e dos ebôs, e o ciclo diário das obrigações individuais decorrentes da iniciação.
No centro de todas essas relações que compõem a ‘economia energética’ do candomblé está Ifá, o Orixá do Destino. O jogo oracular mais comum é constituído por l6 búzios (pequenas conchas). O pai-no-santo agita os búzios nas mãos e lança-os dentro de um círculo, formado por colares de diversos orixás. O búzio pode cair ‘aberto’ ou ‘fechado’, ou seja, com sua face onde há uma fenda ou com o lado liso. Cada uma dessas ‘caídas’ é uma manifestação de um orixá e tem um significado próprio, já que, conforme a ordenação resultante, pode-se determinar qual deles está respondendo.
 Todos os aspectos da vida são suscetíveis de codificação por cada um dos orixás que se manifestam no jogo. Os deuses se tornam assim o princípio de classificação dos acontecimentos: cada um governa um acontecimento-tipo. Além da ordenação dos búzios (abertos e fechados), que determina a entidade que preside cada resposta, a configuração - ou o modo particular como os búzios se distribuíram no espaço geometricamente - também é fundamental para a leitura, pois corresponde à ‘organização energética’ do inconsciente do indivíduo frente a uma força matriz. O conjunto dos dois fatores, ordenação e configuração, chama-se odú ou sina. O Sistema de Ifá embora bastante contestada por pesquisadores posteriores, a relação recolhida e apresentada por Roger Bastide e Pierre Verger, hoje é utilizada e até citada por alguns cartomantes como sendo a tradicional. 

ENTIDADE BÚZIOS ENTIDADE BÚZIOS
Exú 01 abertos e 15 fechadosObá 15 abertos e 01 fechados
Ibeji 02 abertos e 14 fechadosOxumaré 14 abertos e 02 fechados
Ogum 03 abertos e 13 fechados Omulú 13 abertos e 03 fechados
Xangô 04 abertos e 12 fechadosOssaim 12 abertos e 04 fechados
Yemanjá  05 abertos e 11 fechados   Logunedé 11 abertos e 05 fechados
Yansã 06 abertos e 10 fechados Oxum 10 abertos e 06 fechados
Oxossi 07 abertos e 09 fechados Nanã 09 abertos e 07 fechados
Oxalá 08 abertos e 08 fechadosLance nulo 16 abertos ou fechados



Dessa forma, a ordenação aberto-fechado determina que orixá está falando e a configuração espacial dos búzios indica o que ele está dizendo. Através de sucessivas jogadas, chega-se , então, a uma espécie de inventário do que está acontecendo à pessoa, não apenas em relação aos seus orixás tutelares, ‘os donos de sua cabeça’, mas também como outras entidades estão influindo positiva ou negativamente em sua vida, quais são as suas tendências recorrentes e as possibilidades diante do destino. Geralmente são propostos trabalhos e obrigações para o re-equilíbrio energético.

 As respostas são decifradas através de lendas e das estórias dos deuses - que são transmitidas de geração em geração através da tradição oral. Por isso, ‘jogar búzios’ requer não somente bastante intuição para interpretar as diferentes configurações formadas pelas forças-matrizes, mas também um conhecimento oral do conjunto da tradição mítica dos orixás e do seu universo simbólico. O sacerdote de Ifá era, originariamente, chamado de Babalaô.  Eles eram os historiadores orais da cultura africana. Sua iniciação era muito mais complexas que as outras, pois não envolvia a identificação com um único arquétipo e o desenvolvimento de suas características na personalidade do iniciando, mas sim o aprendizado de séculos de conhecimento armazenado pelo culto. Hoje os zeladores de santo em geral manejam o oráculo.

Aliás, duas perspectivas contemporâneas hoje se desenvolvem: o resgate do patrimônio simbólico do candomblé e a reinvenção das tradições pela Umbanda. O resgate do simbolismo tradicional do candomblé, ganhou grande impulso nos anos 90, com trabalhos de pesquisa e reconstituição tanto de histórias e lendas míticas, mas principalmente do próprio sistema do Ifá. E é como vimos: no Xireé, a ordem seqüencial de apresentação durante o ritual, é quando melhor se observa como os Orixás formam as freqüências de rede do Candomblé enquanto linguagem simbólica: cada entidade é um feixe de referentes simbólicos, cada orixá tem sua cor, suas músicas, sua dança e, ao mesmo tempo, corresponde a um tipo de comportamento humano específico e a uma faixa vibratória da Natureza. 

A Umbanda, por sua vez, adota a escala musical séptupla e o espectro cromático da luz no arco-íris: as sete linha da umbanda, onde cabem, em diferentes patamares, todos os orixás, mensageiros, energias. Há uma virtualização das identidades simbólicas-genéticas em identidades simbólicas- culturais. É o sistema de classificação das referências alimentares e audiovisuais dos orixás (o Ifá) transformado em sistema de classificação de referências psicológicas da personalidade. O Axé foi personalizado e os orixás tornaram-se progressivamente 'máscaras', tipos de pessoas e/ou aspectos psicológicos da personalidade, não apenas dos vivos mas também dos mortos.

Mas há diferentes níveis de aplicação desses critérios. Em alguns centros que tanto trabalham com Umbanda quanto com Candomblé ('Nação'), costuma-se dizer que "Orixá não incorpora, irradia". Porém, ao se tratar do Orixá Ibeji e das 'crianças' da Umbanda a diferença é apenas conceitual. Aliás, muitas o 'estado de erê' é mais um estágio do transe do que uma freqüência específica. O mesmo também pode ser dito sobre os pretos-velhos e os orixás mais idosos Nanã, Oxaguiã, Omulú. Essas experiências de transe nos remetem mais aos arquétipos juguianos da 'criança interior' e do 'velho sábio' (elementos de dramatização dos diferentes momentos da vida) do que propriamente de diferentes combinações dos aspectos psicológicos da personalidade. Há também várias interpretações e analogias possíveis entre a linguagem astrológica e do Ifá, como a que compara o orixá de cabeça com o signo solar e adjunto como ascendente, ou aspecto secundário da personalidade. Outros preferem ler os orixás como planetas e os aspectos como relacionamentos míticos entre eles. 



OS ORIXÁS E OS SETE PLANETAS
OXALÁ
SOL
ESPIRITUALIDADE
YEMANJÁ
LUA
SENSIBILIDADE
OMULÚ
SATURNO
SEVERIDADE/LIMITES
XANGÔ
JÚPITER
GENEROSIDADE
OGUM
MARTE
AGRESSIVIDADE
OXUM
VÊNUS
SEXUALIDADE
EXU
MERCÚRIO
COMUNICAÇÃO/TRANSPORTE

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